Fotografia dos mentirosos patológicos
José Domingos Fontana
Paraná-Online [19/02/2006], para usuários registrados.
É da Universidade do Sul da Califórnia (USC) a primeira prova experimental em anormalidades estruturais do cérebro em pessoas que habitualmente mentem, enganam e manipulam os outros. O resultado comentado por Usha Sutliff é tido como uma fotografia confiável dos mentirosos patológicos. Os resultados estão publicados na edição de outubro de 2005 do Britisch Journal of Psychiatry e estão encabeçados pelos pesquisadores Yaling Yang e Adrian Raine da Faculdade de Letras, Artes e Ciências da USC.
Pesquisas anteriores já indicavam que quando uma pessoa mente, aparece uma atividade elevada no córtex prefrontal, ou seja, na área do cérebro que permite que uma pessoa também tenha remorsos ou aprenda comportamentos morais.
A amostragem humana foi de 108 voluntários atuando como empregados temporários. Uma bateria de testes psicológicos e entrevistas selecionou 12 dos voluntários na categoria dos que têm uma história de mentiras repetitivas (11 homens e uma mulher). Outros 16 exibiam sinais de desordem anti-social da personalidade mas isenta da patologia da mentira constante (15 homens e uma mulher). Outros 21 selecionados, (15 homens e 6 mulheres) foram selecionados como controles (normais).
Os entrevistadores fizeram foco em inconsistências, tais como estórias a respeito da ocupação, educação, crimes e perfil familiar. Os mentirosos patológicos foram altamente contraditórios durante a entrevista. São imprudentes em termos de seu modo de ser, mas igualmente frios quando falam a respeito disso. Além das histórias de enganação de outrem ou de uso de nomes falsos, os mentirosos habituais admitem o hábito da “fofoca” ou de contar falsidades para obter benefícios doentios.
Uma vez completa a seleção dos voluntários, os pesquisadores os submeteram ao Imageamento por Ressonância Magnética do cérebro para explorar diferenças entre os grupos. Nesta análise, o corpo (no caso, a cabeça) do paciente é submetida í ação de um potente magneto (até 2 Tesla ou 20.000 gauss), combinado a magnetos de gradiente de muito menor potência (18 a 27 miliTesla; que permitirão o “fatiamento” das imagens) mais pulsos de energia de ondas de rádio dirigidos aos átomos de hidrogênio das proteínas, gorduras e carboidratos que vão gerar mapas (depois convertidos em imagens) biou tridimensionais.
O que se encontrou é que os mentirosos têm significativamente muito mais “matéria branca” e levemente menos “matéria cinza” em relação aos controles. Mais especificamente, os mentirosos mostraram um incremento médio de 22% de “matéria branca” na região prefrontal . A “matéria cinza” do cérebro é dominada por corpos celulares e não tem cobertura de mielina. A mielina é um esfingolipídio que recobre e isola os axônios dos neurônios e incrementa a velocidade de condução dos impulsos nervosos. A “matéria branca”, ao contrário, é uma camada reluzente debaixo do córtex, que consiste principalmente de axônios com revestimento de mielina esbranquiçada.
O decréscimo de “matéria cinza”, dentro da mesma comparação, foi em média de 14%. Mais matéria-prima de conexão (a mentira exige um esforço cerebral extra) ajuda o mentiroso a exercitar a arte da fraude. Menos matéria-prima para o freio de ordem moral deixa o mentiroso mais í vontade para a sua arte de enganar. Quando as pessoas tomam decisões de ordem moral elas dependem do desempenho do córtex prefrontal, razão pela qual esta região está excepcionalmente ativada. Com o decréscimo de matéria-cinza nesta área cerebral, o mentiroso costumeiro está menos sujeito í s restrições ou menos propenso a processar alguma frenagem de ordem moral.
Os autores admitem que seu estudo carece de aprofundamento (incluindo outras regiões do cérebro), mas já o admitem de futura utilidade para o sistema de justiça criminal e mesmo no mundo dos negócios. Interessantemente crianças autistas têm sabida dificuldade em articular mentiras e harmonicamente com os achados da pesquisa da USC a relação quantitativa entre “matéria cinza/matéria branca” nos autistas está em pleno acordo. É de se especular o avanço que as CPIs (Comissões Parlamentares de Inquérito) experimentariam se o relator Osmar Serraglio, na próxima aterrisagem nos EUA, resolver firmar algum convênio com a USC.
José Domingos Fontana (jfontana@ufpr.br) é professor emérito na UFPR junto ao Departamento de Farmácia, pesquisador do CNPq e prêmio paranaense em C&T.