Egídio Rocci no MAC

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Egí­dio Rocci, Caçapava-SP, 1960
Sem Tí­tulo, Escultura, 2005

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Egí­dio Rocci, Caçapava-SP, 1960
Sem Tí­tulo, Escultura, 2005

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Egí­dio Rocci, Caçapava-SP, 1960
Sem Tí­tulo, Escultura, 2005

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Museu de Arte Contemporânea do Paraná

Rua Desembargador Westphalen, 16
Centro, Curitiba-PR
www.pr.gov.br/mac

Fotos: Mathieu Bertrand Struck

Monolito Puros Dados

Baseado na perspectivas de recombinação de imagens, audio e textos previstas nos projetos da Orquestra Organismo (e coletivos em comum) , principalmente com a convergência de 2 projetos este ano:

“Cozinhando Puros Dados” ( http://hackeandocatatau.arquiviagem.net/?p=1297 )
e “Mimosa” ( http://turbulence.org/Works/mimoSa/ )

Estou fazendo uma convocação geral para coleta de um acervo “bruto” para recombinação chamado

“Monolito Puros Dados”

a ideia é simples e fácil de executar ->

Todos que estão lidando com produção cultural no computador nos últimos anos, certamente ja acumularam pilhas de backups de material que nem sabem quando e como e pra que vão servir, ou mesmo obras acabadas que foram pra gaveta sem encontrar um ” contexto” onde se inserir… Que tal botar tudo isso num liquidificador, o mais rápido possí­vel?

Junte todos os backups que você tem nos últimos anos e separe arquivos seus e de grupos que você colabora para serem recombinados ( importante* não faz diferença se você julga o arquivo um ” obra terminada” o importante é que vamos usar esta textura na recombinação e ela finalmente terá um destino).

Seu grande e definitivo esforço será o seguinte: Ao invés de gastar dias fazendo upload disso, pedimos que o mais rápido possí­vel você compile DVDs ou CDs com este material e mande para o nosso endereço. Porque? Justamente porque não precisamos ( e não queremos) que você fique selecionando o material, TUDO que você tem interessa para a recombinação, a ideia é criar um HD aberto em nosso servidor, onde é possivel buscar arquivos por tipo ( imagem, video, audio, texto, partituras * ) e por autor ou grupo colaborador e além disso uma interface automatizada que irá gerar impensadas combinações. Assim que o primeiro HD estiver cheio, vamos deixá-lo online num sistema onde voce poderá interagir com outros materias e colocar “tags” neles facilitando a segunda parte do projeto onde implementaremos uma busca mais refinada.

Envie seus CDs e DVDs para:
Orquestra Organismo ( a/c Glerm Soares )
Rua São Leopoldo, 194 – Seminário
CEP 80310-580 Curitiba-PR

* todos seus dados ficarão disponiveis sobre licença Creative Commons de Atribuição ao Autor, Compartilhamento, Sem uso Comercial.
Detalhes sobre a licença em: http://creativecommons.org/licenses/by-nc-sa/2.5/

::favor espalhar esta mensagem…

procura-se – wanted – аÃкÃ?â? ÃÂ¸ÃÂ¾ÃÂ½ – auction – enchÃ?¨res – leilão – subasta – mastak – gebot – ?o de Leil – veiling – dali – monet – picasso – matisse – chácara do céu – carnaval – santa tereza – rio de janeiro – e-bay – martelo – bazaar – butler – mordomo – lance – dou-lhe uma – dou-lhe duas – vendido

I Leilão de Artes Organismo, 04/03/06

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Salvador Dalí­
Homme d’une complexion malsaine, écontant le bruit de la mar
1929, Âleo s/ Madeira, 23,5 x 34,5 cm
Lance Inicial: 1.000 (hum mil) dracmas

Winner’s curse
From Wikipedia, the free encyclopedia

The Winner’s curse is a phenomenon akin to a Pyrrhic victory that occurs in common value auctions with incomplete information. In such an auction, the goods being sold have a similar value for all bidders, but players are uncertain of this value when they bid. Each player independently estimates the value of the good before bidding.

The winner of an auction is, of course, the bidder who submits the highest bid. When each bidder is estimating the good’s value and bidding accordingly, that will probably be the bidder whose estimate was largest. If we assume that on average the bidders are estimating accurately, then the person whose bid is highest has almost certainly overestimated the good’s value. Thus, a bidder who wins after bidding what they thought the good was worth has almost certainly overpaid.

More formally, this result is obtained using conditional probability. We are interested in a bidder’s expected value from the auction (the expected value of the good, less the expected price) conditioned on the assumption that the bidder won the auction. It turns out that for a bidder bidding their true estimate, this expected value is negative, meaning that on average the winning bidder is overpaying.

Savvy bidders will avoid the winner’s curse by bid shading, or placing a bid that is below what they believe the good is worth. This may make it less likely that the bidder will win the auction, but it also protects them from overpaying in the cases where they do win. A savvy bidder knows that they don’t want to win if it means they will pay more than a good is worth. To minimize bid shading, many auctions such as eBay have the bidder pay the price of the highest losing bid. (Note, however, that this lessens but does not necessarily eliminate the winner’s curse, because the highest losing bid may still be above the good’s value.)

The severity of the winner’s curse gets stronger as the number of bidders increases. This is because the more bidders there are, the more likely it is that some of them have greatly overestimated the good’s value. In technical terms, the winner’s expected estimate is the value of the first order statistic, which increases as the number of bidders increases.

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Claude Monet
Marine França
1880-1890, Âleo s/ Tela, 65 x 91 cm
Lance Inicial Organismo: 1 (um) talento de prata

A Terceira Margem do Rio, João Guimarães Rosa

Nosso pai era homem cumpridor, ordeiro, positivo; e sido assim desde mocinho e menino, pelo que testemunharam as diversas sensatas pessoas, quando indaguei a informação. Do que eu mesmo me alembro, ele não figurava mais estúrdio nem mais triste do que os outros, conhecidos nossos. Só quieto. Nossa mãe era quem regia, e que ralhava no diário com a gente ââ?¬â? minha irmã, meu irmão e eu. Mas se deu que, certo dia, nosso pai mandou fazer para si uma canoa.

Era a sério. Encomendou a canoa especial, de pau de vinhático, pequena, mal com a tabuinha da popa, como para caber justo o remador. Mas teve de ser toda fabricada, escolhida forte e arqueada em rijo, própria para dever durar na água por uns vinte ou trinta anos. Nossa mãe jurou muito contra a idéia. Seria que, ele, que nessas artes não vadiava, se ia propor agora para pescarias e caçadas? Nosso pai nada não dizia. Nossa casa, no tempo, ainda era mais próxima do rio, obra de nem quarto de légua: o rio por aí­ se estendendo grande, fundo, calado que sempre. Largo, de não se poder ver a forma da outra beira. E esquecer não posso, do dia em que a canoa ficou pronta.

Sem alegria nem cuidado, nosso pai encalcou o chapéu e decidiu um adeus para a gente. Nem falou outras palavras, não pegou matula e trouxa, não fez a alguma recomendação. Nossa mãe, a gente achou que ela ia esbravejar, mas persistiu somente alva de pálida, mascou o beiço e bramou: ââ?¬â? “Cê vai, ocê fique, você nunca volte!” Nosso pai suspendeu a resposta. Espiou manso para mim, me acenando de vir também, por uns passos. Temi a ira de nossa mãe, mas obedeci, de vez de jeito. O rumo daquilo me animava, chega que um propósito perguntei: ââ?¬â? “Pai, o senhor me leva junto, nessa sua canoa?” Ele só retornou o olhar em mim, e me botou a bênção, com gesto me mandando para trás. Fiz que vim, mas ainda virei, na grota do mato, para saber. Nosso pai entrou na canoa e desamarrou, pelo remar. E a canoa saiu se indo ââ?¬â? a sombra dela por igual, feito um jacaré, comprida longa.

Nosso pai não voltou. Ele não tinha ido a nenhuma parte. Só executava a invenção de se permanecer naqueles espaços do rio, de meio a meio, sempre dentro da canoa, para dela não saltar, nunca mais. A estranheza dessa verdade deu para. estarrecer de todo a gente. Aquilo que não havia, acontecia.

(continue a ler aqui “A terceira margem do rio”, de João Guimarães Rosa)

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Henri Matisse
Le Jardin de Luxembourg França
1903
Âleo s/ Tela
Lance Inicial Organismo: 5.000 (cinco mil) sestércios

Determinacy from elementary considerations

Familiar real-world games of perfect information, such as chess or tic-tac-toe, are always finished in a finite number of moves. (It is an instructive exercise to figure out how to represent such games as games in the context of this article.)

If such a game is modified to assign a draw to a particular player (for example, if we say that Black wins draws at chess), such games are always determined. The condition that the game is always over in a finite number of moves (“over” in the sense that all possible extensions of the finite position result in a win for the same player) corresponds to the topological condition that the set A giving the winning condition for GA is clopen in the topology of Baire space.

The proof that such games are determined is rather simple: Player I simply plays not to lose; that is, he plays to make sure that player II does not have a winning strategy after I’s move. If player I cannot do this, then it means player II had a winning strategy from the beginning. On the other hand, if player I can play in this way, then he must win, because the game will be over after some finite number of moves, and he can’t have lost at that point.

This proof does not actually require that the game always be over in a finite number of moves, only that it be over in a finite number of moves whenever II wins. That condition, topologically, is that the set A is closed. This fact–that all closed games are determined–is called the Gale-Stewart theorem. Note that by symmetry, all open games are determined as well. (A game is open if I can win only by winning in a finite number of moves.)

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Pablo Picasso
La Dance
1956, Âleo s/ Tela, 100 x 81 cm
Lance Inicial: 50.000 (cinqüenta mil) pedras de mó da Melanésia, com furo ou sem furo (sortida).

Axiom of choice

In mathematics, the axiom of choice, or AC, is an axiom of set theory. It was formulated in 1904 by Ernst Zermelo. While it was originally controversial, it is now used without embarrassment by most mathematicians. However, there are still schools of mathematical thought, primarily within set theory, that either reject the axiom of choice, or even investigate consequences of axioms inconsistent with AC.

Intuitively speaking, AC says that given a collection of bins, each containing at least one object, then exactly one object from each bin can be picked and gathered in another bin – even if there are infinitely many bins, and there is no “rule” for which object to pick from each.

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Druga obala.
Misli lako prelaze
ostatke mosta.

The other bank.
thoughts easily cross
the remains of the bridge.

L’ autre rive.
Les pensées facilement
franchissent les ruines du pont.

Das andere Ufer.
Gedanke überschreiten leicht
die Reste der Brücke.

Milan Pokrajac

Surface Tension _ Curitiba / Robert Amorim – cozinhando puros dados – 17-02-2006 / Desmonte

Ação temática sobre propriedade (autoria – espaço privativo – domicí­lio) infra-estrutura elétrica, localidade (especificidades do lugar e história da casa), queima (expendidure) reciclagem e meta-reciclagem

Robert Amorim e keila Kern

Cooking Pure Data: Blenders and Electric-Appliances for Collective Modelling

Working with the formation of a group open to any kind of participation, mediated only by the intersection of social and aesthetic searches, whose actions develop according to the convergence of collective networks (mainly by Internet), the “Orquestra Organismo” group has a way of production where the process of “molding speeches” is taken from the beginning as the real “object” to be generated. Group work is the “product of actions modulating through time” where the intentions of interacting individuals (as well as their function as catalysts of relational dynamics) are the object “on scene”, operating as a live search for equilibrium between group performance and individual being (beyond any artistic or social analysis). Pieces are interactively built and sculpted through processes that foster a mutation of meanings produced through actions that seek to function as part of a space molded by institutionalizations like “music”, “theater”, “film”, “galleries”, “bar”, “home” or “streets”; while always reinforcing the lucid situation that stimulated human relationships than all those generated as “objects” or “signs”.

The purpose of “Cooking Pure Data” should be seen as a continuation of Orquestra Organismo and their most recent performances – “Desafiatlux” and “A justa Razao aqui Delira” – and has its genesis in the actions of “Surface Tension_Curitiba”. These ideas stem from recognizing that we live in an age of overloaded information and possibilities of connection over networks formed by shared speech that is beyond territorial and linguistics borders. On the other hand, the Cartesian and systematic organization of this DATA tends to be dissolved into the space where it takes form by institutionalized functions (from arts to engineering; from activism to social theory). Nevertheless, those flowing identities are touched by subjectivity before they lose strength – through this process of intervening within such functions and spaces they will produce contradictions even while acquiring an “institutional” meaning. Our effort is for all “DATA-processed-speeches” to be perceived as a chaotic dance of entities, sculpted into symbolic rituals, “cruelty theaters” and aesthetics of direct action, leading forms of practice and ethics to an immediate perception of human dimension. This is the ambition of making projects.

In “Cooking Pure Data” we work in the kitchen of the exhibition space, which will be connected to other participants through Internet anywhere in the planet. The kitchen functions to incubate the anthropological concept of the “Raw and Cooked” worked out by Lí¨vi-Strauss: the creation of ritual processes that marks the dialogic way in which “raw” DATA that at first is without “function” becomes able to assume (at the end of the meeting) various meanings, as long it helps to converge the intention of multiple “cooks”. The kitchen should be emphasized as a space where we always get together in rituals of “feeding” (and all our processes are about “feedback”). Using this meaning, we aim to build a metaphor of the kitchen as a space of alchemy where dialetics boils the collectivist intentions and the “starvation” (or gluttony) is the anxiety that brings us back to the human dimension.

Plans for staging events:

1. The installation should be built in the kitchen of the exhibition place, with drafts, drawings, annotations, personal audio/video recordings, mainly objects brought from “home”, included as participants, the organizers and visitors who wish to interact. This has to be done without turning the kitchen into a “gallery”, the focus rather is to collect material so as to generate “DATA cooking”. This procedure may transform the kitchen into a common space for the participants, for informal meetings that will facilitate bringing them to a “temporary autonomous zone” inside the space where data are “boiled”.

2. Simultaneously to the place of exhibition, we intend to articulate similar structures in various cities of Brazil: Curitiba, Belo Horizonte, Sao Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Campinas, Belem, Porto Alegre, Recife, Brasilia and Florianopolis, and possibly cities in other countries. This action will be scheduled over Internet, being sensitive to its process of articulation as an important part of the “data recipe” scope.

3. Deconstructing the perception of “home”, we will make music with electric appliances such as blenders, vacuum cleaners, fans, multiprocessors and others that should be painted as a canvas and covered with diagrams, annotations, poetry and impressions about the actions. The appliances should be traded between places to reside in different kitchens. These appliances will be controlled by participants remotely through a website.

4. Cooking “Rituals” will be scheduled at the same time, where participants prepare food as the action is recorded on video, sound media, drawings, and streamed through Internet, interacting with people doing whatever they want in the space, recombining feedbacks of data from other kitchens at the same time. This “feed-back” and mirroring of data will cause the sensation of simultaneous presence and the kitchens will become a place passing through geographic borders taking the repertoires as a common database for reality constructions. This will influence direct action and relationships through the network. The processes caused by the “kitchen” should also be registered and reprocessed in new rituals and future ideas.

5. Season as you like and put it in the stove.

6. We stimulate the rhythmic use of the kitchen, spoken words, musicalization of cooking acts. We ask for the use of different languages and accents as you cook this data. After the dinner, one should digest the data and expend the consequent energy through direct actions in the streets.



Carnaval e coroas para reis momo

“De que tu te ocupas exatamente? Eu não sei bem.
ââ?¬â? Da reificação, responde Gilles.
ââ?¬â? É um estudo pesado, acrescentei.
� Sim, diz ele.
ââ?¬â? Estou vendo, observa Carole admirada. É um trabalho muito sério, com livros grossos e muitos papéis sobre uma mesa grande.
ââ?¬â? Não, diz Gilles, eu passeio. Principalmente eu passeio.”
MICHÃ?Ë?LE BERNSTEIN, Tous les chevaux du roi.

ENTRE MARXISMO E SURREALISMO
Peter Wollen

Em duas fases desenvolveu-se o marxismo ocidental. A primeira seguiu-se í  1ê Guerra Mundial e í  revolução bolchevique. Em 1923, Lukács publicou sua coletânea de ensaios “História e Consciência de Classes” e Karl Korsch, o livro “Marxismo e Filosofia”. Os anos imediatamente posteriores í  guerra trouxeram í  Europa um processo de fermentação revolucionária; uma vez dissolvido esse processo, a União Soviética ficou sozinha e isolada, mas de volta ao topo de um movimento internacional desmoralizado. Logo foi o movimento, então, ameaçado, e atacado pelo fascismo; a isso se acrescente a queda, nas mãos de Stalin, da cidadela do comunismo, a União Soviética. Os primeiros escritos de Lukács e Korsch são o produto dessa época de fermentação revolucionária. O marxismo essencial iria surgir mais tarde, í  sombra do fascismo – enquanto Antonio Gramsci estaria a cumprir pena numa prisão italiana, enquanto Korsch e a Escola de Frankfurt conheciam o exí­lio americano. Só Lukács bandeia-se para o Leste e faz as pazes com o stalinismo, ao qual amolda sua posição teórica.

A segunda fase do marxismo ocidental veio depois da 2ê Guerra Mundial e com o triunfo (juntamente com seus aliados norte-americanos) da União Soviética sobre o fascismo. O crescimento dos movimentos de resistência ao fascismo e a dinâmica da vitória conduziram, por sua vez, a um processo revolucionário, que se instalou na Iugoslávia e na Albânia e, enquanto na Grécia era detido, na França e na Itália canalizava-se em direção a formas parlamentares.

Imediatamente depois da guerra, Jean-Paul Sartre começa a duradoura tentativa de mediação entre existencialismo e marxismo, enquanto Lefí¨bvre publica a “Crí­tica da vida cotidiana”. Uma guinada decisiva, quando em 1956 a União Soviética reprime a revolução húngara e inúmeros intelectuais abandonam os partidos comunistas ocidentais. São deste exato momento os primórdios das novas esquerdas e das correntes intelectuais, que conduziram aos acontecimentos de 68.

A mudança de centro do marxismo ocidental, da Alemanha para a França, um resultado da catástrofe fascista e da falta, na Alemanha, de um movimento de resistência mais amplo, conduziu a uma mudança de prioridades temáticas. Mudança, no entanto, menos significativa do que se poderia supor. Já antes da guerra, abrira-se í  influência de Hegel (e de Martin Heidegger) o pensamento francês. Por isso, sem dificuldade puderam ser aceitos, ao serem publicados, depois de 1957, na revista “Arguments” os escritos de Lukács. De fato, havia correspondências evidentes, inúmeras, nos métodos de Sartre e de Lefí¨bvre.

Debord localiza o iní­cio de sua vida “independente” em 1950, o ano em que irrompeu na cena artí­stica e cultural da Rive Gauche parisiense – seus bares, cinemas, livrarias. Seu pensamento foi influenciado por Sartre (o conceito de situação) e Lukács (a dialética sujeito-objeto e a teoria da objetificação). A princí­pio, Debord via no “Cotidiano” de Lefí¨bvre uma série de situações sartreanas. Existência – assim argumentara Jean-Paul Sartre – é sempre existência dentro de ambientes, de uma dada situação; o sujeito vive nela e a supera, respectivamente, de acordo com a escolha do seu ser nesta dada situação. A diretiva de Lefí¨bvre, de transformar o cotidiano, Debord a entendia de tal modo, que cumpria não aceitá-la como dada. O que importava era criar, por meio de atividades artí­sticas e práticas, situações. Tentava, pelo menos em enclaves do cotidiano, estabelecer uma certa ordem, ordem que haveria de permitir uma atividade inteiramente livre, um jogo, conscientemente instalado nos contextos do cotidiano, não confinado í  esfera do tempo livre. Debord, para além da situação, ampliou o raio í  cidade e, para além da cidade, í  sociedade. O sujeito da transformação foi ampliado do grupo (dos letristas, bem como dos situacionistas, nos objetivos comuns) para a massa do proletariado, que deveria, ela própria, criar a totalidade das situações sociais em que vivia. Exatamente neste ponto, Debord precisaria pensar para além da esfera das ações possí­veis, de si mesmo e de seus amigos imediatos, e confrontar-se com a teoria da revolução. Isto tornou a radicalizá-lo, apontando-lhe a necessidade de reinterpretar o marxismo ocidental sobre um novo fundamento. Em lugar de perí­odos cambiantes e breves, e de lugares limitados, o espaço e o tempo da vida social teriam de ser transformados como um todo, e a existência social, teoricamente compreendida. Esta seria, consequentemente, a teoria da sociedade atual (e da futura) e a forma atual da alienação, idéia-chave de Lefí¨bvre.

Quando Lukács escreveu “História e Consciência de Classes”, o fato significava uma guinada, do anticapitalismo romântico em direção ao marxismo, possibilitada, por um lado, pela atribuição í  classe trabalhadora do papel de sujeito da História; em segundo lugar, pela vinculação da teoria marxiana do fetichismo da mercadoria ao conceito hegeliano da objetificação (Vergegenstí¤ndlichung) – resultando numa teoria da objetificação, sendo esta a forma da alienação imposta í  subjetividade humana capitalismo contemporâneo.

Debord, que leu Lukács com várias décadas de atraso, podia relacionar a teoria lukácsiana da coisificação (Verdinglichung) do trabalho na mercadoria, í  sociedade de consumo, no longo perí­odo de florescimento do capitalismo keynesiano do após-guerra. Assim como Lukács escreveu durante o primeiro perí­odo do fordismo, que era impregnado pela estandardização e pela produção de massas, assim Debord, no segundo, o perí­odo do mercado livre e do consumo de massas. A sociedade de consumo confrontava os produtores com seus produtos não apenas na forma da alienação quantitativa, pelas condições de troca, mas também na forma visual, qualitativamente, em reclames, na imprensa e na televisão – partes constitutivas da forma comum do “mundo da imagem” (spectacle). Para, 10 anos depois, ir de “Reportagem sobre a construção” (1957) í  “Sociedade do Espetáculo”, Debord teve de voltar-se para o passado – para o espólio (Vermí¤chtnis) do marxismo clássico, desacreditado pelo terrí­vel experimento do stalinismo, mas, na verdade, só ele como parâmetro para o conceito da revolução proletária (….) O comunismo-dos-conselhos-de-operários (Rí¤te-Komunismus), com a palavra de ordem “Todo poder aos conselhos”, teve um breve tempo de florescimento no perí­odo das insurreições revolucionárias, depois de 1917, e marcou, naquele perí­odo, a obra de Lukács, Korsch e Gramsci. Lukács e Gramsci buscavam orientar-se retroativamente pela linha ortodoxa e destacavam o Partido como organizador centralizador de uma classe difusa (o “sujeito” hegeliano, assim como “O Prí­ncipe” de Maquiavel), enquanto Korsch permanecia fiel aos princí­pios dos conselhos e enfatizava a auto-organização dos operários em seus conselhos, autonomamente formados. Este debate sobre Partido e Conselhos, a necessária mediação entre Estado e Classe, neste perí­odo alcançou o ápice, tendo-se tornado porém ví­sivel, em seus contornos, já antes da guerra.

As discussões entre Hermann Gorter e Anton Pannekoek (da Holanda), Rosa Luxemburg e Karl Kautsky, no Partido alemão; no russo, entre Alexander Bogdanow e Lenin – desviaram os debates do pós-guerra para longe dos conselhos operários. Nos tempos imediatamente pós-revolucionários, Lenin polemizava, principalmente, tanto contra os comunistas holandeses que defendiam os conselhos, como contra Bogdanow. Pessoas como Lukács e Korsch, que não haviam tomado parte no movimento anterior í  guerra, estavam conscientes de que apenas repercutiam o eco das titânicas lutas de seus predecessores. O pano de fundo imediato desta disputa deve ser visto na formação dos conselhos operários na revolução russa de 1905, totalmente imprevisí­vel, e na afirmação do sindicalismo como concorrente do marxismo na Europa ocidental (e, com chegada ao poder da “International Workers of the World”/IWW, também nos Estados Unidos). É, além disso, significativo, que o desenvolvimento holandês assim como o russo estivessem ligados í  heterodoxia filosófica (e igualmente polí­tica) – Pannekoek e Gorter defendiam a religião moní­stica da ciência de Joseph Dietzgen, e Bogdanow, o positivismo moní­stico de Ernst Mach. Tais desvios filosóficos correspondiam ao desejo de encontrar, na polí­tica, uma tarefa para a subjetividade coletiva, que, de longe, ultrapassava as fronteiras estabelecidas pelo socialismo cientí­fico, com o objetivo de aproximá-la da mí­stica sindicalista da classe operária como um coletivo e a ênfase, em decorrência, no ativismo (em sua forma extrema, em Georges Sorel).

Depois da revolução dos bolcheviques, os comunistas de esquerda com as tendências filosóficas do cientismo de Dietzgen e Mach (sua ênfase no monismo e no fator subjetivo na ciência) e, com a garantia das “atenções” que Marx lhe dedicava, de Hegel se tornaram adeptos “ferrenhos”.

Lukács e Korsch não se restringiram a apenas tratar Hegel como precursor de Marx, tendo estabelecido, no próprio marxismo, conceitos e métodos hegelianos: inclusive os da totalidade e do sujeito. Deste modo, o comunismo-dos-conselhos-de-operários surgiu como reedição marxista das idéias sindicalistas e o marxismo ocidental, como uma retomada filosófica do socialismo cientí­fico. A ligação entre ambos foi assegurada pela transformação de formas românticas, vitalistas e libertárias de ativismo em categorias do subjetivismo e da práxis. Tais categorias incluí­am agora a auto-consciência do proletariado como classe. No mesmo passo, e radicalmente, Lukács e Korsch romperam com o marxismo clássico e sofreram uma derrota polí­tica muito mais séria do que as de seus predecessores. Assim como o marxismo ocidental, também na França foi revivificado o comunismo-dos-conselhos, depois da 2ê Guerra Mundial, pelo grupo “Socialisme ou Barbarie”. (…..) Para Debord, como para o grupo, o fato de ser o Partido Comunista burocrático na forma e na ideologia, antes um poder da ordem do que uma força revolucionária, significava: não fundar um novo partido, mas rejeitar a própria idéia de partido. Em vez de um Partido, que estaria necessariamente separado das massas, a revolução deveria ser feita pelos próprios operários, organizados em conselhos auto-administrados.

Com isso, distancia-se, do modelo leninista, o próprio conceito de revolução. Em vez de aspirar ao poder do Estado, imediatamente deveriam os Conselhos passar í  eliminação do Estado. A revolução significava a realização imediata do direito de liberdade, a eliminação de todas as formas de coisificação (Verdinglichung) e de alienação, sua substituição por formas de subjetividade não amordaçadas. Assim tornou a alçar-se o fantasma sindicalista, a procurar a Social-Democracia, fortificado pelas armas filosóficas do marxismo ocidental. Em conexão com o temperamento de Debord, só agora, verdadeiramente, as coisas iam ficando perigosas. Lukács sempre assumira a existência de mediações dentro da totalidade e de formas de unidade dentro da diferença. A visão maximalista de Debord buscava, ao contrário, aniquilar toda e qualquer separação, para alcançar a unidade de sujeito e objeto, de práxis e teoria, de base e superestrutura, de polí­tica e administração, numa única totalidade não-mediada.

O impulso por trás deste maximalismo tinha origem na idéia da transformação da vida cotidiana. Esta, por sua vez, foi desenvolvida a partir da idéia lefí¨bvreana do homem total (ou seja, não-alienado). Como primeiro marxista francês, Lefí¨bvre revivificou as idéias humanistas do jovem Marx; e, ainda que jamais tenha colocado em questão o papel proeminente da economia na teoria de Marx, argumentava que o marxismo havia sido reduzido, erroneamente, í s esferas polí­tica e econômica, enquanto sua análise na verdade deveria ser ampliada a todo aspecto da vida cotidiana em que houvesse alienação – na vida privada e no tempo livre, assim como no trabalho. O marxismo precisava de uma sociologia atual relacionada í  cultura, que não deveria recuar aterrorizada ante o trivial. Em última conseqüência, o marxismo significava não apenas a transformação das estruturas econômicas e polí­ticas, mas “a transformação da vida até o âmago de suas particularidades, até suas minúcias cotidianas”. Economia e polí­tica seriam apenas um meio para a realização de uma humanidade total, não-alienada.

Lefí¨bvre começou sua carreira intelectual nos anos vinte, em estreita ligação com André Breton e os surrealistas. Membro do grupo “Philosophies”, em 1925 foi co-assinante de um manifesto contra a Guerra do Marrocos, tendo trabalhado juntamente com os surrealistas pelo menos até sua entrada no Partido Comunista, em 1928. A posteriori – a despeito de querelas pessoais e polí­ticas –, se vê com clareza o quanto Lefí¨bvre devia a Breton: não apenas a idéia da transformação do cotidiano, um conceito surrealista fundamental, mas até mesmo a proximidade com Hegel e Marx. “Mostrou-me um livro sobre a sua mesa, a tradução da Lógica de Hegel feita por Vera, uma tradução não de todo ruim, e disse, de algum modo depreciativamente, algo como: ââ?¬Ë?Mas nem isso você leu?ââ?¬â?¢ Alguns dias depois comecei a ler Hegel, que me conduziu a Marx.”

Breton nunca deixou dúvida sobre sua ligação com Hegel: “O fato é que eu, desde a primeira vez que me deparei com Hegel (…), eu mergulhei em seus pensamentos; e que, para mim, seu método faz todos os outros parecerem mendicância. Onde não opera a dialética de Hegel, para mim não existe um pensamento, uma esperança de verdade.”

Historiadores do marxismo ocidental tentaram desqualificar Breton, ao acusá-lo de “perversão” ou de falta de “seriedade”. Talvez porque, como Debord, mas diferentemente de todos os outros marxistas ocidentais, Breton jamais foi professor universitário. Sem dúvida, suas interpretações de Hegel, ou mesmo as de Freud, as de Marx, as do amor e as da arte (para nomear seus temas mais importantes), muitas vezes, eram incomuns. Mas permanece um fato: é impensável, sem ele, a cultura francesa contemporânea. Ele desenvolveu não só uma teoria e práxis da arte, que foi amplamente influente (talvez mais do que qualquer outra, em nosso tempo), mas descobriu, para a França, também Freud e Hegel; primeiramente, para o seu cí­rculo mais próximo; depois, para o mundo dos especialistas (Lefí¨bvre, Jaques Lacan, George Bataille, Claude Levi-Strauss); e, finalmente, para a cultura geral. Também no que tange í  polí­tica, a partir de meados dos anos vinte, ele era consequentemente dono de vontade própria (eigenwillig); por questões de princí­pio (prinzipielle Erwí¤gungen), entrou para o Partido Comunista e tornou a deixá-lo; ofereceu apoio a Trotski, em seus trágicos anos derradeiros; e conferiu brilho ao perseguido e camaleônico (schillernd) movimento trotskista. Os anos vinte foram um perí­odo de vanguardismo dinâmico, em muitas relações uma migração (Verlagerung) de energias que haviam sido liberadas pela revolução russa. Os surrealistas se identificavam com a revolução e, em suas próprias organizações, imitavam muitas das caracterí­sticas do leninismo. Ao publicar, por exemplo, um órgão central, manifestos e panfletos de agitação; ao vigiar a pureza da linha; e ao excluir os dissidentes – caracterí­sticas que, obviamente, também os situacionistas mantiveram.

Como os surrealistas, também a vanguarda soviética queria revolucionar a arte de um tal modo que, de longe, ultrapassava uma transformação de forma e conteúdo. O que se almejava era muito mais uma mudança de sua inteira função social. Mas enquanto Breton queria integrar a arte e a poesia no cotidiano, a União Soviética estava a caminho de subordinar a arte í  produção. Em ambos os casos, deveriam ser reprimidas as formas de arte burguesas, mas os artistas e teóricos soviéticos enfatizavam uma afinidade da arte com a ciência e com a tecnologia; tentavam ligar a arte í  indústria moderna; e exigiam que artistas se tornassem operários ou ââ?¬Ë?especialistasââ?¬â?¢. Beleza, sonhos e criatividade não passariam de conceitos burgueses, vazios. Na nova sociedade soviética, a arte deveria encontrar uma função produtiva para si mesma e, nesta função produtiva, ela até mesmo deixaria de ser arte. “Morte í  arte, viva a produção!”

Deste modo, a cientificidade do marxismo ortodoxo e o produtivismo da ideologia soviética pós-revolucionária entraram na visão de mundo do artista militante. O vanguardismo ocidental de Breton ia na direção oposta, impossí­vel de se unir í  indústria moderna, antifuncionalista, profundamente desconfiado ante a unidade de materialismo e positivismo e, a partir daí­, libertar as qualidades de poetas românticos e decadentes de sua existência sombria para as margens da literatura. A vida deveria ser estetizada, não deveria a arte ser funcionalizada para a produção. (….)

Havia três importantes diferenças entre Breton e Lukács. Primeiramente, o próprio Breton era mais poeta do que crí­tico, os problemas da práxis, para ele, por isso mesmo se localizaram imediatamente na esfera da arte. Por isso, nele, a postura teórica se achava em conexão direta com o próprio criar. Segundo, como resultado de sua ocupação com a psiquiatria médica, voltou-se para Freud e, ainda antes de conhecer Marx, integrou a seu próprio pensamento elementos da teoria psicanalí­tica. Numa certa relação, para Breton, Freud desempenhava um papel semelhante ao que Georg Simmel ou Max Weber desempenharam para Lukács. O interesse de Breton por Freud trouxe-o para a psicologia, Lukács veio para a sociologia. Deste modo, Breton leu Marx ou Lenin e perguntou pela consciência, em vez de, como Lukács, perguntar pela sociedade. Em terceiro lugar, apesar do seu hegelianismo, Breton sempre foi pela especificidade e pela autonomia da revolução artí­stica, tanto do ponto de vista intelectual como organizatório. (…)

A lógica da argumentação de Breton parte de que seria tarefa da revolução social superar a restritiva “dependência” das fronteiras econômicas e sociais. Até lá, deveria a arte zelar estritamente por sua “invulnerável autonomia”. Ele nega a idéia de uma arte proletária. (…)

Enquanto escrevia isso, Breton continuava ainda membro do Partido. Só em 1933 é que se deu a ruptura: por causa do seu apoio público a Trotski, de sua discussão com Aragon sobre a subordinação da arte í  polí­tica do partido, sua repulsa crescente diante do culto ao trabalho na União Soviética. (…)

Para Breton, eram distintas as teorias marxiana e freudiana, muito embora comparáveis, assim como polí­tica e arte – cada qual possui seus próprios objetos e objetivos. Em oposição a Wilhelm Reich ou Herbert Marcuse, Breton tentou a libertação radical do desejo reprimido na organização prática e convencional do comunismo-de-conselhos (Rí¤tekomunismus). Esta migração (Verlagerung) significa também uma mudança semântica no significado da palavra desejo (do inconsciente para o consciente) – uma mudança que permitiu í  International Situacionista assumir a palavra de ordem surrealista “Toma teus desejos por realidade”, como o fizeram os enragés de Nanterre (em lugar da suspeita “A fantasia no poder”, do Movimento de 22 de Março). A revolução poética precisa ser a revolução polí­tica, e vice-versa, incondicionalmente, e em plena consciência.

De: Peter Wollen: “A bitter Victory”, in: “On the Passage of a few people through a rather brief moment in time: The Situationist International 1957-1972″. Boston 1989; tradução do inglês: Eckhard Kloft. Araraquara, 2001;

Tradução do alemão: José Pedro Antunes.

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ANOTAÇÃ?â?¢ES SOBRE A SOCIEDADE DO ESPETíCULO
apresentação de uma edição pirata
Emiliano Aquino

“Mas como a reflexão e o pensamento suplantaram as belas artes, a ação e a intervenção social suplantarão doravante a verdadeira filosofia. Também a consciência, neste instante preciso, apressa-se a penetrar em toda parte e, apenas bem sucedida nela mesma, procura agora precipitar a ação.”
AUGUST CIESZKOWSKI, Prolegômenos í  historiosofia.

A Sociedade do Espetáculo foi editado, pela primeira vez, em novembro de 1967, em Paris, pela Editora Buchet-Chastel. Nesta edição, o autor era apresentado de um modo simples e direto: “Guy Debord é diretor da revista Internacional Situacionista”. Essa simples apresentação, já naquele momento, dizia, no entanto, muita coisa. A Internacional Situacionista (I.S.), a revista, já contava com 11 números, desde sua primeira aparição, em 1958. E o grupo que a editava, a Internacional Situacionista (I.S.), era já conhecido por sua intensa e contundente atividade nos meios das avant-gardes européias desde dez anos antes, quando fora fundada, em 1957. Logo depois, ainda em [19]67, outro livro foi lançado por um membro da I.S.: Tratado do saber viver ao uso das jovens gerações, de Raoul Vaneigem, editado pela Gallimard.

Na revolta de maio de 1968, esses livros tiveram uma marcante influência sobre o setor mais radical do movimento. Inicialmente, sobre os enragés, grupo de uns dez “antiestudantes” que, na Universidade de Nanterre, começara alguns meses antes uma agitação social contra o sistema de ensino, os professores e as autoridades acadêmicas e que, por essas atividades, esteve nas origens do movimento que iria explodir e se expandir em maio. Mas também, quando enragés e situacionistas romperam com os estudantes da Sorbonne ocupada e formaram o Conselho pela Manutenção das Ocupações (num momento em que centenas de fábricas francesas estavam já ocupadas pelos operários grevistas), uma variedade de blusões negros, jovens operários e outras figuras perigosas de Paris vieram juntar-se a este comitê, expressando, assim, também uma concordância com as teses radicais dos situacionistas.

Uma das caracterí­sticas da revolta de maio foi, sem dúvida, as pinturas nas paredes de Paris, nas portas das fábricas, escolas e universidades. Boa parte dessas frases, consideradas as mais belas e, com certeza, as mais contundentes daquele movimento, foram tiradas diretamente dos livros e panfletos situacionistas.

Essa aparente “adesão” í s idéias situacionistas não se explicaria se, antes, as atividades de agitação e os escândalos promovidos pela I.S. não tivessem confluí­do e contribuí­do para a revolução de maio; e, certamente, se suas idéias não ajudassem a compreender e levar í s últimas conseqüências as tendências mais profundas daquele movimento.

Com efeito, antes de maio de [19]68, os situacionistas já vinham falando na necessidade e no conteúdo da próxima revolta, do “novo levante proletário”. Iniciaram suas atividades contestando o establishment cultural, retomando e aprofundando as tendências já presentes entre os dadaí­stas e surrealistas, que procuraram a superação da arte e sua realização na vida cotidiana; os situacionistas chegaram, assim, í  posição de que o conteúdo da revolução proletária seria a revolução da vida cotidiana, com a superação da totalidade das alienações do capitalismo moderno, com o apoderamento pelos indiví­duos de suas próprias vidas, tornando-as uma obra-de-arte, e o seu acesso í  “história total”. Sem dúvida, uma influência decisiva ââ?¬â? nesse passo teórico dado pelos situacionistas entre as posições das vanguardas anteriores acerca da superação da arte (enquanto atividade separada da vida cotidiana) e o novo conceito de revolução da vida cotidiana ââ?¬â? foi aquela exercida sobre eles pela elaboração de Henri Lefebvre, em sua Crí­tica da Vida Cotidiana (1947, com um novo Prefácio em 1958, e um segundo volume em 1961).

A crí­tica da arte, enquanto atividade separada, ligava-se estreitamente í  crí­tica da polí­tica, enquanto atividade também necessariamente separada, pois situada na esfera do Estado, esfera exterior í  vida cotidiana, e que, assim como a arte, se punha como atividade alienada e reprodutora da alienação.

Tratava-se, para os situacionistas, não mais de buscar a produção sublimada de uma crí­tica ou comunicação ou conciliação com a realidade na forma da arte, mas de produzi-las realmente como prática. A exigência feita contra a arte não poderia, portanto, ser recompensada pela polí­tica, pois esta também só podia oferecer mecanismos que eram eles mesmos alienados: a representação, os sindicatos operários e estudantis, os partidos, o Estado. Se se tratava de procurar realizar na prática a abolição de todo poder exterior, de toda linguagem unilateral e “comunicação” indireta (a pseudocomunicação) do mundo alienado, esta procura haveria que se dar no ní­vel mesmo da vida cotidiana, recusando todo especialismo artí­stico, polí­tico e teórico(1). Neste ponto, como em outros, a convicção mais profunda dos situacionistas era a de que, como dirá mais tarde Debord, “já não [se] pode combater a alienação sob formas alienadas” (A Sociedade do Espetáculo [SdE], ç 122).

O “nó” que “amarrava” todas essas preocupações era a compreensão de que o conjunto dessas alienações conforma uma totalidade a partir da determinação da forma-mercadoria sobre o conjunto da vida social, das atividades e relações entre os indiví­duos; em outras palavras, o domí­nio da reificação (do latim res: coisa), da coisificação. É o que os situacionistas chamaram de “economização da vida”. É o domí­nio da economia, entendida no sentido estrito de economia de mercado, que submete as relações humanas ââ?¬â? as relações dos homens entre si, a cultura, a relação com o uso do espaço e do tempo de vida, a relação com a história e a destruição da memória no “eterno presente” da produção e do consumo da mercadoria ââ?¬â? í  lógica autônoma da transformação do dinheiro-capital em mais-dinheiro, da relação entre os homens como portadores de mercadorias segundo a lógica própria das trocas mercantis (que se dão segundo o critério do valor econômico).

Enfim, o fato de que as relações produzidas e estabelecidas pelos homens ganham vida própria e, assim, passam a dominá-los; o fato de que, nessas relações, as coisas são produzidas não pela sua utilidade, mas pelo seu valor econômico; de que a partir dessa hierarquia primeira do valor econômico sobre a utilidade das coisas se ergue a hierarquia da economia sobre os homens e suas vidas, e dos especialistas e dirigentes da produção mercantil sobre o conjunto da sociedade; de que essa hierarquia demonstra-se também no Estado, mas antes e sobretudo num sistema completo de hierarquias, alienações e expropriações da vida que está presente em todo o cotidiano e nas instituições separadas que, desde fora, planejam e controlam a cotidianidade.

Os situacionistas, desse modo, reencontravam a seu modo a crí­tica da economia polí­tica. Como Debord dirá mais tarde, em um outro contexto, a crí­tica da economia polí­tica significava, nas condições do capitalismo moderno, a compreensão e o combate í  sociedade do espetáculo(2). O espetáculo, assim, seria o conceito que daria conta da submissão da totalidade da vida cotidiana í  lógica do trabalho assalariado, o trabalho-mercadoria; e, neste sentido, “unifica e explica uma grande diversidade de fenômenos aparentes” (SdE, ç 10): o lazer, o urbanismo, a serialização e homogeneização dos produtos “culturais”, a agressão í  natureza, a intensificação do racismo etc. O princí­pio do espetáculo é a não intervenção, a contemplação, a passividade diante da realidade; em última instância, a transformação dos homens em espectadores de suas próprias vidas. A sua essência: a economia autonomizada, a reificação das relações sociais, a alienação do trabalho.

A edição em 1960, pela revista Arguments, de uma tradução francesa de História e consciência de classe (1923), de George Lukács, cuja temática principal é o da reificação, certamente deve ter tido uma forte influência no desenvolvimento dessa teoria(3). Diversos escritos situacionistas, anteriores a essa publicação, testemunham já a presença da crí­tica da economia polí­tica. Este é o caso de “Posições situacionistas sobre a circulação” (I.S. nú 3, dezembro de 1959), de Debord, que opõe a circulação de mercadorias ao livre uso do espaço e do tempo (questões centrais para os situacionistas, principalmente em torno da temática da crí­tica do urbanismo); e de “O fim da economia e a realização da arte” (I.S. nú 4, junho de 1960, depois publicado no mesmo ano no livro intitulado Crí­tica da polí­tica econômica), de Asger Jorn.

Sabemos o quanto é problemático, hoje, falar em “totalidade”. Em geral, este é um conceito que, em determinadas vozes, faz lembrar ââ?¬â? para o bem ou para o mal ââ?¬â? o velho ideal filosófico de sistema, de saber absoluto. Mas não é disso que se trata para Debord e os situacionistas, e por dois motivos. Primeiro, porque a teoria não é, para eles, um conhecimento positivo, e não se trata, assim, de constituir um conhecimento do todo, um sistema de saber. Nada mais adverso í s suas perspectivas teóricas do que um tal projeto. Na tese 125 de A sociedade do espetáculo, Debord afirma que “o homem é idêntico ao tempo” e, alguns anos mais tarde, no aforismo XXXI dos Comentários sobre a sociedade do espetáculo (1988), repetiria Baltasár Gracián: “Seja a ação, seja o discurso, tudo precisa ser medido pelo tempo. É preciso querer quando se pode; pois nem a estação nem o tempo esperam por ninguém”. A teoria, para Debord, é tão finita e passageira quanto o são as gerações dos homens; produzida no tempo, diz respeito í s lutas e, nesse sentido, cumpre uma função estratégica. Assim, longe de um saber total, ele supunha uma crí­tica total í s condições de existência da sociedade dominada pela mercadoria. E tal crí­tica só podia ser total na medida em que, nesta sociedade, uma determinação se fez total: as relações de compra-e-venda, submetendo a si todas as dimensões da vida. Trata-se, portanto, não de realizar algum tipo de totalidade, mas de nos livrarmos da má totalidade. Debord não lamenta o fato de que a economia tenha dominado tudo, propondo contra isso limitar a economia, mas denuncia a economia como necessariamente totalitária e, contra isso, propõe a sua dissolução ââ?¬â? que é ao mesmo tempo a dissolução do Estado e de todo o sistema único de alienações e hierarquias. “Um tal programa”, dizem Debord e Canjuers, “não propõe aos homens nenhuma outra razão de viver senão a construção por eles mesmos de sua própria vida”(4).

A compreensão crí­tica de totalidade é o que permitiu aos situacionistas estar atentos aos novos sinais da contestação social, aos rastros do que viria: num primeiro momento, as insurreições operárias no Leste europeu (Alemanha, Hungria…), depois ââ?¬â? e nesses casos, foram os primeiros e, até [19]68, os únicos ââ?¬â? o “crime” e a “destruição das máquinas de consumo” nos paí­ses capitalistas desenvolvidos, com o surgimento das primeiras greves selvagens na França e das novas formas de contestação juvenil (não apenas estudantil).

Em todo esse esforço teórico de compreensão das novas condições de existência social, e das lutas contra elas, um momento importante foi o documento ââ?¬â? intitulado Preliminares para uma definição da unidade do programa revolucionário ââ?¬â? escrito em julho de 1960 por Guy Debord e Pierre Canjuers (pseudônimo de Daniel Blanchard), membro do grupo Socialismo ou Barbárie(5). Esse documento expressava uma aproximação entre as posições revolucionárias das vanguardas artí­sticas e as do movimento operário. Em seu conteúdo, esse pequeno texto buscava demonstrar como os problemas da cultura e aqueles da revolução social haviam se tornado um só, e dizia respeito ao uso da vida pelos homens.

Nesse sentido, refletia teoricamente a necessidade da compreensão das novas formas de contestação contra a “negação da vida” pela extensão cotidiana do domí­nio da economia. As páginas da Internacional Situacionista vão, nos anos seguintes, buscar acompanhar essas formas de contestação e refleti-las teoricamente.

Em agosto de 1961, no número 6 da I.S., a nota editorial se intitula: “Instruções para uma tomada de armas”. Esta nota defendia as tendências conselhistas que surgiam em novos grupos autônomos da Europa e definia que a revolução da vida cotidiana e a reivindicação dos Conselhos Operários seriam os critérios fundamentais para a colaboração dos situacionistas com as novas forças revolucionárias. No mesmo número, uma nota intitulada “Defesa incondicional” propunha a solidariedade com a nova revolta da juventude em seus métodos mais radicais, considerados criminosos por sua violência, e que contestavam a famí­lia, os lazeres, o trabalho etc.

No número 7, aparecido em abril de 1962, os situacionistas falavam da luta contra o armamento nuclear e a construção de abrigos anti-nucleares pelos mesmos governos que impulsionavam a corrida armamentista, nos EUA, na Alemanha Federal, na Suí­ça, Suécia etc(6). E, na nota “Os maus dias findarão”, analisaram o surgimento das novas formas de contestação operária, anti-sindical e violenta, como manifestações de operários fabris em Nápoles, que quebraram escritórios da fábrica, incendiaram ônibus e enfrentaram a polí­cia num protesto em solidariedade í  greve dos condutores de ônibus, ou como o ataque de mineiros franceses aos carros estacionados na empresa em que trabalhavam. Nesses casos, segundo a avaliação situacionista, se exemplificava a luta contra a expropriação do tempo marginal de transporte e os objetos do consumo mercantil. “Do mesmo modo que a primeira organização do proletariado clássico foi precedida, nos fins do século 19, de uma época de gestos isolados, ââ?¬Ë?criminososââ?¬â?¢, visando a destruição das máquinas de produção, que eliminavam as pessoas de seu trabalho, assiste-se neste momento í  primeira aparição de uma onda de vandalismos contra as máquinas de consumo, que muito seguramente também nos eliminam da vida” (I.S. nú 7, p. 11)(7).

No número 10, de março de 1966, publicou-se uma longa análise elaborada por Debord sobre a rebelião negra em Watts, Estados Unidos, intitulada “O declí­nio e a queda da economia espetacular-mercantil”. Nesta análise, Debord volta a considerar os métodos radicais, como os saques, os incêndios, as barricadas e os enfrentamentos com a polí­cia, relacionando-os com a resistência í  mercadoria, í  hierarquia e í s separações que a sociedade de mercado necessariamente produz e, nas condições do capitalismo moderno, aprofunda. Mais uma vez, manifestava-se, para ele, que a resistência í  mercadoria havia se tornado tão cotidiana em seus alvos e em suas formas como a própria mercadoria o havia em seu domí­nio.

É neste espí­rito que, em 1966, os situacionistas e um grupo de estudantes que lhe era simpático promovem o chamado “escândalo de Strasbourg”. Esse grupo de estudantes fora conduzido í  direção da seção local da UNEF (União Nacional de Estudantes da França) e, fazendo uma crí­tica do sindicalismo estudantil, planeja a dissolução da entidade, constrói uma “Associação pela reabilitação de Karl Marx e Ravachol”, difunde em cartazes uma história em quadrinhos chamada “O retorno da Coluna Durruti” e, no dia da aula inaugural do perí­odo, em novembro de 1966, evento sempre tão solene e ritualí­stico na Universidade francesa, distribuiu um pequeno ensaio intitulado Da miséria no meio estudantil, considerada nos seus aspectos econômico, polí­tico, sexual e especialmente intelectual e de alguns meios para a prevenir(8). Este ensaio, editado naquele momento em 10 mil exemplares (pois nos meses seguintes, iria ser editado uma infinidade de vezes, inclusive no exterior), denunciava a condição alienada e auto-contemplativa da situação do estudante francês, relacionando-a í  totalidade da nova miséria social do capitalismo desenvolvido. Tudo isso foi, efetivamente, um escândalo e deu uma tonalidade radical, pela primeira vez, í  nova contestação juvenil, contemporânea das novas formas da contestação proletária.

Assim, quando em 1967, A Sociedade do Espetáculo é editado e, alguns meses depois ocorre a revolta de maio na França, revolta que, a partir de um estopim estudantil (provocado, em suas origens, pelas provocações dos antiestudantes enragés), incendiou-se nas centenas de greves operárias com ocupação de fábrica, o autor desse livro e seus comparsas eram já identificados í s tendências teóricas mais extremistas ââ?¬â? porque pretendiam uma revolução total ââ?¬â? da nova contestação social. E dessa maneira foram entendidos ââ?¬â? para o bem ou para o mal ââ?¬â? pelos participantes de maio de [19]68.

* * *

“De que tu te ocupas exatamente? Eu não sei bem.
ââ?¬â? Da reificação, responde Gilles.
ââ?¬â? É um estudo pesado, acrescentei.
� Sim, diz ele.
ââ?¬â? Estou vendo, observa Carole admirada. É um trabalho muito sério, com livros grossos e muitos papéis sobre uma mesa grande.
ââ?¬â? Não, diz Gilles, eu passeio. Principalmente eu passeio.”
MICHÃ?Ë?LE BERNSTEIN, Tous les chevaux du roi.

Em Preliminares para uma definição da unidade do programa revolucionário, os seus autores compreendiam que a “base” das perspectivas teóricas que eles ali anunciavam não era senão “a luta do proletariado em todos os ní­veis; e todas as formas de recusa explí­cita ou de indiferença que devem combater permanentemente, por todos os meios, a instável sociedade existente. A sua base é, do mesmo modo, a lição do fracasso essencial de todas as tentativas de mudanças menos radicais. É, enfim, a exigência que se faz hoje em certos comportamentos extremos da juventude (cujo adestramento se demonstra menos eficaz) e, agora, de alguns meios de artistas”(9).

No mesmo sentido afirma a tese 115, de A sociedade do espetáculo, acerca das novas manifestações de crí­tica prática: “Aos novos sinais de negação, incompreendidos e falsificados pela ordenação espetacular, que se multiplicam nos paí­ses mais avançados economicamente, pode-se já tirar a conclusão de que uma nova época está aberta: depois da primeira tentativa de subversão operária, é agora a abundância capitalista que falhou. Quando as lutas anti-sindicais dos operários ocidentais são reprimidas primeiro que tudo pelos sindicatos, e quando as correntes revoltadas da juventude lançam um primeiro protesto informe, no qual, porém, a recusa da antiga polí­tica especializada, da arte e da vida cotidiana, está imediatamente implicada, estão aí­ as duas faces de uma nova luta espontânea que começa sob o aspecto criminoso. São os signos precursores do segundo assalto proletário contra a sociedade de classe. Quando os enfants perdus deste exército ainda imóvel reaparecem nesse terreno que se tornou outro e permaneceu o mesmo, eles seguem um novo ââ?¬Ë?general Luddââ?¬â?¢, que desta vez os lança na destruição das máquinas do consumo permitido”.

Com efeito, os situacionistas pretendiam expressar teoricamente esses “novos sinais da negação”, inserindo-se praticamente neles: “A I.S. não apenas viu chegar a subversão proletária moderna; chegou com ela. Não a anunciou como um fenômeno exterior, pela extrapolação glacial do cálculo cientí­fico: a I.S. foi ao seu encontro”, dizem Debord e Gianfranco Sanguinetti, no documento em que anunciam, em 1972, o fim da Internacional Situacionista(10).

Nesses trechos, seus autores afirmam um método teórico fundamental e que constitui o núcleo de como os situacionistas entendiam a teoria, tendo a negação prática como base da crí­tica teórica. Em distintos momentos, antes e após [19]68, os situacionistas afirmaram fazer a “teoria em ato”, a “teoria do momento mesmo”, e que a teoria revolucionária tornara-se um “valor de uso” e, como tal, deveria ser usada. Entendiam a relação entre crí­tica prática e crí­tica teórica como um mesmo trabalho do negativo. Eles recusavam, assim, qualquer teoria separada, por mais coerente que fosse; coerência que seria, no modo da separação, apenas ideologia revolucionária, “a coerência do separado da qual o leninismo”, segundo Debord, “constitui o mais alto esforço voluntarista” (SdE, ç 105). “Nós não temos nenhuma necessidade”, diz ele em outro contexto, referindo-se í  própria experiência da I.S., “de ââ?¬Ë?pensadoresââ?¬â?¢ enquanto tais, isto é, de pessoas produzindo teorias fora da vida prática. Na medida em que nossas teorias em formação me parecem tão justas quanto possí­vel, pelo momento e nas condições que encaramos, eu admito que todo desenvolvimento teórico que pode se inscrever na coerência do ââ?¬Ë?discurso situacionistaââ?¬â?¢ vem da vida prática, decola desta legitimamente. Mas isto não é, ainda, em nada suficiente. É necessário que as fórmulas teóricas retornem í  vida prática, senão elas não valem o esforço de um quarto de hora”(11). Não é difí­cil ver a relação dessas palavras com a crí­tica do fetichismo mercantil e o mundo de separações que ele funda. Portanto, a relação entre a denúncia da inversão operada entre homem e mundo pela produção mercantil e a crí­tica da própria inversão operada pela ideologia (aqui totalmente recusada) entre vida e pensamento, da qual, segundo ele, o espetáculo é a materialização (SdE, capí­tulo IX).
Esse aspecto leva-nos a uma questão da suma importância hoje em dia, quando pomo-nos a pensar a obra de Debord e a experiência situacionista. Os esforços que se têm feito, em determinados setores, para separar uma parte da obra de Debord de outras dimensões de seu pensamento, expressam antes de tudo o esforço em separar o conjunto de seu pensamento da sua atividade prática, em dissolver sua relação com as misérias e as lutas de seu tempo. Assim, na mais recente recepção midiática de sua obra, toma-se o Debord “filósofo” contra o avant-garde, o escritor contra o cineasta, o “artista” contra o revolucionário.

Também problemática nesse aspecto é a tendência ââ?¬â? hoje comum no Brasil ââ?¬â? de aproximá-lo das formulações do grupo alemão Krisis, a partir de uma centralidade separada (que, enquanto separada, não pode logicamente permanecer como centro de nada) de sua crí­tica do fetichismo mercantil, sua crí­tica da economia polí­tica. O livro que prepara essa aproximação (A. Jappe, Guy Debord), livro conceitual e historiograficamente sério, talvez o melhor sobre este personagem, tem o mérito teórico e intelectual de argumentar claramente em defesa da tese de uma divisão entre “dois” Debord: o da crí­tica do fetichismo mercantil e o da luta de classes ââ?¬â? tal como O colapso da modernização de R. Kurz defende a existência de “dois Marx”. “Debord demonstrou, ainda que de modo sucinto, o caráter inconsciente da sociedade regida pelo valor. Mas, ao mesmo tempo, refere-se ao aspecto da teoria de Marx que põe no centro os conceitos de ââ?¬Ë?classeââ?¬â?¢ e de ââ?¬Ë?luta de classesââ?¬â?¢, dos quais também se prevalece o movimento operário. A insistência na ââ?¬Ë?luta de classesââ?¬â?¢ desconhece, entretanto, a natureza das classes criadas pelo movimento do valor e que só têm sentido em seu interior. Proletariado e burguesia só podem ser os instrumentos vivos do capital variável e do capital fixo; são os comparsas e não os diretores da vida econômica e social. Seus conflitos, isto é suas ââ?¬Ë?lutas de classesââ?¬â?¢, passam necessariamente pela mediação de uma forma abstrata e igual para todos ââ?¬â? dinheiro, mercadoria. Desde então, tratava-se apenas de lutas de distribuição no interior de um sistema que ninguém punha seriamente em dúvida. (“¦) Quando acredita que é possí­vel, nas condições atuais, a existência de um sujeito por sua própria natureza ââ?¬Ë?foraââ?¬â?¢ do espetáculo, Debord parece esquecer o que ele mesmo declarou sobre o caráter inconsciente da economia mercantil, e o esquece novamente quando identifica esse sujeito ao proletariado”(12).

A seriedade teórica e intelectual não livra ninguém, no entanto, de cair em unilateralismos e em sérios problemas de análise. É o que, parece-me, acontece com a análise de Jappe. Na argumentação acima citada, é chave a expressão “ao mesmo tempo”, pois é ela que dissocia dois elementos históricos a meu ver inseparáveis: o surgimento da crí­tica da economia polí­tica, em sua forma téorica, já nas obras juvenis de Marx(13), e as lutas proletárias que naquele momento a realizavam praticamente, manifestando-se contra as hierarquias do trabalho assalariado14. E, por isso, dissolve também a ligação metodológica ââ?¬â? reconhecida por Debord e os situacionistas ââ?¬â? entre a crí­tica situacionista da mercadoria e as novas formas de subversão que se apresentavam nos paí­ses capitalistas desenvolvidos nos anos [19]60 (e que se prolongaram até os [19]70). Para além de uma questão histórica, penso que há aqui uma serí­ssima questão teórico-metodológica e, antes de tudo, prática sobre qual é e deve ser o ponto de partida da crí­tica teórico-prática: a negação conceitual ou a negação prática.

Ligada a isso, está a idéia afirmada por Jappe de que, dados pelo fetichismo, proletariado e burguesia seriam “instrumentos do capital variável e do capital fixo”(15). Se se quer dizer que essas classes se constituem a partir do domí­nio da economia autonomizada, isso é uma verdade que, no entanto, se torna falsa quando não se tem presente a compreensão de que o capital enquanto tal é uma forma de relação social entre os homens, relação histórica e, principalmente, antagônica; relação que se produz e reproduz cotidianamente, através dos atos singulares de indiví­duos singulares e, por isso mesmo, a cada momento em xeque; relação na qual, ao experimentarem cotidianamente o antagonismo de suas vidas com a economia autônoma, @s proletarizad@s manifestam-se negativamente de múltiplas formas, não sendo portanto verdadeiro que as “suas ââ?¬Ë?lutas de classesââ?¬â?¢ passam necessariamente pela mediação de uma forma abstrata e igual para todos ââ?¬â? dinheiro, mercadoria” (grifos meus). Finalmente, longe de constituí­rem apenas um dos “pólos de uma mesma unidade” (expressão de R. Kurz, cuja tese é aqui retomada por Jappe), @s proletarizad@s, por suas condições negativas de existência, encontram-se objetiva e subjetivamente negad@s em tal relação. Por isso mesmo, portam, como experiência cotidiana, a negação da unidade sintética da relação capital(16).

A posição de Debord quanto ao caráter revolucionário do proletariado não significa, de modo algum, qualquer tipo de representação metafí­sica sobre tais potencialidades revolucionárias. Aliás, proletariado é um conceito que se precisa ter em permanente reconsideração, dadas as transformações contí­nuas na forma de existência d@s proletarizad@s, transformações determinadas tanto por suas lutas quanto, em conseqüência, pelas transformações das relações de produção capitalistas. Longe de qualquer tipo de idealização, Debord considerava que a verdade revolucionária do proletariado estava não no que ele é, mas no seu devir.

Há particularmente uma passagem em que Debord retoma explicitamente essa questão ââ?¬â? de qualquer modo já antes enfrentada pelos situacionistas e em A sociedade do espetáculo ââ?¬â?, rechaçando tanto a negação do caráter revolucionário do proletariado pelo que ele é, quanto a afirmação disso na dependência de uma vanguarda dirigente. Eis o trecho, que fala melhor por si mesmo do que qualquer esforço de simplesmente reproduzir seu conteúdo: “Os observadores do governo, tanto quanto os do partido dito comunista falam do que os operários são ââ?¬â? e a cada vez restabelecem como os operários não são revolucionários, pois o único fato de que eles o possam dizer confirma empiricamente sua análise. Sobre o mesmo terreno da metodologia burguesa, mas mais extravagantes ainda, os maoí­stas crêem que os operários são tout í  fait revolucionários ââ?¬â? e mais, segundo as grotescas modalidades maoí­stas! ââ?¬â?, e eles querem sinceramente lhes ajudar a sê-lo: como em Cantão em 1927. Mas o problema histórico não é de nenhum modo o de compreender o que os operários ââ?¬Ë?sãoââ?¬â?¢ ââ?¬â? hoje eles não são senão operários ââ?¬â? mas o que eles vão devir. Este devir é a única verdade do ser do proletariado, e a única chave para compreender verdadeiramente o que são já os operários”(17).

Assim, a aproximação entre Debord e o Krisis só é possí­vel se se leva em conta as mediações postas pelo próprio Krisis em sua análise das lutas de classes, da obra de Marx e, como o faz Jappe, da obra de Debord. Assim fazendo-se, verificar-se-á que essa aproximação se dá ââ?¬â? e com coerência! ââ?¬â? somente a partir do próprio Krisis, na medida em que esse grupo considera razoável a separação entre a crí­tica teórica do fetichismo (em Marx e em Debord) e a crí­tica prática experimentada pelas lutas proletárias. Porém, ainda assim, é essa separação mesma que permanece discutí­vel.

* * *

“No livro que preparo atualmente, veremos, eu espero, de forma mais clara do que nas obras precedentes, que a I.S. trabalhou no centro dos problemas que a sociedade moderna a si coloca. Então eu creio que se admitirá que alguns objetivos gerais da I.S. são bem traçados no concreto, como tu reclamas.”
Carta de Guy Debord a Asger Jorn, 13 de janeiro de 1964.

Mas afinal do que trata A sociedade do espetáculo? O único número da revista da seção italiana da I.S., publicado em 1969, traz uma tradução do 4ú capí­tulo desse livro, capí­tulo apresentado ali como sendo a parte central da obra, e apresenta também uma espécie de sumário temático de todo o livro. É, neste sentido, uma boa introdução í  leitura dessa obra, particularmente o trecho reproduzido abaixo:

” ââ?¬Ë?O proletariado como sujeito e como representaçãoââ?¬â?¢ é o capí­tulo que ocupa a parte central do livro. O primeiro capí­tulo expõe o conceito de espetáculo. O segundo define o espetáculo como um momento no desenvolvimento do mundo da mercadoria. O terceiro descreve as aparências e as contradições sócio-polí­ticas da sociedade espetacular. O quarto, traduzido aqui, retoma o movimento histórico anterior (procedendo sempre do abstrato ao concreto) sob a forma da história do movimento revolucionário. É uma sí­ntese do fracasso da revolução social e de seu retorno. Ele desemboca sobre a questão da organização revolucionária. O quinto capí­tulo trata do tempo histórico e do tempo da consciência histórica. O sexto descreve o ââ?¬Ë?tempo espetacularââ?¬â?¢ da sociedade atual como ââ?¬Ë?falsa consciência do tempoââ?¬â?¢ e como ââ?¬Ë?tempo da produçãoââ?¬â?¢ de uma sociedade histórica que recusa a história. O sétimo critica a organização do espaço social, o urbanismo e a divisão do território. O oitavo recoloca na perspectiva revolucionária histórica a dissolução da cultura enquanto ââ?¬Ë?separação do trabalho intelectual e trabalho intelectual da divisãoââ?¬â?¢, e une í  crí­tica da linguagem uma explicação da linguagem mesma deste livro, que ââ?¬Ë?não é a negação do estilo, mas o estilo da negaçãoââ?¬â?¢, o emprego do pensamento histórico, sobretudo aquele de Hegel e de Marx, e o emprego histórico da dialética. O nono considera a sociedade espetacular como materialização da ideologia e a ideologia como ââ?¬Ë?a base do pensamento de uma sociedade de classesââ?¬â?¢. Ao auge de sua perda da realidade corresponde sua reconquista pela prática revolucionária, a prática da verdade em uma sociedade sem classes organizada em Conselhos, lá ââ?¬Ë?onde o diálogo se armou para tornar vitoriosas suas próprias condiçõesââ?¬â?¢ “(18).

Alguns anos mais tarde, no Prefácio que preparou para a 4ê edição italiana de A sociedade do espetáculo, Debord afirma que, desde a primeira edição do livro, “o espetáculo aproximou-se de modo mais exato de seu conceito”: “Foi possí­vel ver a falsificação tornar-se mais densa e descer até a fabricação das coisas mais banais, qual bruma pegajosa que se acumula no ní­vel do solo de toda a existência cotidiana. Foi possí­vel ver, até a loucura ââ?¬Ë?telemáticaââ?¬â?¢, a pretensão do absoluto controle técnico e policial sobre o homem e as forças naturais, controle cujos erros aumentaram tão depressa quanto os recursos que movimenta. Foi possí­vel ver a mentira estatal se desenvolver em si e por si, no perfeito esquecimento de seu ví­nculo conflituoso com a verdade e a verossimilhança, a ponto dessa mentira descrer de si mesma e se substituir de hora em hora”(19).

Já nos Comentários sobre a sociedade do espetáculo, texto de 1988 que se debruça não sobre a anterior obra de 1967, mas sobre a coisa mesma e seu desenvolvimento nos vinte anos anteriores, Debord propõe-se a acrescentar, em relação a A sociedade do espetáculo, no plano teórico, “apenas um detalhe”: “Em 1967, eu distinguia duas formas, sucessivas e rivais, do poder espetacular: a concentrada e a difusa. Ambas pairavam acima da sociedade real, como seu objetivo e sua mentira. A primeira forma, ao destacar a ideologia concentrada em torno de uma personalidade ditatorial, havia acompanhado a contra-revolução totalitária, fosse nazista ou stalinista. A segunda forma, ao instigar os assalariados a escolherem livremente entre uma grande variedade de mercadorias novas que se enfrentavam, representara a americanização do mundo, assustadora sob certos aspectos, mas também sedutora nos paí­ses onde as condições das democracias burguesas de tipo tradicional conseguiram se manter por mais tempo. Uma terceira forma constituiu-se a partir de então, pela combinação das duas anteriores, e na base geral de uma vitória da que se mostrou mais forte, mais difusa. Trata-se do espetacular integrado, que doravante tende a se impor”(20).

E explica, mais adiante: “O espetacular integrado se manifesta como concentrado e difuso, e, desde essa proveitosa unificação, conseguiu usar amplamente os dois aspectos. O anterior modo de aplicação destes mudou bastante. No lado concentrado, por exemplo, o centro diretor tornou-se mais oculto: já não se coloca aí­ um chefe conhecido, nem uma ideologia clara. No lado difuso, a influência espetacular jamais marcara tanto quase todos os comportamentos e objetos produzidos socialmente. Porque o sentido final do espetacular integrado é o fato de ele ter se integrado na própria realidade í  medida que falava dela e de tê-la reconstruí­do ao falar dela. Agora essa realidade não aparece diante dela como coisa estranha. Quando o espetacular era concentrado, a maior parte da sociedade periférica lhe escapava; quando era difuso, uma pequena parte; hoje, nada lhe escapa. O espetáculo confundiu-se com toda a realidade, ao irradiá-la. Como era teoricamente previsí­vel, a experiência prática da realização sem obstáculos dos desí­gnios da razão mercantil logo mostrou que, sem exceção, o devir-mundo da falsificação era também o devir-falsificação do mundo. Exceto uma herança ainda considerável, mas com tendência a diminuir, de livros e construções antigas ââ?¬â? que são, aliás, cada vez mais selecionados e considerados de acordo com as conveniências do espetáculo ââ?¬â?, já não existe nada, na cultura e na natureza, que não tenha sido transformado e poluí­do segundo os meios e os interesses da indústria moderna”(21). As caracterí­sticas do espetacular integrado que ele analisa em todo o restante desses Comentários, e sobre os quais seriam necessárias algumas considerações as quais não podemos fazer aqui, são: “a incessante renovação tecnológica, a fusão econômico-estatal, o segredo generalizado, a mentira sem contestação e o presente perpétuo”(22).

* * *

“O que, ao contrário, constitui o mérito de nossa teoria é o fato não de ter uma idéia justa, mas de ter sido naturalmente conduzida a conceber essa idéia. Em resumo, não se poderia muito repetir senão que aqui ââ?¬â? como no domí­nio inteiro da prática ââ?¬â? a teoria está aí­ bem mais para formar o prático, para lhe fazer o julgamento, do que para lhe servir de indispensável apoio a cada passo de que necessita a realização de sua tarefa.”
CLAUSEWITZ, Campanha de 1814.

A primeira edição de A sociedade do espetáculo só veio í  luz no Brasil em julho de 1997(23), quase trinta anos após a primeira edição francesa e mais de duas décadas de sua tradução nas principais lí­nguas do mundo. Em 1972, houve uma primeira edição em Portugal, que Debord considerou a única que, com certeza, tivera até então uma boa tradução logo na primeira tentativa(24). Esta presente edição pelo Coletivo Acrático Proposta é feita a partir dessa tradução portuguesa com as naturais e não prejudiciais alterações lingüí­sticas(25). Sua intenção é baratear o acesso í  obra e facilitar o potlatch: daí­ porque ela venha fotocopiada, e com páginas duplas em folha de tamanho A4, em formato brochura (que, ao serem retirados os grampos, possibilita a sua reprodução barata em qualquer esquina). Revela com isso suas intenções práticas: quer contribuir não apenas para uma difusão não acadêmico-editorial da obra, mas para que a nova geração de contestadores sociais possa fazer das teses aqui apresentadas algum uso.

Esse aspecto tem também uma importância histórica. Mais de trinta anos após sua edição na França e seu uso prático pelos contestadores que se multiplicaram na Europa após [19]68, A sociedade do espetáculo agora encontra alguma ligação com os movimentos sociais que atuam sob e contra o Estado brasileiro. Esta ligação, com a presente edicão, conhece um modo de divulgação da obra que foi bastante usual no final dos anos [19]60 e em todos os anos [19]70 na Europa: sua divulgação através de uma edição pirata. É verdade que a edição brasileira anterior feita legalmente já permitiu um certo encontro de uma não tão ampla variedade de indiví­duos e grupos com a teoria crí­tica do espetáculo, o que foi reforçado depois com a edição do livro de Anselm Jappe, com a disponibilização de vários textos situacionistas nas páginas eletrônicas “Biblioteca Virtual Revolucionária”, “Na luta contra a alienação humana”, “Conselhos Operários” e “Comunistas de Conselhos” e pelas publicações na grande imprensa, uma vez ou outra, de artigos de acadêmicos sobre Guy Debord e sua obra. E assim, hoje, e apenas hoje, a crí­tica social desenvolvida por Debord começa a dar-se a conhecer e, pontualmente, a manter algum tipo de relação com uns poucos movimentos contestatórios que atuam por aqui. Esta é, talvez, a grande novidade, a qual vem compor (e com ela contribuir) esta edição pirata de A sociedade do espetáculo.

E este caráter de novidade tem uma explicação histórica. Em [19]68, e nos anos seguintes, não se verificou por aqui qualquer influência da teoria situacionista sobre o movimento estudantil e suas lutas contra a ditadura. Não há qualquer registro histórico de uma tal influência: não há conhecimento de nenhum panfleto, nenhuma inscrição em parede, nenhuma publicação ou grupo organizado que tenha manifestado, em suas posições, qualquer semelhança com a crí­tica do espetáculo, do trabalho assalariado, da sociedade mercantil e do Estado, crí­tica que, na Europa, os situacionistas estavam a sustentar. A influência do próprio [19]68 francês ââ?¬â? apresentado aqui e na Europa nos anos seguintes como uma “revolução estudantil” ââ?¬â? não se exerceu senão sobre o “estado de ânimo” da geração de estudantes que, em [19]68, combatia a ditadura, não se verificando nestes qualquer identificação com í s tendências profundas daquele movimento e suas expressões teóricas.

Os próprios situacionistas, em sua análise do maio francês, não deixaram de exagerar a influência do “movimento de ocupações” (de fábrica pelos operários grevistas) em maio sobre as lutas que se desenvolviam nos paí­ses semi-industrializados da América Latina. “A luta nos paí­ses capitalistas modernos”, dizem eles em uma primeira publicação sua sobre o movimento de maio, “tem naturalmente relançado a agitação dos estudantes contra os regimes ditatoriais, e nos paí­ses sub-desenvolvidos. Ao fim de maio [de 68], houve violentos confrontos em Buenos Aires, em Dakar, em Madrid, e uma greve de estudantes do Peru. Em junho, os incidentes se estenderam ao Brasil; ao Uruguai ââ?¬â? onde culminaram em uma greve geral ââ?¬â?; í  Argentina; í  Turquia, onde as universidades de Istambul e de Ankara fora ocupadas e fechadas sine die; e até ao Congo onde os secundaristas exigiram a supressão dos exames”(26).

Situado num capí­tulo de Enragés e situacionistas no movimento das ocupações, sobre as perspectivas da revolução mundial após o [19]68 francês, esse diagnóstico relaciona-se ali não diretamente com a influência das idéias situacionistas, mas com o desenvolvimento das lutas que se davam a partir da Europa e com as quais, segundo a avaliação da I.S., as idéias situacionistas teriam uma profunda e essencial ligação. É precisamente sobre esta aspecto que pode-se falar em exagero, na medida em que as questões práticas, tais como foram assumidas pelo movimento, ainda que sem dúvida dissessem respeito aos problemas do capitalismo em sua configuração mundial, não se desenvolviam aqui tendo as mesmas bases objetivas e perspectivas subjetivas que tiveram no movimento de maio e nas lutas que o seguiram nos anos seguintes na Europa (Itália, Espanha e mesmo nas experiências de autonomia proletária em Portugal durante a crise do salazarismo).

Na verdade, como sabemos, as lutas estudantis que se deram aqui contra a ditadura no final dos anos [19]60 tinham predominantemente um caráter democrático do ponto de vista polí­tico e as tendências “extremistas” organizadas mais influentes se mantiveram no horizonte de uma “revolução democrático-nacional”. Socialmente, tais lutas estudantis expressavam em grande medida a pressão da nova “classe média” que, constituí­da no interior do Estado e da nova fase de industrialização que teve partida nos anos [19]50, tinha no diploma universitário uma via de ascensão social. Falado assim, esse quadro não pretende fazer esquecer que aqueles foram anos ricos em discussões e debates, nos quais, portanto, haveria a possibilidade de se ver uma outra perspectiva teórico-programática surgir e, talvez, com conhecimento das tendências mais extremas que se desenvolviam na Europa naquele momento. Mas, ao final de [19]68, particularmente com a imposição fascista do AI-5, todas essas possibilidades ficariam definitivamente travadas, restando, em geral, para os jovens mais combativos, o ilusório caminho da luta armada(27).

Hoje, sem dúvida, Debord e seu pensamento ganham no Brasil como na Europa uma nova recepção, dessa vez midiática, que nada mais é do que um produto medí­ocre da reedição das obras e a publicação agora de suas Correspondências, buscando acompanhá-las na “autonomia da aparência” própria do espetáculo. Para nós, no entanto, repitamo-lo, o efetivamente novo é a recepção de sua crí­tica social por uma parcela bastante minoritária de ativistas sociais. Esse parcela, longe de reivindicar uma suposta tradição situacionista, quer, a partir de suas próprias lutas cotidianas, estabelecer um diálogo com a teoria crí­tica do espetáculo, enquanto crí­tica do mercado, do Estado e de seu sistema de alienações. Como disse, esta edição do Coletivo Acrático Proposta tem a ver com isso.

Campinas, SP, novembro de 2001

Notas

1. Do ponto de vista da formulação teórica dessa questão, três textos de Debord são fundamentais: Preliminares para uma definição da unidade do programa revolucionário (1960, em conjunto com Pierre Canjuers), Perspectivas de modificação consciente da vida cotidiana (publicado na I.S. nú 6, agosto de 1961) e Os situacionistas e as novas formas de atuação na polí­tica e na arte (1963).

2. Cf. Debord, “Notes pour servir í  lââ?¬â?¢histoire de lââ?¬â?¢I.S. de 1969 a 1971″ in La Véritable Scission dans lââ?¬â?¢Internationale [1972], Paris, Fayard, 1998, p. 95.

3. Ver, sobre isso, R. Gombin, Les Origines du gauchisme, Paris, Seuil, 1971; P. Wollen, “The Situationist International”, in New Left Review, London, March/April 1989, pp. 67 ss; A. Jappe, Guy Debord [1993], Petrópolis, Vozes, 1999, pp. 37 ss..

4. P. Canjuers, G. Debord, “Préliminaires pour une définition de lââ?¬â?¢unité du programme révolutionaire” [1960], in D. Blanchard, Debord dans le bruit de la cataracte du temps, Paris, Sens & Tonka, 2000, p. 54; Preliminares para uma definição da unidade do programa revolucionário, tradução para o português de Emiliano Aquino e Romain Dunand, no prelo (disponí­vel na home page “Debordiana” ââ?¬â? www.geocities.com/debordiana).

5. Grupo surgido em 1949, na França, do qual participaram Cornelius Castoriadis, Claude Lefort, Jean-François Lyotard, dentre outros; S. ou B. surgiu a partir do rompimento de seus fundadores com o Partido Comunista Internacionalista (trotskista) e ââ?¬â? a partir da crí­tica do suposto caráter “operário” e “pós-capitalista” da URSS, como sustentava Trotsky e seus companheiros, afirmando ao contrário seu caráter capitalista ââ?¬â? evoluiu progressivamente para uma posição em defesa da “autonomia operária”. Os textos que mais expressam essas reflexões são aqueles do próprio Castoriadis, particularmente os intitulados “Sobre o conteúdo do socialismo” que, num conjunto de três, foram formulados a partir de 1958. Entre o final de 1960 e maio de 1961, Debord participou de reuniões e atividades do grupo Socialismo ou Barbárie; com um grupo de seus militantes, foi a Bélgica, entre dezembro e janeiro, acompanhar atividades relativas í s greves que ocorriam naquele momento naquele paí­s; e, por fim, chegou a participar do Congresso do Pouvoir Ouvrier (Poder Operário) belga, pequena organização ligada ao Socialismo ou Barbárie francês. Em 5 de maio de [19]61, Debord dirige uma carta ao S. ou B. demitindo-se de sua participação, devido í  centralização extrema que ele encontrava ali e que se expressaria numa relação professores-alunos entre os militantes mais antigos e os mais novos. A esse respeito, ver Debord, Correspondance II, Paris, Fayard, 2001; e C. Bourseiller, Vie et mort de Guy Debord, Paris, Plon, 1999, pp. 149 ss e 164 ss.

6. Essa é uma questão que permanecerá presente nas preocupações situacionistas, que a consideram um exemplo da “organização estatal da sobrevivência”. Assim, quando em abril de 1963, na Inglaterra, o grupo clandestino Spies for peace revelou publicamente planos governamentais de preparação de uma eventual guerra nuclear, os situacionistas organizaram na Dinamarca uma mostra em homenagem í  ação do grupo inglês e como forma de manter e prosseguir a luta em torno dessa questão.

7. Para Debord, esses seriam os indí­cios da nova contestação social presente nos anos [19]60, articulando as lutas anti-sindicais dos operários, suas greves selvagens, e a revolta juvenil mais radical que buscava a transformação da vida cotidiana (o que, com certeza, o [19]68 francês e o amplo movimento contestatório dos anos seguintes iriam confirmar).

8. Em Portugal, foi editada em 1983, por Fenda Edições, na cidade de Coimbra, uma tradução de Júlio Henriques; essa mesma tradução encontra-se disponí­vel na internet, no endereço [www.terravista.pt/IlhadoMel/1540/miseriaestudantil.htm], e no Brasil circula uma distribuição potlatch sob o selo editorial @s enraivecidos.

9. P. Canjuers, G. Debord, Preliminares para uma definição da unidade do programa revolucionário, segundo a tradução para o português publicada pela home page “Debordiana” ââ?¬â? www.geocities.com/debordiana.

10. G. Debord e G. Sanguinetti, “Thí¨ses sur lââ?¬â?¢Internationale situationniste et son temps” in La Véritable Scission dans lââ?¬â?¢Internationale, edição citada, pp. 15-16.

11. G. Debord, “Rapport de Guy Debord í  la VIIe Conférence de lââ?¬â?¢I.S. í  Paris (extraits)” [1966], in La Véritable Scission dans lââ?¬â?¢Internationale, edição citada, pp. 132-133.

12. A. Jappe, Guy Debord, edição citada, pp. 58-59.

13. Particularmente os Manuscritos econômico-filosóficos, Miséria da filosofia, Trabalho assalariado e capital e Salário, preço e lucro.

14. A contemporaneidade da crí­tica teórica e da crí­tica prática é o que, do ponto de vista teórico-metodológico, segundo Marx, o diferenciava da economia polí­tica clássica, segundo diz no Posfácio da 2ê edição alemã de O capital (1873); nesse texto, ele identifica claramente a economia polí­tica com as relações de produção capitalistas, e a crí­tica da economia polí­tica com as lutas do proletariado, entendendo-a como a sua expressão teórica. A partir de 1830, em França e na Inglaterra, “a luta de classes reveste, na teoria como na prática, formas cada vez mais declaradas, cada vez mais ameaçadoras. É ela quem dá o toque de finados da economia burguesa cientí­fica”, diz Marx. E, quanto a crí­tica da economia polí­tica, diz ele mais adiante, “Na medida em que representa uma classe, tal crí­tica só pode representar aquela cuja missão histórica é revolucionar o modo-de-produção capitalista e, finalmente, abolir as classes ââ?¬â? o proletariado”. Uma excelente análise dessa relação entre a teoria marxiana e as lutas proletárias ââ?¬â? apesar da presença ali de conceitos questionáveis como “marxismo” e “sistema marxista” ââ?¬â? pode ser encontrada na obra de Karl Korsch Marxismo e filosofia (1923), livro que, sem dúvida, também teve influência no pensamento de Debord, particularmente quanto í  crí­tica da ideologia e a sua concepção de teoria.

15. Capital variável diz do dinheiro-capital investido na compra de força de trabalho e que, pela produção da mais-valia, varia (aumenta) em relação í  sua quantia inicialmente investida; Marx o diferencia do capital constante (e não do capital fixo), aquela parte do dinheiro-capital investida em meios de produção e que, no processo de autovalização do capital, mantém-se inalterada em seu valor, apenas transferindo-o ââ?¬â? pelo desgaste e o consumo desses meios durante a produção mesma ââ?¬â? para as novas mercadorias produzidas. Já o capital fixo é a parte do dinheiro-capital investida naqueles meios de produção mais permanentes (máquinas, instalações etc), e que se diferencia do capital circulante, a parte do dinheiro-capital investida naquelas mercadorias (força de trabalho, matérias-primas, energia, combustí­vel”¦) que, no processo de produção, mais rapidamente são consumidos e é, assim, a parte do capital que mais rapidamente deve ser renovada em seu investimento. Essas duplas conceituais têm funções especí­ficas e diferentes nas análises de Marx sobre as tendências da economia capitalista, funções sobre as quais não cabe aqui falar. Mas, não tem menor sentido em falar que í  burguesia cabe portar apenas o capital fixo e, ao proletariado, o capital variável, mesmo considerando aí­ a perspectiva do Krisis. Mais correto seria dizer, nesse caso, mas já segundo o nosso ponto de vista, que o proletariado é determinado pela sua submissão ao capital variável, ao salário, e a burguesia pela sua identidade com o movimento do capital como um todo em seu movimento tautológico de auto-valorização: D-M-Dââ?¬â?¢ (Dinheiro-Mercadoria-Dinheiro a mais). E, assim, há também que se observar que o proletariado é forçado a incluir-se na relação mercantil por sua busca de valores de uso, daí­ porque veja-se economicamente coagido a vender sua força de trabalho; já o que move a burguesia, enquanto portadora do dinheiro-capital, é a criação e a realização monetária de mais-valor. A contradição que daí­ surge, no entanto, antes de ser conceitual ou “categorial”, é da ordem prática, tanto no que diz respeito í  experiência cotidiana dos diversos constrangimentos e a resistência a eles, quanto í  experiência histórica das lutas proletárias, e sua compreensão.

16. Para uma crí­tica das posições do grupo Krisis, ver Ilana Amaral, “Crí­tica ao ââ?¬Ë?Manifesto contra o trabalhoââ?¬â?¢ “ (revista contra-a-corrente, Fortaleza, CE, nú 9, set-dez/99); e sobre a relação entre a crí­tica da economia polí­tica e as lutas cotidianas, ver da mesma autora “Por que não somos marxistas, situacionistas, conselhistas, anarquistas”¦ mas, simplesmente, inimig@s da economia polí­tica” (revista contra-a-corrente, Fortaleza, CE, nú 12, set-dez/01).

17. Cf. Debord, “Notes pour servir í  lââ?¬â?¢histoire de lââ?¬â?¢I.S. de 1969 í  1971″ in La Véritable Scission dans lââ?¬â?¢Internationale, p. 122.

18. Section italienne de lââ?¬â?¢Internationale situationniste, Écrits complets. 1969-1972. Traduits par Joí«l Gayraud et Luc Mercier, Paris, Éditions Contre-Moule, 1988, p. 60.

19. Debord, “Prefácio í  4ê edição italiana de A sociedade do espetáculo” in G. Debord, A sociedade do espetáculo, tradução de Estela dos Santos Abreu, Rio de Janeiro, Contraponto, 1997, pp. 152-153.

20. Debord, “Comentários sobre a sociedade do espetáculo” in G. Debord, A sociedade do espetáculo, edição citada, p. 172.

21. Idem, p. 173.

22. Idem, p. 175.

23. Essa edição traz ainda a “Advertência da edição francesa de 1992″, o “Prefácio í  4ê edição italiana de A sociedade do espetáculo” (1979) e os Comentários sobre a sociedade do espetáculo (1988).

24. Cf. Debord, “Prefácio í  4ê edição italiana de A sociedade do espetáculo” in A sociedade do espetáculo, edição citada, p. 145.

25. A tradução é de Francisco Alves e Afonso Monteiro, reeditada pelas Edições Mobilis in Mobile, Lisboa, 1991 (e que se encontra na home page portuguesa “Conselhos Operários” ââ?¬â? [http://www.geocities.com/Paris/Rue/5214/debord.htm]).

26. R. Viénet, Enragés et situationnistes dans le mouvement des occupations (1968), Paris, Gallimard, 1998, p. 208. Esta obra, ainda que assinada por René Viénet, teria sido ââ?¬â? segundo Christophe Bourseiller ââ?¬â? uma “obra coletiva”. Cf. C. Bourseiller, Vie et mort de Guy Debord, edição citada, pp. 283-284.

27. Faço questão de observar que o caráter ilusório da luta armada dos últimos anos [19]60 e primeiros [19]70 no Brasil não elimina a justeza humana e polí­tica daquelas ações armadas que ââ?¬â? a despeito das primeiras ilusões quanto ao desenvolvimento de “guerra de guerrilhas”, “foco guerrilheiro”, “guerra popular prolongada” em que se dividiam conceitualmente os diversos grupos de guerrilha urbana e rural ââ?¬â? tiveram a utilidade de salvar a vida daqueles que, presos nos calabouços da ditadura, tinham ali a limine sua pena capital decretada e a ponto de ser executada.

Texto extraí­do do sí­tio Debordiana, sobre Guy Debord, em várias lí­nguas, inclusive português.

Acervo: http://www.rizoma.net

“Quero falar mas a Tempestade não deixa” – Curitiba, Teatro José Maria Santos, 22/02/2006

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Quero falar mas a Tempestade não deixa

Adaptação de Pagu Leal para o texto “A Tempestade” de William Shakespeare.

Texto – Pagu Leal
Direção – Silvia Monteiro
Elenco – Luiz Carlos Pazello, Pagu Leal, Adriano Petermann e Carol Mammarella

Data: 22/02/2006 (estréia) a 12/03/2006
Horário: Quarta a Sábado í s 21h e Domingo í s 19h
Ingressos: R$ 12,00 (inteira) e R$ 6,00 (meia)
Local: Teatro José Maria Santos – Rua Treze de Maio, 655 – 3322.7150

Fotos: Mathieu Bertrand Struck

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(Pagu Leal)

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ââ?¬Å?O axônio é o pai da mentiraââ?¬Â?

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Fotografia dos mentirosos patológicos
José Domingos Fontana
Paraná-Online [19/02/2006], para usuários registrados.

É da Universidade do Sul da Califórnia (USC) a primeira prova experimental em anormalidades estruturais do cérebro em pessoas que habitualmente mentem, enganam e manipulam os outros. O resultado comentado por Usha Sutliff é tido como uma fotografia confiável dos mentirosos patológicos. Os resultados estão publicados na edição de outubro de 2005 do Britisch Journal of Psychiatry e estão encabeçados pelos pesquisadores Yaling Yang e Adrian Raine da Faculdade de Letras, Artes e Ciências da USC.

Pesquisas anteriores já indicavam que quando uma pessoa mente, aparece uma atividade elevada no córtex prefrontal, ou seja, na área do cérebro que permite que uma pessoa também tenha remorsos ou aprenda comportamentos morais.

A amostragem humana foi de 108 voluntários atuando como empregados temporários. Uma bateria de testes psicológicos e entrevistas selecionou 12 dos voluntários na categoria dos que têm uma história de mentiras repetitivas (11 homens e uma mulher). Outros 16 exibiam sinais de desordem anti-social da personalidade mas isenta da patologia da mentira constante (15 homens e uma mulher). Outros 21 selecionados, (15 homens e 6 mulheres) foram selecionados como controles (normais).

Os entrevistadores fizeram foco em inconsistências, tais como estórias a respeito da ocupação, educação, crimes e perfil familiar. Os mentirosos patológicos foram altamente contraditórios durante a entrevista. São imprudentes em termos de seu modo de ser, mas igualmente frios quando falam a respeito disso. Além das histórias de enganação de outrem ou de uso de nomes falsos, os mentirosos habituais admitem o hábito da “fofoca” ou de contar falsidades para obter benefí­cios doentios.

Uma vez completa a seleção dos voluntários, os pesquisadores os submeteram ao Imageamento por Ressonância Magnética do cérebro para explorar diferenças entre os grupos. Nesta análise, o corpo (no caso, a cabeça) do paciente é submetida í  ação de um potente magneto (até 2 Tesla ou 20.000 gauss), combinado a magnetos de gradiente de muito menor potência (18 a 27 miliTesla; que permitirão o “fatiamento” das imagens) mais pulsos de energia de ondas de rádio dirigidos aos átomos de hidrogênio das proteí­nas, gorduras e carboidratos que vão gerar mapas (depois convertidos em imagens) biou tridimensionais.

O que se encontrou é que os mentirosos têm significativamente muito mais “matéria branca” e levemente menos “matéria cinza” em relação aos controles. Mais especificamente, os mentirosos mostraram um incremento médio de 22% de “matéria branca” na região prefrontal . A “matéria cinza” do cérebro é dominada por corpos celulares e não tem cobertura de mielina. A mielina é um esfingolipí­dio que recobre e isola os axônios dos neurônios e incrementa a velocidade de condução dos impulsos nervosos. A “matéria branca”, ao contrário, é uma camada reluzente debaixo do córtex, que consiste principalmente de axônios com revestimento de mielina esbranquiçada.

O decréscimo de “matéria cinza”, dentro da mesma comparação, foi em média de 14%. Mais matéria-prima de conexão (a mentira exige um esforço cerebral extra) ajuda o mentiroso a exercitar a arte da fraude. Menos matéria-prima para o freio de ordem moral deixa o mentiroso mais í  vontade para a sua arte de enganar. Quando as pessoas tomam decisões de ordem moral elas dependem do desempenho do córtex prefrontal, razão pela qual esta região está excepcionalmente ativada. Com o decréscimo de matéria-cinza nesta área cerebral, o mentiroso costumeiro está menos sujeito í s restrições ou menos propenso a processar alguma frenagem de ordem moral.

Os autores admitem que seu estudo carece de aprofundamento (incluindo outras regiões do cérebro), mas já o admitem de futura utilidade para o sistema de justiça criminal e mesmo no mundo dos negócios. Interessantemente crianças autistas têm sabida dificuldade em articular mentiras e harmonicamente com os achados da pesquisa da USC a relação quantitativa entre “matéria cinza/matéria branca” nos autistas está em pleno acordo. É de se especular o avanço que as CPIs (Comissões Parlamentares de Inquérito) experimentariam se o relator Osmar Serraglio, na próxima aterrisagem nos EUA, resolver firmar algum convênio com a USC.

José Domingos Fontana (jfontana@ufpr.br) é professor emérito na UFPR junto ao Departamento de Farmácia, pesquisador do CNPq e prêmio paranaense em C&T.

mentiroso-partitura

eXsperando @rTchewsk-e

Se eu, bazar provendo quermesse, não os tivesse tirado do esquecimento a que os votavam lendas e lendas, seu centro estava ausente, seu janeiro além do contrôle, a salvo de incêndios, de todo destino isento. Quis al. Num raio de dois olhares, nenhum lençol de fantasma para serenar meu gôsto por êsse tipo de espetáculo.

Conjuga um sistema arreverso, cultiva tudo que lhe tanja, convida tudo que fôr angênico, miasma, escória, diferença, rebotalho, carência insubsistente, os gnomos de Prestesjoão a cair sôbre os pigmeus, petranhas edificantes. O revérbero toma a forma que o torna um dilema equilátero. O revérbero: sí­stole do ser, diástole já produta de si própria pelo outro.

Manter as últimas consequências dentro dos justos limites | Imparódias em falsete: o limite aonde tende o hiato deixado pelas elipses cuja razão de ser sua função já cumpriu a contentamento.

Atrás da orelha: o pulgatório entresai.
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p. leminski – catatau 1975

cozinhando com puros dados / Surface Tension _ Curitba / Ligia Borba e Katia Horn – Ybakatu, 10 de fevereiro

Kibe e Tabule. Ação culinária de Lí­gia Borba e kátia Horn no espaço de arte Ybakatu – 10/02/2006 – Fragmentos pré cozidos da Ilí­ada na tradução de Odorico Mendes. fotos: Gilson Camargo

Iliada canto I – Agamenon expulsa Crises, sacerdote de Apolo, e recusa-se a entregar-lhe a filha

“Foge, Agamêmnon replicou-lhe, foge,
Se é teu prazer; que fiques não te imploro:
Honram-me outros, e em Júpiter confio.
Dos reis alunos dele és quem detesto;
Só respiras discórdias, rixas, pugnas.

Tens valor? Agradece-lho. Os navios
Recolhe e os teus; nos Mirmidões impera:
Não te demoro; esse rancor desdenho.
Priva-me de Criseida Febo Apolo:
Em nau minha esquipada vou mandá-la.

à tenda hei de ir-te mesmo, eu to previno,
Tomar-te a elegantí­ssima Briseida;
Sentirás em poder como te excedo,
E outrem se me antepor e ombrear trema.”

O canto I da Iliada (texto integral) com Caludete Pereira Jorge poderá ser visto no auditório da Biblioteca Pública do Paraná nos dias 21 e 22 de março de 2006 í s 21h00

iliada canto XVIPatroclo mata a Sarpédon e despoja-lhe o cadáver

Nu de escudo
Fere a Pronos o peito; os membros laxa,
E fragoroso expira. De outro bote
Prostra o Enópio Testor, que perturbado
No assento encolhe-se e demite as rédeas:
Pela destra maçã lhe fisga os dentes,
A si contrai a lança; e, qual se pesca
De linha e anzol, de cima de um rochedo,
Grã sacro peixe, pela boca hiante
Do carro abaixo o tira inanimado.

Joga uma pedra a Erí­alo que arrosta,
O elmo parte a cabeça racha em duas;
Por terra se debruça, e a morte o cinge.
Patroclo, um após outro, ao chão derriba
A Erimas e Anfotero, Epalte e Pires,
Équio e Ifeu, Tlepolemo Damastório,
A Polí­melo Argeiades e Evipo.
Dele Sarpédon vendo os seus domados,
Repreende os nobres Lí­cios: “Que vergonha!
Onde, Lí­cios, fugis? Como sois ágeis!
Corro a provar o armipotente braço,
Que a tantos campeões tolhe os joelhos.”
Do carro eis salta e apeia-se Patroclo.
Quais, de bico recurvo e garra adunca,
Sobre alta penha aos guinchos dois abutres,
Travam-se eles gritando


O canto XVI da Iliada (texto integral) com Richard Rebello poderá ser visto no auditório da Biblioteca Pública do Paraná nos dias 23 e 24 de março de 2006 í s 21h00

Iliada canto XIIINetuno resolve ajudar os gregos na ausência de Aquiles

Jove, Heitor já na praia, deixa aos Teucros
A angustia e o peso; aos Traces cavaleiros
Fúlgidos olhos volve, aos Hipomolgos
Galtófagos longevos, aos rompentes
Mí­sios, íbios justí­ssimos dos homens;

Nem pensou que imortal algum viesse
Favorecer a Gregos ou Troianos.

Em não cega atalaia, do alto cume
Da Samotrácia umbrosa, contemplando
A guerra o Enosigeu, todo o Ida avista,
A Priâmea cidade e as naus atenta:
Ali do mar saí­ra, e dos vencidos
Graios com dó, se inflama contra Jove.

Desse alcantil baixando, o monte e a selva
Sob seus pés retremem, dá três passos,
E ao quarto Eges alcança, em cujos mares
Tem fundo áureo palácio indestrutí­vel.

Entra, junge os erí­pedes fogosos
De crinas de ouro, de ouro o corpo arnesa,
De ouro o chicote apunha artificioso,
E monta ao coche, pelas ondas voa:

Flags & Volts

O Binômio de Newton é tão belo como a Vênus de Milo.
O que há é pouca gente para dar por isso.

óóóó ââ?¬â? óóóóóóóóó ââ?¬â? óóóóóóóóóóóóóóó

(O vento lá fora.)

íLVARO DE CAMPOS

bandeira-registro
Bandeira
(Ribeirão da Ilha, Florianópolis)
Foto: Felipe Nascimento

Ode Triunfal
6-1914

à dolorosa luz das grandes lâmpadas eléctricas da fábrica
Tenho febre e escrevo.
Escrevo rangendo os dentes, fera para a beleza disto,
Para a beleza disto totalmente desconhecida dos antigos.
 rodas, ó engrenagens, r-r-r-r-r-r-r eterno!
Forte espasmo retido dos maquinismos em fúria!
Em fúria fora e dentro de mim,
Por todos os meus nervos dissecados fora,
Por todas as papilas fora de tudo com que eu sinto!
Tenho os lábios secos, ó grandes ruí­dos modernos,
De vos ouvir demasiadamente de perto,
E arde-me a cabeça de vos querer cantar com um excesso
De expressão de todas as minhas sensações,
Com um excesso contemporâneo de vós, ó máquinas!

Em febre e olhando os motores como a uma Natureza tropical –
Grandes trópicos humanos de ferro e fogo e força –
Canto, e canto o presente, e também o passado e o futuro,
Porque o presente é todo o passado e todo o futuro
E há Platão e Virgí­lio dentro das máquinas e das luzes eléctricas
Só porque houve outrora e foram humanos Virgí­lio e Platão,
E pedaços do Alexandre Magno do século talvez cinquenta,
ítomos que hão-de ir ter febre para o cérebro do Ésquilo do século cem,
Andam por estas correias de transmissão e por estes êmbolos e por estes volantes,
Rugindo, rangendo, ciciando, estrugindo, ferreando,
Fazendo-me um acesso de carí­cias ao corpo numa só carí­cia í  alma.

Ah, poder exprimir-me todo como um motor se exprime!
Ser completo como uma máquina!
Poder ir na vida triunfante como um automóvel último-modelo!
Poder ao menos penetrar-me fisicamente de tudo isto,
Rasgar-me todo, abrir-me completamente, tornar-me passento
A todos os perfumes de óleos e calores e carvões
Desta flora estupenda, negra, artificial e insaciável!

Fraternidade com todas as dinâmicas!
Promí­scua fúria de ser parte-agente
Do rodar férreo e cosmopolita
Dos comboios estrénuos,
Da faina transportadora-de-cargas dos navios,
Do giro lúbrico e lento dos guindastes,
Do tumulto disciplinado das fábricas,
E do quase-silêncio ciciante e monótono das correias de transmissão!

Horas europeias, produtoras, entaladas
Entre maquinismos e afazeres úteis!
Grandes cidades paradas nos cafés,
Nos cafés – oásis de inutilidades ruidosas
Onde se cristalizam e se precipitam
Os rumores e os gestos do Útil
E as rodas, e as rodas-dentadas e as chumaceiras do Progressivo!
Nova Minerva sem-alma dos cais e das gares!
Novos entusiasmos de estatura do Momento!
Quilhas de chapas de ferro sorrindo encostadas í s docas,
Ou a seco, erguidas, nos planos-inclinados dos portos!
Actividade internacional, transatlântica, Canadian-Pacific!
Luzes e febris perdas de tempo nos bares, nos hotéis,
Nos Longchamps e nos Derbies e nos Ascots,
E Piccadillies e Avenues de L’Opéra que entram
Pela minh’alma dentro! Hé-lá as ruas, hé-lá as praças, hé-lá-hô la foule!
Tudo o que passa, tudo o que pára í s montras!
Comerciantes; vários; escrocs exageradamente bem-vestidos;
Membros evidentes de clubes aristocráticos;
Esquálidas figuras dúbias; chefes de famí­lia vagamente felizes
E paternais até na corrente de oiro que atravessa o colete
De algibeira a algibeira!
Tudo o que passa, tudo o que passa e nunca passa!
Presença demasiadamente acentuada das cocotes
Banalidade interessante (e quem sabe o quê por dentro?)
Das burguesinhas, mãe e filha geralmente,
Que andam na rua com um fim qualquer;
A graça feminil e falsa dos pederastas que passam, lentos;
E toda a gente simplesmente elegante que passeia e se mostra
E afinal tem alma lá dentro! (Ah, como eu desejaria ser o souteneur disto tudo!)


vila4web

Vila da Glória
Foto: Gilson Camargo

A maravilhosa beleza das corrupções polí­ticas,
Deliciosos escândalos financeiros e diplomáticos,
Agressões polí­ticas nas ruas,
E de vez em quando o cometa dum regicí­dio
Que ilumina de Prodí­gio e Fanfarra os céus
Usuais e lúcidos da Civilização quotidiana!

Notí­cias desmentidas dos jornais,
Artigos polí­ticos insinceramente sinceros,
Notí­cias passez í -la-caisse, grandes crimes –
Duas colunas deles passando para a segunda página!
O cheiro fresco a tinta de tipografia!
Os cartazes postos há pouco, molhados!
Vients-de-paraí®tre amarelos como uma cinta branca!
Como eu vos amo a todos, a todos, a todos,
Como eu vos amo de todas as maneiras,
Com os olhos e com os ouvidos e com o olfacto
E com o tacto (o que palpar-vos representa para mim!)
E com a inteligência como uma antena que fazeis vibrar!
Ah, como todos os meus sentidos têm cio de vós!

Adubos, debulhadoras a vapor, progressos da agricultura!
Quí­mica agrí­cola, e o comércio quase uma ciência!
 mostruários dos caixeiros-viajantes,
Dos caixeiros-viajantes, cavaleiros-andantes da Indústria,
Prolongamentos humanos das fábricas e dos calmos escritórios!

 fazendas nas montras!  manequins!  últimos figurinos!
 artigos inúteis que toda a gente quer comprar!
Olá grandes armazéns com várias secções!
Olá anúncios eléctricos que vêm e estão e desaparecem!
Olá tudo com que hoje se constrói, com que hoje se é diferente de ontem!
Eh, cimento armado, beton de cimento, novos processos!
Progressos dos armamentos gloriosamente mortí­feros!
Couraças, canhões, metralhadoras, submarinos, aeroplanos!
Amo-vos a todos, a tudo, como uma fera.
Amo-vos carnivoramente.
Pervertidamente e enroscando a minha vista
Em vós, ó coisas grandes, banais, úteis, inúteis,
 coisas todas modernas,
 minhas contemporâneas, forma actual e próxima
Do sistema imediato do Universo!
Nova Revelação metálica e dinâmica de Deus!

 fábricas, ó laboratórios, ó music-halls, ó Luna-Parks,
 couraçados, ó pontes, ó docas flutuantes –
Na minha mente turbulenta e encandescida
Possuo-vos como a uma mulher bela,
Completamente vos possuo como a uma mulher bela que não se ama,
Que se encontra casualmente e se acha interessantí­ssima. Eh-lá-hô fachadas das grandes lojas!
Eh-lá-hô elevadores dos grandes edifí­cios!
Eh-lá-hô recomposições ministeriais!
Parlamentos, polí­ticas, relatores de orçamentos,
Orçamentos falsificados!
(Um orçamento é tão natural como uma árvore
E um parlamento tão belo como uma borboleta).

Eh-lá o interesse por tudo na vida,
Porque tudo é a vida, desde os brilhantes nas montras
Até í  noite ponte misteriosa entre os astros
E o mar antigo e solene, lavando as costas
E sendo misericordiosamente o mesmo
Que era quando Platão era realmente Platão
Na sua presença real e na sua carne com a alma dentro,
E falava com Aristóteles, que havia de não ser discí­pulo dele.

Eu podia morrer triturado por um motor
Com o sentimento de deliciosa entrega duma mulher possuí­da.
Atirem-me para dentro das fornalhas!
Metam-me debaixo dos comboios!
Espanquem-me a bordo de navios!
Masoquismo através de maquinismos!
Sadismo de não sei quê moderno e eu e barulho!

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Jesus of the Electric
Foto: striatic

Up-lá hô jockey que ganhaste o Derby,
Morder entre dentes o teu cap de duas cores!
(Ser tão alto que não pudesse entrar por nenhuma porta!
Ah, olhar é em mim uma perversão sexual!)

Eh-lá, eh-lá, eh-lá, catedrais!
Deixai-me partir a cabeça de encontro í s vossas esquinas. E ser levado da rua cheio de sangue
Sem ninguém saber quem eu sou!

 tramways, funiculares, metropolitanos,
Roçai-vos por mim até ao espasmo!
Hilla! hilla! hilla-hô!
Dai-me gargalhadas em plena cara,
 automóveis apinhados de pândegos e de…,
 multidões quotidianas nem alegres nem tristes das ruas,
Rio multicolor anónimo e onde eu me posso banhar como quereria!
Ah, que vidas complexas, que coisas lá pelas casas de tudo isto!
Ah, saber-lhes as vidas a todos, as dificuldades de dinheiro,
As dissensões domésticas, os deboches que não se suspeitam,
Os pensamentos que cada um tem a sós consigo no seu quarto
E os gestos que faz quando ninguém pode ver!
Não saber tudo isto é ignorar tudo, ó raiva,
 raiva que como uma febre e um cio e uma fome
Me põe a magro o rosto e me agita í s vezes as mãos
Em crispações absurdas em pleno meio das turbas
Nas ruas cheias de encontrões!

Ah, e a gente ordinária e suja, que parece sempre a mesma,
Que emprega palavrões como palavras usuais,
Cujos filhos roubam í s portas das mercearias
E cujas filhas aos oito anos – e eu acho isto belo e amo-o! –
Masturbam homens de aspecto decente nos vãos de escada.
A gentalha que anda pelos andaimes e que vai para casa
Por vielas quase irreais de estreiteza e podridão.
Maravilhosamente gente humana que vive como os cães
Que está abaixo de todos os sistemas morais,
Para quem nenhuma religião foi feita,
Nenhuma arte criada,
Nenhuma polí­tica destinada para eles!
Como eu vos amo a todos, porque sois assim,
Nem imorais de tão baixos que sois, nem bons nem maus,
Inatingí­veis por todos os progressos,
Fauna maravilhosa do fundo do mar da vida!

(Na nora do quintal da minha casa
O burro anda í  roda, anda í  roda,
E o mistério do mundo é do tamanho disto.
Limpa o suor com o braço, trabalhador descontente.
A luz do sol abafa o silêncio das esferas
E havemos todos de morrer,
 pinheirais sombrios ao crepúsculo,
Pinheirais onde a minha infância era outra coisa
Do que eu sou hoje…)

Mas, ah outra vez a raiva mecânica constante!
Outra vez a obsessão movimentada dos ónibus.
E outra vez a fúria de estar indo ao mesmo tempo dentro de todos os comboios
De todas as partes do mundo,
De estar dizendo adeus de bordo de todos os navios,
Que a estas horas estão levantando ferro ou afastando-se das docas.
 ferro, ó aço, ó alumí­nio, ó chapas de ferro ondulado!
 cais, ó portos, ó comboios, ó guindastes, ó rebocadores!

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The Brain
Foto: scottwills

Eh-lá grandes desastres de comboios!
Eh-lá desabamentos de galerias de minas!
Eh-lá naufrágios deliciosos dos grandes transatlânticos!
Eh-lá-hô revoluções aqui, ali, acolá,
Alterações de constituições, guerras, tratados, invasões,
Ruí­do, injustiças, violências, e talvez para breve o fim,
A grande invasão dos bárbaros amarelos pela Europa,
E outro Sol no novo Horizonte!

Que importa tudo isto, mas que importa tudo isto
Ao fúlgido e rubro ruí­do contemporâneo,
Ao ruí­do cruel e delicioso da civilização de hoje?
Tudo isso apaga tudo, salvo o Momento,
O Momento de tronco nu e quente como um fogueiro,
O Momento estridentemente ruidoso e mecânico,
O Momento dinâmico passagem de todas as bacantes
Do ferro e do bronze e da bebedeira dos metais.

Eia comboios, eia pontes, eia hotéis í  hora do jantar,
Eia aparelhos de todas as espécies, férreos, brutos, mí­nimos,
Instrumentos de precisão, aparelhos de triturar, de cavar,
Engenhos brocas, máquinas rotativas! Eia! eia! eia!
Eia electricidade, nervos doentes da Matéria!
Eia telegrafia-sem-fios, simpatia metálica do Inconsciente!
Eia túneis, eia canais, Panamá, Kiel, Suez!
Eia todo o passado dentro do presente!
Eia todo o futuro já dentro de nós! eia!
Eia! eia! eia!
Frutos de ferro e útil da árvore-fábrica cosmopolita!
Eia! eia! eia! eia-hô-ô-ô!
Nem sei que existo para dentro. Giro, rodeio, engenho-me.
Engatam-me em todos os comboios.
Içam-me em todos os cais.
Giro dentro das hélices de todos os navios.
Eia! eia-hô! eia!
Eia! sou o calor mecânico e a electricidade!

Eia! e os rails e as casas de máquinas e a Europa!
Eia e hurrah por mim-tudo e tudo, máquinas a trabalhar, eia!

Galgar com tudo por cima de tudo! Hup-lá! Hup-lá, hup-lá, hup-lá-hô, hup-lá!
Hé-la! He-hô! H-o-o-o-o!
Z-z-z-z-z-z-z-z-z-z-z-z!
Ah não ser eu toda a gente e toda a parte!

Londres, 1914 – Junho.

taz

í± – O que é Zona Autônoma Temporária?

Ã?Ë? – A Zona Autônoma Temporária é uma idéia que algumas pessoas acham que eu criei, mas eu não acho que tenha criado ela. Eu só acho que eu pus um nome esperto em algo que já estava acontecendo: a inevitável tendência dos indiví­duos de se juntarem em grupos para buscarem a liberdade. E não terem que esperar por ela até que chegue algum futuro utópico abstrato e pós-revolucionário. A questão é: como os indiví­duos maximizam a liberdade sob as situações nos dias de hoje, no mundo real? Eu não estou perguntando como nós gostarí­amos que o mundo fosse, nem naquilo em que nós estamos querendo transformar o mundo, mas o que podemos fazer aqui e agora. Quando falamos sobre uma Zona Autônoma Temporária, estamos falando em como um grupo, uma coagulação voluntária de pessoas afins não-hierarquizadas, pode maximizar a liberdade por eles mesmos numa sociedadade atual. Organização para a maximização de atividades prazeirosas sem controle de hierarquias opressivas. Existem pontos na vida de todos que as hierarquias opressivas invadem numa regularidade quase diária: você pode falar sobre educação compulsória, ou trabalho. Você é forçado a ganhar a vida, e o trabalho por si só é organizado como uma hierarquia opressiva. Então a maioria das pessoas, todos os dias, tem que tolerar a hierarquia opressiva do trabalho alienado. Por essa razão, criar uma Zona Autônoma Temporária significa fazer algo real sobre essas hierarquias reais e opressivas – não somente declarar antipatia teórica a essas instituições. Você vê a diferença que eu coloco aqui? No aumento da popularidade do livro, muitas pessoas se confundiram com esse termo e usaram ele como um rótulo para todo o tipo de coisa que ele realmente não é. Isso é inevitável, uma vez que o próprio ví­rus da frase está solto na rede (para usar metáforas de computadores). Se as pessoas usam erroneamente ele ou não isso não é tão importante, porque o significado está inscrustado no termo. É como um ví­rus verbal. Ele diz o que significa.

Debora Santiago / Babaganoush / 03 de fevereiro – Ybakatu

Babaganoush

Berinjelas queimadas sobre as grelhas do fogão (quantidade: aproximadamente í½ berinjela por pessoa). É importante que as berinjelas sejam queimadas diretamente sobre o fogo para deixar o gosto de defumado.
Depois de queimadas tirar a casca carbonizada e esmagar o recheio formando uma pasta.
Misturar a pasta de berinjela com a pasta de tahine.
Pasta de tahine:
3 colheres de tahine (pasta pronta de gergelim) 1 dente de alho esmagado e sumo de um limão (para cada 4 berinjelas) e água até fazer uma pasta homogênea. Sal a gosto.

Servir com pão pita, pão folha, broto de alfafa, cenoura, cebola, folhas e azeite.

Drink Ogumda
Saquê e água de côco. (í½ de cada)

Mais do mesmo – Charges de Maomé – Compilação de Opiniões

maomé23
(William Blake)

Dante, Inferno XXVIII, 19-42

The poets are in the ninth
chasm of the eighth circle, that of the Sowers of
Discord, whose punishment is to be mutilated.
Mahomet shows his entrails to Dante and Virgil
while on the left stands his son Ali, his head cleft
from chin to forelock.

Veja nos comentários deste post uma descompromissada compilação das opiniões de intelectuais e articulistas brasileiros sobre a controvérsia envolvendo a publicação, em diversos periódicos, das charges do Profeta Maomé.

Leitor: enriqueça tal compilação com outros posicionamentos porventura encontrados (ou com os seus próprios), inclusive oriundos de entidades religiosas islâmicas.

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(Salvador Dali, retratando o Profeta exibindo suas entranhas)

Insults are mysteries. What seems to the bystander to be the cruelest, most destructive sledgehammer of an assault, whore! slut! tart!, can leave its target undamaged, while an apparently lesser gibe, thank god you’re not my child, can fatally penetrate the finest suits of armour, you’re nothing to me, you’re less than the dirt on the soles of my shoes, and strike directly at the heart.” (Salman Rushdie, The Ground Beneath Her Feet, 1999)

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Sutilezas do Dogma: Esta imagem foi pintada pela artista iraniana Oranous (muçulmana que vive em Teerã) e retrata Maomé, quando este ainda era um simples pastor de carneiros. Embora se trate de um retrato – tal qual as caricaturas criticadas – ele não é profano ou viola as leis corânicas. Sim, pois a imagem retrata o jovem Maomé, antes de ser visitado pelo Arcanjo Gabriel (quando recebeu a Revelação). Ou seja, tecnicamente, este rapazola ainda não era o Profeta e pode ser retratado, sem maiores problemas (v.g. incêndios de embaixadas, boicote de iogurtes, fatwas diversas etc).