Mais do mesmo – Charges de Maomé – Compilação de Opiniões

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(William Blake)

Dante, Inferno XXVIII, 19-42

The poets are in the ninth
chasm of the eighth circle, that of the Sowers of
Discord, whose punishment is to be mutilated.
Mahomet shows his entrails to Dante and Virgil
while on the left stands his son Ali, his head cleft
from chin to forelock.

Veja nos comentários deste post uma descompromissada compilação das opiniões de intelectuais e articulistas brasileiros sobre a controvérsia envolvendo a publicação, em diversos periódicos, das charges do Profeta Maomé.

Leitor: enriqueça tal compilação com outros posicionamentos porventura encontrados (ou com os seus próprios), inclusive oriundos de entidades religiosas islâmicas.

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(Salvador Dali, retratando o Profeta exibindo suas entranhas)

Insults are mysteries. What seems to the bystander to be the cruelest, most destructive sledgehammer of an assault, whore! slut! tart!, can leave its target undamaged, while an apparently lesser gibe, thank god you’re not my child, can fatally penetrate the finest suits of armour, you’re nothing to me, you’re less than the dirt on the soles of my shoes, and strike directly at the heart.” (Salman Rushdie, The Ground Beneath Her Feet, 1999)

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Sutilezas do Dogma: Esta imagem foi pintada pela artista iraniana Oranous (muçulmana que vive em Teerã) e retrata Maomé, quando este ainda era um simples pastor de carneiros. Embora se trate de um retrato – tal qual as caricaturas criticadas – ele não é profano ou viola as leis corânicas. Sim, pois a imagem retrata o jovem Maomé, antes de ser visitado pelo Arcanjo Gabriel (quando recebeu a Revelação). Ou seja, tecnicamente, este rapazola ainda não era o Profeta e pode ser retratado, sem maiores problemas (v.g. incêndios de embaixadas, boicote de iogurtes, fatwas diversas etc).

11 comments

  1. Os cartunistas est�£o certos
    (Pedro D�³ria)

    No meu cartum dinamarquÃ?ªs favorito, MaomÃ?© estÃ?¡ perplexo. De pÃ?© sobre nuvens, vÃ?ª rapazes e mais rapazes carregando mochilas despedaÃ?§adas chegando Ã? s portas do paraÃ?­so. “Parem, parem!”, ele diz. “Acabaram as virgens!” Gosto dele porque hÃ?¡ duas maneira de compreendÃ?ª-lo. Ele fala de nossa perplexidade ocidental, em grande parte laica, perante a promessa das eternas virgens do martÃ?­rio homicida que move tantos jovens nos dias correntes.

    Mas o que mais gosto n�£o �© isto: o que mais gosto �© que, na charge, Maom�© est�¡ igualmente perplexo.

    Agora, parece cada vez mais claro que as reaÃ?§Ã?µes tardias Ã?  blasfÃ?ªmia tiveram um quÃ?ª de orquestradas. Assim, os cartuns talvez nÃ?£o tenham sido exatamente uma provocaÃ?§Ã?£o abusiva mas, sim, a gota d’Ã?¡gua de uma crise aberta faz anos. Ã?â?° um mal-entendido insolÃ?ºvel, as duas culturas nÃ?£o conseguem acertar um diÃ?¡logo. Mas hÃ?¡ uma questÃ?£o na qual vale entrar: a liberdade de expressÃ?£o.

    Esta semana, duas das vozes mais sensatas que existem na imprensa diÃ?¡ria, ClÃ?³vis Rossi, da “Folha de S. Paulo”, e Luiz Garcia, de “O Globo”, apresentaram mais ou menos o mesmo ponto de vista. Que liberdade de expressÃ?£o defende-se, e sempre, nÃ?£o hÃ?¡ dÃ?ºvidas. Mas ela deve ser acompanhada de responsabilidade editorial por parte dos jornais. E que, no caso especÃ?­fico, foi uma provocaÃ?§Ã?£o gratuita e indevida.

    Cl�³vis e Garcia s�£o gente que costumo ler porque, � s vezes, �© reconfortante saber que n�£o fiquei louco, que h�¡ quem concorde comigo em quest�µes v�¡rias. Foi por isso que minha primeira rea�§�£o foi de choque.

    Liberdade de express�£o n�£o �© um tema simples. No Ocidente, �© dific�­limo encontrar quem se ponha contra mas, pensando bem, qualquer um �© capaz de pin�§ar uma exce�§�£o ou outra. No caso brasileiro, a Lei Contra o Racismo imp�µe um limite claro. A criminaliza�§�£o daquilo que chamam de apologia � s drogas �© n�£o mais que policiamento do discurso. No Brasil, n�£o �© permitido falar tudo o que lhe vem �  mente.

    Pince outros paÃ?­ses considerados civilizados Ã?  luz do laicismo ââ?¬â?? a FranÃ?§a, digamos ââ?¬â?? e negar o Holocausto Ã?© crime. Os EUA sÃ?£o um caso todo particular. A primeira emenda inscrita na ConstituiÃ?§Ã?£o de uma folha, frente e verso, proÃ?­be que se proÃ?­ba o discurso, qualquer discurso, e ponto. Larry Flint publicou em sua revista, a “Hustler”, uma montagem explÃ?­cita em que o reverendo Jerry Falwell fazia sexo com a prÃ?³pria mÃ?£e e a Suprema Corte decidiu que ele podia publicar, sim, a ConstituiÃ?§Ã?£o protege.

    Mau gosto, sem dÃ?ºvida alguma ââ?¬â?? mas o reverendo Falwell tinha um programa na televisÃ?£o, era figura pÃ?ºblica, entÃ?£o nÃ?£o hÃ?¡ o que discutir. Flint tanto provocou os limites do que podia publicar que um grupo intolerante resolveu abatÃ?ª-lo a tiros. NÃ?£o conseguiram ââ?¬â?? mas ele vive numa cadeira de rodas.

    Com todo o seu mau gosto, Larry Flint est�¡ sempre perguntando onde se tra�§a, exatamente, o limite, a fronteira entre o que pode e o que n�£o pode ser dito ou escrito ou desenhado ou fotografado. E o que ele est�¡ dizendo, tamb�©m, �© que n�£o importa onde. Importa �© que o nome de quem tra�§a este limite �© censor.

    Aqui a questÃ?£o nÃ?£o Ã?© o Estado limitar a liberdade mas a imprensa responsÃ?¡vel exercer cautela. Ã?â?° evidente: cautela ââ?¬â?? sempre. Mas hÃ?¡ um outro lado: tambÃ?©m Ã?© preciso coragem para dizer certas coisas que o politicamente correto evita. A invasÃ?£o do Iraque foi uma guerra irresponsÃ?¡vel, equivocada e baseada na mentira das armas de destruiÃ?§Ã?£o em massa. Ã?â?° verdade. Provavelmente piorou, em muito, uma crise jÃ?¡ instalada. Perfeito.

    S�³ que ligar o profeta Maom�© ao terrorismo n�£o �© artificial. N�£o quer dizer, de forma alguma, que todos os mu�§ulmanos do mundo sejam terroristas ou mesmo que simpatizem com o terrorismo. Mas o fato �© que foi em nome de Al�¡ e de seu profeta que um grupo de sauditas fez avi�µes atravessarem as torres g�ªmeas. �� em nome de Al�¡ e de seu profeta, aben�§oados sejam, que boa parte dos terroristas no Oriente M�©dio e �sia Central atuam.

    Segundo o IslÃ?£, Ã?© blasfÃ?ªmia retratÃ?¡-lo. Certo. Me ofende como ser humano, como parte do Todo, que os paÃ?­ses muÃ?§ulmanos publiquem, muitas vezes com incentivos estatais, “Os protocolos dos sÃ?¡bios do SiÃ?£o”. NÃ?£o acho que seja blasfÃ?ªmia, seria preciso ter uma religiÃ?£o para isso. Mas me ofende num nÃ?­vel profundo, naquele do respeito Ã?  vida do prÃ?³ximo ââ?¬â?? num nÃ?­vel equivalente, portanto, ao que a blasfÃ?ªmia ofende ao crente.

    Convenhamos, quando Ã?© com eles, aÃ?­ Ã?© insensibilidade ou provocaÃ?§Ã?£o ocidental? Quando parte deles pode? Vivemos todos no mesmo mundo, somos todos gente criada do mesmo jeito, nÃ?£o podemos conviver com regras diferenciadas de convÃ?­vio. Ã?â?¬s vezes ouvimos coisas que nÃ?£o gostamos. Sentir-se ofendido Ã?© um direito de qualquer um. Boicotar produtos de um paÃ?­s Ã?© direito. Fazer protestos diplomÃ?¡ticos oficiais, dar queixa na polÃ?­cia, entrar na JustiÃ?§a ââ?¬â?? pode tudo. AmeaÃ?§ar de morte, nÃ?£o. Matar, incendiar prÃ?©dio ââ?¬â?? nÃ?£o.

    Essas rea�§�µes est�£o revelando, apenas, o que era �³bvio para os cartunistas dinamarqueses. O Isl�£ est�¡ em crise e, em seu nome, h�¡ um grupo que com toler�¢ncia de muitos governos recorre �  viol�ªncia. Isto faz com que aquilo que muitos est�£o chamando de provoca�§�£o n�£o seja provoca�§�£o mas, pura e simplesmente, constata�§�£o. Os cartunistas dinamarqueses t�ªm raz�£o.

    O que traz a quest�£o ao seu �ºltimo problema: h�¡ uma tentativa de parte do establishment isl�¢mico de se impor, de censurar �  dist�¢ncia. J�¡ atacam, seq�¼estram e matam jornalistas no Iraque, no Paquist�£o, no Afeganist�£o. Agora querem estender o alcance de suas amea�§as. Que ningu�©m tenha d�ºvidas: a amea�§a de morte aos cartunistas �© real. Eles cumprem. E esta �© uma amea�§a que diz �  imprensa em todo o mundo: cuidado, muito cuidado com o que escreve. Se hoje os cartuns parecem abusivos para alguns editores, se parece razo�¡vel a revolta, para onde empurrar�£o o limite amanh�£?

    N�£o fosse o Isl�£, o cristianismo medieval, intolerante, violento, ignorante, teria afundado com toda a ci�ªncia desenvolvida pelos gregos. Devemos isto que chamamos de civiliza�§�£o ocidental ao Isl�£. O Isl�£ ib�©rico faz mais parte de n�³s, brasileiros, do que jamais desconfiaremos. N�£o fosse o Isl�£ da Ib�©ria, do norte da �frica e do Oriente M�©dio, as bases que promoveram o Iluminismo teriam sido perdidas. Sem o iluminismo n�£o haveria liberdade de express�£o e c�¡ estamos de volta.

    Por favor: faÃ?§am publicar “Os protocolos dos sÃ?¡bios do SiÃ?£o”, “Minha luta” de Hitler, toda literatura anti-semita que existe. TambÃ?©m a anti-cristÃ?£. Em muitos casos, Ã?© um argumentaÃ?§Ã?£o tÃ?£o grosseira, uma falsificaÃ?§Ã?£o tÃ?£o Ã?³bvia, que sÃ?³ expÃ?µe quem fala disso ao ridÃ?­culo.

    No fim, o Tutty aqui ao lado resume tudo muito bem: “Cobrar responsabilidade de chargistas, francamente, serÃ?¡ que todo mundo enlouqueceu, caramba?”

    Pedro D�³ria
    http://nominimo.ibest.com.br/notitia/servlet/newstorm.notitia.presentation.NavigationServlet?publicationCode=1&pageCode=10&textCode=20948&date=currentDate&contentType=html

  2. Al�¡, meu bom Al�¡!
    (Zuenir Ventura)
    14.02.2006

    Como todo mundo, continuo meio desnorteado diante da dimensÃ?£o que assumiu a crise das charges. Alguns mistÃ?©rios permanecem, como o fato de que, numa Ã?©poca de comunicaÃ?§Ã?£o instantÃ?¢nea, os doze cartuns sobre MaomÃ?© tenham levado quatro meses para produzir efeitos ââ?¬â?? e que efeitos! E por que de repente, quase de um dia para o outro, foram despertar a fÃ?ºria e causar mortes em lugares tÃ?£o distantes da Dinamarca, de onde originaram? E como um pequeno jornal de Copenhague, do qual nunca se ouvira falar, foi capaz disso?

    VÃ?¡rias respostas tÃ?ªm sido tentadas. Fala-se em ââ?¬Å?choque de civilizaÃ?§Ã?µesââ?¬Â ââ?¬â?? de um lado uma cultura essencialmente religiosa que reverencia acima de tudo o sagrado, incluindo seus sÃ?­mbolos; e de outro, uma cultura laica que cultiva em primeiro lugar valores democrÃ?¡ticos como a liberdade de expressÃ?£o. De certa maneira, o destino do mundo depende de como essas diferenÃ?§as serÃ?£o respeitadas de parte a parte.

    Ã?â?° fÃ?¡cil condenar hoje o inconveniente editor do tal ââ?¬Å?Jyllands-Postenââ?¬Â pela falta de sensibilidade, por nÃ?£o perceber que estava sendo sacrÃ?­lego com a fÃ?© de um povo. Seu jornal nÃ?£o tem manual de redaÃ?§Ã?£o avisando que nÃ?£o se deve ofender crenÃ?§as religiosas? SerÃ?¡ que ele nÃ?£o sacou que ao publicar um desenho de MaomÃ?© com uma bomba no turbante estava associando a imagem do profeta ao terrorismo, cujos adeptos, como se sabe, sÃ?£o uma minoria que usa o nome do profeta para matar? Tudo indica que nÃ?£o, que ele jamais esperou que sua irresponsabilidade de mau gosto iria provocar essa guerra santa, essa jihad global.

    Fico pensando no Brasil e dou graÃ?§as a Deus e a AlÃ?¡ por nÃ?£o termos pelo menos esses problemas. Aqui se costuma misturar sem maldade o sagrado e o profano, assim como se misturam Ã?¡rabes e judeus. Na semana passada, publiquei no ââ?¬Å?Globoââ?¬Â letras de algumas marchinhas carnavalescas de outros tempos. Uma, acho que ainda conhecida, cantava: ââ?¬Å?Olha a cabeleira do ZezÃ?©/ SerÃ?¡ que ele Ã?©?/ (…) SerÃ?¡ que ele Ã?© MaomÃ?©/ Parece que Ã?© transviado/ Mas isso eu nÃ?£o sei se ele Ã?©ââ?¬Â. Outra Ã?© a famosa ââ?¬Å?AlÃ?¡-lÃ?¡-Ã?´-Ã?´Ã?´Ã?´/ Mas que calor Ã?´Ã?´Ã?´ââ?¬Â.

    Lembrei tambÃ?©m o filme ââ?¬Å?Vou te contÃ?¡ââ?¬Â, de Alfredo PalÃ?¡cios, lanÃ?§ado em plena era JK. Nele, os DemÃ?´nios da Garoa interpretam a mÃ?ºsica, vejam sÃ?³, ââ?¬Å?HarÃ?©m do MaomÃ?©ââ?¬Â, de Arnaldo Rosa e Lino Tedesco. Os integrantes do conjunto aparecem sentados em um harÃ?©m, de onde o intÃ?©rprete requisita por telefone uma mulher: ââ?¬Å?AlÃ?´, alÃ?´!!/ Quem fala?/ Ã?â?° do harÃ?©m do MaomÃ?©?/ O papai pediu pra mandar/ Uma nega que me faÃ?§a cafunÃ?©ââ?¬Â. Pode ser mais politicamente incorreto com os muÃ?§ulmanos e com os negros?

    Os sÃ?­mbolos cristÃ?£os tambÃ?©m nÃ?£o escapam Ã? s brincadeiras numa terra em que um bloco carnavalesco se chama Suvaco de Cristo. Cresci ouvindo piadas sobre Jesus. Em uma, a mais manjada, ele estÃ?¡ na cruz e diz: ââ?¬Å?Hoje nÃ?£o, Madalena, hoje tou pregadoââ?¬Â.

    JÃ?¡ se reconheceu que o jornal dinamarquÃ?ªs exagerou ââ?¬â?? nÃ?£o o paÃ?­s (que por azar tem uma cruz na bandeira). Desculpas jÃ?¡ foram pedidas, inclusive pelo governo, sem que tenha diminuÃ?­do a fÃ?ºria dos protestos. O que nÃ?£o se pode, em nome da liberdade de crenÃ?§a, Ã?© tentar botar fogo na liberdade de imprensa. Por isso recorro Ã?  marchinha de Haroldo Lobo e NÃ?¡ssara (com o refrÃ?£o ââ?¬Å?AlÃ?¡-lÃ?¡-Ã?´Ã?´Ã?´ââ?¬Â atribuÃ?­do ao descendente de Ã?¡rabe David Nasser): ââ?¬Å?AlÃ?¡, meu bom AlÃ?¡/ Mande Ã?¡gua pra IoiÃ?´/ Mande Ã?¡gua pra IaiÃ?¡ââ?¬Â. E mande sobretudo um pouco de tolerÃ?¢ncia para seu povo e para todos nÃ?³s.

    Zuenir Ventura
    http://nominimo.ibest.com.br/notitia/servlet/newstorm.notitia.presentation.NavigationServlet?publicationCode=1&pageCode=21&textCode=20988&date=currentDate&contentType=html

  3. Corta o cabelo dele!
    (Guilherme Fi�ºza)
    15.02.2006

    Os ocidentais est�£o dizendo por a�­ que as charges de Maom�© como homem-bomba eram de m�¡ qualidade. Al�©m do mais, eram de mau gosto. Mas ressalvam que os dinamarqueses j�¡ se desculparam. Portanto, a liberdade de express�£o pode seguir em frente. O Ocidente pirou. Em defesa do humor, demonstra ter t�£o pouco humor quanto os mu�§ulmanos que n�£o aceitam ver o profeta com um explosivo no turbante.

    Bom gosto e talento nunca foram pr�©-requisitos para a liberdade. No in�­cio dos anos 60, John Lennon desenhou Cristo tendo uma ere�§�£o na cruz. Foi ignorado. Mais tarde, quando disse que os Beatles estavam se tornando mais populares do que Jesus, tamb�©m foi ignorado. Meses depois da tal entrevista (assim como aconteceu agora com as charges), a declara�§�£o caiu em m�£os de gente que vive �  espera de uma briga, de um antagonismo, de uma raz�£o para transformar f�© em �³dio. Sempre existiram, sempre existir�£o, em qualquer parte do mundo, em qualquer religi�£o ou etnia. A�­ vieram as labaredas, o quebra-quebra, o show de obscuridade.

    Ã?â?° isso que o mundo estÃ?¡ assistindo agora: mais um show de obscuridade, programado e fermentado por um bando de almas penadas, cuja infelicidade nÃ?£o Ã?© social, nem religiosa (o que atÃ?© simplificaria o problema). A raiz do recalque Ã?© mais cultural e afetiva (ââ?¬Å?pessoa nefasta, vÃ?ª se afasta teu mal, teu astral que se arrasta tÃ?£o baixo no chÃ?£oââ?¬Â, escreveu Gilberto Gil), sÃ?£o espÃ?­ritos obesos impregnados por uma coleÃ?§Ã?£o de vivÃ?ªncias frustrantes, nada que um sociÃ?³logo possa resumir num enunciado brilhante.

    A reaÃ?§Ã?£o a uma explosÃ?£o cega dessas nÃ?£o pode ser Ã?  altura. VocÃ?ª Ã?© a favor da fÃ?© ou da liberdade? Quem estÃ?¡ certo, o chargista ou o lÃ?­der espiritual? O Ocidente ou o Oriente? Nada disso existe, assim como nÃ?£o existe choque cultural algum, muito menos encruzilhada antropolÃ?³gica. A guerra das charges simplesmente nÃ?£o pode ser levada a sÃ?©rio, embora tenha se transformado num problema sÃ?©rio. Mas a gravidade do problema decorre exclusivamente do grau de violÃ?ªncia a que se chegou ââ?¬â?? e violÃ?ªncia, como se sabe, nÃ?£o precisa de causas profundas para se alastrar.

    Os grandes jornais americanos n�£o reproduziram as charges pol�ªmicas, o que �© uma omiss�£o jornal�­stica. O governo americano reprovou a publica�§�£o dos desenhos na Dinamarca, o que �© um absurdo. Mas em alguns jornais americanos e europeus apareceram charges ironizando os pr�³prios chargistas, e a temporada de ca�§a aberta contra eles. Essa �© a �ºnica resposta poss�­vel. Contra a falta de humor, mais humor.

    O contr�¡rio disso �© a iniciativa do governo iraniano de patrocinar um concurso de charges sobre o holocausto. Nunca se viu algo parecido na hist�³ria. Humor encomendado como forma de vingan�§a. Humor para ningu�©m rir. Os talib�£s, quando proibiram a m�ºsica, a arte e a beleza, n�£o tiveram uma id�©ia t�£o eficaz contra a vitalidade da civiliza�§�£o. N�£o pode haver nada mais macabro do que seq�¼estrar o humor, colocar uma espada no seu pesco�§o e distribuir um v�­deo pela Al Jazeera mostrando a gra�§a subjugada pelo �³dio.

    Maom�©, Cristo, Buda ou quem quer que seja podem ser desenhados por quem quiser, como der na telha do desenhista. Mau gosto, falta de talento e esp�­rito de porco ser�£o punidos naturalmente por sua pr�³pria estupidez, nunca se ouviu falar de uma guerra santa para ca�§ar idiotas. Mas se os ilustres embaixadores da liberdade de express�£o continuarem jogando gasolina no debate, tratando um espasmo de rancor como choque cultural, os seq�¼estradores do humor v�£o acabar acreditando na sua t�¡tica.

    Guilherme Fi�ºza
    http://nominimo.ibest.com.br/notitia/servlet/newstorm.notitia.presentation.NavigationServlet?publicationCode=1&pageCode=5&textCode=21005&date=currentDate&contentType=html

  4. O novo Imp�©rio Mongol
    (Olavo de Carvalho)
    10/02/06

    Se voc�ª escreve uma cartinha aos jornais contra a proibi�§�£o das preces nas escolas p�ºblicas, contra pe�§as de teatro que mostram um Cristo gay ou mesmo contra as matan�§as de crist�£os na China, no Sud�£o e na Cor�©ia do Norte, voc�ª �© um fan�¡tico fundamentalista, um extremista de direita. Mas, se voc�ª ateia fogo em embaixadas e sai pelas ruas amea�§ando matar meio mundo para mostrar quanto voc�ª odeia uma caricatura de Maom�© publicada num pequeno jornal dinamarqu�ªs, voc�ª �© um cidad�£o de bem no pleno uso do direito de protestar contra um insulto sacr�­lego.

    Tal Ã?© o critÃ?©rio de julgamento que a mÃ?­dia internacional acaba de impor Ã?  humanidade, com a aprovaÃ?§Ã?£o explÃ?­cita ou implÃ?­cita de vÃ?¡rios governos europeus, da ONU, do presidente George W. Bush e atÃ?© “mas serÃ?¡ o Benedito?” do Papa. A unanimidade mundial dos bem-pensantes contra o jornal dinamarquÃ?ªs brotou na mesma semana em que o Congresso americano estÃ?¡ votando uma lei, “mais uma, na escalada da repressÃ?£o anticristÃ?£ inaugurada seis dÃ?©cadas atrÃ?¡s por Franklin D. Roosevelt”, que suprime toda ajuda estatal para internaÃ?§Ã?£o em asilo no caso de qualquer velhinho com Alzheimer que, nos cinco anos anteriores, tenha cometido o pecado de dar contribuiÃ?§Ã?£o em dinheiro a alguma igreja, mesmo no montante de um dÃ?³lar ou dois. NÃ?£o consta que S. Santidade tenha protestado contra essa discriminaÃ?§Ã?£o ostentiva, mas desenhar o Profeta, ah, isto o Vaticano nÃ?£o tolera.

    O mais interessante no episÃ?³dio Ã?© que as explosÃ?µes de Ã?³dio antidinamarquÃ?ªs nÃ?£o foram suscitadas pelo conteÃ?ºdo especÃ?­fico da charge, “que a rigor nada diz contra o IslÃ?£ enquanto tal, apenas contra o terrorismo”, e sim pelo simples fato de que ela mostre o Profeta MaomÃ?©, o qual pela lei islÃ?¢mica sÃ?³ pode ser representado com o rosto encoberto.

    Ao endossar a legitimidade do violento protesto mu�§ulmano, a alta hierarquia cat�³lica est�¡ simplesmente for�§ando os fi�©is da sua Igreja a obedecer o mandamento de uma religi�£o alheia. De quebra, estende essa mesma obriga�§�£o aos protestantes, aos judeus, aos budistas, aos ateus e a tutti quanti . O Isl�£ deve ser mesmo uma religi�£o muito especial, j�¡ que suas leis n�£o s�£o obrigat�³rias s�³ para os mu�§ulmanos, mas para toda a humanidade.

    O velho Imp�©rio Mongol n�£o reconhecia a exist�ªncia de outros imp�©rios ou de na�§�µes independentes. Na sua lei, s�³ existiam duas �¡reas no mundo: as obedientes e as desobedientes. Estas n�£o passavam de territ�³rios mong�³is provisoriamente rebelados, destinados a ser punidos e subjugados mais dia menos dia.

    O Isl�£ reconhece, oficialmente, a legitimidade de algumas outras religi�µes, entre as quais o cristianismo e o juda�­smo. Mas esse reconhecimento se torna mero formalismo oco a partir do momento em que os fi�©is dessas religi�µes j�¡ n�£o podem decidir suas pr�³prias a�§�µes de acordo com os mandamentos delas, e em vez disto se v�ªm obrigados a cumprir mandamentos isl�¢micos. Para o crist�£o n�£o h�¡ nada de mau em desenhar o rosto de Cristo, nem para o budista em pintar uma imagem do Buda. Pelos crit�©rios de suas religi�µes respectivas, n�£o pode, portanto, haver erro ou crime em desenhar o profeta de uma outra religi�£o. Mas quem disse que eles t�ªm o direito de julgar isso de acordo com sua pr�³pria religi�£o? Que sigam o Cor�£o e n�£o reclamem!

    A imposi�§�£o da sharia como lei obrigat�³ria para toda a esp�©cie humana, com a concomitante supress�£o de todas as leis religiosas concorrentes, �© uma das metas mais �³bvias do imperialismo cultural isl�¢mico, ponta de lan�§a do imperialismo pol�­tico e militar. Com a ajuda de praticamente toda a elite ocidental, a luta por esse objetivo alcan�§ou durante esta semana uma vit�³ria formid�¡vel.

    Di�¡rio do Com�©rcio, 09/02/2006
    http://www.midiasemmascara.org/artigo.php?sid=4567

  5. M�ºsica de eg�­pcio ataca a Dinamarca por charges
    da Ansa, no Cairo

    O cantor egÃ?­pcio Shaaban Abdel Rehim, que hÃ?¡ cinco anos ficou famoso no mundo Ã?¡rabe com a canÃ?§Ã?£o “Ã?â??dio a Israel”, introduziu em seu Ã?ºltimo vÃ?­deo uma mÃ?ºsica que ataca a Dinamarca pela publicaÃ?§Ã?£o das charges ofensivas ao profeta Muhammad.

    Pouco valorizado nos ambientes artÃ?­sticos, Shabula –como Ã?© conhecido– tem alguns seguidores entre os jovens. Sua nova mÃ?ºsica, “Temos muito”, ataca os “pastores” dinamarqueses e os “estÃ?ºpidos” que desrespeitam religiÃ?µes inocentes.

    A canÃ?§Ã?£o Ã?© muito semelhante a “Ã?â??dio a Israel e Amor a Amr Moussa” (secretÃ?¡rio-geral da Liga Ã?rabe) ou “A invasÃ?£o norte-americana no Iraque”.

    O problema, diz o jornal independente “El Masri el Yom,” Ã?© que nem Abdel Rehim nem o autor da mÃ?ºsica “sabem onde fica a Dinamarca nem viram as charges”.

    http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u57852.shtml

  6. Choque de civiliza�§�µes? Qual o qu�ª!
    (F�¡bio Santos)

    As imagens de violentos protestos mostradas pela TV fazem parecer que estamos vivendo em pleno ââ?¬Å?choque de civilizaÃ?§Ã?µesââ?¬Â, a idÃ?©ia equivocada lanÃ?§ada hÃ?¡ mais de dez anos pelo cientista polÃ?­tico Samuel P. Huntington e aparentemente confirmada pelo terror jihadista e por episÃ?³dios como o dos Ã?ºltimos dias. O choque nÃ?£o se dÃ?¡ entre civilizaÃ?§Ã?µes ââ?¬â? conceito elÃ?¡stico e impreciso ââ?¬â?, mas no interior de uma civilizaÃ?§Ã?£o, a islÃ?¢mica. Antes de avanÃ?§ar nessa direÃ?§Ã?£o, porÃ?©m, Ã?© preciso dar a verdadeira dimensÃ?£o do que foi posto em andamento pela publicaÃ?§Ã?£o das charges sobre o profeta MaomÃ?© por jornais europeus.

    As not�­cias da m�­dia ocidental fazem parecer que o mundo mu�§ulmano est�¡ em chamas. N�£o, n�£o est�¡. H�¡, sim, �© verdade, uma onda de protestos, alguns deles violentos, muitos exaltados. Mas o que realmente existe �© a instrumentaliza�§�£o do sentimento de revolta genu�­no dos fi�©is por grupos extremistas e governos ileg�­timos interessados em se mostrar defensores da religi�£o para atrair a simpatia de suas popula�§�µes. Basta ver que a natureza e as caracter�­sticas das manifesta�§�µes refletem muito mais a situa�§�£o pol�­tica dos pa�­ses onde ocorrem do que qualquer outra coisa.

    �� o caso do L�­bano e do Afeganist�£o, onde houve mais viol�ªncia at�© agora, inclusive com mortes. �� evidente que o que aconteceu em Beirute, por exemplo, tem a ver com as disputas religiosas que sempre dividiram o pa�­s â�� e certamente tamb�©m com jogo de for�§as pr�³ e anti-S�­ria. Os afeg�£os, a rigor, ainda travam uma guerra civil. Na maioria das na�§�µes �¡rabes do golfo P�©rsico, n�£o h�¡ not�­cias de depreda�§�µes, mortos ou feridos. Tudo aconteceu de maneira pac�­fica. No Iraque, claro, os que lutam contra a ocupa�§�£o americana e pelo poder viram a�­ uma boa oportunidade. Soldados dinamarqueses â�� h�¡ pouco mais de 500 por l�¡ â�� agora t�ªm um alvo desenhado no capacete.

    Na Indon�©sia, pa�­s que tem a maior popula�§�£o isl�¢mica do mundo (quase 90% de seus mais de 240 milh�µes de habitantes s�£o mu�§ulmanos), os participantes da maior passeata â�� ocorrida na segunda cidade do pa�­s, Surabaya â�� eram contados apenas � s centenas. Segundo a BBC, eram cerca de 200. Mesmo no Ir�£, onde o governo obviamente utiliza o epis�³dio a seu favor na crise nuclear aberta com Europa e EUA, apenas duas centenas de manifestantes se reuniram na porta da embaixada austr�­aca nesta segunda.

    O epis�³dio exp�µe, �© claro, a intoler�¢ncia de grande parte dos fi�©is isl�¢micos em rela�§�£o a tudo aquilo que n�£o condiz com sua pr�³pria religi�£o. N�£o discuto se as charges s�£o ou n�£o ofensivas â�� para quem cr�ª, s�£o, sim (se quiser veja por si mesmo: clique aqui). Tamb�©m n�£o entro no debate sobre o valor da liberdade de imprensa. �� evidente que nenhuma liberdade �© absoluta em si mesma. Ela s�³ existe enquanto n�£o esmaga uma outra liberdade.

    �� natural que os mu�§ulmanos dinamarqueses tenham se ofendido e possam agir, dentro da lei, segundo esse sentimento. O que se deve debater, por�©m, s�£o as rea�§�µes que, mesmo aquelas mais suaves, questionam n�£o a s�¡tira, mas o direito de um jornal de um pa�­s de maioria crist�£ de public�¡-la e exigem puni�§�µes aos editores â�� alguns querem pena de morte â�� e desculpas ao governo dos pa�­ses.

    S�£o in�ºmeras as ofensas j�¡ feitas �  Igreja Cat�³lica ou, de modo mais amplo, �  f�© crist�£. Jamais se viu o establishment cat�³lico ou protestante ou anglicano defendendo o limite �  liberdade de imprensa e de opini�£o por causa desse ou daquele filme, programa ou exposi�§�£o de arte. Resposta fan�¡tica, insatisfa�§�£o popular e mesmo a a�§�£o de autoridades que resolvem extrapolar seus poderes sempre acontecem. Mas s�£o exce�§�µes. N�£o a regra. Muito menos se viram autoridades religiosas ou seculares querendo intervir no que um outro pa�­s deve fazer ou deixar de fazer.

    Que num pa�­s mu�§ulmano d�ª cadeia publicar imagens do profeta Maom�© �© problema dos cartunistas e editores que nele vivam. O que cada sociedade aceita como permiss�­vel ou n�£o cabe a cada uma definir. No Brasil, racismo �© crime. Em outros pa�­ses, apenas conden�¡vel. Em outros ainda, nem existe o conceito tal como o conhecemos. Na maioria das na�§�µes isl�¢micas s�£o publicados com ampla aceita�§�£o textos de forte teor anti-semita. H�¡ jornais que chegam a propagar a mentira infame de que os judeus usam sangue de inocentes para fazer o p�£o sem fermento que comem na P�¡scoa.

    De resto, todo esse episÃ?³dio exacerba o temor de que esteja realmente em curso um ââ?¬Å?choque de civilizaÃ?§Ã?µesââ?¬Â. Esse medo acentua duas tendÃ?ªncias ocidentais igualmente indesejÃ?¡veis. De um lado, o sentimento de parte da mÃ?­dia e da esquerda polÃ?­tica de acreditar que se deva contemporizar com as manifestaÃ?§Ã?µes de intolerÃ?¢ncia muÃ?§ulmana para nÃ?£o aumentar a separaÃ?§Ã?£o entre os dois mundos. De outro, o da direita fundamentalista, que vÃ?ª em confrontos como esse a comprovaÃ?§Ã?£o da necessidade de um novo cruzadismo em defesa do cristianismo e do Ocidente.

    Nem uma coisa nem outra. A id�©ia de que a fonte fundamental de conflito no mundo contempor�¢neo �© de ordem cultural e, ao fim e ao cabo, religiosa ou civilizacional serve, no m�¡ximo, para preencher o vazio do discurso de ide�³logos depois do fim da Guerra Fria. O que est�¡ em andamento n�£o �© o grande confronto entre o Isl�£ e as democracias liberais ocidentais.

    O jihadismo de Osama bin Laden e o fundamentalismo do Hamas ou dos aiatol�¡s iranianos s�£o muito mais frutos das pr�³prias contradi�§�µes e car�ªncias das sociedades isl�¢micas do que de um choque entre civiliza�§�µes; s�£o express�£o de um projeto pol�­tico autorit�¡rio nutrido pela repress�£o a que t�ªm sido submetidos esses diversos povos. E tamb�©m, a�­ �© ineg�¡vel, se ap�³iam no fato de que o Isl�£, como religi�£o, ainda n�£o ter entrado na modernidade que, no Ocidente, separou a igreja do Estado. H�¡ quem pense que se est�¡ a assistir � s dores desse parto. Que assim seja.

    [fabio@primeiraleitura.com.br]
    Publicado em 6 de fevereiro de 2006.
    http://www.primeiraleitura.com.br/auto/entenda.php?id=6969

  7. Lentes distorcidas
    (FÃ?¡bio Santos – continuaÃ?§Ã?£o do anterior)

    A cobertura de boa parte da mÃ?­dia ocidental continua a representar a onda de protestos de muÃ?§ulmanos contra a publicaÃ?§Ã?£o de charges sobre MaomÃ?© como mais um episÃ?³dio de um confronto entre duas civilizaÃ?§Ã?µes ââ?¬â? a ocidental e a islÃ?¢mica. Diante do temor de uma eventual guerra total entre os dois lados, hÃ?¡ vozes pregando atÃ?© mesmo autocensura para nÃ?£o ferir suscetibilidades dos ââ?¬Å?adversÃ?¡riosââ?¬Â, como se fosse esse o problema. AlÃ?©m de pusilÃ?¢nimes, tais posiÃ?§Ã?µes partem de uma premissa inteiramente equivocada.

    Que George W. Bush venha a p�ºblico pedir modera�§�£o ao lado ocidental e conten�§�£o da viol�ªncia aos governos isl�¢micos justifica-se pelo fato de o presidente dos EUA ter em suas m�£os graves problemas e desafios que s�³ se tornam mais dif�­ceis com a excita�§�£o ora em curso. Essa �© mesmo a fun�§�£o de chefes de Estado. Veja-se, por�©m, que nem Bush nem o presidente franc�ªs, Jacques Chirac, que condenou a publica�§�£o de novas charges por um seman�¡rio parisiense, questionaram a liberdade de express�£o. Pediram apenas cautela.

    Sabem ambos que a polÃ?ªmica estÃ?¡ sendo utilizada por grupos fundamentalistas e por governos, 1como o sÃ?­rio e o iraniano, que se aproveitam dessa oportunidade para fazer avanÃ?§ar seus prÃ?³prios interesses. Na segunda-feira, ao escrever sobre a questÃ?£o, tentando demonstrar exatamente esse ponto e negar que esteja em curso um ââ?¬Å?choque de civilizaÃ?§Ã?µesââ?¬Â, questionei a prÃ?³pria tese de Samuel P. Huntington de que os conflitos no mundo contemporÃ?¢neo se dÃ?£o atravÃ?©s de fronteiras civilizacionais (clique aqui para ler).

    Acabei recebendo crÃ?­ticas (amigÃ?¡veis) de alguns leitores que tomaram as dores de Huntington. Queria voltar ao tema, pois considero que as lentes usadas pelo cientista polÃ?­tico americano, alÃ?©m de distorcer a realidade e dificultar a compreensÃ?£o do fenÃ?´meno, insufla um certo ââ?¬Å?sentimento cruzadistaââ?¬Â ââ?¬â? a noÃ?§Ã?£o de que hÃ?¡ um ââ?¬Å?nÃ?³sââ?¬Â e um ââ?¬Å?elesââ?¬Â inconciliÃ?¡veis. NÃ?£o nego a existÃ?ªncia de um forte componente religioso ou, se quisermos, cultural no enfrentamento entre o fundamentalismo islÃ?¢mico e os paÃ?­ses ocidentais. Mas, a meu ver, o entendimento com base no ââ?¬Å?choque de civilizaÃ?§Ã?µesââ?¬Â perde de vista o papel que tÃ?ªm os Estados nacionais no fenÃ?´meno e as possibilidades de convivÃ?ªncia pacÃ?­fica e produtiva entre os dois lados ââ?¬â? ou melhor, entre os muitos lados dessa histÃ?³ria. E, pior ainda, justifica covardias como a autocensura.

    Afirmei no artigo de segunda que a tese de Huntington Ã?© equivocada e que ââ?¬Å?a idÃ?©ia de que a fonte fundamental de conflito no mundo contemporÃ?¢neo Ã?© de ordem cultural e, ao fim e ao cabo, religiosa ou civilizacional serve, no mÃ?¡ximo, para preencher o vazio do discurso de ideÃ?³logos depois do fim da Guerra Friaââ?¬Â. Foi o que incomodou os meus crÃ?­ticos. Gostaria de ser mais claro a respeito. Considero Huntington um intelectual refinado e respeitÃ?¡vel. NÃ?£o o critiquei por conta de seu passado ââ?¬â? Ã?  Ã?©poca das ditaduras militares na AmÃ?©rica Latina, ele argumentou em favor do papel modernizador e desenvolvimentista do autoritarismo, o que causou furor na esquerda ââ?¬â?, mas pelo conteÃ?ºdo mesmo de sua opiniÃ?£o sobre o tema em questÃ?£o.

    O artigo de Huntington, publicado na revista Foreign Affais em 1993 e posteriormente transformado em livro, nasce de um debate que, Ã? quela altura ainda estava em seu Ã?¡pice, iniciado por Francis Fukuyama, que alguns anos antes lanÃ?§ara a tese do ââ?¬Å?fim da histÃ?³riaââ?¬Â, a noÃ?§Ã?£o de que, como o fim da Guerra Fria e a derrocada do comunismo, nÃ?£o haveria mais razÃ?µes para grandes conflitos globais. Huntington mete a sua colher, afirmando que as ideologias seriam substituÃ?­das pela civilizaÃ?§Ã?£o e pela cultura como fonte dos grandes choques.

    Para poder dar abrangÃ?ªncia global Ã?  tese, o cientista polÃ?­tico estica e retorce o conceito de civilizaÃ?§Ã?£o, que ele define como uma ââ?¬Å?entidade culturalââ?¬Â, e identifica a existÃ?ªncia de sete ou oito delas: ââ?¬Å?ocidental, confuciana, japonesa, islÃ?¢mica, hindu, eslavo-ortodoxa, latino-americana e, possivelmente, africanaââ?¬Â. Esse elenco demonstra claramente o uso que o autor dÃ?¡ ao conceito. CivilizaÃ?§Ã?£o latino-americana? SÃ?³ existe algo assim porque Huntington, a partir da perspectiva norte-americana, percebe fricÃ?§Ã?µes entre os EUA e as os paÃ?­ses ao sul do rio Grande ou, como ele explicitou melhor em seu livro mais recente ââ?¬â? Who Are We? The Challenges to Americaââ?¬â?¢s National Identity (Quem somos nÃ?³s? Os Desafios Ã?  Identidade Nacional da AmÃ?©rica) ââ?¬â?, entre a maioria branca e a minoria cada vez maior dos ââ?¬Å?latinosââ?¬Â dentro das fronteiras norte-americanas.

    Quando parte para demonstrar as oposiÃ?§Ã?µes entre as civilizaÃ?§Ã?µes, fica claro que, muitas vezes, Huntignton usa o termo para se referir a Estados-naÃ?§Ã?£o e suas Ã?¡reas de influÃ?ªncia imediata ou seus aliados mais tradicionais. Ã?â?° o caso dos eslavo-ortodoxos. Na maior parte do tempo, ele fala de RÃ?ºssia. Ou alguÃ?©m imagina a GrÃ?©cia, a RepÃ?ºblica Checa e a EslovÃ?¡quia fazendo fila com Moscou contra a Europa ou ââ?¬Å?a civilizaÃ?§Ã?£o ocidentalââ?¬Â? Essa confusÃ?£o entre naÃ?§Ã?£o e civilizaÃ?§Ã?£o fica evidente em vÃ?¡rios outros pontos.

    No fim, o que sobra de realmente Ã?ºtil no livro de Huntington Ã?© a percepÃ?§Ã?£o do que ele chama de ââ?¬Å?dessecularizaÃ?§Ã?£oââ?¬Â do mundo, ou seja, o aumento da importÃ?¢ncia polÃ?­tica e cultural das religiÃ?µes e a identificaÃ?§Ã?£o de que estava em curso um confronto ocidental com o IslÃ?£. Alguns querem atÃ?© que ele tenha sido o primeiro a notÃ?¡-lo e com certa antecipaÃ?§Ã?£o aos fatos. Ele sem dÃ?ºvida tornou-se o mais famoso defensor da idÃ?©ia, mas reconhece que foi buscar sua noÃ?§Ã?£o nÃ?£o apenas em alguns historiadores clÃ?¡ssicos, como Toynbee, como tambÃ?©m no brilhante Bernard Lewis, talvez o mais arguto observador ocidental do mundo muÃ?§ulmano, em especial a sua porÃ?§Ã?£o turca e Ã?¡rabe.

    Tr�ªs anos antes de Huntington, em 1990, portanto, Lewis j�¡ havia chamado a aten�§�£o para um choque entre o Ocidente e o Isl�£, movido pelo ressurgimento do fundamentalismo mu�§ulmano em diversos pa�­ses. Para ele, o desconforto com a modernidade, a fal�ªncia do nacionalismo �¡rabe e do socialismo e a inexist�ªncia da pr�³pria no�§�£o de secularismo (laicismo) entre os mu�§ulmanos �© o que explicaria o choque com o mundo ocidental. Apesar disso, Lewis n�£o perde de vista a natureza tamb�©m local e nacional desse choque. Quer dizer, ele identifica que o inimigo dos fundamentalistas s�£o a modernidade e o secularismo, dois preceitos que est�£o presentes nas pr�³prias sociedades isl�¢micas e aos quais aderem elites intelectuais, econ�´micas e mesmo alguns dos governos.

    Manter essa perspectiva Ã?© fundamental, pois sÃ?³ assim Ã?© possÃ?­vel perceber que a luta contra o fundamentalismo, como bem defendem os neoconservadores norte-americanos, deve ser uma batalha de valores levada para dentro das sociedades islÃ?¢micas e seus Estados nacionais: leiam-se SÃ?­ria, Iraque, IrÃ?£, ArÃ?¡bia Saudita… SÃ?³ aÃ?­ Ã?© que extremistas como Osama bin Laden, o Hamas e o prÃ?³prio regime iraniano podem ser derrotados e, talvez, exterminados. A noÃ?§Ã?£o de uma guerra de civilizaÃ?§Ã?µes, por outro lado, pode levar ao encastelamento das sociedades ocidentais ââ?¬â? algo jÃ?¡ perceptÃ?­vel em certas reaÃ?§Ã?µes europÃ?©ias Ã?  agitaÃ?§Ã?£o de imigrantes muÃ?§ulmanos. Os mais esclarecidos, porÃ?©m, jÃ?¡ perceberam que a luta Ã?© outra.

    [fabio@primeiraleitura.com.br]
    Publicado em 08 de fevereiro de 2006.
    http://www.primeiraleitura.com.br/auto/entenda.php?id=6985

  8. Mohammad!
    (Alexandre Soares Silva)

    Muito tempo atrÃ?¡s tive a idÃ?©ia de escrever um romance em que um polÃ?­tico subpoeta, vagamente baseado em Sarney, traduzia Os LusÃ?­adas para o francÃ?ªs. A traduÃ?§Ã?£o recebia algum prÃ?ªmio qualquer na FranÃ?§a; ele ia lÃ?¡ receber o prÃ?ªmio, fardado e pimpÃ?£o; e nesse momento as autoridades muÃ?§ulmanas descobriam que no livro, Canto I, estrofe 99, MaomÃ?© Ã?© chamado de torpe –

    O mesmo o falso Mouro determina
    Que o seguro Crist�£o lhe manda e pede;
    Que a Ilha �© possu�­da da malina
    Gente que segue o torpe Mahamede…

    – e agora eu tinha duas opÃ?§Ã?µes: na opÃ?§Ã?£o A, eles instituÃ?­am uma fatwa contra CamÃ?µes, sequestravam o para-Sarney e o torturavam, exigindo que ele dissesse onde estava o poeta renascentista; e na opÃ?§Ã?£o B eles lanÃ?§avam a fatwa contra o prÃ?³prio quase-Sarney, achando que ele era o autor do livro. Em todo caso ele era perseguido, morria de medo, era torturado, pedia perdÃ?£o, escrevia poemas anti-CamÃ?µes, e se comportava ridiculamente como um personagem de EÃ?§a de QueirÃ?³s, o que sempre inclui gases e caspa e uns discursinhos.

    NÃ?£o escrevi porque nÃ?£o queria escrever um livro inteiro com um personagem tÃ?£o ridÃ?­culo; e depois era tÃ?£o “tÃ?³pico”, tÃ?£o “atual”. Mas se alguÃ?©m quiser escrever por favor escreva: nÃ?£o hÃ?¡ nada tÃ?£o engraÃ?§ado como uma fatwa. Eles sÃ?£o tÃ?£o incompetentes que sÃ?³ conseguem matar tradutores japoneses.

    Eu ia postar aqui as caricaturas do como-Ã?©-mesmo-o-nome, whatever, o jornal dinamarquÃ?ªs, preguiÃ?§a de ir ver, mas elas sÃ?£o ruins, nÃ?£o Ã?©? Eu sei que esse nÃ?£o Ã?© o ponto, ok? Mas elas sÃ?£o ruins e nÃ?£o vou postar. E o primeiro que disser “somos todos dinamarqueses agora” leva com a minha ediÃ?§Ã?£o dos contos de Hans Christian Andersen direto no gogÃ?³, que imagino trÃ?ªmulo de emoÃ?§Ã?£o demagÃ?³gica. Aposto que neste exato momento um deputado de Tocantins estÃ?¡ coÃ?§ando o nariz bulboso pensando em levantar e pedir a palavra e dizer isso, com sotaque de Tocantins. EstÃ?¡ levantando. Desce, Rex! Deitado.

    SÃ?³ agora me dei conta de que estou falando de assuntos atuais. Me deu uma fraqueza, caÃ?­ de joelhos no chÃ?£o, espera. (Ã?â?° sempre assim que vocÃ?ªs se sentem? Ou Ã?© sÃ?³ a primeira vez?) Mas o que eu ia dizer, nÃ?£o quero que pensem que estou tentando me passar por um grande defensor da liberdade de expressÃ?£o. NÃ?£o, nÃ?£o. Liberdade de expressÃ?£o Ã?© legalzinha, nÃ?£o estou falando mal dela, propriamente; mas o problema dela Ã?© que cada vez que se fala no assunto alguÃ?©m vem e diz, “Posso nÃ?£o concordar com nada do que vocÃ?ª diz”, (isso dito por um molequinho com a camiseta coberta de pedaÃ?§os de nachos, mind you), “mas lutarei atÃ?© a morte pelo seu direito de dizÃ?ª-lo”.

    Hein, quantas vezes isso foi citado em blogs por aÃ?­? Nem procurei, mas enfim. Na verdade Voltaire nunca disse isso. O que melhora a minha opiniÃ?£o sobre Voltaire (usualmente a mesma de Nero Wolfe: “a remarkably word-assembly plant, but he wasnÃ?´t a man, let alone a great one”), porque nÃ?£o consigo imaginÃ?¡-lo nem lutando de almofada contra Diderot, dando gritinhos afeminados e reclamando que foi acertado na peruca, quanto mais lutando “atÃ?© a morte”.

    http://www.wunderblogs.com/soaressilva/archives/020990.html#more

  9. Cl�©rigo oferece US$ 1 milh�£o por assassinato de caricaturista

    11h25 â�� O cl�©rigo mu�§ulmano Mohammed Yousaf Qureshi ofereceu uma recompensa de cerca de US$ 25 mil (1,5 milh�£o de r�ºpias paquistanesas) e um carro novo para quem matar o dinamarqu�ªs que desenhou as caricaturas do profeta Maom�©. Qureshi, que vive na cidade de Peshawar, disse que uma associa�§�£o de joalheiros pagaria um adicional de US$ 1 milh�£o para o assassino. O religioso n�£o parecia saber que os 12 desenhos foram feitos por profssionais diferentes. N�£o �© a primeira oferta que surge pelo assassinato dos cartunistas. No in�­cio do m�ªs, um l�­der do Taleban ofereceu cem quilos de ouro pela morte de um dos profissionais. O jornal dinamarqu�ªs Jyllands Posten foi o primeiro a imprimir, em setembro de 2005, as charges do profeta que provocaram a violenta rea�§�£o de fundamentalistas. Os desenhos s�£o considerados blasf�ªmias pelos mu�§ulmanos.

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  10. O direito de ofender
    por Janer Cristaldo em 01 de mar�§o de 2006

    J�¡ citei algumas vezes Ayaan Hirsi Ali, deputada do Parlamento holand�ªs, de origem som�¡li, roteirista do filme Submiss�£o, em fun�§�£o do qual o cineasta Theo Van Gogh foi assassinado por um mu�§ulmano em novembro de 2004. Ao lado de Oriana Fallaci, �© um dos raros intelectuais europeus com coragem de enfrentar a agress�£o mu�§ulmana ao velho continente. Ela vive sob prote�§�£o policial. Convidada a Berlim dia 9 de fevereiro passado, Ayaan Hirsi Ali pronunciou um discurso sobre a affaire das caricaturas de Maom�©, contra o islamismo e pela defesa da liberdade. Como a imprensa brasileira observou um sil�ªncio obsequioso em torno ao pronunciamento da deputada holandesa, segue a tradu�§�£o do mesmo.

    ***

    Confer�ªncia de Ayaan Hirsi Ali em Berlin, 2006.

    Estou aqui para defender o direito de ofender. Tenho a convic�§�£o que esta empresa vulner�¡vel que se chama democracia n�£o pode existir sem livre express�£o, em particular nas m�­dias. Os jornalistas n�£o devem renunciar �  obriga�§�£o de falar livremente, da qual s�£o privados os homens de outros continentes.

    Minha opini�£o �© que o Jyllands Posten teve raz�£o ao publicar as caricaturas de Maom�© e que outros jornais na Europa fizeram bem em republic�¡-las.

    Permita-me retomar o histÃ?³rico desta affaire. O autor de um livro infantil sobre o profeta MaomÃ?© nÃ?£o conseguia encontrar ilustrador. Ele declarou que os desenhistas se censuravam por medo de sofrer violÃ?ªncias da parte dos muÃ?§ulmanos, para os quais Ã?© proibido a qualquer um, onde quer que seja, representar o Profeta. O Jyllands Posten decidiu investigar a esse respeito, estimando ââ?¬â?? a justo tÃ?­tulo ââ?¬â?? que uma tal autocensura era portadora de graves conseqÃ?¼Ã?ªncias para a democracia. Era seu dever de jornalistas solicitar e publicar os desenhos do profeta MaomÃ?©.

    Vergonha aos jornalistas e � s cadeias de televis�£o que n�£o tiveram a coragem de mostrar a seu p�ºblico o que estava em causa na affaire das caricaturas! Estes intelectuais que vivem gra�§as �  liberdade de express�£o, mas aceitam a censura, escondem sua mediocridade de esp�­rito sob termos grandiloq�¼entes como responsabilidade ou sensibilidade.

    Vergonha a estes homens polÃ?­ticos que declararam que ter publicado e republicado aqueles desenhos era ââ?¬Å?inÃ?ºtilââ?¬Â, era um ââ?¬Å?malââ?¬Â, era ââ?¬Å?uma falta de respeitoââ?¬Â ou ââ?¬Å?sensibilidadeââ?¬Â! Minha opiniÃ?£o Ã?© que o primeiro-ministro da Dinamarca, Anders Fogh Rasmussen, agiu bem quando se recusou a encontrar os representantes de regimes tirÃ?¢nicos que exigiam dele que limitasse os poderes da imprensa. Hoje, nos deverÃ?­amos apoiÃ?¡-lo moral e materialmente. Eu gostaria que meu primeiro-ministro tivesse tanto peito quanto Rasmussen.

    Vergonha a estas empresas europ�©ias do Oriente M�©dio que puseram cartazes dizendo N�³s n�£o somos dinamarqueses, Aqui n�£o vendemos produtos dinamarqueses! �� covardia. Os chocolates Nestl�© n�£o ter�£o o mesmo gosto depois disso, voc�ªs n�£o acham? Os Estados membros da Uni�£o Europ�©ia deveriam indenizar as sociedades dinamarquesas pelas perdas sofridas pelo boicote.

    A liberdade se paga caro. Pode-se muito bem despender alguns milh�µes de euros para defend�ª-la. Se nossos governos n�£o v�ªm em ajuda a nossos amigos escandinavos, eu espero ent�£o que os cidad�£os organizem coletas de doa�§�µes em favor das empresas dinamarquesas.

    N�³s fomos submergidos em uma onda de opini�µes nos explicando que as caricaturas eram ruins e de mau gosto. Disso resulta que estes desenhos n�£o tinham trazido sen�£o viol�ªncia e disc�³rdia. Muitos se perguntaram qual vantagem havia em public�¡-los.

    Bem, sua publica�§�£o permitiu confirmar que existe um sentimento de medo entre os escritores, cineastas, desenhistas e jornalistas que quisessem descrever, analisar ou criticar os aspectos intolerantes do Isl�£ na Europa.

    Esta publicaÃ?§Ã?£o tambÃ?©m revelou a presenÃ?§a de uma importante minoria na Europa que nÃ?£o compreende ou nÃ?£o estÃ?¡ disposta a aceitar as regras da democracia liberal. Estas pessoas ââ?¬â?? cuja maior parte sÃ?£o cidadÃ?£os europeus ââ?¬â?? fizeram campanha em favor da censura, dos boicotes, da violÃ?ªncia e de novas leis proibindo a ââ?¬Å?islamofobiaââ?¬Â.

    Estes desenhos mostraram com evid�ªncia que h�¡ pa�­ses que n�£o hesitam em violar a imunidade diplom�¡tica por raz�µes de oportunismo pol�­tico. Vimos governos mal�©ficos como o da Ar�¡bia Saudita organizar movimentos populares de boicote ao leite e iogurte dinamarqueses, enquanto esmagariam sem piedade todo movimento popular que reclamasse o direito de voto.

    Estou aqui hoje para reclamar o direito de ofender nos limites da lei. Voc�ªs talvez se perguntem: por que em Berlim? E por que eu?

    Berlim �© um lugar importante na hist�³ria das lutas ideol�³gicas em torno da liberdade. �� a cidade onde um muro encerrava as pessoas no interior de um Estado comunista. �� a cidade onde se concentrava a batalha pelos cora�§�µes e mentes. Os que defendiam uma sociedade aberta mostravam os defeitos do comunismo. Mas a obra de Marx era discutida na universidade, nas rubricas de opini�£o dos jornais e nas escolas.Os dissidentes que tinham conseguido escapar podiam escrever, fazer filmes, desenhar, empregar toda sua criatividade para persuadir as pessoas do Oeste que o comunismo n�£o era o para�­so na terra.

    Apesar da autocensura de muitos no Ocidente, que idealizavam e defendiam o comunismo, apesar da censura brutal imposta ao Leste, esta batalha foi ganha.

    Hoje, as sociedades livres estÃ?£o ameaÃ?§adas pelo islamismo, que se refere a um homem chamado Muhammad Abdullah (MaomÃ?©) que viveu no sÃ?©culo VII e Ã?© considerado como um profeta. A maioria dos muÃ?§ulmanos sÃ?£o pessoas pacÃ?­ficas, nÃ?£o sÃ?£o fanÃ?¡ticos. Eles tÃ?ªm perfeitamente o direito de serem fiÃ?©is Ã? s suas convicÃ?§Ã?µes. Mas, no seio do IslÃ?£, existe um movimento islÃ?¢mico puro e duro que rejeita as liberdades democrÃ?¡ticas e faz tudo para destruÃ?­-las. Estes islÃ?¢micos procuram convencer os outros muÃ?§ulmanos que sua forma de viver Ã?© a melhor. Mas quando aqueles que se opÃ?µem ao islamismo denunciam os aspectos falaciosos dos ensinamentos de MaomÃ?©, eles sÃ?£o acusados de serem ofensivos, blasfemos, irresponsÃ?¡veis ââ?¬â?? ou mesmo islamofÃ?³bos ou racistas.

    Por que eu? Eu sou uma dissidente, como aqueles da parte leste desta cidade que foram para o Oeste. Eu nasci na SomÃ?¡lia e passei minha juventude na ArÃ?¡bia Saudita e no QuÃ?ªnia. Eu fui fiel Ã? s regras editadas pelo profeta MaomÃ?©. Como os milhares de pessoas que manifestaram contra as caricaturas dinamarquesas, eu por longo tempo acreditei que MaomÃ?© era perfeito ââ?¬â?? que ele era a Ã?ºnica fonte do bem, o Ã?ºnico critÃ?©rio permitindo distinguir entre o bem e o mal. Em 1989, quando Khomeini lanÃ?§ou um apelo para matar Shalman Rushdie, eu pensava que ele tinha razÃ?£o. Hoje, nÃ?£o penso mais assim.

    Eu penso que o profeta Maom�© errou em subordinar as mulheres aos homens.

    Eu penso que o profeta Maom�© errou ao decretar que �© preciso assassinar os homossexuais.

    Eu penso que o profeta Maom�© errou ao dizer que �© preciso matar os ap�³statas.

    Ele errou ao dizer que os ad�ºlteros devem ser chicoteados e lapidados, e que os ladr�µes devem ter as m�£os cortadas.

    Ele errou ao dizer que os que morrem por Al�¡ ir�£o ao para�­so.

    Ele errou ao pretender que uma sociedade justa possa ser constru�­da sobre essas id�©ias.

    O Profeta fazia e dizia boas coisas. Ele encorajava a caridade em rela�§�£o aos outros. Mas eu sustento que ele tamb�©m �© irrespeitoso e insens�­vel em rela�§�£o � queles que n�£o concordavam com ele.

    Eu penso que �© bom fazer desenhos cr�­ticos e filmes sobre Maom�©. �� necess�¡rio escrever livros sobre ele. Tudo isto pela simples educa�§�£o dos cidad�£os.

    Eu n�£o procuro ofender os sentimentos religiosos, mas n�£o posso me submeter �  tirania. Exigir que os homens e as mulheres que n�£o aceitam os ensinamentos do Profeta se abstenham de desenhar, n�£o �© um pedido de respeito, �© um pedido de submiss�£o;

    Eu n�£o sou a �ºnica dissidente do Isl�£, h�¡ muitos no Ocidente. E se eles n�£o t�ªm seguran�§a pessoal, devem trabalhar com falsas identidades para se proteger da agress�£o. Mas ainda h�¡ muitos outros em Teer�£, em Doha e Riad, em Am�£ e no Cairo, como em Cartum e Mogadiscio, Lahore e Cabul.

    Os dissidentes do islamismo, como os do comunismo em outras �©pocas, n�£o t�ªm bombas at�´micas nem nenhuma outra arma. N�³s n�£o temos o dinheiro do petr�³leo como os sauditas e n�£o queimamos embaixadas nem bandeiras. N�³s recusamos aderir a uma louca viol�ªncia coletiva. Ali�¡s, n�³s somos pouco numerosos e muito dispersos para tornar-se uma organiza�§�£o de qualquer coisa. Do ponto de vista eleitoral, aqui no Ocidente, n�£o somos nada.

    N�³s temos apenas nossas id�©ias e n�£o pedimos sen�£o a oportunidade de express�¡-las. Nossos inimigos utilizar�£o se necess�¡rio a viol�ªncia para nos fazer calar; eles se dir�£o mortalmente ofendidos. Eles anunciar�£o por toda parte que n�³s somos seres mentalmente fr�¡geis que n�£o se deve levar a s�©rio. Isto n�£o �© novo, os defensores do comunismo utilizaram �  exaust�£o estes m�©todos.

    Berlim �© uma cidade marcada pelo otimismo. O comunismo fracassou, o Muro foi destru�­do. E mesmo se hoje as coisas parecem dif�­ceis e confusas, estou certa que o muro virtual entre os amantes da liberdade e aqueles que sucumbem �  sedu�§�£o e ao conforto das id�©ias totalit�¡rias, este muro tamb�©m, um dia, desaparecer�¡.

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