A obsolescência de nossos backups

(11:17:48) lucio: Olás!
(11:21:20) glerm: Olá!
(11:21:26) lucidasans: Aei…
(11:21:32) lucio: Bom, a Claudia está na escola, mas creio que ela gostaria de participar dessa conversa.
(11:21:49) lucidasans: Acho que a conversa pode ser em etapas, o Octavio também não está online.
(11:22:05) lucio: Podemos repetir a tentativa mais tarde com o Octavio e a Claudia.
(11:22:15) lucidasans: Temos que rever o material.
(11:23:33) lucio: Como passei pra vocês, temos mais alguns cds com algumas especificidades de conteudo para entregar. Mas é tranquilo, pois a base é o cd anterior que já enviamos pra ação educativa. Tem algumas coisas que não cabem pra nós, tipo: foto do grupo.
(11:25:06) lucidasans: Podia ser a foto do depósito da Santa Efigênia?
(11:25:15) lucio: Nem sei se temos uma imagem com todos juntos.
(11:25:25) lucidasans: Acho que não há.
(11:25:31) glerm: Na foto da Santa Efigênia há umas cinco pessoas.
(11:25:32) lucidasans: Tipo banda ou time de futebol.
(11:25:35) glerm: É o grupo, contando o cachorro da seis.
(11:26:09) lucio: Passa essa imagem pra eu ver.
(11:26:12) lucidasans: Não dá, o cabo usb está aí­ na 818. É uma imagem estranha, tipo um fosso.
(11:26:43) glerm: Cara, é um fosso não dá pra acreditar, parece aquele cofre do tio patinhas cheio de placa de computador. A imagem nem dá conta da vertigem que era o lugar.
(11:27:39) lucidasans: Pena que a câmera não pegou a profundidade de campo.
(11:28:40) glerm: O Octavio está escrevendo todas músicas dele em partitura. Vou passar pra midi.
(11:28:57) lucidasans: Eu estava vendo se convencia o Octavio a escrever pra Guitar Hero.
(11:28:59) glerm: E fazer algo com isso lá.
(11:29:12) lucidasans: De midi vai pra Guitar Hero?
(11:29:17) glerm: Sim.
(11:29:26) lucidasans: E depois pra Frets on fire. Haha, acho que tem a ver com o humor de canções.
(11:30:48) lucio: Vocês vem no 818 a noite?
(11:30:55) lucidasans: Sim, meus arquivos estão aí­, tenho quase nada aqui no Eee pra pensar em catálogo.
(11:31:14) lucio: Com relação ao espaço do Solar, pensei em um espaço auto gestionado.
(11:31:38) glerm: Meu relato do Campus Party.
(11:31:49) lucio: De certa forma como o 818 foi.
(11:31:51) lucidasans: Como assim auto gestionado?
(11:32:15) glerm: Vou ter que desabafar aqui. Não consegui a concentração que queria para trabalhar na proposta do “Bits e Volts na Unha”. Era necessário uma concentração meditativa para pensar em lógica binária ali na mesa, fazendo uma regressão aos primórdios da eletrônica analógica sendo digitalizada, desmistificando a necessidade do rigor acadêmico para sacar o assunto, mas aprofundando a parte atômica da coisa. Tipo “da onde vieram os bebês?”. Pensando bem, é muito triste isso, só falta cortar uma orelha.
(11:33:05) lucio: Sem hierarquias, principalmente com relação a qualquer tipo de dicotomia entre os seres que estiverem no lugar.
(11:33:06) glerm: Não quero expor isso, mas fica aqui registrado.
(11:33:09) lucidasans: A própria orelha ou a do soldado?
(11:33:50) glerm: Lúcio, a gente tem que pensar na problemática de ter que ficar batendo ponto lá.
(11:33:53) lucidasans: Mas são necessários dispositivos bastante ativos para garantir a não hierarquia.
(11:34:25) glerm: Como a gente vai resolver isso? Vai haver datas, horários?
(11:34:37) lucidasans: Não prometemos datas e horários fixos.
(11:35:00) glerm: Sim, mas o papo aqui está em torno de um projeto tipo o Desafiatlux.
(11:35:09) lucio: Entendo Simone, neste caso já existe uma hierarquia, que como o Glerm disse – a Fundação, mais especificamente o Solar, impõe.
(11:35:29) lucidasans: Oposição público-artista?
(11:36:02) lucio: Desconsiderando essa de público-artista… No entanto há um exercí­cio.
(11:36:31) lucidasans: Quando eu falei que era preciso ativar a desierarquia é porque também acho que já exista uma hierarquia natural naquele espaço, então estamos de acordo.
(11:36:56) lucio: Como essas etapas de documentação – catálogos oficiais, etc… que passam por uma forma de definição de quem são os propositores. Desse modo, a ocupação fala desse embate também.
(11:38:55) lucidasans: Entre propositores, interventores, consumidores?
(11:40:06) lucio: Sim, uma porção de delimitações – edital, espaço pré-demarcado de atuação, horários, etapas, agendamentos – um jogo.
(11:40:32) glerm: Mas interfaces é o que? Uma interface entre o jogo e o não-jogo?
(11:41:09) lucio: Dentro desse jogo é que se dilui nossa intenção. Esse jogo se chama instituição.
(11:41:53) lucidasans: Eu acho que invariavelmente é um jogo com máquinas, sejam as computacionais, sejam as burocráticas ou as conservas culturais.
(11:42:39) lucio: Como dialogar e diluir em espaços com regras bem definidas?
(11:42:43) glerm: Eu acho que esse jogo se chama retórica, porque não existe a não-instituição, isso seria a não-linguagem.
(11:43:28) lucio: É prática tambám.
(11:44:05) lucidasans: Sim, um jogo entre instituições.
(11:44:25) glerm: O que é o lixo?
(11:44:59) lucidasans: Diluir para neutralizar ou para prevalecer?
(11:45:48) glerm: Vamos pra gaza?
(11:46:20) lucidasans: Gaza está cheia de corpos, você fala ir fí­sico-newtonianamente?
(11:46:46) glerm: Vi a apresentação do Balbino e do Alê no Transmediale09, um grande evento de “Arte e Tecnologia”. Um cara de Burkina Faso me chamou atenção. Ele mostrou uma comunidade que fazia suas escolas, desde fazer os tijolos… Então ele tentava explicar que aquilo era feito pela necessidade, muito mais do que pra mostrar ali, mas as pessoas ainda ficavam perguntando das escolhas arquitetônicas deles, tipo porque teto era alto e uma hora ele falou: “eu estou aqui sobretudo pra convidar vocês pra irem lá, vamos?”. Acho que ele vai conseguir um dinheiro pra fazer mais tijolos, mas não sei se estas pessoas irão até lá. Mas já sei o que eles vão ter que ensinar nessas escolas. O que isso tem a ver com o “Interfaces”?
(11:49:46) lucidasans: Atá porque dá pra conseguir muito tijolo pelo valor da gasolina azul.
(11:49:47) glerm: Não sei, retórica – “carnaval malandros e heróis”.
(11:50:09) lucidasans: Tinha uma inscrição do discurso dele no Transmediale que ele explicou no começo.
(11:50:14) glerm: Alegoria – nota ().
(11:50:20) lucio: No caso – prevalecer/neutralizar/retórica – Quais as alternativas práticas? Continuar, parar, pular, voltar, esquecer, lembrar, rir. Uma lista de ações, quais as regras e antiregras dessa situação?
(11:55:53) gler1 [n=glerm@189.34.70.224] entrou na sala.
(11:55:55) lucio: Em meio a qualquer tipo de tática de objetivação, a um caos pseudo-organizado, como é essa sensação de diluição?
(11:56:04) gler1: Caí­, perdi um monte…
(11:56:26) lucio: Tem dois de Glerms na sala.
(11:56:37) gler1: Um deles eu perdi o link.
(11:57:03) lucio: Os Glerms se multiplicam.
(11:57:30) gler1: É um link perdido, a Simone está fora também. Onde parou a conversa?
(11:58:03) lucidasan1 [n=ieieie@189.34.70.224] entrou na sala.
(11:58:03) gler1: Cola aqui.
(11:58:08) lucio: Também passamos pelo sentimento da perda.
(11:58:11) claudi1 [n=claudia@189.4.43.181] entrou na sala.
(11:58:24) lucio: Oi Claudia!
(11:58:30) lucidasan1: Oi Claudia!
(11:58:33) claudi1: Oi!
(11:58:33) gler1: aqui ta como claud1
(11:58:51) claudi1: Deixa assim.
(11:59:07) lucio: Claudia, estamos conversando sobre multiplicações e diluições.
(11:59:21) gler1 mudou seu apelido para glermglerm
(11:59:58) claudi1: Multiplicações – Questões monetárias?
(12:00:29) lucio: Questões de duplicação de personas.
(12:00:44) lucidasan1: Onde estavam as multiplicações no assunto das intenções mesmo?
(12:00:54) glermglerm: Acho que a gente estava falando sobre “interfaces”.
(12:01:09) lucidasan1: Se interfaces era um jogo com máquinas.
(12:01:15) glermglerm: void()
(12:01:31) lucio: Qual era nossa intenção inicial quanto ao Interfaces?
(12:01:39) lucidasan1: E se era possí­vel declarar essas variáveis antes demais nada.
(12:02:27) lucio: Cabe ser fiéis a essas intenções?
(12:02:52) claudi1: Somos o que resta das diluições, multiplicações, intenções.
(12:03:25) glermglerm mudou seu apelido para guilhermerafaels
(12:03:36) lucio: Isso já é um estrago em tanto.
(12:03:40) guilhermerafaels mudou seu apelido para rafaelsoares
(12:03:57) claudi1: O que resta?
(12:04:11) lucio: Um novo nós…
(12:04:15) rafaelsoares mudou seu apelido para rg60166498
(12:04:52) rg60166498: Eu não acredito em mim, muito menos em vocês.
(12:04:59) lucidasan1: Pra haver um novo nós precisa haver um novo outros, senão não é nós-outros.
(12:05:05) claudi1: Eu também não.
(12:05:34) lucidasan1: Tudo bem Glerm, mim também não acredita em eu.
(12:05:34) rg60166498: Acho que é tudo sobre um dinheiro.
(12:05:35) lucio: Isso não deixa de ser crença.
(12:05:46) rg60166498: Que já foi gasto. O resto é simples, é viver e morrer sem matar. Mas interfaces era o que mesmo? máquinas?
(12:06:22) claudi1: As vezes matar.
(12:06:29) lucio: Pessoas.
(12:06:32) rg60166498: Não estou falando de metáforas, estou falando de gente que mata e se mata de verdade.
(12:06:45) lucio: O nome já diz.
(12:06:55) claudi1: Pessoas que agem como máquinas que agem como pessoas. Cães que agem como pessoas que agem como cães.
(12:07:28) lucidasan1: Crença = Programa.
(12:07:37) claudi1: Pode cagar na minha calçada.
(12:08:01) rg60166498: Existe uma discussão sobre o que é strictu sensu.
(12:08:02) lucio: Acham isso vertiginoso?
(12:08:17) lucidasan1: Não.
(12:08:20) rg60166498: Acho chato pra caralho, vertiginoso é surtar.
(12:08:51) lucio: “Vale a pena viver” – isso é uma conclusão?
(12:09:00) claudi1: Vertiginoso é estar.
(12:09:07) lucidasan1: Acho que até o futuro da internet é mais vertiginoso.
(12:09:09) rg60166498: Estar é fácil, basta ser. Não ser que é a questão.
(12:09:21) claudi1: Qual futuro?
(12:09:25) rg60166498: Vamos pra gaza?
(12:09:35) claudi1: Acho vertiginoso.
(12:09:42) rg60166498: Fazer as mães chorarem?
(12:09:46) lucidasan1: Se há futuro, está conversa estará nos backups.
(12:10:22) rg60166498: Acho tudo irrelevante.
(12:10:24) claudi1: E a seleção natural?
(12:10:33) lucio: Se a obsolescência permitir o resgate a esses dados.
(12:10:39) lucidasan1: O jornalista que jogou o sapato foi severamente torturado.
(12:10:49) rg60166498: Nunca se sabe.
(12:10:56) lucio: Porque errou.
(12:11:04) lucidasan1: Teremos que lutar pela volatilidade das nossas conversas e pela obsolescência dos dados, porque os servidores terão que manter entre aspas dados de três anos, não é?
(12:11:27) lucio: Na guerra o erro é a morte.
(12:11:32) lucidasan1: Pediu abrigo na suí­ça.
(12:11:37) rg60166498: O que eu faço com todo esse conhecimento, esqueço?
(12:11:45) lucidasan1: Mas está sendo investigado em um espaço que investiga terroristas no Iraque.
(12:12:30) rg60166498: Na sala vazia do museu.
(12:12:58) claudi1: Ocupação de fachada.
(12:13:13) lucidasan1: —-
(12:13:45) rg60166498: Tem gente que pinta fachadas e é feliz.
(12:14:58) lucidasan1 mudou seu apelido para glerm
(12:15:05) lucio: Existe um argumento: Vocês assinaram um contrato. Querem comentar algo?
(12:15:15) claudi1: Voltando ao dinheiro, e aí­ quem leva a melhor?
(12:15:36) rg60166498 mudou seu apelido para simone
(12:15:42) claudi1: Assinamos, lemos, erraram nossos nomes.
(12:15:54) glerm: Qual dinheiro?
(12:15:59) lucio: O que gastamos.
(12:16:03) claudi1: Aquele.
(12:16:03) glerm: O que já acabou?
(12:16:07) claudi1: Sim.
(12:16:19) simone: O contrato prevê como contrapartida uma exposição.
(12:16:19) claudi1: Quem levou a melhor?
(12:16:22) simone: Estou de acordo.
(12:16:34) glerm: Quem leva a melhor são os bancos.
(12:16:47) claudi1: Aêê!
(12:16:53) lucio: E como nos manifestamos diante disso?
(12:17:34) glerm: Eu fiz um monte de cacareco, quem quiser achar que vale alguma coisa que leve, senão talvez esse papo furado aqui valha algo. Os cacarecos não funcionam acho porque ainda não sei pra que servem.
(12:19:00) simone: Seguinte, eu vejo o catálogo como um extrato que não precisa necessariamente corresponder ao conteúdo da exposição.
(12:19:10) lucio: Servem pra ocupar um museu?
(12:19:39) claudi1: Ocupar o museu não é problema.
(12:19:47) glerm: Se servirem só pra isso corto minha orelha.
(12:19:47) simone: Precisamos deste tempo para nos dedicar a configurar e discutir a exposição.
(12:20:33) lucio: Van Gogh mordeu a orelha, hehe.
(12:20:50) claudi1: Mordeu a sua própria orelha.
(12:20:57) glerm: Pixe peixe.
(12:21:04) simone: Tyson, Pedro Simão.
(12:21:30) claudi1: Conhecemos um cara chamado Toto.
(12:21:42) simone: Sem acento?
(12:21:52) claudi1: Sim. Ele disse: Trabalho e produtividade.
(12:22:16) lucio: Como lema da bandeira.
(12:22:20) simone: Onde? Otimização e proatividade.
(12:22:54) simone: Onde vocês o conheceram?
(12:23:01) claudi1: Em Pontal do Sul.
(12:23:06) lucio: No embarque, mas seu afilhado escreveu: Vida e liberdade.
(12:23:31) simone: O que ele faz de tão inspirado?
(12:23:38) claudi1: Ele disse: Quem trabalha não ganha dinheiro.
(12:23:47) simone: Ah!
(12:23:51) lucio: O garoto tinha uns 10 anos e mandou essa.
(12:24:02) claudi1: Você estabelece graus de parentesco absurdos.
(12:24:03) simone: E a Ufpr escreveu: Scientia e labor, he!
(12:24:29) claudi1: Labor.
(12:24:33) glerm: A Ufpr tá certa, ciência e lavoura.
(12:24:56) lucio: E o barão mandou seus escravos construí­rem o espaço da exposição.
(12:25:05) simone: Ciência e laboratório.
(12:25:06) claudi1: Certo precisamos plantar.
(12:25:09) simone: Acho que eles acham.
(12:25:42) lucio: E os milicos construí­ram a outra parte.
(12:25:43) glerm: O pior de tudo não é que o barão supostamente morreu por nós, e sim que isso não me diverte.
(12:26:16) claudi1: Diversão, ciência e labor?
(12:26:37) simone: Distração, ciência e lavoura.
(12:26:46) lucio: E quanto aos desvios de conduta, isso existe?
(12:27:00) claudi1: Desvios?
(12:27:06) simone: Desde que não somos mais trens.
(12:27:14) glerm: Matar.
(12:28:01) simone: Pro Freud existem dois tipos, desvios de fins e desvios de meios.
(12:28:41) glerm: isso aqui é o texto do catálogo, ou é desvio?
(12:29:05) lucio: Vai passar antes pela censura.
(12:29:47) simone: E pelo liquidificador.
(12:30:18) claudi1: Claro, para uma mistura homogênea.
(12:31:26) lucio: Ou vai para o desvio do catálogo? Hoje havia de novo um passarinho preso no quarto do vitoriamario.
(12:34:25) simone: Ui!
(12:34:38) lucio: Conversei com ele e abri a janela.
(12:34:53) claudi1: E o que ele disse?
(12:35:18) lucio: Ele saiu e ficou no telhado na minha frente me olhando todo destrambelhado.
(12:35:31) claudi1: Tive uma idéia totalmente revolucionária.
(12:35:34) lucio: Piou e voou.
(12:36:18) simone: Putz, triste… Diga Claudia.
(12:37:17) lucio: Ou acha pouco seguro por IRC?
(12:37:52) claudi1: Estou esperando que mais pessoas estejam presentes.
(12:38:06) lucio: Como quem? Os revolucionários?

Encontro pelo Irc acontecido no dia 02fev2009.

Chega de verão e de saudade e de cozinhar a 40 graus

na rua o tom de cinza tenta dar um clima
avermelhado pro curitibano se despir do pudor
e a chuva deixa dentro um fogo um cataclisma
pulsando um outro sentimento que nos dá calor

show Casa Gomm, 25/10/2008 – Curitiba

Música: Octávio Camargo
Letra: Alexandre França

Nem toda história de amor acaba em morte, mas

Em Curitiba estes números assustam, pois

Quando o inverno chega por aqui

Os suicidas de amor se multiplicam por dois

Mais um poeta da dor se joga fora do bar

Onde a garoa cai guardando suas palavras

No piso de pedra do Alto da Glória para

Toda a boemia abraçada rir cantando

Nem toda história de amor acaba em morte, mas

Em Curitiba estes números assustam, pois

Quando o inverno chega por aqui

Os suicidas de amor se multiplicam por dois

Esta doença de amor não tem remédio, porém

Em Curitiba no inverno os bares enchem mais

De gente fria esquentando com cachaça

Um desejo que no fundo só faz bem de mais

Eu mesmo largo mão de tanta hipocrisia

Dançando com as mocinhas da cidade

que eu não dava valor

em cada esquina mais um santo se agita

ao ler a missa que Dioní­sio saberia de cor

na rua o tom de cinza tenta dar um clima

avermelhado pro curitibano se despir do pudor

e a chuva deixa dentro um fogo um cataclisma

pulsando um outro sentimento que nos dá calor

é a polaca do Batel deixando a boca sorrir

falando alto, sem vergonha, pro comboio ouvir

que o esporro vai continuar na sua casa

outra casa cabisbaixa para farra enfeitar

com cores novas a fachada desbotada

cheia de lambrequins

um vinho campo largo pinta os dentes de um infeliz

que agora fala pelos cotovelos que não doem tanto

quanto antes numa época em que o amor doí­a como

aneurisma ou pontadas na barriga, o amor era uma briga

que batia um coração desajustado, tão cansado de sofrer

por opção

Nem toda história de amor acaba em morte, mas

Em Curitiba estes números assustam, pois

Quando o inverno chega por aqui

Os suicidas de amor se multiplicam por dois

Mas toda noite do mundo que se preze também

Possui no fundo da gaveta um suicida bem do tipo

Que não liga tanto para a vida, mas

Que para morte nunca deu a mí­nima.

quanto mais estuda mais cavalo ele fica

seu pai gastou tanto dinheiro
para que ele fosse um poliglota
como recompensa foi o primeiro
a sentir o sabor da sua bota

quanto mais estuda
mais cavalo ele fica

estudou teologia e filosofia pura
montando a dialética de sua cavalgadura
absorveu do mestre a suprema sabedoria
pra transformar seu templo em uma estrebaria

quanto mais estuda
mais cavalo ele fica

recebeu do mundo só amor e carinho
sólida cultura, todo o conhecimento
mas a grande eureca ele teve sozinho
burro é mistura de égua com jumento

quanto mais estuda
mais cavalo ele fica

Roberto Prado, Marcos Prado, Edilson Del Grossi, Trindade


http://polacodabarreirinha.blogspot.com/2008_11_23_archive.html

Cultura: um conceito reacionário

O conceito de cultura é profundamente reacionário. É uma maneira de separar atividades semióticas (atividades de orientação no mundo social e cósmico) em esferas, í s quais os homens são remetidos. Isoladas, tais atividades são padronizadas, instituí­das potencial ou realmente e capitalizadas para o modo de semiotização dominante – ou seja, elas são cortadas de suas realidades polí­ticas.

Toda a obra de Proust gira em torno da idéia de que é impossí­vel autonomizar esferas como a da música, das artes plásticas, da literatura , dos conjuntos arquitetônicos, da vida microssocial nos salões.

A cultura enquanto esfera autônoma só existe em ní­vel dos mercados de poder, dos mercados econômicos, e não em ní­vel da produção, da criação e do consumo real.

“O que caracteriza os modos de produção capitalí­sticos é que eles não funcionam unicamente no registro dos valores de troca, valores que são da ordem do capital, das semióticas monetárias ou dos modos de financiamento. Eles funcionam também através de um modo de controle da subjetivação, que eu chamaria de “cultura de equivalência” ou de “sistemas de equivalência na esfera da cultura”. Desse ponto de vista o capital funciona de modo complementar í  cultura enquanto conceito de equivalência: o capital ocupa-se da sujeição econômica, e a cultura, da sujeição subjetiva. E quando falo em sujeição subjetiva não me refiro apenas í  publicidade para a produção e o consumo de bens. É a própria essência do lucro capitalista que não se reduz ao campo da mais-valia econômica: ela está também na tomada de poder da subjetividade.

Cultura de massa e singularidade

O tí­tulo que propus para este debate na Folha de S. Paulo foi “Cultura de massa e singularidade”. O tí­tulo reiteradamente anunciado foi “Cultura de massa e individualidade” ââ?¬â? e talvez esse não seja um mero problema de tradução. Talvez seja difí­cil ouvir o termo singularidade e, nesse caso, traduzi-lo por individualidade me parece colocar em jogo uma dimensão essencial da cultura de massa. É exatamente este o tema que eu gostaria de abordar hoje: a cultura de massa como elemento fundamental da “produção de subjetividade capitalí­stica”.

A cultura de massa produz, exatamente, indiví­duos: indiví­duos normalizados, articulados uns aos outros segundo sistemas hierárquicos, sistemas de submissão – não sistemas de submissão visí­veis e explí­citos, como na etologia animal, ou como nas sociedades arcaicas ou pré-capitalistas, mas sistemas de submissão muito mais dissimulados. E eu nem diria que esses sistemas são “interiorizados” ou “internalizados” de acordo com a expressão que esteve muito em voga numa certa época, e que implica uma idéia de subjetividade como algo a ser preenchido. Ao contrário, o que há é simplesmente uma produção de subjetividade. Não somente uma produção de subjetividade individuada – subjetividade dos indiví­duos – mas uma produção de subjetividade inconsciente. A meu ver, essa grande fábrica, essa poderosa máquina capitalí­sticas produz, inclusive, aquilo que acontece conosco quando sonhamos, quando devaneamos. Em todo caso, ela pretende garantir uma função hegemônica em todos esses campos.

Eu oporia a essa máquina de produção de subjetividade a idéia de que é possí­vel desenvolver modos de subjetivação singulares, aquilo que poderí­amos chamar de “processos de singularização”: uma maneira de recusar todos esses modos de encodificação preestabelecidos, todos esses modos de manipulação e de telecomando, recusá-los para construir modos de sensibilidade, modos de relação com o outro, modos de produção, modos de criatividade que produzam uma subjetividade singular. Uma singularização existencial que coincida com um desejo, com um gosto de viver, com uma vontade de construir o mundo no qual encontramos, com a instauração de dispositivos para mudar os tipos de sociedade, os tipos de valores que não são os nossos. Há assim algumas palavras-cilada (como a palavra “cultura”), noções anteparo que nos impedem de pensar a realidade dos processos em questão.

A palavra cultura teve vários sentidos no decorrer da História: seu sentido mais antigo é o que aparece na expressão “cultivar o espí­rito”. Vou designá-la “sentido A” e “cultura-valor”, por corresponder a um julgamento de valor que determina quem tem cultura, e quem não tem: ou se pertence a meios cultos ou se pertence a meios incultos. O segundo núcleo semântico agrupa outras significações relativas í  cultura. Vou designá-lo “sentido B”. É a “cultura-alma coletiva”, sinônimo de civilização. Desta vez, já não há mais o par “ter ou não ter”: todo mundo tem cultura. Essa é uma cultura muito democrática: qualquer um pode reivindicar sua identidade cultural. É uma espécie de “a priori” da cultura: fala-se em cultura negra, cultura underground, cultura técnica, etc. É uma espécie de alma um tanto vaga, difí­cil de captar, e que se prestou no curso da História a toda espécie de ambiguidade, pois é uma dimensão semântica que se encontra tanto no partido hitleriano, com a noção de volk (povo), quanto em numerosos movimentos de emancipação que querem se reapropriar de sua cultura, e de seu fundo cultural. O terceiro núcleo semântico, que designo “C”, corresponde í  cultura de massa e eu o chamaria de “cultura-mercadoria”. Aí­ já não há julgamento de valor, nem territórios coletivos da cultura mais ou menos secretos, como nos sentidos A e B. A cultura são todos os seus bens: todos os equipamentos (casas de cultura, etc.), todas as pessoas (especialistas que trabalham nesse tipo de equipamento), todas as referências teóricas e ideológicas relativas a esse funcionamento, enfim, tudo que contribui para a produção de objetos semióticos (livros, filmes, etc.), difundidos num mercado determinado de circulação monetária ou estatal. Difunde-se cultura exatamente como Coca-cola, cigarros “de quem sabe o que quer”, carros ou qualquer coisa.

Retomemos as três categorias. Com a ascensão da burguesia, a cultura-valor parece ter vindo substituir outras noções segregativas, antigos sistemas de segregação social da nobreza. Já não se fala mais em pessoas de qualidade: o que se considera é a qualidade da cultura, resultante de determinado trabalho. É a isso que se refere, por exemplo, aquela fórmula de Voltaire, espécie de palavra de ordem no final de Candide: “Cultivem seus jardins”. As elites burguesas extraem a legitimidade de seu poder do fato de terem feito certo tipo de trabalho no campo do saber, no campo das artes, e assim por diante. Também essa noção cultura-valor tem diversas acepções. Pode-se tomá-la como uma categoria geral de valor cultural no campo das elites burguesas, mas também se pode usá-la para designar diferentes ní­veis ní­veis culturais em sistemas setoriais de valor ââ?¬â? aquilo que faz com que se fale, por exemplo, em cultura clássica, cultura cientí­fica, cultura artí­stica.

E aí­, passo a passo, vai-se chegando í  definição B, a da cultura-alma, que é uma noção pseudocientí­fica, elaborada a partir do final do século XIX, com o desenvolvimento da antropologia , em particular da antropologia cultural. No iní­cio, a noção de alma coletiva é muito próxima de uma noçao segregativa e até racista; grandes antropólogos como Lévy-Bruhl e Taylor reificam essa noção de cultura. Falava-se coisas do tipo que as sociedades ditas primiticas têm “mentalidade primitiva” – noções que serviram para qualificar modos de subjetivação que, na verdade, são perfeitamente heterogêneos. E, depois, com a evolução das ciências antropológicas, com o estruturalismo e o culturalismo, houve uma tentativa de se livrar desses sistemas de apreciação etnocêntricos. Nem todos os autores da corrente culturalista fizeram essa tentativa. Alguns mantiveram uma visão etnocêntrica. Outros, em compensação, como Kardiner, Margaret Mead e Ruth Benedict, com noções tais como “personalidade de base”, “personalidade cultural de base”, “pattern cultural”, quiseram livrar-se do etnocentrismo. Mas, no fundo, pode-se dizer que se essa tentativa constituiu em sair do etnocentrismo – renunciar a uma referência geral em relação í  cultura branca, ocidental, masculina – ela, na verdade, estabeleceu uma espécie de policentrismo cultural, uma espécie de multiplicação do etnocentrismo.

Essa “cultura-alma”, no sentido B, consiste em isolar o que chamarei de uma esfera da cultura (domí­nios da cultura como o do mito, do culto ou da enumeração) í  qual se oporão outros ní­veis tidos como heterogêneos, como a esfera do polí­tico, a esfera das relações estruturais de parentesco – tudo aquilo que diz respeito í  economia dos bens e dos prestí­gios. E assim acaba-se desembocando numa situação em que aquilo que eu chamaria de “atividades de semiotização” – toda a produção de sentido, de eficiência semiótica – é separado numa esfera que passa a ser desfinida como a da “cultura”. E a cada alma coletiva (os povos, as etnias, os grupos) será atribuida uma cultura. No entanto, esses povos, etnias e grupos sociais não vivem essas atividades como uma esfera separada. Da mesma maneira que o burguês fidalgo de Molií¨re descobre que ele “faz prosa”, as sociedade ditas primirivas descobrem que “fazem cultura”; elas são informadas, por exemplo, de que fazem música, dança, atividades de culto, de mitologia e outras tantas. E descobrem isso sobretudo no momento em que pessoas vêm lhes tomar a produção para expô-la em museus ou vendê-la no mercado de arte ou para inseri-la nas teorias antropológicas cientí­ficas em circulação. Mas estas sociedades não fazem nem cultura, nem dança, nem música. Todas essas dimensões são inteiramente articuladas umas í s outras num processo de expressão, e também articuladas com sua maneira de produzir bens, com sua maneira de produzir relações sociais. Ou seja, elas não assumem, absolutamente, essas diferentes categorizações que são as da antropologia. A situação é idêntica no caso da produção de um indiví­duo que perdeu suas coordenadas no sistema psiquiátrico, ou no caso da produção das crianças quando são integradas ao sistema de escolarização. Antes disso, elas brincam, articulam relações sociais, sonham, produzem e, mais cedo ou mais tarde, vão ter que aprender a categorizar essas dimensões de semiotização no campo social normalizado. Agora é hora de brincar, agora é hora de produzir para a escola, agora é hora de sonhar, e assim por diante.

Já a categoria cultura-mercadoria, o terceiro núcleo de sentido, se pretende muito mais objetiva: cultura aqui não é fazer teoria, mas produzir e difundir mercadorias culturais, em princí­pio sem levar em consideração os sistemas de valor distintivos no ní­vel A (cultura-valor) e sem se preocuar tampouco com aquilo que eu chamaria de ní­veis territoriais da cultura, que são da alçada do ní­vel B (cultura-alma). Não se trata de uma cultura a priori, mas de uma cultura que se produz, se reproduz, se modifica constantemente. Assim sendo, pode-se estabelecer uma espécie de nomenclatura cientí­fica, para tentar apreciar essa produção de cultura, em termos quantitativos . Há grades muito elaboradas (penso naquelas que estão em curso na Unesco), nas quais se pode classificar os “ní­veis” culturais das cidades, das categorias sociais, e assim por diante, em função do í­ndice, do número de livros produzidos, do número de filmes, do número de salas de uso cultural.

A minha idéia é que esses três sentido de cultura que apareceram sucessivamente no curso da História continuam a funcionar simultaneamente. Há uma complementaridade entre esses três tipo de núcleos semânticos. A produção dos meios de comunicação de massa, a produção de subjetividade capitalí­stica gera uma cultura com vocação universal. Esta ée uma dimensão essencial na confecção da força coletiva de trabalho, e na confecção daquilo que eu chamo de força coletiva de controle social. Mas, independentemente desses dois grandes objetivos, ela está totalmente disposta a tolerar territórios subjetivos que escapam relativamente a essa cultura geral. É preciso, para isso, tolerar margens, setores de cultura minoritária – subjetividades em que possamos nos reconhecer, nos resgatar entre nós numa orientação alheia í  do Capitalismo Mundial Integrado. Essa atitude, entretanto, não é apenas de tolerância. Nas últimas décadas, essa produção caí­talí­stica se empenhou, ela própria, em produzir suas margens, e de algum modo equipou novos territórios subjetivos: os indiví­duos, as famí­lias, os grupos sociais, as minorias, e por aí­ vai. Tudo isso parece ser muito bem calculado. Poder-se-ia dizer que, neste momento, Ministérios da Cultura estão começando a surgir por toda parte, desenvolvendo uma perspectiva modernista na qual se propõem a incrementar, de maneira aparentemente democrática, uma produção de cultura que lhe permita estar nas sociedades industriais ricas. E também encorajar formas de cultura particulares, a fim de que as pessoas se sintam de algum modo numa espécie de território e não fiquem perdidas num mundo abstrato.

Na verdade, não é bem assim que as coisas acontecem. esse duplo modo de produção da subjetividade, esssa industrialização da produção de cultura segundo os ní­veis B e C, não renunciou absolutamente ao sistem ade valorização do ní­vel A. Atrás dessa falsa democracia da cultura continuam a instaurar os mesmos sistemas de segregação a partir de uma categoria geral da cultura, de modo completamente subjacente. Nessa perspectiva modernista, os Ministros da Cultura e os especialistas dos equipamentos culturais declaram não pretender qualificar socialmente os consumidores dos objetos culturais, mas apenas difundir cultura num determinado campo social, que fuincionaria segundo uma lei de liberdade de trocas. No entanto, o que se omite aqui é que o campo social que recebe a cultura não é homogêneo. A difusão de produtos como um livro ou um disco bão tem absolutamente a mesma significação quando veiculada nos meios de elites sociais ou nos meios de comunicação de massa, a tí­tulo de formação ou de animação cultural.

Trabalhos de sociólogos como Bordieu mostram que há grupos que já possuem até um metabolismo de receptividade das produções culturais. É óbvio que uma criança que nunca conviveu num ambiente de leitura, de produção de conhecimento, de fruição de obras plásticas, não tem o mesmo tipo de relação com a cultura que teve alguém como Jean Paul Sartre, que nasceu numa biblioteca literalmente. Ainda assim se quer manter a aparência de igualdade diante das produções culturais. De fato, conservamos o antigo sentido da palavra cultura, a cultura valor, qe se insceve nas tradições aristocráticas de almas bem nascidas, de gente que sabe lidar com as palavras, as atitudes e as etiquetas. A cultura não é apenas uma transmissão de informação cultural, uma transmissão de sistemas de modelização, mas é também uma maneira de as elites capitalí­sticas exporem o que eu chamaria de um mercado geral de poder.

Um poder não apenas sobre os objetos culturais, ouy sobre as possibilidade de manipulá-los e ciar algo, mas também um poder de atribuir a si os objetos culturais como signo distintivo na relação socuak com os outros. O sentido que uma banalidade pode tomar, por exemplo no campo da literatura, varia de acordo com o destinatário. O fato de um aluno ou um professor primário de uma cidadezinha qualquer do interior dizer banalidades sobre Maupassant não altera seu sistema de produção de valor no campo social. Mas se Giscard dââ?¬â?¢Estaing, num dos grandes programas literários da televisão francesa, falar de Maupassant, ainda que uma banalidade, o fato se contitui imediatamente em um í­ndice, não de seu conhecimento real acerca do escritor, mas de que ele pertence a um campo de poder que é o da cultura.

Tomarei um exemplo mais imediato, situado naquilo que estou considerando como contexto brasileiro. Costuma-se insinuar que Lula e PT são pessoa e empreendimento muito simpáticos, mas que vão sem dúvida se revelar completamente incapazes de gerir uma sociedade altamente diferenciadaa como é a brasileira, pois ele snão têm competência técnica, não têm ní­veis de saer suficientes para tanto. Recentemente estive na polônia e constatei que esse mesmo tipo de argumentação é usado contra Walesa. Dirigentes do Partido Comunista Polonês empregam rodos os meios possí­veis para tentar desconsiderá-lo. Especificamente um sujeito asqueroso que se chama Racowski, e que declara í  imprensa ocidental que simpatiza muito com Walesa, esse personagem sedutor, tão charmoso, mas considera que, separado de seus conselheiros, de se entourage habitual, ele não é nada, é um incapaz.

Na verdade, o que está se colocando em jogo não são esses ní­veis de competência, mesmo porque, para começo de conversa, é notório o ní­vel de incompetência e corrupção das elites no poder. Aliás, nos agenciamenteos de poder capitalí­stico em geral são sempre os mais estúpidos que se encontram no alto da pirâmide. Basta considerar os resultadis: a gestão da economia mundial hoje conduz centenas e milhares de pessoas í  fome, ao desespero, a um modo de vida inteiramente impossí­vel, apesar dos progressos tecnológicos e das capacidades produtivas extraordinárias que estão se desencolvendo nas revoluções tecnológicas atuais.

Assim, não podemos aceitar que o que esteja sendo efetivamente visado ou tendo um certo impacto na opinião seja a competência. Além disso, esse argumento promove uma certa função encarnada do saber, como se a inteligência necessária nesta situação de crise que estamos vivendo pudesse encarnar algum suposto talento ou saber transcedental. Esse argumento simplesmente escamoteia o fato de que todos os procedimentos de saber, de efiiência semiótica no mundo atual participam de agenciamentos complexos, que jamais são da alçada de um único especialista . Sabe-se muito vem qye qyalquer sistema de gestão moderna dos grandes processos industriais e sociais implica a articulação de diferentes ní­veis de competência. Nesse sentido, não vejo em que Lula seria incapaz de fazer tal articulação. E quando eu falo de Lula, na verdade estou falando do PT, de todas as formações democráticas, de todas as corrente minoritárias que estão se agitando neste momento de campanha eleitoral no Brasil. Então, não á para entender por que essas diferentes potencialidade de competência nõ poderiam fazer o que fazem as elites hoje no poder – tão bem quanto ou até melhor. Acho que o ponto-chave dessa questão não está aí­, e sim na relação de Lula com a cultura, como quantidade de informação. Não a cultura-alma ââ?¬â? pois é óbvio que, nesse sentido, ele tem a cultura de São Bernardo ou a cultura operária, e não vamos tirar isso dele –, mas sim com u certo tipo de cultura capitalí­stica uma das enrgenagens fundamentais do poder. As pessoas do PT, em particular o Lula, não participam de determinada qualidade de cultura dominante. É muito mais uma questão de estilo e de etiqueta. Poder-seia dizer até que é algo que funciona num ní­vel anterior ao término de uma frase, í  configuração de um discurso. Tais pessoas não fazem parte da cultura capitalí­stica dominante. A partir daí­ desenvolve-se todo um vetor de culpabilização, pois essa concepção de cultura impregna todos os ní­veis sociais e produtivos. Daí­ tais pessoas não poderem pretender uma legitimidade para gerir os processos capitalí­sticos, idéia que elas próprias acabam assumindo.

O que dá então um caráter de estranhamento í  ascenção polí­tica e social de pessoas como Lula é o fato de sentirmos muito bem que não se trata apenas de um fenômeno de ruptura em relação í  gestão dos fluxos sociais e econômicos. Mas sim de colocar em prática um tipo de processo de subjetivação diferente do capitalí­stico, com seu duplo registro de produção de valores universais por um lado, e de reterritorialização em pequenos guetos subjetivos, por outro lado. Colocar em prática a produção de uma subjetividade que vai ser capaz de gerir processos de singularização subjetiva, que não confinem as diferentes categorias sociais (minorias sexuais, raciais, culturais e quaisquer outras) no esquadrinhamento dominante do poder.

Então a questão que se coloca agora não é mais “quem produz cultura”, “quais vão ser os recipientes dessas produções culturais”, mas como agenciar outros modos de produção semiótica, de maneira a possibilitar a construção de uma sociedade que simplesmente consiga manter-se em pé. Modos de produção semiótica que permitam assegurar uma divião social da produção, sem por isso fechar os indiví­duos em sistemas de segregação opressora ou categorizar suas produções semióticas em esferas distintas da cultura. A pintura como esfera cultural refere-se antes de mais nada aos pintores, í s pessoas que têm currí­culo de pintoras e í s pessoas que difudem a pintura no comércio ou nos meios de comunicação de massa. Como fazer com que essas categorias ditas “da cultura” possam ser, ao mesmo tempo, altamente especializadas, singularizadas, como é o caso que acabei de mencinar da pintura, sem que haja por isso uma espécie de posse hegemônica pelas elites capitalí­sticas? Como fazer para que esses diferentes modos de produção cultural não se tornem unicamente especialidades, mas possam articular-se ao conjunto dos outros tipos de produção (o que eu chamo de produções maquí­nicas: toda essa revolução informática, telemática, dos robôs, etc.)? Como abrir, e até quebrar, essas antigas esferas culturais fechadas sobre si mesmas? Como produzir novos agenciamentos de singularização que trabalhem por uma sensibilidade estética, pela mudança da vida num plano mais cotidiano e, ao mesmo tempo, pelas transformações sociais em ní­vel dos grandes conjuntos econômicos e sociais?

Para concluir, eu diria que os problemas da cultura devem necessariamente sair da articulação entre os três núcleos semânticos que evoquei anteriormente. Quando os meios de comunicação de massa ou os Ministros da Cultura falam de cultura, querem os meios de comunicação de massa nos convencer de que não estão tratando de problemas polí­ticos, e sociais. Distribui-se cultura para o consumo, como se distribui um mí­nimo vital de alimentos em algumas sociedades. Mas os agenciamentos de toda espécie implicam sempre, correlativamente, dimensões micropolí­ticas e macropolí­ticas.

Eu poderia, eventualmente, falar dos efeitos dessa concepção, hoje na França, com o governo Mitterrand, para tentar descrever a maneira pela qual os socialistas estão girando em falso com essa categoria de cultura. E isso porque sua tentativa de democratização da cultura não está realmente conectada com os processos de subjetivação singular, com as minorias culturais ativas, o que faz com que se restabeleça sempre, apesar das boas intenções, uma relação privilegiada entre o Estado e os diferentes sistemas de produção cultural. Neste momento, algumas pessoas na França, entre as quais me incluo, consideram muito importante inventar um modo de produção cultural que quebre radicalmente os esquemas atuais de poder nesse campo, esquemas de que dispõe o Estado atualmente, através de seus equipamentos coletivos e de sua mí­dia.

Como fazer para que a cultura saia dessas esferas fechadas sobre si mesmas? Como organizar, dispor e financiar processos de singularizaçao cultural que desmontem os particularismos atuais no campo da cultura e, ao mesmo tempo, os empreendimentos de pseudodemocratização da cultura?

Não existe, a meu ver, cultura popular e cultura erudita. Há uma cultura capitalí­stica que permeia todos os campos de expressão semiótica. É isso que tento dizer ao evocar os três núcleos semânticos do termo cultura. Não há coisa mais horripilante do que fazer a apologia da cultura popular, ou da cultura proletária, ou sabe-se lá o que do gênero. Há processos de singularização em práticas determinadas e há procedimentos de reapropriação, de recuperação, operados pelos diferentes sistemas capitalí­sticos.
No fundo, só há uma cultura: a capitalí­stica. É uma cultura sempre etnocêntrica e intelectocêntrica (ou logocêntrica), pois separa os universos semióticos das produções subjetivas.

Há muitas maneiras de a cultura ser etnocêntrica, e não apenas na relação racista do tipo cultura masculina, branca, adulta. Ela pode ser relativamente policêntrica ou polietnocêntrica, e preservar a postulação de uma referência de cultura-valor, um padrão de tradutibilidade geral das produções semióticas, inteiramente paralelo ao capital.

Assim como o capital é um modo de semiotização que permite ter um equivalente geral para as produções econômicas e sociais, a cultura é o equivalente geral para as produções de poder. As classes dominantes sempre buscam essa dupla mais-valia de poder, através da cultura-valor.

Considero essas duas funções, mais-valia econômica e mais-valia do poder, inteiramente complementares. Elas constituem, juntamente com uma terceira categoria de equivalência ââ?¬â? o poder sobre a energia, a capacidade de conversão das energias umas nas outras ââ?¬â? os três pilares do CMI.

fonte:http://zepower.wordpress.com/cultura-um-conceito-reacionario/
texto do livro Cartografias do desejo do Félix Guattari com a Suely Rolnik e foi produzido em 1982 com a vinda do primeiro.

o fim daquele texto

“O que garante a unidade da projetada coletânea de meus artigos é a unidade de tema, tal como ele aparece nas diversas etapas de seu desenvolvimento. A unidade de uma idéia em processo de formação e desenvolvimento acarreta certo inacabamento interno de meu pensamento. Não gostaria entretanto de converter um defeito em virtude. Em meus trabalhos, há muito inacabamento externo, um inacabamento que se deve menos ao próprio pensamento do que ao modo de expressão e de exposição. às vezes é difí­cil separar estes dois aspectos. Não se pode resumir isso a uma orientação (ao

estruturalismo). Meu fraco pela variação e pela variedade terminológica que abrange um único e mesmo fenômeno. As variedades das sí­nteses. Aproximações remotas sem indicações dos elos intermediários.

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Observações sobre a epistemologia das ciências humanas
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� �

Titulo da edição original: A propósito da metodologia das ciências humanas. Texto de 1974. Último escrito do autor, inspirado nas notas de trabalho de um estudo que era dedicado (em 1940) aos “fundamentos filosóficos das ciências humanas

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A compreensão. Articulação da compreensão em atos distintos. Na compreensão efetiva, real e concreta, esses atos se fundem indissoluvelmente num único e mesmo processo de compreensão; no entanto, cada ato distinto tem uma autonomia ideal de sentido (de conteúdo) e pode ser isolado do ato empí­rico concreto. 1) A percepção psicofisiológica do signo fí­sico (palavra, cor, forma espacial). 2) O reconhecimento do signo (como algo conhecido ou desconhecido); a compreensão de sua significação reproduzí­vel (geral) na lí­ngua. 3) A compreensão de sua significação em dado contexto (contí­guo ou distante). 4) A compreensão dialógica ativa (concordância-discordância); a inserção num contexto dialógico; o juí­zo de valor, seu grau de profundidade e de universalidade. A passagem da imagem para o sí­mbolo revela-lhe a profundidade e a perspectiva de sentido. Relação dialética entre identidade e não-identidade. A imagem deve ser compreendida pelo que ela é e pelo que significa. O conteúdo do sí­mbolo autêntico aparece através do encadeamento mediador de um sentido que foi correlacionado com a idéia da totalidade universal (do conjunto universal cósmico e humano). O mundo tem um sentido ââ?¬â? “a imagem do mundo manifestada na palavra” (Pasternak). Todo fenômeno particular está imerso no caos dos princivios primários da existência. Diferentemente do mito, aqui fica-se consciente de sua própria não-coincidência com o sentido. No sí­mbolo, há “o calor do mistério em fusão” (Averintsev). Momento da oposição entre o que é pessoal e o que é do

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outro. Calor do amor e frio da singularidade. Oposição e confrontação. Uma interpretação do sí­mbolo continua sendo ela mesma sí­mbolo, apenas um pouco racionalizada, ou seja, um pouco mais próxima do conceito. Definição do sentido em toda a profundidade e a complexidade de sua essência. O ato de compreensão concebido como descoberta do que existe, mediante o ato da visão (contemplação), e como adjunção, mediante a elaboração criadora a que o submetemos. Presunção do contexto posterior em sua extensibilidade, cotejo com o todo acabado e cotejo com o contexto inacabado. O sentido assim entendido (no contexto inacabado) não é pací­fico nem cômodo (não se pode tranqüilizar-se nem morrer nele). Significação e sentido. Preenchimento da rememoração e presunção do possí­vel (a compreensão em contextos distantes). Na rememoração, levamos em conta os acontecimentos que se sucederam (dentro dos limites do passado), ou seja, percebemos e compreendemos o que é rememorado no contexto de um passado inacabado. Em que forma

o todo está presente na consciência? (Platão e Husserl.) Até que ponto é possí­vel descobrir e comentar o sentido (da imagem ou do sí­mbolo) unicamente mediante outro sentido isomorfo (sí­mbolo ou imagem)? O sentido não é solúvel no conceito. Papel do comentário. Teremos quer uma racionalização relativa do sentido (a análise cientí­fica habitual), quer um aprofundamento do sentido, com a ajuda dos outros sentidos (a interpretação filosófico-artí­stica). O aprofundamento mediante ampliação das distâncias contextuais. Uma explicação das estruturas simbólicas tem de entranhar-se na infinidade dos sentidos simbólicos; por isso não pode tornar-se urna ciência na acepção desta palavra quando se trata das ciências exatas. Uma interpretação dos sentidos não pode ser de ordem cientí­fica, mas mesmo assim conserva seu valor profundamente cognitivo. Pode servir diretamente í  prática que concerne í s coisas. “Cumpre reconhecer que a simbologia não é uma forma não-cientí­fica do conhecimento, mas uma forma cientí­fica-diferente do conhecimento, dotada de suas próprias leis internas e de seus critérios de exatidão” (Averintsev).

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O autor de uma obra está presente somente no todo da obra. Não será encontrado em nenhum elemento separado do todo, e menos ainda no conteúdo da obra, se este estiver isolado do todo. O autor se encontra no momento inseparável em que o conteúdo e a forma se fundem, e percebemo-lhe a presença acima de tudo na forma. A crí­tica costuma procurar o autor no conteúdo separado do todo; conteúdo que é associado naturalmente ao autor, homem de um tempo definido, de uma biografia definida e de uma visão do mundo definida (a imagem do autor fica confundida com a imagem do homem real). O autor, em pessoa, não pode tornar-se uma imagem, pois é o criador das imagens e do sistema de imagens da obra. E por esta razão que a chamada imagem do autor não pode ser uma das imagens da obra (uma imagem muito especial, é verdade). Não é raro que o pintor se represente no quadro (num canto deste), mas ele também faz seu auto-retrato. Ora, no auto-retrato, não vemos o autor como tal (não se pode vê-lo), assim como não o vemos noutra obra do autor. E nos melhores quadros do artista que a imagem do autor melhor se revela. O autor-criador não pode ser criado na esfera em que ele próprio é criador. Trata-se da natura naturans, e não da natura naturata. Vemos o criador apenas em sua criação, jamais fora desta criação. As ciências exatas são uma forma monológica de conhecimento: o intelecto contempla uma coisa e pronuncia-se sobre ela. Há um único sujeito: aquele que pratica o ato de cognição (de contemplação) e fala (pronuncia-se). Diante dele, há a coisa muda. Qualquer objeto do conhecimento (incluindo o homem) pode ser percebido e conhecido a tí­tulo de coisa. Mas o sujeito como tal não pode ser percebido e estudado a tí­tulo de coisa porque, como sujeito, não pode, permanecendo sujeito, ficar mudo; conseqüentemente, o conhecimento que se tem dele só pode ser dialógico. Dilthey e o problema da compreensão. Os múltiplos aspectos da eficácia na atividade cognitiva. A atividade eficaz do sujeito na cognição da coisa muda e na cognição de outro sujeito, ou seja, a atividade dialógica do cognoscente. A atividade dialógica (e seus graus) do sujeito submetido ao ato de cognição. A coisa e a pessoa (o sujeito) como

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limites do conhecimento. Graus de reificação e de personalização. Caráter de acontecimento da cognição dialógica. O encontro. O juí­zo de valor como elemento necessário da cognição dialógica. Ciências humanas ââ?¬â? ciências que tratam do espí­rito ââ?¬â? e ciências das letras (a palavra que é ao mesmo tempo parte constitutiva delas e objeto comum de estudo). Historicidade. Caráter imanente. A análise (a compreensão e a cognição) fechando-se

num dado texto. Problema das fronteiras do texto e do contexto. Toda palavra (todo signo) de um texto conduz para fora dos limites desse texto. A compreensão é o cotejo de um texto com os outros textos. O comentário. Dialogicidade deste cotejo. Lugar da filosofia. Ela começa onde acaba a exatidão da cientificidade e onde começa uma cientificidade diferente. Pode-se defini-la como metalinguagem de todas as ciências (e de todos os modos de cognição e de consciência). Compreender é cotejar com outros textos e pensar num contexto novo (no meu contexto, no contexto contemporâneo, no contexto futuro). Contextos presumidos do futuro: a sensação de que estou dando um novo passo (de que me movimentei). Etapas da progressão dialógica da compreensão; o ponto de partida ââ?¬â? o texto dado, para trás ââ?¬â? os contextos passados, para frente ââ?¬â? a presunção (e o iní­cio) do contexto futuro. A dialética nasceu do diálogo para retornar ao diálogo num ní­vel superior (ao diálogo das pessoas). Monologismo hegeliano na Fenomenologia do espí­rito. Monologismo de Dilthey, não sustentado até o fim. O pensamento sobre o mundo e o pensamento no mundo. O pensamento que tende a abarcar o mundo, e o pensamento que se sente no mundo (parte deste mundo). O acontecimento no mundo, do qual participamos. O mundo como acontecimento (e não como algo que existe já concluí­do). O texto só vive em contato com outro texto (contexto). Somente em seu ponto de contato é que surge a luz que aclara para trás e para frente, fazendo que o texto participe de um diálogo. Salientamos que se trata do contato dialógico entre os textos (entre os enunciados), e não do contato mecânico “opositivo”, possí­vel apenas dentro das fronteiras de um texto (e não entre texto e contextos), entre os elementos abstratos desse

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texto (entre os signos dentro do texto), e que é indispensável somente para uma primeira etapa da compreensão (compreensão da significação e não do sentido). Por trás desse contato, há o contato de pessoas e não de coisas. Assim que convertermos o diálogo num texto compacto, ou seja, assim que apagarmos a distinção das vozes (a alternância dos sujeitos falantes) ââ?¬â? o que é em princí­pio possí­vel (a dialética monológica de Hegel) – o sentido profundo (infinito) desaparecerá (teremos batido no fundo, ficaremos em ponto morto). A reificação completa, extrema, levaria inevitavelmente ao desaparecimento do que não tem fim nem fundo no sentido (de qualquer sentido). O pensamento que, como o peixe dentro do aquário, toca o fundo e as paredes, e não pode ir mais longe nem mais fundo. O pensamento dogmático. O pensamento só conhece os pontos convencionais; o pensamento dessubstancia todos os pontos colocados com anterioridade. Aclaramento do texto não pelos outros textos (contextos), mas pela realidade das coisas extratextuais. E isso que costuma ocorrer na explicação que opera com uma base sociológica vulgarizada, com uma base biográfica, ou com uma base causal (calcada nas ciências naturais), e também a baseada num historicismo despersonalizado (a história anônima). A compreensão verdadeira nos campos da literatura é sempre histórica e personalizada. Lugar e fronteiras da realidade. As coisas são prenhes da palavra. Unidade do monólogo e unidade particular do diálogo. A epopéia pura e o lirismo puro não conhecem o discurso restritivo. Este só aparece no romance. Influência da realidade extratextual sobre a formação da visão artí­stica e sobre o pensamento artí­stico do escritor (e do artista em geral no campo da cultura). As influências extratextuais têm uma importância especial nas primeiras fases da evolução do homem. Essas influências se envolvem na palavra (ou noutros signos), e tal palavra é a dos outros, e, acima de tudo, a da mãe. Depois disso, a “palavra do outro” se transforma, dialogicamente, para tornar-se “palavra pessoal-alheia” com a ajuda de outras “palavras do outro”, e depois, palavra pessoal (com, poder-se-ia dizer, a per-

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da das aspas). A palavra já tem, então, um caráter criativo. Papel do encontro, da visão, da “iluminação”, da “revelação”, etc. Reflexo desse processo no romance de educação e de formação, na autobiografia, no diário, na confissão, etc. Entre outros: André Remizov, Os olhos tosquiados. Livre dos nós e dos meandros da memória. Papel desempenhado aí­ pelo desenho como signos que servem í  expressão pessoal. A esse respeito, o interesse de Klim Sanguin (o homem concebido como sistema de frases). O “não-dito”, seu caráter especial e seu papel. As primeiras fases da consciência verbal. O “inconsciente” que se torna fator de criação somente no limiar do consciente e da palavra (consciência constituí­da meio a meio pela palavra e pelo signo). De que modo minha consciência recebe as impressões da natureza. Estas são prenhes da palavra, da palavra potencial. O “não-dito” concebido como limite flutuante, como “idéia reguladora” (no sentido kantiano) da consciência criadora. O processo de esquecimento paulatino dos autores, depositários da palavra do outro. A palavra do outro torna-se anônima, familiar (numa forma reestruturada, claro); a consciência se monologiza. Esquece-se completamente a relação dialógica original com a palavra do outro: esta relação parece incorporar-se, assimilar-se í  palavra do outro tornada familiar (tendo passado pela fase da palavra “pessoal-alheia”). A consciência criadora, durante a monologização, completa-se com palavras anônimas. Este processo de monologização é muito importante. Depois, a consciência monologizada, na sua qualidade de todo único e singular, insere-se num novo diálogo (daí­ em diante, com novas vozes do outro, externas). Com freqüência, a consciência criadora monologizada unifica e personaliza as palavras do outro, tornadas vozes do outro anônimas, na forma de sí­mbolos especiais: “voz da própria vida”, “voz da natureza”, “voz do povo”, “voz de Deus”, etc. Papel da palavra com autoridade cujo portador, via de regra, não se perde, e que não fica anônima. A tendência em reificar os contextos anônimos transverbais (em rodear-se de uma vida não verbal). Sou o único a mostrar-me como pessoa que cria, fala, e tudo o mais é apenas estado das coisas que têm a função de causas, que suscitam e determinam minha fala. Não converso com essas coisas,

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reajo mecanicamente, como a coisa reage a um estí­mulo externo. Os fenômenos verbais tais como a ordem, a injunção, a prédica, a proibição, a promessa (a jura), a ameaça, o elogio, a invectiva, a injúria, a maldição, a bênção, etc., constituem uma parte importante da realidade extracontextual. Todos esses fenômenos implicam uma entonação muito marcada, que pode enxertar-se (transferir-se) em palavras e expressões que não significam a ordem, a ameaça, etc. O que conta é o tom, separado dos elementos fônicos e semânticos da palavra (e de outros signos). Estes determinam a complexa tonalidade de nossa consciência, que serve de contexto emocional dos valores para o ato de compreensão (de uma compreensão total do sentido) do texto que estamos lendo (ou ouvindo) e também, numa forma mais complexa, para o ato de criação (de geração) do texto. Trata-se de fazer de tal modo que as coisas, que atuam mecanicamente sobre a pessoa, comecem a falar, em outras palavras, trata-se de descobrir, nesse meio das coisas, a palavra e o tom potencial, de transformá-lo num contexto de sentido para a pessoa ââ?¬â? ente pensante, falante e atuante (e criador). É o que sucede com qualquer forma séria e profunda de autobiografia, de introspecção-confissão, de discurso lí­rico, etc. Entre os escritores, quem conseguiu a maior profundidade nessa transmutação de coisa em sentido foi Dostoievski, ao desvelar os atos e os pensamentos de seus heróis principais. A coisa, que continua sendo coisa, influi somente sobre as coisas. Para influir sobre a pessoa, ela deve revelar seu potencial de sentido, tornar-se palavra, ou seja, participar de um contexto virtual do sentido verbal. Na análise das tragédias de Shakespeare percebemos que toda a realidade que influi sobre seus heróis é sistematicamente transmutada em contexto de sentido para os atos, os pensamentos e as emoções dos heróis: podem ser palavras (palavras das feiticeiras, as

palavras do fantasma, etc.) ou então acontecimentos e circunstâncias traduzidos na linguagem da palavra potencial que os pensa. Cumpre salientar que não se trata de uma redução pura e simples a um denominador comum: a coisa continua a ser coisa e a palavra continua a ser palavra, ambas preservam sua essência e apenas se completam com sentido.

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Não se deve esquecer que a coisa e a pessoa são apenas extremos, e não substâncias absolutas. O sentido não pode (nem quer) modificar os fenômenos fí­sicos, materiais; o sentido não pode operar como força material. E, aliás, nem precisa: ele é mais forte do que qualquer força, modifica o sentido global do acontecimento e da realidade, sem modificar o mais í­nfimo de seus componentes reais (existenciais). Tudo continua a ser como era, adquirindo um sentido absolutamente diferente (transfiguração do sentido na existência). A palavra de um texto se transfigura num contexto novo. Inclusão do ouvinte (do leitor, do contemplador) no sistema (na estrutura) da obra. O autor (depositário da palavra) e o sujeito compreendente. O autor, ao criar uma obra, não a destina aos especialistas de literatura e não pressupõe uma compreensão cientí­fica dela, não almeja a criação de uma equipe de pesquisadores. Não convida os teóricos literários ao seu festim. A pesquisa literária contemporânea (essencialmente o estruturalismo) costuma definir o ouvinte imanente í  obra como ouvinte ideal, onicompreensivo ââ?¬â? o próprio tipo de ouvinte postulado na obra. Está claro que não se trata de um ouvinte empí­rico, de uma entidade psicológica, é a imagem do ouvinte na alma do autor. Esta é uma construção do espí­rito, abstrata. Opõe-se-lhe um autor identicamente abstrato, ideal. Assim entendido, o ouvinte ideal será o reflexo do autor num espelho, um reflexo que será sua duplicação; não se poderia introduzir nada de pessoal, nada de novo na obra compreendida de uma maneira ideal, nem no desí­gnio, idealmente completado, do autor; ele se situa no mesmo espaçotempo que o próprio autor, mais exatamente, ele está, a exemplo do autor, fora do tempo e do espaço (é o caso de qualquer construção do espí­rito, abstrata); por isso, ele não pode ser o outro (outrem) para o autor, não pode possuir o excedente inerente í  sua alteridade. Entre o autor e tal ouvinte, não se estabelece nenhuma interação, nenhuma relação ativa, dramática, pois já não são vozes, mas noções abstratas intra- e inter-iguais. É quando ocorrem abstrações tautológicas, matematizadas ou mecanizadas. Quando ocorre a despersonalização.

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O conteúdo concebido como algo novo, a forma concebida como conteúdo antigo (conhecido), estratificado, estereotipado. A forma serve de ponte necessária para um conteúdo novo, ainda desconhecido. A forma há pouco tempo era uma visão do mundo estabilizada, conhecida e comumente admitida. Nas épocas pré-capitalistas, a transição entre a forma e o conteúdo era menos abrupta, mais harmoniosa; a forma ainda era um conteúdo não estratificado, não fixado, não trivializado; relacionava-se com as aquisições de uma criação coletiva em comum (tal como a mitologia). A forma era uma espécie de conteúdo implí­cito; o conteúdo da obra, por exemplo, desenvolvia um conteúdo já envolvido numa forma e não o criava enquanto algo novo, decorrente de uma iniciativa criadora individual. Por conseguinte, o conteúdo em certa medida precedia a obra, o autor não inventava o conteúdo de sua obra, mas apenas desenvolvia o que já estava presente na tradição. Os sí­mbolos são os elementos mais estáveis e, ao mesmo tempo, os mais emocionais; referem-se í  forma e não ao conteúdo. O aspecto propriamente semântico da obra, ou seja, a significação de seus elementos (primeira fase da compreensão), é, em princí­pio, acessí­vel a qualquer consciência individual. Mas o que constitui seus valores e seu sentido (sí­mbolos inclusive) só é

significante para indiví­duos ligados por condições comuns de vida, em suma, ligados por laços de fraternidade, num ní­vel superior. É neles, nos estratos superiores, que se efetua a participação, é neles que se participa de um valor superior (no limite, absoluto). Significado da exclamação emocional que assinala os valores na vida verbal dos povos. Há que observar que a expressão emocional dos valores pode não ter um caráter explicitamente verbal e pode estar implí­cita, manifestar-se pela entonação. As entonações mais substanciais e mais estáveis constituem um fundo entonacional determinado por um grupo social (uma nação, uma classe social, uma classe profissional, um meio, etc.). Em certa medida, pode-se falar apenas por entonações, tornando quase indiferente, relativa e intercambiável, a parte do discurso verbalmente expressa. E freqüente o emprego de palavras inúteis em sua significação verbal, ou então a repetição de uma única e mesma palavra, de uma única e mesma

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frase, que então servem somente de suporte material para a entonação desejada. Na leitura (na execução) de um dado texto, o contexto extratextual, entonacional, dos valores pode realizar-se apenas parcialmente, ficando em sua maior parte, particularmente em suas camadas mais substanciais e profundas, fora do texto dado para a percepção ao qual ele confere um fundo dialogizante. É a isto que se resume, até certo ponto, o problema do condicionamento social (transverbal) de uma obra. Um texto ââ?¬â? impresso, manuscrito ou oral, isto é, atualizado ââ?¬â? não é igual í  obra em seu todo (ou ao “objeto estético”). A obra também engloba necessariamente seu contexto extratextual. A obra parece envolver-se na música entonacional e valorativa do contexto em que é compreendida e julgada (este contexto, claro, varia conforme as épocas da percepção da obra, o que cria sua nova ressonância). A compreensão recí­proca dos séculos e dos milênios, dos povos, das nações e das culturas, assegura a complexa unidade de toda a humanidade, de todas as culturas humanas (a complexa unidade da cultura humana), assegura a complexa unidade da literatura da humanidade. Todos esses fatos se desve1am tão-somente na dimensão da grande temporalidade, sendo nela que cada obra deve receber seu sentido e seu valor. As análises costumam escarafunchar no espaço acanhado da pequena temporalidade, ou seja, na contemporaneidade, no passado imediato e no futuro presumido, desejado ou temido. As formas emotivo-valorativas da presunção do futuro tais como se manifestam na lí­ngua-fala (a ordem, o desejo, a advertência, o conjuro). Futilidade da atitude do homem para com o futuro (o desejo, a esperança, o medo); fica-se insensí­vel ao inesperado, ao indeciso, í  “surpresa”, poder-se-ia dizer, í  novidade absoluta do milagre, etc. Particularidades da atitude profética para com o futuro. A abstração de si mesmo numa representação do futuro (o futuro sem mim). O tempo do espetáculo teatral e suas leis. Percepção do espetáculo nas épocas em que existiam e predominavam as formas litúrgico-religiosas e oficial-cerimoniosas. A etiqueta dos costumes no teatro.

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Oposição entre a natureza e o homem. Os sofistas. Sócrates (“O que me interessa não são as árvores da floresta, mas os homens da cidade”). Dois extremos: o pensamento e a prática (o ato), ou dois tipos de relação (a coisa e a pessoa). Quanto mais profunda for a pessoa, isto é, quanto mais se aproximar de seu próprio extremo, menos lhe será aplicável um método generalizante, pois a generalização e a formalização apagam as fronteiras entre o homem genial e a mediocridade. Experimentação e tratamento matemático. Formular uma pergunta e receber uma resposta já representa, nas ciências exatas, uma interpretação personalizada do processo cognitivo e do seu sujeito (o experimentador). A história do conhecimento em seus resultados e a história dos homens que se aplicam ao conhecimento (M. Bloch).

Processo de reificação e processo de personalização, mas esta jamais poderá ser uma subjetivação. O limite não é o eu, porém o eu em correlação com outras pessoas, ou seja, eu e o outro, eu e tu. Haverá algo que corresponda ao “contexto” nas ciências naturais? O contexto está sempre vinculado í  pessoa (diálogo infinito em que não há nem a primeira nem a última palavra); nas ciências naturais, há um sistema objetal (a-sujeital). Nosso pensamento e nossa prática, não a técnica, mas a moral (nossos atos responsáveis), exercem-se entre dois extremos: entre a relação com a coisa e a relação com a pessoa. Reificação e personalização. Dentre os nossos atos, uns (de ordem cognitiva e moral) tendem para o pólo da reificação, sem jamais o atingir, os outros, para o pólo da personalização, sem o atingir plenamente. Perguntas e respostas não pertencem a uma mesma relação (categoria) lógica; não podem ser contidas numa única e mesma consciência (única e fechada em si mesma); toda resposta gera uma nova pergunta. Perguntas e respostas supõem uma exotopia recí­proca. Se a resposta não dá origem a uma nova pergunta, separa-se do diálogo e junta-se a um sistema cognitivo, im-pessoal em sua essência. Cronotopos diferentes de quem pergunta e de quem responde e universos diferentes do sentido (eu e o outro). A pergunta e a resposta do ponto de vista da terceira consciência e

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do seu universo “neutro” onde tudo se despersonaliza inevitavelmente, onde tudo é intercambiável. Diferença entre o tolo (ambivalente) e o obtuso (uní­voco). As palavras do outro assimiladas (“pessoal-alheia”) e que, eternamente vivas, renovam-se criativamente nos novos contextos, e as palavras do outro, inertes, mortas, “palavras-múmias”. O problema fundamental de Humboldt: a multiplicidade das lí­nguas (premissa e fundamento da problemática: a unidade da espécie humana). Fica-se na esfera das lí­nguas e de suas estruturas formais (fonéticas e gramaticais). Ora, na esfera da fala (no âmbito de uma única lí­ngua ââ?¬â? qualquer uma), coloca-se o problema da palavra pessoal e da palavra do outro. 1) Reificação e personalização. Distinção entre a reificação e a “alienação”. Os dois extremos do pensamento. Aplicação do princí­pio de complementaridade. 2) Palavra do outro e palavra pessoal. A compreensão concebida como transmutação em “alheio-pessoal”. O princí­pio de exotopia. A complexa correlação entre o sujeito compreendente e o sujeito compreendido, entre o cronotopo do criado e o cronotopo do compreendente que introduz a renovação. A importância de atingir o núcleo criador da pessoa (é em seu núcleo criador que a pessoa continua a viver, ou seja, é imortal). 3) Exatidão e profundidade nas ciências humanas. O limite da exatidão nas ciências naturais é a identidade (a= a). Nas ciências humanas, a exatidão consiste em superar a alteridade do que é alheio sem o transformar em algo que é pessoal (os substitutos de toda espécie: moderniza-se, não se entende o que é alheio, etc.). A fase antiga da personificação (a personificação mitológica, ingênua). Época da reificação da natureza (e do homem). A fase contemporânea de personificação da natureza (e do homem), sem que haja, porém a perda da reificação. Ver acerca da natureza em Prichvin, segundo o artigo de V. V. Kochinov. Nessa fase, a personificação não tem o caráter do mito, conquanto não lhe seja hostil e utilize habitualmente a sua linguagem (transformada em linguagem de sí­mbolos). 4) Contextos da compreensão. Problema dos contextos distantes. Renovação ilimitada do sentido em qualquer contexto novo. A pequena temporalidade (a contemporaneidade, o passado imediato e o futuro previsí­vel ââ?¬â? desejado) e a grande temporalidade: o diálogo infinito e inacabável em que nenhum sentido morre. O vivente na natureza (o orgânico). Tudo o que é inorgânico é trazido, ao longo do processo de um intercâmbio, í  vida (a oposição só pode efetuar-se no abstrato, quando essas duas entidades são tiradas da vida). Minha atitude ante o formalismo? Tenho uma compreensão diferente da especificação. Ignorar o conteúdo leva a uma “estética material” (a crí­tica dele que fiz em 1924); não í  “fabricação”, mas í  criação (um material sempre proporciona apenas um “produto fabricado”); uma incompreensão da historicidade e da consecução (percepção mecânica da consecução). O valor positivo do formalismo: novos problemas e novos aspectos na arte; o novo, em suas fases iniciais, as mais criativas de seu desenvolvimento, sempre adota formas unilaterais e extremas. Minha atitude ante o estruturalismo? Sou contra o fechamento dentro do texto, contra as categorias mecânicas de “oposição” e de “transcodificação” (a pluralidade dos estilos em Eugênio Oneguin, tal como a interpreta Lotman e como eu a interpreto), contra uma formalização e uma despersonalização sistemática: todas as relações têm um caráter lógico (no sentido lato do termo). De minha parte, em todas as coisas, ouço as vozes e sua relação dialógica. No tocante ao princí­pio de complementaridade, também o entendo de maneira dialógica. As altas apreciações do estruturalismo. Problemas da “exatidão” e da “profundidade”. Profundidade de penetração na coisa (reificação) e profundidade de penetração no sujeito (personalismo). No estruturalismo, existe apenas um único sujeito: o próprio pesquisador. As coisas se transformam em conceitos (com um grau variável de abstração); o sujeito não pode tornarse um conceito (ele mesmo fala e responde). O sentido é personalista; sempre comporta uma pergunta ââ?¬â? dirige-se a alguém e presume uma resposta, sempre implica que existam dois (o mí­nimo dialógico). Este personalismo não é um fato de psicologia, mas um fato de sentido. Não há uma palavra que seja a primeira ou a última, e não há limites para o contexto dialógico (este se perde num passado ilimitado e num futuro ilimitado). Mesmo os sentidos passados, aqueles que nasceram do diálogo com os séculos passados, nunca estão estabilizados (encerrados, acabados de uma vez por todas). Sempre se modificarão (renovando-se) no desenrolar do diálogo subseqüente, futuro. Em cada um dos pontos do diálogo que se desenrola, existe uma multiplicidade inumerável, ilimitada de sentidos esquecidos, porém, num determinado ponto, no desenrolar do diálogo, ao sabor de sua evolução, eles serão rememorados e renascerão numa forma renovada (num contexto novo). Não há nada morto de maneira absoluta. Todo sentido festejará um dia seu renascimento. O problema da grande temporalidade.”

waking life


Escolha uma cor.
– Azul.
– A-Z-U-L. Escolha um número.
– Oito.
– 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8.
Escolha outro número.
– Quinze.
– 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15.
Escolha outro número.
– Seis.
– Pronto.
“Sonho é destino.”
sonho é destino
Vamos lá.
Rock’n’roll.
Cordas graves. Agora!
Sara, tente aquilo que você tinha me perguntado antes.
Pode tentar com maior definição?
– Experimente. Veja o que acha.
– Aquele assim?
Mas quero que tenha um som rico e quase ondulado por estar ligeiramente desafinado.
– Você quer…
– Ligeiramente dissociado.
Era o que eu estava pensando.
Estamos fazendo…
– Isso. Isso mesmo.
– Está bem.
Caprichado, gente!
Certo, do compasso 20, por favor.
Estamos recomeçando do 20.
Um, dois, três.
Oi, sou eu.
Acabei de chegar.
Achei que filaria uma carona, mas deixa pra lá.
Posso pegar um táxi, ou coisa parecida.
Talvez nos encontremos mais tarde ou algo assim.
Alto lá, marujo! Está preparado para pegar o caminho mais longo?
Precisa de uma carona?
Estava esperando um táxi, mas…
Está bem. Não perca o barco.
– Obrigado.
– Não há de quê.
Içar âncoras!
O que acha do meu barco?
Ele vale pela vista. V-I-S-T-A.
Para se ver com os olhos.
Meu meio de transporte deve refletir a minha personalidade. Voilí !
Esta é a minha janela para o mundo.
A cada minuto, um novo espetáculo.
Posso não compreendê-lo ou concordar com ele…
mas eu o aceito e acompanho a maré.
Siga com a corrente.
O mar jamais rejeita um rio.
A idéia é manter-se em um estado de partida, mesmo ao chegar.
Economiza-se em apresentações e em despedidas.
A viagem não requer explicações, apenas passageiros.
É aí­ que entram vocês.
É como se chegássemos ao planeta com uma caixa de lápis de cera.
Pode-se ganhar a caixa de 8, ou a de 16…
mas o segredo é o que você faz com eles e as cores que lhe foram dadas.
Não se preocupe em colorir somente dentro das linhas.
Pinte por fora das linhas e fora da página! Não queira me limitar!
Nos movemos com o oceano.
Não estamos ancorados!
Onde vai querer descer?
Quem, eu? Sou o primeiro? Não sei.
Qualquer lugar está bom.
Apenas me dê um endereço, alguma coisa, está bem?
Faça o seguinte.
Suba mais três ruas.
Vire í  direita. Mais 2 quarteirões.
Deixe-o na próxima esquina.
Onde é isso?
Não sei, mas é algum lugar.
E determinará o desenrolar do resto de sua vida.
Hora de desembarcar!
OLHE à SUA DIREITA
Me recuso a ver o Existencialismo como apenas mais um modismo…
ou uma curiosidade histórica…
porque ele tem algo importante a oferecer no novo século.
Acho que estamos perdendo as virtudes de vivermos apaixonadamente…
de assumirmos a responsabilidade por quem somos…
de tentarmos realizar algo e nos sentirmos bem em relação í  vida.
O Existencialismo é, í s vezes, visto como uma filosofia do desespero…
mas eu penso que ele é o contrário.
Sartre disse, certa vez, que nunca teve um dia de desespero em sua vida.
O que esses pensadores nos ensinam…
exuberância de sensações.
Como se sua vida fosse a sua obra a ser criada.
Eu li os pós-modernos com interesse, com admiração até.
Mas sempre tenho uma péssima e incômoda sensação…
de que algo essencial está sendo deixado de fora.
Quanto mais se fala sobre o ser humano…
como um construto social ou uma confluência de forças…
ou como fragmentado, ou marginalizado…
abre-se todo um novo universo de desculpas.
Quando Sartre fala de responsabilidade, não é abstrato.
Não se trata do tipo de eu ou de alma de que falam os teólogos.
É algo concreto.
Somos nós, falando…
tomando decisões e assumindo as conseqüências.
Há seis bilhões de pessoas no mundo, é verdade.
No entanto, suas ações fazem diferença.
Servem de exemplo.
A mensagem é: não devemos jamais nos eximir…
e nos vermos como ví­timas de várias forças.
Quem nós somos é sempre uma decisão nossa.
A criação vem da imperfeição.
Parece ter vindo de um anseio e de uma frustração.
É daí­, eu acho, que veio a linguagem.
Quero dizer, veio do nosso desejo de transcender o nosso isolamento…
e de estabelecer ligações uns com os outros.
Devia ser fácil quando era só uma questão de mera sobrevivência.
“ígua”. Criamos um som para isso.
“Tigre atrás de você!”
Criamos um som para isso.
Mas fica realmente interessante, eu acho…
quando usamos esse mesmo sistema de sí­mbolos…
para comunicar tudo de abstrato e intangí­vel que vivenciamos.
O que é “frustração”?
Ou o que é “raiva” ou “amor”?
Quando eu digo “amor”…
o som sai da minha boca e atinge o ouvido de outra pessoa…
viaja através de um canal labirí­ntico em seu cérebro…
através das memórias de amor ou de falta de amor.
O outro diz que compreende, mas como sei disso? As palavras são inertes.
São apenas sí­mbolos.
Estão mortas. Sabe?
E tanto da nossa experiência é intangí­vel.
E, ainda assim, quando nos comunicamos uns com os outros…
e sentimos ter feito uma ligação, e termos sido compreendidos…
acho que temos uma sensação quase como uma comunhão espiritual.
Essa sensação pode ser transitória, mas é para isso que vivemos.
Estuda-se o desenvolvimento humano pela evolução do organismo…
e sua interação ambiental.
A evolução do organismo começa com a evolução através do hominí­deo…
até a evolução do homem, o Neanderthal, o Cro-Magnon.
Ora, o que temos aqui são três eixos.
O biológico, o antropológico, o desenvolvimento das culturas…
e o cultural, que é a expressão humana.
O que se viu foi a evolução de populações, não de indiví­duos.
Pense na escala temporal em questão.
A vida tem dois bilhões de anos, o hominí­deo, seis milhões.
A humanidade, como a conhecemos hoje, tem 100 mil anos.
Percebe como o paradigma evolutivo vai se estreitando?
Quando se pensa na agricultura, na revolução cientí­fica e industrial…
são apenas 10 mil anos, 400 anos, 150 anos.
Vê-se um estreitamento crescente da temporalidade evolutiva.
à medida em que entramos na nova evolução…
ela se estreitará ao ponto em que a veremos no curso de uma vida.
Há dois novos eixos evolutivos, vindos de dois tipos de informação.
O digital e o analógico. O digital é a inteligência artificial.
O analógico resulta da biologia molecular e da clonagem.
Une-se os dois com a neurobiologia.
Sob o antigo paradigma, um morreria, o outro dominaria.
Sob o novo paradigma, eles existem como um grupamento…
cooperativo e não-competitivo, independente do meio externo.
Assim, a evolução torna-se um processo individualmente centrado…
emanando do indiví­duo…
não um processo passivo onde o indiví­duo está sujeito ao coletivo.
Produz-se, então, um neo-humano…
com uma nova individualidade, uma nova consciência.
Esse é apenas o começo do ciclo.
à medida que ele se desenvolve, a fonte é esta nova inteligência.
Enquanto as inteligências e as habilidades se sobrepõem…
a velocidade muda até atingir-se um crescendo.
Imagine, uma realização instantânea do potencial humano e neo-humano.
Isso pode ser a amplificação do indiví­duo…
a multiplicação de existências individuais paralelas…
onde o indiví­duo não mais estaria restrito pelo tempo e pelo espaço.
E estas manifestações desta neo-humana evolução…
poderiam ser dramaticamente imprevisí­veis.
A antiga evolução é fria, é estéril. É eficiente.
Suas manifestações são aquelas da adaptação social.
Trata-se de parasitismo, dominação, moralidade…
guerra, predação.
Essas coisas ficarão sujeitas í  falta de ênfase e de evolução.
O novo paradigma nos daria as marcas…
da verdade, da lealdade, da justiça e da liberdade.
Estas seriam as manifestações desta evolução. Isso é o que nós esperamos.
O homem autodestrutivo sente-se totalmente alienado e solitário.
Ele é um excluí­do da comunidade
Ele diz para si mesmo:
“Eu devo estar louco”.
O que ele não percebe é que a sociedade, assim como ele próprio…
tem um interesse em perdas consideráveis, em catástrofes.
Guerras, fome, enchentes atendem a necessidades bem-definidas.
O homem quer o caos.
Na verdade, ele precisa disso.
Depressão, conflitos, badernas, assassinatos. Toda essa miséria.
Somos atraí­dos a esse estado quase orgiástico gerado pela destruição.
Está em todos nós.
Nos deliciamos com isso.
A mí­dia forja um quadro triste, pintando-as como tragédias humanas.
Mas a função da mí­dia não é a de eliminar os males do mundo.
Ela nos induz a aceitar esses males e a nos acostumarmos a viver com eles.
O sistema quer que sejamos observadores passivos.
Você tem um fósforo?
Eles não nos deram qualquer outra opção, í  exceção do ato…
participativo ocasional e puramente simbólico do “voto”.
Você prefere o fantoche da direita ou o fantoche da esquerda?
É chegado o momento de eu projetar minhas inadequações e insatisfações…
nos esquemas sociopolí­tico e cientí­fico.
Deixar que minha própria falta de voz seja ouvida.
Não me sai da cabeça algo que você me disse.
– Algo que eu disse?
– É.
Sobre a sensação de que você observa a sua vida…
da perspectiva de uma velha í  beira da morte. Lembra?
Ainda me sinto assim, í s vezes.
Como se visse minha vida atrás de mim.
Como se minha vida desperta fossem lembranças.
Exatamente.
Ouvi dizer que Tim Leary, quando estava morrendo, disse…
que olhava para seu corpo que estava morto, mas seu cérebro estava vivo.
Aqueles 6 a 12 minutos de atividade cerebral depois que tudo se apaga.
Um segundo nos sonhos é infinitamente mais longo do que na vida desperta.
– Entende?
– Claro.
Tipo, eu acordo í s 10:12h.
Então, eu volto a dormir…
e tenho sonhos longos, complexos, que parecem durar horas. Aí­ eu acordo e…
são 10:13h.
Exato. Então aqueles 6 a 12 minutos de atividade cerebral…
podem ser a sua vida inteira.
Você é aquela velha, olhando para trás e vendo tudo.
Se eu sou, o que você seria nisso?
O que eu sou agora.
Quero dizer, talvez eu só exista na sua mente.
Eu sou apenas tão real quanto qualquer outra coisa.
Andei pensando sobre algo que você disse.
Sobre reencarnação, e de onde todas as novas almas vêm ao longo do tempo.
Todo mundo sempre…
diz ser a reencarnação de Cleópatra ou de Alexandre, o Grande.
Não passam de bestas quadradas, como todo mundo.
Quer dizer, é impossí­vel.
A população mundial duplicou nos últimos 40 anos.
Então, se você acredita nessa história egóica de ter uma alma eterna…
há 50% de chance da sua alma ter mais de 40 anos.
Para que ela tenha mais de 150 anos, é uma chance em seis.
Está dizendo que reencarnação não existe? Ou somos todos almas jovens?
Metade de nós é de humanos de primeira viagem? O que você está…?
– Quero dizer…
– Aonde você quer chegar?
Eu acredito que a reencarnação é uma expressão poética…
do que é a memória coletiva.
Eu li um artigo de um bioquí­mico, não faz muito tempo.
Ele dizia que, quando um membro de uma espécie nasce…
ele tem um bilhão de anos de memória para usar.
É assim que herdamos nossos instintos.
Eu gosto disso. É como se houvesse…
uma ordem telepática
da qual nós fazemos parte…
conscientes ou não.
Isso explicaria os saltos…
aparentemente espontâneos, universais e inovadores na ciência e na arte.
Como os mesmos resultados surgindo em toda parte, independentemente.
Um cara num computador descobre algo e, simultaneamente…
várias outras pessoas descobrem a mesma coisa.
Houve um estudo em que isolaram um grupo por um tempo…
e monitoraram suas habilidades em fazer palavras cruzadas…
em relação í  população em geral.
Então, deram-lhes um jogo da véspera, que as pessoas já tinham respondido.
A sua pontuação subiu dramaticamente.
Tipo 20%.
É como se, uma vez que as respostas estão no ar, pudessem ser pescadas.
É como se estivéssemos partilhando nossas experiências telepaticamente.
Pegarei vocês, seus putos, nem que seja meu último ato.
Vocês pagarão pelo que fizeram comigo.
Por cada segundo que eu passar neste buraco do inferno…
farei com que passem um ano vivendo no inferno!
Vocês me implorarão para que eu os deixe morrer. Mas não, ainda não.
Quero que vocês sofram, seus escrotos!
Vou enrabá-los. Ou talvez enfie uma agulha comprida em seus ouvidos.
Ou um charuto quente em seus olhos.
Nada sofisticado.
Um pouco de chumbo quente em seus rabos?
Ou, ainda melhor, aquela coisa dos Apaches.
Cortarei suas pálpebras.
Apenas ouvirei vocês gritando, seus putos.
Que doce melodia será essa.
Faremos tudo no hospital…
com médicos e enfermeiras, para que vocês não morram rápido demais.
Sabem qual é a melhor parte?
A melhor parte é que vocês, veados, terão as pálpebras cortadas…
para que tenham que me assistir fazendo isso a vocês.
Me verão aproximar cada vez mais o charuto dos seus olhos arregalados…
até que estejam quase enlouquecendo. Mas não exatamente.
Quero que dure muito, muito tempo.
Quero que saibam que sou eu! Sou eu quem estou lhes fazendo isso. Eu!
Aquele psiquiatra frutinha, que ignorância incorrigí­vel!
E aquele velho juiz bêbado babaca.
Que bundão arrogante!
Não julgues para não seres julgado!
Todos vocês vão morrer, seus merdas, no dia em que eu sair deste bueiro.
Eu lhes garanto que se arrependerão de terem me conhecido!
Na visão de mundo atual, a Ciência tomou o lugar de Deus…
mas alguns problemas filosóficos ainda nos perturbam.
Livre-arbí­trio, por exemplo.
Esse problema está na praça desde Aristóteles, em 350 a.C.
Santo Agostinho e São Tomás de Aquino questionavam “como sermos livres…
se Deus já sabe tudo o que iremos fazer?”
Hoje, sabemos que o mundo é regido por leis fí­sicas fundamentais.
Essas leis regem o comportamento de cada objeto do mundo.
Como essas leis são confiáveis, elas viabilizam avanços tecnológicos.
Nós somos sistemas fí­sicos. Arranjos complexos de carbono e de água.
Nosso comportamento não é exceção a essas leis.
Logo, se é Deus programando isto de antemão e sabendo de tudo…
ou se são leis fí­sicas nos governando, não há muito espaço para a liberdade.
Pode-se querer ignorar o mistério do livre-arbí­trio.
Dizer: “É uma anedota histórica, uma inconsistência.
É uma pergunta sem resposta. Esqueça isso.”
Mas a pergunta permanece. Quanto a individualidade, quem você é…
se baseia nas livres escolhas que faz.
Ou pelas quais se responsabiliza.
Só se é responsabilizado, ou admirado, ou respeitado…
pelas coisas que se faz pela própria escolha.
A pergunta retorna sem cessar e não temos uma solução.
Decisões podem parecer charadas.
Imagine só. Há atividade elétrica no cérebro. Os neurônios disparam…
enviando um sinal através dos nervos até os músculos. Estes se contraem.
mas cada parte desse processo…
é governada por leis fí­sicas, quí­micas, elétricas etc.
Parece que o Big Bang causou as condições iniciais…
e todo o resto da História humana…
é a reação de partí­culas subatômicas í s leis básicas da fí­sica.
Nós achamos que somos especiais, que temos alguma dignidade.
Isso agora está ameaçado.
Está sendo desafiado por este quadro.
Você pode dizer: “E quanto í  mecânica quântica? Conheço o bastante…
para saber que é uma teoria probabilí­stica.
É frouxa, não é determinista.
Permite entender o livre-arbí­trio.”
Mas, se olharmos detalhadamente, isso não ajudará…
porque há as partí­culas quânticas e o seu comportamento é aleatório.
Elas são meio transgressoras.
Seu comportamento é absurdo…
e imprevisí­vel. Não podemos estudá-lo com base no que ocorreu antes.
Ele tem um enquadre probabilí­stico.
Será a liberdade apenas uma questão de probabilidade?
Aleatoriedade em um sistema caótico?
Eu prefiro ser uma engrenagem em uma máquina fí­sica e determinista…
que uma transgressão aleatória.
Não podemos ignorar o problema. Temos que incluir pessoas nesta perspectiva.
Não apenas corpos, mas pessoas.
Há a questão da liberdade…
espaço para escolha, responsabilidade e para entender a individualidade.
“Não se pode nada contra o Estado.”
“Morte e impostos. ” “Não fale sobre polí­tica ou religião.”
Isto é equivalente í  propaganda inimiga.
Renda-se, soldado!
Renda-se, soldado!
Vimos isso no século 20. Agora, no século 21, precisamos enxergar…
que não podemos ficar encurralados neste labirinto.
Não devemos nos submeter í  desumanização!
Me preocupa o que está acontecendo neste mundo.
Me preocupa a estrutura, os sistemas de controle.
Os que controlam a minha vida e os que querem controlá-la ainda mais.
Eu quero liberdade!
E é isso que você devia querer!
Cabe a cada um de nós deixar de lado a ganância, o ódio, a inveja…
as inseguranças, seu modo de controle.
Nos sentimos patéticos, pequenos…
e abrimos mão, voluntariamente, da soberania, da liberdade e do destino.
Precisamos nos conscientizar de que somos condicionados em massa.
Desafie o Estado escravo das corporações!
O século 21 é um novo século.
Não é um século de escravidão…
de mentiras e questões irrelevantes…
de classicismo, estadismo e outras modalidades de controle.
Será a era em que a humanidade defenderá algo puro e correto.
Que monte de lixo. Democratas liberais, republicanos conservadores.
Dois lados da mesma moeda!
Duas equipes gerenciais…
brigando pelo cargo máximo da Escravidão Ltda.!
A verdade está lá, mas eles estendem um bufê de mentiras.
Estou farto! E não aceito nem mais um quinhão!
A resistência não é fútil!
Nós venceremos!
A humanidade é boa demais.
Não somos fracassados!
Nos ergueremos e seremos humanos!
Nos empolgaremos com coisas reais!
A criatividade e o espí­rito humano dinâmico que recusa-se a submeter-se!
Bem, isso é tudo o que tenho a dizer.
Está nas suas mãos.
O desafio é o de nos libertarmos do negativo…
que nada mais é do que nossa própria vontade do nada.
Uma vez tendo dito sim ao instante, a afirmação é contagiosa.
Ela explode numa cadeia de afirmações que não conhece limites.
Dizer sim a um instante…
é dizer sim a toda a existência.
O personagem principal é o que chamo de “a mente”.
Sua mestria, sua capacidade de representação.
Historicamente, muito se tentou…
conter experiências que ocorrem í  beira do limite…
nas quais a mente está vulnerável.
Mas creio que estamos em um momento muito significativo da História.
Esses momentos, que poderí­amos chamar de limí­trofes, fronteiriços…
experiências de Zona X, hoje, tornam-se a norma.
Essas multiplicidades e distinções transmitem diferenças, gerando…
grande dificuldade í  velha mente.
E, entrando através de sua essência mesma…
saboreando e sentindo a sua singularidade…
pode-se avançar na direção daquela coisa comum…
que os mantém unidos.
Então o personagem principal é para essa nova mente…
maior, uma mente maior.
Uma mente que ainda virá a ser.
E quando entra-se neste registro…
pode-se ver uma subjetividade radical.
Afinação radical í  individualidade, í  singularidade, í  mente.
Ela abre-se para uma vasta objetividade.
Então, agora, a história é a do Cosmos.
O momento não é apenas um vazio passageiro, um nada. Ainda assim…
é a forma pela qual estas passagens secretas ocorrem.
Sim, é vazio de tamanha completude…
que o grande momento, a grande vida…
do universo pulsa em seu interior.
E cada um, cada objeto, cada lugar…
cada ato, deixa uma marca.
E esta história é singular. Mas, na verdade, é uma história após a outra.
Dissolve-se em partí­culas ligeiras que giram.
Ora me movo rapidamente, ora o tempo o faz. Nunca os dois simultaneamente.
É um estranho paradoxo.
Estou mais perto do fim da minha vida do que jamais estive…
mas sinto, mais do que nunca, que tenho todo o tempo do mundo.
Quando era mais jovem, havia necessidade de…
certeza. Eu precisava chegar ao fim do caminho.
Sei o que quer dizer.
Eu me lembro que pensava…
“Um dia, aos 30 e poucos anos, talvez…
tudo irá, de algum modo, se acomodar, parar. Simplesmente acabar.”
É como se houvesse um platô…
me esperando. Eu estava escalando.
Quando eu chegasse ao topo…
Mas isso não aconteceu, ainda bem.
Na juventude, não levamos em conta a nossa curiosidade.
Isso é que é incrí­vel de sermos humanos.
Sabe o que Benedict Anderson diz sobre a identidade?
Ele fala sobre, digamos, uma foto de bebê.
Você pega uma imagem bidimensional e diz: “Sou eu”.
Para ligar o bebê dessa imagem estranha a você, no presente…
é preciso criar uma história.
“Esta sou eu quando tinha 1 ano.
Depois, tive cabelos compridos…
e depois nos mudamos para Riverdale, e aqui estou.”
Então, a história necessária é, na verdade, uma ficção…
para tornar você e o bebê idênticos.
– Para criar sua identidade.
– O engraçado é que…
nossas células se regeneram totalmente a cada sete anos.
Já fomos várias pessoas diferentes.
E, no entanto, sempre permanecemos sendo, em essência, nós mesmos.

BARULHO E SILÃ?Å NCIO

A dúvida tornou-se a nossa narrativa.
A nossa busca era a de uma nova história, a nossa.
Nos agarramos a esta nova história graças í  suspeita…
de que a linguagem comum não poderia contá-la.
Nosso passado parecia congelado, í  distância e, cada gesto nosso…
significava a negação do velho mundo e a tentativa de alcançar o novo.
O modo como viví­amos criou uma situação de exuberância e amizade.
Uma micro sociedade subversiva no coração de uma sociedade ignorante.
A arte não era a meta, mas a ocasião e o meio de localizarmos nosso ritmo…
e as possibilidades enterradas de nossa época.
Tratava-se da verdadeira descoberta da comunicação. Ou a busca disso.
Encontrá-la e perdê-la.
Nós, os inquietos, continuamos procurando…
preenchendo o silêncio com desejos, temores, fantasias.
Movidos pelo fato de que, ainda que o mundo parecesse vazio…
ainda que parecesse degradado e desgastado…
qualquer coisa seria possí­vel.
Dadas as circunstâncias certas…
um mundo novo era tão provável quanto um antigo.
Existem dois tipos de sofredores…
aqueles que sofrem da falta de vida…
e os que sofrem da abundância excessiva da vida.
Eu sempre me posicionei na segunda categoria.
Quando se pensa nisso, quase todo comportamento e atividade humana…
são, essencialmente, nada diferentes do comportamento animal.
As mais avançadas tecnologias e artefatos levam-nos, no máximo…
ao ní­vel do super-chimpanzé.
Na verdade, o hiato entre Platão ou Nietzsche e o humano mediano…
é maior do que o que há entre o chimpanzé e o humano mediano.
O reino do verdadeiro espí­rito…
o artista verdadeiro, o santo, o filósofo, é raramente alcançado.
Por que tão poucos?
Por que a História e a evolução não são histórias de progresso…
mas uma interminável e fútil adição de zeros?
Nenhum valor maior se desenvolveu.
Ora, os gregos, há 3.000 anos, eram tão avançados quanto somos hoje.
Quais são as barreiras que impedem as pessoas…
de alcançarem, minimamente, o seu verdadeiro potencial?
A resposta a isso pode ser encontrada em outra pergunta, que é…
qual é a caracterí­stica humana mais universal?
O medo…
ou a preguiça?
O que está escrevendo?
Um romance.
Qual é a história?
Não há história. São só…
pessoas, gestos, momentos.
Fragmentos de sensações.
Emoções evanescentes.
Em resumo…
as maiores histórias já contadas.
Você está na história?
Acho que não.
Mas estou meio que lendo-a para depois escrevê-la.
Foi no deserto, no meio do nada, a caminho de Las Vegas.
Então, sabe, de tempos em tempos, um carro parava para abastecer.
Era o último posto antes de Las Vegas.
Havia uma cadeira e uma caixa registradora. Não cabia mais nada.
Eu estava dormindo e ouvi um barulho.
Sabe, como se fosse na minha cabeça.
Então eu me levantei…
andei até lá fora e fiquei parado na beirada…
onde o posto de gasolina acaba.
Sabe, na entrada de carros.
Esfreguei meus olhos, tentando enxergar o que estava havendo.
E lá longe, do outro lado do posto, havia uns pneus enfileirados…
presos com correntes.
E percebo que há uma van Econoline lá perto.
E um cara sem camisa.
E ele está carregando a van Econoline…
com todos aqueles pneus.
Ele está com os dois últimos pneus nas mãos.
Ele os empurra para dentro da van.
E eu, é claro, digo, “Ei, você!”
O cara então se vira.
Ele está sem camisa. Está suando.
Forte como um armário.
Saca uma faca de 3 centí­metros…
Eu penso…
“Isto está errado.”
Eu entrei…
enfiei a mão atrás do caixa, onde o dono guardava um revólver 41.
Eu saquei a arma…
destravei-a…
e quando me virei, ele estava entrando pela porta. Eu vi seus olhos.
Nunca esquecerei os olhos daquele cara.
Ele tinha maus pensamentos a meu respeito em seus olhos.
Disparei uma vez e acertei nele, bum, bem no peito.
Bang! Tão rápido quanto ele entrou pela porta, ele saiu.
Foi parar entre as duas bombas, comum e aditivada.
Devia estar drogado, com anfetaminas ou algo assim, pois ficou de pé.
Ele ainda estava com a faca e havia sangue cobrindo o seu peito todo.
Ele se levantou e fez isso, só se mexeu um pouco. Fiquei chocado.
Então, segurei o gatilho, bati no tambor, como antigamente…
e o lancei para fora do posto.
Desde então, eu sempre carrego isto.
Uma população bem armada é a melhor defesa contra a tirania.
Um brinde a isso.
Sabe, não uso isto há muito tempo, nem sei se ainda funciona.
Puxe o gatilho e descubra.
Oi, cara. Você deve ter saí­do ou algo do gênero.
Me lembre de te contar sobre o sonho que eu tive. Umas coisas engraçadas.
Falou, cara. Então te procuro mais tarde. Certo.
…na prova de montar em pêlo, Copenhagen William, de Mike Sankey…
Para fazer uma faixa de chapéu, costure por dentro…
Não espero pelo futuro…
ansiando pela salvação, absolvição ou mesmo pela iluminação.
Acredito que esta perfeição falha é suficiente e completa…
em cada momento inefável e singular.
…a abelha loira, o vaga-lume, a cobra…
…o gnomo lunático de macarrão com meu…
…a louvável tradição de feiticeiros, xamãs e visionários…
que aperfeiçoaram a arte de viajar pelos sonhos…
o chamado estado lúcido do sonho, no qual, controlando-se os sonhos…
pode-se descobrir coisas para além da nossa apreensão no estado desperto.
Desfile de Posse de Lyndon B. Johnson
…o vencedor…
Ela conta a ele o que Felix está fazendo.
Um único ego é um ponto de vista absurdamente estreito…
para se abordar esta experiência.
Onde a maioria considera sua relação com o universo…
eu contemplo relações entre os meus diversos eus.
Enquanto boa parte das pessoas com problemas motores mal se movimentam…
aos 92 anos, Joy Cullison está por aí­, vendo o mundo.
Oi, como vão as coisas?
Dizem que os sonhos somente são reais enquanto duram.
Não podemos dizer isso da vida?
Muitos de nós estão mapeando a relação mente-corpo dos sonhos.
Somos chamados onironautas, exploradores do mundo oní­rico.
Há dois estados opostos de consciência…
que de modo algum se opõem.
Na vida desperta, o sistema nervoso inibe a vivacidade das recordações.
É coerente com a evolução.
Seria pouco eficiente se um predador…
pudesse ser confundido com a lembrança de um outro…
e vice-versa.
Se a lembrança de um predador…
gerasse uma imagem perceptiva…
fugirí­amos quando tivéssemos um pensamento amedrontador.
Nossos neurônios serotoní­nicos inibem as alucinações.
Eles próprios são inibidos no sono REM.
Isso permite que os sonhos pareçam reais, mas bloqueia a concorrência…
de outras percepções.
Por isso os sonhos são confundidos com a realidade.
Para o sistema funcional de atividade neurológica que cria o nosso mundo…
não há diferença entre uma percepção ou uma ação sonhadas…
e uma percepção e uma ação na vida desperta.
Um amigo me disse, certa vez, que o maior erro que podemos cometer…
é acharmos que estamos vivos…
quando, na verdade, estamos dormindo na sala de espera da vida.
O segredo é combinarmos as habilidades racionais da vida desperta…
com as possibilidades infinitas de nossos sonhos.
Se soubermos fazê-lo, poderemos fazer qualquer coisa.
Já teve um emprego que odiava e ao qual se dedicava muito?
Depois de trabalhar o dia todo, você chega em casa, deita e fecha os olhos.
Aí­ você acorda e percebe que o dia de trabalho havia sido um sonho.
Já é ruim o bastante que vendamos nossa vida desperta por um…
salário mí­nimo, mas, agora, eles ficam com seus sonhos de graça.
Oi, cara. O que está fazendo aqui?
Tenho a honra de ser catalisador social do mundo dos sonhos.
Ajudo as pessoas a ficarem lúcidas.
Livre-se do medo e da ansiedade e deixe o rock’n’roll te levar.
Ficar lúcido? Quer dizer, saber que se está sonhando?
Assim, pode-se controlá-los. São mais realistas que os sonhos não-lúcidos.
Acabei de acordar de um sonho.
Não foi um sonho tí­pico. Eu parecia estar em um universo paralelo.
É, é real. Tecnicamente, é um fenômeno do sono…
mas podemos nos divertir tanto nos sonhos.
– E todos sabem: diversão é show!
– É.
– O que aconteceu no seu sonho?
– Várias pessoas falavam.
Alguns soavam absurdos, como em um filme estranho.
Quase sempre falavam sobre qualquer coisa, com muita intensidade.
Acordei me perguntando…
– de onde vieram essas coisas?
– Você pode controlar isso.
– Você costuma ter sonhos assim?
– Sempre procuro aproveitar ao máximo.
Para começar, é preciso que você se dê conta de que está sonhando.
Reconhecer isso.
Deve ser capaz de se perguntar:
“Isto é um sonho?”
Quase ninguém se pergunta isso, estando despertos ou adormecidos.
As pessoas sonambulam quando despertas e andam despertas pelos sonhos.
Elas não usufruem muito disso.
O que me fez perceber que eu estava sonhando foi um relógio.
Eu não conseguia ver as horas, como se os circuitos estivessem quebrados.
Se vir um interruptor de luz, veja se ele funciona.
Não se pode fazer isso em um sonho lúcido.
E daí­? Posso voar por aí­, ter uma conversa com o Albert Schweitzer.
Posso explorar novas dimensões da realidade.
Sem contar que posso fazer sexo como eu quiser. O que é muito maneiro.
Não posso acender a luz. E daí­?
Então é isso que você faz para testar se está sonhando ou não?
Você pode se treinar para reconhecer isso.
Teste um interruptor, í s vezes.
Se a luz estiver acesa e não conseguir desligá-la, você está sonhando.
Aí­, você pode ir ao que interessa.
E é ilimitado.
– Sabe o que tenho experimentado?
– O quê?
É bem ambicioso.
Mas estou ficando cada vez melhor.
Você vai curtir isso.
Visão em 360 graus, cara. Posso ver em todas as direções. Maneiro, né?
É! Cara…
Bem, preciso ir, cara.
Tchau. Super perfundo no amanhecer antecipado do seu dia.
Que significa isso?
Nunca consegui entender.
Talvez você consiga.
Um cara sempre sussurra isso no meu ouvido.
Louis. É um personagem de sonhos recorrente.

O MOMENTO SAGRADO

O cinema trata, essencialmente…
da reprodução da realidade, ou seja, a realidade é reproduzida.
Para ele, não é um meio de contar histórias.
Ele acha que…
que o filme… Que a literatura é melhor para contar histórias.
Como quando se conta uma piada:
“Um sujeito entra em um bar…
e vê um anão.”
Mas num filme, filma-se um sujeito especí­fico em um…
bar especí­fico e um anão especí­fico, que tem uma certa aparência.
Para Bazin, a ontologia do filme relaciona-se com…
o que faz a fotografia…
Trata-se então daquele sujeito, naquele momento, naquele espaço.
E Bazin é um cristão, então ele acredita…
em Deus, obviamente, e que tudo…
Para ele, Deus e a realidade são o mesmo.
Então, o que o filme capta é, na verdade, Deus encarnado, criando…
e, neste exato momento, Deus estaria se manifestando.
O que o filme capturaria aqui e agora…
seria Deus nesta mesa, como você, como eu. Deus olhando como nós…
dizendo e pensando o que pensamos, pois somos todos Deus manifestando-se.
O filme, então, é um registro de Deus, ou do rosto sempre mutante de Deus.
Tem um mosquito. Quer que eu…?
– Você o matou.
– Matei?
Hollywood transformou o filme em um meio para contar histórias. Pega-se…
Livros ou histórias, um roteiro e encontra-se alguém que encaixe.
É ridí­culo. Não deveria se basear no roteiro.
Deveria basear-se na pessoa ou na coisa.
Não é í  toa que existe o estrelato.
Trata-se então daquela pessoa…
ao invés da história.
Truffaut disse que os melhores filmes não são feitos…
Os melhores roteiros não geram os melhores filmes.
Eles têm uma narrativa que escraviza.
Os melhores filmes são aqueles que não se prendem a essa escravidão.
Então, para mim, a narrativa parece…
Há capacidade narrativa nos filmes, porque há tempo, como na música.
Mas não se pensa na história da música. Ela surge do momento.
É isso que o filme tem.
Esse momento, que é sagrado.
Este momento é sagrado.
Nós agimos como se não fosse.
Há alguns momentos sagrados, e outros, que não são.
Este momento é sagrado. O filme nos faz ver isso, ele põe isso em quadro.
“Sagrado, sagrado, sagrado”. A cada momento. Mas quem viveria assim?
Pois se eu olhasse para você e o tornasse sagrado, eu pararia de falar.
Você estaria no momento.
O momento é sagrado, certo?
É, eu me abriria.
Eu olharia nos seus olhos…
eu choraria e sentiria coisas, e isso seria falta de educação.
Deixaria você constrangido.
Você poderia rir.
Por que choraria?
Bem, sei lá.
Eu tendo sempre a chorar.
Bem, isso é…?
Vamos fazer isso agora.
Vamos ter um momento sagrado.
Tudo são camadas.
Há o momento sagrado, depois…
há a consciência dele. Como nos filmes, o momento acontece…
aí­ o personagem finge que está em outra realidade. São camadas.
Eu entrei e saí­ do momento sagrado, olhando para você.
É uma das razões pelas quais gosto de você. Você me provoca isso.

ESTRADA BLOQUEADA
DESVIO

Se o mundo é falso e nada é real, então tudo é possí­vel.
A caminho de descobrir o que amamos, achamos o que bloqueia nosso desejo.
O conforto jamais será confortável.
Um questionamento sistemático da felicidade.
Corte as cordas vocais dos oradores carismáticos e desvalorize a moeda.
Para confrontar o familiar.
A sociedade é uma fraude tamanha…
e venal que exige ser destruí­da sem deixar rastros.
Se há fogo, levaremos gás.
Interrompa a experiência cotidiana e as expectativas que ela traz.
Viva como se tudo dependesse de suas ações.
Rompa o feitiço da sociedade de consumo…
para que nossos desejos reprimidos possam se manifestar.
Demonstre o que a vida é e o que ela poderia ser.
Para imergirmos no esquecimento dos atos.
Haverá uma intensidade inédita.
A troca de amor e ódio…
horror e redenção.
A afirmação tão inconseqüente da liberdade, que nega o limite.
– O que está fazendo?
– Não sei bem.
Precisa de ajuda para descer, senhor?
Não, acho que não.
Velho burro.
Não é pior que nós.
Ele é pura ação, sem teoria.
Nós somos pura teoria, sem ação.
Por que está tão sério, Sr. Deborg?
O que faltava, parecia ser irresgatável.
A extrema incerteza da subsistência sem o trabalho…
fez dos excessos uma necessidade…
e as rupturas foram definitivas.
Para citar Stevenson…
“O suicí­dio levou muitos.
A bebida e o demônio…
cuidaram do resto.”
Ei!
Você é um sonhador?
Sou.
Não tenho visto muitos ultimamente.
As coisas andam difí­ceis para os sonhadores.
Dizem que o ato de sonhar está morto.
Ninguém mais sonha.
Não está morto.
Foi apenas esquecido.
Removido da nossa linguagem.
Ninguém ensina, então ninguém sabe que existe.
O sonhador é banido í  obscuridade.
Estou tentando mudar isso.
Espero que você também esteja…
sonhando todos os dias.
Sonhando com nossas mãos e mentes.
Nosso planeta está diante dos maiores problemas que já enfrentou.
Não se entedie.
Esta é a época mais fascinante em que poderí­amos esperar viver.
E está apenas começando.
Mil anos é um instante.
Não há nada de novo.
O mesmo padrão que se repete.
As mesmas descobertas de antigamente.
Não há nada aqui para mim agora.
Agora me lembro. Isto me aconteceu antes. Por isso eu fui embora.
Está começando a encontrar respostas.
Embora difí­cil, as recompensas serão ótimas.
Exercite plenamente a sua mente, sabendo ser apenas um exercí­cio.
Construa artefatos, resolva problemas, explore os segredos do universo.
Usufrua de todos os seus sentidos.
Sinta alegria, pesar, riso, empatia.
Leve a memória em sua bagagem.
Eu me lembro de onde vim e como me tornei humano.
Porque estive por aqui. Agora, minha partida está marcada.
Saí­da. Velocidade de escape.
Não só a eternidade, mas o infinito.
– Desculpe.
– Desculpe.
mas eu não quero ser uma formiga.
Passamos pela vida esbarrando uns nos outros…
sempre no piloto automático, como formigas…
não sendo solicitados a fazer nada de verdadeiramente humano.
Pare. Siga. Ande aqui. Dirija ali.
Toda comunicação servindo para manter ativa a colônia de formigas…
de um modo eficiente e civilizado.
“O seu troco.” “Papel ou plástico?”
“Crédito ou débito?”
“Aceita ketchup?”
Não quero um canudo. Quero momentos humanos verdadeiros.
Quero ver você.
Quero que você me veja.
Não quero abrir mão disso.
Não quero ser uma formiga, entende?
Sim, não…
Eu também não quero ser uma formiga.
Obrigado pela sacudida.
Tenho andado feito um zumbi…
no piloto automático. Não me sinto como uma formiga, mas pareço uma.
D.H. Lawrence teve a idéia de duas pessoas se encontrarem…
e, ao invés de apenas passarem…
aceitarem “o confronto entre suas almas”.
É como libertar os deuses corajosos e inconseqüentes que nos habitam.
Parece que já nos encontramos.
Estou trabalhando em um projeto.
Pode lhe interessar. É uma novela…
e os personagens são a fantasia dos seus atores.
Então, pense em algo que sempre quis fazer, a vida que gostaria de ter…
algo do gênero.
Colocamos isso no roteiro…
aí­ você interage com outras pessoas como se faria em uma novela.
Eu também gostaria de exibir isso ao vivo, com os atores presentes.
Aí­, uma vez que o episódio tenha sido exibido…
a platéia pode dirigir os atores em episódios subseqüentes, com cardápios.
Trata-se de escolhas e…
de se louvar a capacidade das pessoas de dizerem o que querem ver…
e consumismo, arte, e valores…
e se você não gostar, devolva e receba seu dinheiro de volta…
ou apenas participar, entende?
Fazer escolhas.
E então, você quer fazer?
Sim, parece muito legal.
Eu adoraria participar, mas…
preciso lhe perguntar algo primeiro.
Não sei bem como dizer, mas…
Como é ser um personagem em um sonho? Porque…
não estou acordado agora. Eu não uso relógio desde a 4a. série.
Acho que era esse mesmo relógio.
Não sei se você é capaz de responder essa pergunta.
Estou apenas tentando entender onde estou e o que está havendo.
E quanto a você? Como se chama?
Não me lembro disso agora.
Não consigo me lembrar.
Mas essa não é a questão, se posso resgatar informação sobre…
Tenho a vantagem, nesta realidade, se posso chamá-la assim…
de uma perspectiva consistente.
Que perspectiva é essa?
Basicamente, sou só eu, lidando com várias pessoas…
que estão me expondo a informações e idéias…
que soam vagamente familiares…
Mas, ao mesmo tempo, é tudo muito estranho para mim.
Não estou em um mundo objetivo e racional.
Por exemplo, eu tenho voado…
É estranho, porque não é um estado fixo.
Parece mais com um amplo espectro de consciência.
A lucidez oscila. Neste momento, sei que estou sonhando.
Estamos até conversando sobre isso.
Estou…
o mais em contato comigo e com meus pensamentos que já estive até agora.
Estou conversando sobre estar em um sonho.
Mas, começo a achar que…
isto é algo para o qual não tenho quaisquer precedentes.
É totalmente singular.
A qualidade do ambiente…
e a informação que estou recebendo.
Como a sua novela, por exemplo.
Essa idéia é muito bacana!
Não fui eu quem inventou isso.
Está fora de mim…
como algo transmitido a mim externamente.
Eu não sei o que é isto.
Achamos que somos tão limitados pelo mundo e suas restrições…
mas, na verdade, nós as criamos.
Fica-se tentando entender, mas agora que você sabe que está sonhando…
você pode fazer qualquer coisa.
Você está sonhando, mas está acordado.
Você tem…
tantas opções. E a vida é isso.
Eu estou entendendo o que você diz.
Depende de mim, eu sou o sonhador.
É estranho.
Tanto dessas informações…
que as pessoas têm me passado…
tem uma conotação tão pesada.
Bem, como você se sente?
às vezes me sinto meio isolado.
Quase sempre, sinto-me comprometido, engajado em um processo ativo…
O que é estranho. Quase todo o tempo estive passivo, sem responder…
exceto agora.
Me deixei ser lavado pela informação.
Não responder verbalmente não é, necessariamente, ser passivo.
Estamos nos comunicando em tantos ní­veis simultaneamente.
Talvez você esteja percebendo diretamente.
Quase todas as pessoas que encontrei e as coisas que quero dizer…
é como se elas as dissessem por mim, quase na minha deixa.
É completo em si mesmo.
Não é um sonho ruim.
É um sonho ótimo.
Mas…
é tão diferente de qualquer outro sonho que eu já tive.
É como se fosse “o” sonho.
Como se estivesse sendo preparado.
“Nesta ponte,” adverte Lorca…
“a vida não é um sonho.
Cuidado e…
cuidado e cuidado.”
Tantos crêem que porque o “então” ocorreu, o “agora” não está ocorrendo.
Eu não comentei? O “uau” contí­nuo está se dando neste mesmo instante.
Somos todos co-autores desta exuberância dançante…
na qual até nossas incapacidades se divertem.
Somos os autores de nós mesmos, criando um romance de Dostoyevsky…
estrelando palhaços.
Isto em que estamos envolvidos, o mundo…
é uma oportunidade de demonstrar como a alienação pode ser fascinante.
A vida é uma questão de um milagre…
formado de momentos perplexos por estarem na presença uns dos outros.
O mundo é uma prova…
para testar se podemos nos elevar í s experiências diretas.
A visão é um teste para saber se podemos ver além dela.
A matéria é um teste para a nossa curiosidade.
A dúvida é uma prova para a nossa vitalidade.
Thomas Mann escreveu que preferiria participar da vida que escrever.
Giacometti foi atropelado por um carro, certa vez.
Ele lembra-se de ter caí­do em um desmaio lúcido…
um prazer repentino…
ao perceber que algo estava lhe acontecendo.
Assume-se que não se pode compreender a vida e viver ao mesmo tempo.
Não concordo inteiramente. Ou seja, não exatamente discordo.
Eu diria que a vida compreendida é a vida vivida.
Mas os paradoxos me perturbam.
Posso aprender a amar e fazer amor com os paradoxos que me perturbam.
E em noites românticas do eu…
saio para dançar salsa com a minha confusão.
Antes que saia flutuando, não se esqueça…
ou seja, lembre-se.
Porque lembrar é muito mais uma atividade psicótica que esquecer.
Lorca, no mesmo poema, disse…
que o lagarto morderá os que não sonham.
E, quando se percebe…
que se é um personagem sonhado no sonho de outra pessoa…
isso é consciência de si.
Você ainda não conheceu a si mesmo.
Mas a vantagem de conhecer os outros, enquanto isso…
é que um deles pode lhe apresentar a si mesmo.
Examine a natureza de tudo o que você observa.
Por exemplo, você pode se descobrir…
caminhando por um estacionamento sonhado.
E, sim, estes são pés sonhados dentro de seus sapatos sonhados.
Parte do seu eu sonhado.
E então, a pessoa que você parece ser no sonho…
não pode ser quem você é realmente.
Esta é uma imagem…
um modelo mental.
– Você se lembra de mim?
– Não, acho que não.
algumas vezes.
Eu me lembro disso, mas não lembro de ter sido você.
Tem certeza?
Talvez não.
Eu estava sentada…
e você estava me olhando.
Meu pequeno amigo, não sonhes mais.
Realmente chegou.
Chama-se Efferdent Plus.
No inferno, afunda-se. No paraí­so, ascende-se í  completude do amor.
Depressa! Ande, entre no carro.
Vamos.
A história é assim: Billy Wilder encontra Louis Malle.
Foi no fim dos anos 50, começo dos 60.
Malle fizera seu filme mais caro, que custou 2,5 milhões de dólares.
Wilder lhe perguntou sobre o que era o filme.
Malle disse: “É um sonho dentro de um sonho”.
E o Wilder: “Acaba de perder US$2,5 milhões “.
Sinto uma certa apreensão.
Durante anos, a noção de que a vida é um sonho…
foi um tema recorrente entre filósofos e poetas.
Não faz sentido que a morte também seja envolta pelo sonho?
Que, após a morte, a vida consciente continue em um corpo de sonho?
Seria o mesmo corpo de sonho que aquele da vida cotidiana…
mas, no estado pós-morte, não se poderia voltar a despertar.
Nunca mais se poderia retornar ao corpo fí­sico.
à medida que a complexidade aumenta, deixar-se levar não é o bastante.
Como é que é, jacaré?
– Você também dirige um carro-barco?
– Um o quê?
Você me deu uma carona em um carro que também era um barco.
Não, não tenho um “carro-barco”.
Não sei do que está falando.
Deve ser a noite do universo paralelo.
Sabe o cara que acabou de sair?
Ele chegou aqui e eu disse: “Como é que é?”
Ele pôs um burrito no balcão, olhou para mim e disse…
“Eu retornei do vale dos mortos.
Eu respiro misticamente os odores da vida.
Eu vi o esquecimento. Eu fermento o desejo de me lembrar de tudo.”
E o que você respondeu?
Bem, o que eu poderia dizer?
Disse: “Se puser isso no microondas, faça furinhos no plástico…
porque eles explodem e estou cansado de limpar burritos.”
Os pimentões ressecam.
Parecem rodinhas.
Quando acabou, eu só conseguia pensar em como…
toda esta noção de eu…
do que somos…
é apenas uma estrutura lógica.
Um lugar para abrigar momentaneamente todas as abstrações.
Era tempo de adquirir consciência…
de dar forma e coerência ao mistério.
E eu tinha participado disso.
Foi uma dádiva.
A vida girava ao meu redor e cada momento era mágico.
Eu amava todas as pessoas, lidando com tantos impulsos contraditórios.
Era isso que eu mais amava, me ligar í s pessoas.
Em retrospecto, era só isso que importava realmente.
As últimas palavras de Kierkegaard foram: “Varra-me de uma vez.”
– Oi, cara.
– Oi.
Você não estava no carro-barco?
Um cara de chapéu me deu uma carona…
numa espécie de carro-barco.
Você estava no banco de trás.
Não estou dizendo que você não sabe do que está falando…
mas eu não sei do que você está falando.
Vocês me deixaram em um lugar especí­fico que você sugeriu.
Desci e acabei atropelado por um carro.
Aí­, eu acordei. Eu estava sonhando.
Depois, descobri que ainda estava sonhando, sonhando que tinha acordado.
Falsos despertares.
Eu costumava tê-los sempre.
Mas eu ainda estou nisso.
Não consigo sair.
Parece estar durando para sempre.
Fico acordando dentro de outro sonho.
Estou ficando assustado, andei até falando com gente morta.
Uma mulher na TV me diz que a morte…
é uma espécie de tempo de sonho, que existe fora da vida.
Estou começando a achar que estou morto.
Deixe eu lhe contar um sonho que tive.
Quando alguém diz isso, costuma significar alguns minutos de tédio.
Mas o que se pode fazer?
– Li um ensaio de Philip K. Dick.
– No seu sonho?
Não, eu o li antes do sonho.
Era o preâmbulo.
Era sobre aquele livro:
Flow My Tears, the Policeman Said.
Simplesmente fluiu. Ele sentiu como se o estivesse psicografando.
Quatro anos depois, ele estava em uma festa.
Ele conheceu uma mulher com o mesmo nome que a mulher do livro.
Seu namorado tinha o mesmo nome que o namorado do livro.
Ela havia tido um caso com um delegado de polí­cia.
Ele tinha o mesmo nome que o delegado de seu livro.
Tudo o que ela dizia parecia estar saindo de seu livro.
Isso o deixa muito assustado, mas o que ele pode fazer?
Pouco tempo depois, ele foi pôr uma carta no correio…
e viu um sujeito meio estranho em pé, ao lado de seu carro.
Mas, ao invés de evitá-lo, ele disse: “Posso ajudá-lo?”
O sujeito disse: “Fiquei sem gasolina”.
Ele lhe deu algum dinheiro, coisa que jamais teria feito.
Ele chega em casa e pensa…
“Ele não conseguirá chegar ao posto.
Ele está sem gasolina.”
Então, ele volta, acha o sujeito e o leva ao posto de gasolina.
Enquanto estaciona, ele pensa:
“Isto também está no meu livro.
Este mesmo posto. Este mesmo sujeito. Tudo.”
Bem, este ocorrido é um tanto assustador, certo?
Ele resolve contar a um padre que escreveu um livro…
e que quatro anos depois, tudo isso aconteceu.
E o padre diz: “Este é o Livro dos Atos”.
Ele diz: “Mas eu nunca o li”.
Então ele lê o Livro dos Atos e é estranhamente familiar.
Até os nomes dos personagens são iguais aos da Bí­blia.
O Livro dos Atos se passa em 50 d.C.
Então, Dick criou uma teoria segundo a qual o tempo é uma ilusão…
e estamos todos em 50 d.C.
O que o levou a escrever o livro foi que ele, de algum modo…
atravessou esse véu do tempo.
O que viu ali foi o que acontecera no Livro dos Atos.
Ele se interessava pelo gnosticismo e pela idéia de que um demônio…
teria criado essa ilusão do tempo para nos fazer esquecer…
que Cristo retornaria e o reino de Deus adviria.
Alguém está tentando nos fazer esquecer que Deus é iminente.
Isso define o tempo e a História.
Esta espécie de devaneio ou distração contí­nuos.
Eu li isso e pensei: “Que estranho”.
E naquela noite, eu tive um sonho.
Tinha um homem que, supostamente, era um vidente.
Mas eu pensava:
“Ele não é mesmo um vidente”.
Então, de repente, começo a flutuar, levitando até atingir o teto.
Quase atravesso o telhado e digo:
“Está bem, eu acredito em você”.
E flutuo de volta. Quando meus pés tocam o chão…
o vidente vira uma mulher usando um vestido verde, Lady Gregory.
Lady Gregory era a patrona de Yeats, uma irlandesa.
Mesmo nunca tendo visto a sua imagem…
eu tinha certeza de que esse era o rosto de Lady Gregory.
Então, Lady Gregory vira-se para mim e diz…
“Deixe-me explicar-lhe a natureza do universo.
Philip Dick está certo quanto ao tempo, mas errado quanto a ser 50 d.C.
Na verdade, só existe um instante, que é agora. E é a eternidade.
É um instante no qual Deus está apresentando a seguinte pergunta…
‘Você quer fundir-se com a eternidade, você quer estar no paraí­so?’
E estamos todos dizendo: ‘Não, obrigado. Ainda não’.”
Logo, o tempo é apenas o constante “não” que dizemos ao convite de Deus.
Isso é o tempo. Não estamos em 50 d.C., como não estamos em 2001.
Só existe um instante.
E é nele que estamos sempre.
Então ela me disse que esta é a narrativa da vida de todo mundo.
Por detrás da enorme diferença, há apenas uma única história…
a de se ir do não ao sim.
Toda a vida é: “Não, obrigado. Não, obrigado”.
E, em última instância é: “Sim, eu me rendo.
Sim, eu aceito. Sim, eu me entrego”.
Essa é a jornada.
Todos chegam ao sim no final, certo?
Certo.
Então, continuamos a andar e meu cachorro corre em minha direção.
Fico tão feliz.
Ele morreu anos atrás.
Estou fazendo carinho nele e há um troço nojento…
saindo de seu estômago.
Olho para Lady Gregory, e ela tosse.
Ela diz: “Me desculpe”.
E vômito escorre por seu queixo.
O cheiro é horrí­vel.
E eu penso:
“Isto não é só cheiro de vômito.
É cheiro de vômito de gente morta”.
Então é duplamente horripilante.
Percebo que estou no mundo dos mortos.
Todos a minha volta estão mortos.
Meu cachorro morrera há 10 anos, Lady Gregory há muito mais tempo.
Quando acordei, pensei:
“Aquilo não foi um sonho.
Foi uma visita í quele lugar, o mundo dos mortos.”
E como conseguiu finalmente sair de lá?
Foi como uma daquelas experiências que transformam a vida.
Eu nunca mais voltei a ver o mundo do mesmo jeito.
Mas como é que você finalmente saiu do sonho?
É esse o meu problema.
Eu estou aprisionado.
Fico achando que estou acordando, mas ainda estou em um sonho.
Quero acordar de verdade.
Como se acorda de verdade?
Não sei.
Não sou mais tão bom nisso.
Mas se é o que está pensando, você deve fazê-lo, se puder.
Porque, um dia, não será capaz.
Mas é fácil.
Sabe, simplesmente acorde.
em memória de: John Christensen
(super perfundo no amanhecer antecipado do seu dia)

A confusão das línguas não deixa margem para o rio das dúvidas banhar a ouro e verde as esperanças de todos nós






 
 

a justa razão aqui delira
leminski – fragmento do catatau
pg 34 ed. sulina

leitura eletrônica em inglês – catataulido.ogg

1.jpg

“Preserva-se do real numa turris ebúrnea; o real
vem aí, o real está para

> chegar, eis o advento! Vrijburg defende-se,

se defendam vrijburgueses

> o cerco aperta, alerta, alarde, alarme, atalaia!
Todo o tiro é susto

, Todo > fumo – espanto, todo
cuidado – 



pouco caso

.
Vem nos negros dos quilombos,
> nas
> naus dos carcamanos,
na cara destes bichos:
basiliscos brasilicos queimam a
> cana, entre as chamas passando pendôes.

Cairás, torre de
Vrijburg

, de
> grande
> ruína.
Passeio entre cobras e es-
corpiões meu calcanhar de Aquino,
caminhar > de

Aq

uiles.

E essa torre da Babel do orgulho de Marcgravf e Spix,

pedra
> sobre pedra não ficará,
o mato virá sobre a pedra
e a pedra a espera da
> treva fica podre e vira hera a
pedra que era…

A confusão das línguas não
> deixa
margem
para o rio das dúvidas banhar a ouro e verde as
esperanças dos
> planos de todos nós:
as tábuas de eclipses de
Marcgravf não entram em
> acordo > com as de
Grauswinkel;
Japikse pensa que é macaco o aí que
Rovlox diz fruto
> dos coitos danados de
toupinamboults e tamanduás
;
Grauswinkel, perito nas
> manhas dos corpos celestes, nas manchas do sol e
outras raridades urânicas
>

é um lunático

;
Spix, cabeça de selva, onde uma

aiurupara
e

stá
pousada em cada
> embuayembo, uma aiurucuruca, um aiurucurau, uma
aiurucatinga, um tuim, uma
> tuipara, uma tuitirica, uma arara, uma
araracá, uma araracã, um araracanga,
> uma araraúna, em cada galho do
catálogo de caapomonga, caetimay, taioia,
> ibabiraba, ibiraobi! Viveiro? Isso está
tudo morto!

Por eles, as árvores
> nasciam com o nome em latim na casca, os animais
com o nome na testa dentro
> da moda que a besta do apocalipse lançou
com uma dízima periódica por
> diadema,
cada homem já nascia escrito em peito

o epitáfio,

os
frutos
brotariam
com o receituário
de suas propriedades,
virtudes e contraindicações.
> Esse é emético, esse
é diurético, esse é
antisséptico,
> laxante, dispéptico, adstringente

, isso é letal.”


restam bases e/ou mapa da Cachoeira dos Descartógrafos

pouring3.jpg
dissolve e coagula!

Segundo uma conhecida lenda urbana de Curitiba, existe dentro de seu perí­metro urbano e central uma cachoeira escondida. Lá, aguardando pelo momento em que terá suficiente eloqüencia para sustentar as bases de um discurso produtivo sobre as bases desta experiência, o nosso herói nbp, aguarda por bases que ainda restam para isso E/OU quem sabe alguma nova base para seguir seu rumo a fragmentação de seu discurso num simulacro de genêro.

Deixando em aberto a posibilidade de circulação do “objeto” em um ponto cego dos mapas, queremos aqui provocar discussões sobre a imaterialidade da experiência, intagilibilidade entre os elos da tal “corrente”.
Reclamamos a relação de continuidade e relacionamentos que a rede que ele gera poderia potencialmente proporcionar, e que é desviada pela discussão em que sua forma plástica, conceito e relação com autoria e mesmo sua potencia semiótica eloqüente o coloca quando inevitavelmente é documentado como “objeto artí­stico”.

A pergunta: “Você quer participar de uma experiência artí­stica”? Nos parece de resposta muito óbvia: Não tenho mais escolha, portanto reclamo viver simplesmente a experiência e dela tentar gerar caminhos para nossas buscas.

Na medida que essa pergunta me faz mí­nimo de sentido (quase em seu caráter puramente sintático) eu já não tinha mais escolha. Eu fui esmagado por um significado múltiplo de algo que quer se impor como simulacro de uma matriz de simulacros e a tal forma torna-se fractalmente infinitesimal.

Como escapar da fetichização que o objeto finge ser adverso (com sua “plástica” supostamente austera, que harmoniosamente muta-se em sua “beleza”)?

Um amigo disse sabiamente que a melhor estratégia possí­vel para ignorar este objeto como forma seria “reduzi-lo” ao seu lugar original de “escultura”.

Por que não o fizemos? Por que o simulacro nbp se instaurou? Porque o grande êxito do NBP é justamente sua potencia de vertigem. Amamos odiar o NBP.

Apesar de nos sentirmos oprimidos pelo nbp, estamos interessados nas tais Novas Bases para Personalidade.

Queremos a utopia de que vocês existem além desse objeto. Ele não é feio, ele não é belo, ele não é curioso, ele não é arte, ele não é nada. E nem o fato de poder ser afirmado que isso já nos era dado como conceito pode nos oprimir. Negamos qualquer autoria ou epistemologia “artí­stica” sobre essa idéia. Queremos estar além do jogo de conceitos. Queremos traçar nossos próprios mapas .

Nem mais um suspiro pelo objeto ou pelo “objeto-conceito”. Você que aí­ que existe em si, é algo que almejamos. Queremos compartilhar nossas vertigens.

Por que eu gostaria de participar dessa experiência “artí­stica” tentando trazê-la para além desta? Para reclamar um lugar de potencial simbólico para nossas epifanias como afirmação de realidades em comum, independente de institucionalizações, documentações e qualquer tipo de simulacro.

Quem é o “objeto”? Aquele que “usa” o NBP é usado por ele.

Negamos a existência do NBP. Quem existe somos nós. Solicitamos a presença de todos os envolvidos. São estes que nos interessam.

Queremos uma experiêcia muito mais que artí­stica.

Sejam bem vindos.

mamelucovich.jpg

E se Faltam Bases ?
nos galhos das árvores onde as palavras estão presas;

todos os jamais são sombras…

no meu braço que formiga adormecido
sobre o corpo que estanca o sangue;
o sangue não palavra,
e sim seiva

—->

Ok,

registros circunscritos. simulacros arrotam.

continuo tateando.
(restam bússolas? http://poeticasexperimentaisdavoz.wordpress.com/2007/09/11/ja-i-kant-wear-you/ )

Não sei mais quem são vocês, quem somos nós e nem quantos.
Gosto dessa ilusão de presença de uma rede de tateantes.
Pólos que atraem a bússola. Gira, eppur si muove.
Gostamos de pensar nosso “trabalho” sobre uma dimensão não-utilitarista, além da sobrevivência e consumo, além da sua coopção institucional.
Seremos capazes de ir além dessa relação de significação laboriosa?
Puxe o tapete das bases, resta um chão de onde a gravidade quer esmagar a personalidade.
Temos Personalidades a operacionar – além do objeto vão encarnar?
4 operações básicas – somar, multiplicar, subtrair, dividir?
(e/ou)
Além do limite tendendo a zero e ao infinito, uma nova integral ou derivação?

Recondicionar ESTE plano cartesiano.

além dos 3(você-eu-objeto) ou além dos X(com cópia) existem novas bases?

faltam

Uma dimensão de relações sociológicas, geográficas e psicológicas de interdependências para QUANTAS sobrevivênciaS (até quando). Uma base somática para um artifí­cio de fundações simbólicas de um “novo” imaginário.

Você gostaria de participar de uma experiência?

talvez não tenha + – * / escolha.

o objeto será serrado, fragmentado, fundido, repersonificado entrará na dimensão do juí­zo de valor em si próprio e ainda assim não responderá a questão cartesiana.

restam planos?

RB, em P.

nbp_cachoeira.png

a solidão não mata… dá a idéia

Claudete Pereira Jorge
texto: Alexandre França

A minha solidão hoje sorriu diferente, ela doeu meu choro contindo. A minha solidão foi surpreendente, me mostrou o que eu sou quando estou comigo. Hoje chorei como quem caminha para casa. Sou aquele cara interessante, a viver com a solidão ao lado, a cumprimentar os outros sentimentos de longe. A me achar bonito nos outros. A solidão me machucou, pois revelou a sua doença de permanecer para sempre nos meus olhos. Ela me falou baixinho no ouvido as minhas dúvidas. A solidão foi cruel esta noite, ela me contou o que eu sou nos mí­nimos detalhes. Eu não quero isto para ninguém. Não façam como eu, não levem em consideração o que a solidão fala. Pois dei ouvidos a ela e acreditei que eu não servia para nada. A solidão não mata, dá a idéia. A solidão se diz minha amiga, mas me faz dormir num lugar sujo com um ser humano solitário. A solidão mora em quem ela quer. As pessoas não tem a escolha de rejeitá-la. Ela come o nosso melhor pedaço, espera os outros comerem a carniça da alma. A solidão não tem calma, lambe o prato até o suco da vontade. A solidão que eu tenho eu não recomendo para ninguém, até por que foi eu quem a criou. A solidão não demora em narrar-nos o momento. A solidão nos causa sofrimento sem querer.

A solidão adulta permanece acordada, mesmo quando dormir é inevitável

.

Carvão – canção de Alexandre França e Edson Falcão
http://alexandrefranca.blogspot.com/

Algonauta


æ®â?¹Ã£â??Šçâ?°Â©Ã£ÂÂ«Ã£ÂÂ¯Ã§Â¦ÂÃ£ÂÅ?ãâ??ãâ??â?¹Ã£â?¬â??
çí¯Ç ÂçÂçí¦Ã?Å? í¨Âí¯Ã?Å?Ã?Å? Ã?â? í±ç í®Ã?Ë?çí¨ê Ã?â? Ã?â?¦Ã?Å?í¨í±Ç

o impensável

Não tentei arruinar o sentido da sentença, tampouco o da metáfora: pelo contrário, tentei torná-los mais fortes. Atacar o sentido rebelando-se contra a sentença não significa que a mesma seja destruí­da. Pelo contrário, ela é preservada porque um caminho para o outro sentido foi aberto. Tudo isso me parece como se eu tivesse sido confrontado por dois discursos opostos igualmente persuasivos. Isso resulta na impossibilidade de privilegiar um em detrimento do outro, o que, por sua vez adia constantemente o controle do sentido sobre a sentença. Talvez o impensável seja pura e simplesmente a suspensão mútua de dois pensamentos opostos e definitivos.

Praça Nueva Brasília – Itaparica – Erik Goengrich – 16/09/2007 – 2pm

nova-brasilia-1.jpg

hallo to all
on sunday the 16.sept.07 at 2pm will be the inauguration of “Praça
Nueva Brasilia” in Itaparica.
For all who like to come I would propose that we meet at 1:30pm in
front of SACATAR-Foundation in Itaparica and then we walk to the
place.
(5 min.walk but too complicated to explain)
Hope all of you who are near find the time to come.
all the best
greetings
Erik

there is an informal settlement just around the corner of SACATAR with
5 big Trees that form a kind of an open public space.
Three weeks ago I found this place and was impressed….
Is it that I am still too romantic?
In portugese these 10 to 15 small houses surrounding that place they
are called “invasâo” which I find a very interesting:
like a wave of the see which is just in front….

Then, as you know of my last two emails I returned from:

and I met Robinson, without whom that whole intervention would not
have been possible:

trying to change the human relationship / thinking about nature.
He is trying to build up this organisation and doing a very imortant
work.
I would say he is the best communicator i met until now in Itaparica.
And I was never so astonished how many ways somebody is introducing me
and my work….
andfrom monday the 3.sept when i returned from Brasilia until today I
was nearly every day working at “Praca Nueva Brasilia”:
responsibility.
everybody liked it sometimes of diffrent reasons:
for some it was important that it is not coming from the Itaparica
official administration
for some it was just good that there will come something to sit on
some liked the fact of having little Brasilia in front of their door
some liked the idea of having meetings there
and others thought immediatley that the value of their small house
will increase….
and as well i got very quick offers to buy a house or land (for
2000euro) in this area without official papers…

brasilia.jpg

so we began to collect the left over wood of Sacatar and started to
build benches:

here we coming to the architectural part because the congress of
Brasilia is made out of “pau-a-pique”

with varas (the palm tree leaves stem) and clay

this is the structure with all the greenpalmtree leaves stems
cooked from Maria (a sister of robinson living directliy there)
the kids started to like it and helped as well,

but still wondering what that all means?
the ramp for the congress arrived
the sign to the place is painted…

would be happy to see you sunday at 2pm
if everything works out well the itaparica-caboclos which used to
perform on this place will come as well…
greetings
erik

nova-brasilia-3.jpg

nova-brasilia-2.jpg

Saravá capitólio

saravá

1. Redes sociais e ativistas: reprodução do modo capitalista?

Há cada vez mais discrepância entre o discurso e a realidade imediata. Já faz tempo que o capitalismo funciona num ní­vel que está além da ideologia, da significação, do discurso. Ele precisa mobilizar toda uma máquina de produção do consenso, de produção do sentido de mundo. Toda a discussão que se territorializar dentro desse mundo de sentido criado pelo captalismo será inofensivo (do ponto de vista de criação de possibilidades de escape) e ainda contribuirá na criação de novidades para o capitalismo.

É nesse cenário que se insere um circuito profissional-terceiro-setor-estatal em que “as redes ativistas” vem se misturando. Se por um lado essas redes acreditam que é possí­vel subverter (ou “hackear”) as estruturas institucionais para de algum modo promover mudanças sociais, por outro elas acabam sendo “hackeadas” ao oferecerem como produto o resultado do seu ativismo, justamente aquilo que foi arduamente construí­do com o trabalho colaborativo de muitas pessoas. Essa herança é então capitalizada pela máquina. Em troca de financiamentos ou equipamentos, os grupos acabam entregando sua história e todo seu patrimônio simbólico.

Mas não é apenas nesse ní­vel que o sistema toma conta de tudo. Existem mecanismos que roubam, capturam as energias para alimentar uma máquina de dominação que, no plano do discurso, é aquilo que nos tem incomodado, seria o nosso inimigo se quisermos colocar nesses termos. Eles atuam em todos os ní­veis com o í­mpeto de transformar toda a atividade humana numa quantidade de homens-hora trabalhadas voluntária ou involuntariamente no processo produtivo. E em muitos casos, de forma não remunerada, como veremos a seguir.

Grosso modo, analisaremos o seguinte modelo esquemático:

industria_sarava.png

Para tal, ela será dividida nas seguintes partes:

* Apropriação dos grupos de ativistas pelo maquinário capitalista.
* Apropriação da sociedade civil na contribuição voluntária e não remunerada.
* O favorecimento desse modelo para a manutenção de relações individualistas.

Apesar de no iní­cio tratarmos basicamente de redes ativistas, o raciocí­nio será extendido para abarcar também a dita sociedade civil, conforme mostra o diagrama acima.
2. Grupos ativistas e a inclusão digital

Dentro das iniciativas voltadas í  inclusão digital e í  produção cultural, uma série de relações se estabeleceram como um circuito de captação de recursos através da concentração de de conteúdo construí­do por grupos de ativismo midiático e pela sociedade civil.

Nessas relações, ativistas se associam í  iniciativa governamental ou ao terceiro setor para participarem de projetos de inclusão digital promovidos por tais instituições e que envolvem:

* O incentivo ao uso das novas tecnologias computacionais e do software livre para a produção cultural, que permitem a composição e a reprodução de conteúdo multimí­dia de forma simples e barata.
* A distribuição de recursos financeiros e tecnológicos para comunidades de baixa renda, uma forma de pulverização de capital, defendendo uma descentralização da produção cultural, que tradicionalmente está centrada em grandes eixos regionais e em grupos já estabelecidos que detém os canais institucionais para obtenção de verba.
* O incentivo í  generosidade intelectual e í  formação de redes colaborativas para alimentarem um banco de dados da produção cultural oriunda das comunidades patrocinadas pelo projeto.

No entanto, apesar do discurso inclusivo e do apelo para a mudança social, esses projetos estão muito mais próximos de cumprir uma importante função í  indústria cultural e a um novo modo de produção capitalista, o que é perceptí­vel quando passa-se a analisar o projeto a partir da cadeia produtiva na qual ele se encaixa.

A indústria cultural sempre busca a novidade e passa por um grande momento de estagnação. Bancos de dados em licenças abertas que contenham amostras da cultura dos rincões constituem material de pesquisa de certo modo gratuito para a indústria.

Como contrapartida pelo fornecimento de recursos í  comunidade, esta oferece seu patrimônio cultural e sua força de trabalho para o banco de idéias da indústria do entretenimento. Para a construção desses bancos, a atuação de ativistas na aproximação de grupos sociais junto í  comunidade tem sido fundamental.

O que está sendo questionado aqui não é a o vislumbramento desse campo pelos/as ativistas como alternativa de emprego, mas sim o “dote” que eles/as acabam entregando como contrapartida e o uso do mesmo como produto a ser vendido para as instituições financiadoras desse tipo de projeto. Esse dote é composto inicialmente pelo currí­culo da pessoa e a história dos grupos que ela participa, que serão usado como parte da propaganda destes projetos, quando estes afirmarão que tem inserção social e que contam com um staff participante de movimentos sociais.

Mas a principal componente do dote é a energia empregada pelos/as ativistas ao trabalharem nesse tipo de projeto. Por serem pessoas já engajadas na mudança social, os/as ativistas tem uma propensão a trabalhar com muito afinco com a questão da inclusão digital e com a produção cultural. Assim, compensa muito mais para um projeto governamental ou do terceiro setor empregar mão de obra ativista do que técnicos/as especializados, pois estes últimos trabalhariam somente o necessário e sem tanto envolvimento.

Assim, os grupos ativistas, quando trabalhando dentro desse maquinário, estarão entregando gratuitamente parte de suas energias para esse tipo de projeto. Energias que de outro modo estariam se canalizando para os seus próprios projetos e para a mundanaça social efetiva.

Fora isso, também há um esforço enorme para colocar ativistas funcionando junto com essa engrenagem de financiamentos e captações, o que também toma um tempo precioso desses coletivos, tempo que poderia ser usado de outra forma.

Eis a inteligência desse sistema, ele não neutraliza as forças de oposição, é mais eficiente, canaliza suas energias para sua própria re-invenção, pois enquanto os grupos estiverem pautando a colaboração (seja ela produção de software, de rádio, de encontros) pelo ritmo do capital, eles estarão perdidos em sua busca por real mudança. Enquanto os grupos acharem que precisam entrar em todos os editais, participar de todos os eventos, acompanhar todas as inovações tecnológicas do mercado, eles estarão perdidos. Ou melhor, estarão ‘achados’, estarão no lugar que interessa í  máquina capitalista.
3. Sociedade civil

O envolvimento da sociedade civil – ou das “comunidades” – nessa cadeia produtiva é ainda mais assustador. A indústria da informação inventou um novo modelo produtivo, no qual a sociedade alimenta os bancos de dados gratuitamente, de forma que a energia das pessoa é fornecida de bom grado no ciclo de produção.

Nesse contexto, Web 2.0 e os atuais conceitos de redes sociais se constituem como a interface dessa apropriação energética, mas que ocorre do lado da sociedade civil não-organizada, que contribui involuntariamente na construção de bancos de dados.

O termo Web 2.0 se refere a uma série de caracterí­sticas e práticas que possibilitam o fornecimento de conteúdo por parte dos usuários de um banco de dados.

No primeiro boom da internet, a World Wide Web permitiu que conexões entre documentos fossem estabelecidas com um mí­nimo esforço. Essa conexão desde cedo refletiu tanto uma relação entre assuntos e textos quanto entre pessoas. Nessa época, porém, praticamente todo o conteúdo de um sí­tio corporativo era fornecido por um staff especializado: jornalistas, webmasters e consultores em geral. [Detalhar mais e indicar a mudança para a Web 2.0]

É inegável a eficácia da Web 2.0 e do que os sí­tios de redes sociais conseguem fazer ao aproveitarem informações que todo mundo manipula em atividades banais (e que normalmente se perderiam) num grande sistema que pode ser publicamente acessado. Mas esse aproveitamento é a apropriação da energia das pessoas em micro-escala, porque a apropriação chega no clique do mouse que coloca algum texto numa tag dum sí­tio que está a serviço do capital.

Um exemplo para toda essa análise é o caso do Youtube, que não produz nada mas que praticou uma espécie de super-mais-valia sobre sua base de usuários, que alimentaram um banco de dados posteriormente vendido por cerca de 1,5 bilhões de dólares. O conceito de mais-valia implica a existência de algum tipo de ví­nculo empregatí­cio. No caso dessa super-mais-valia, não é necessário ví­nculo nenhum: o trabalho (voluntário ou involuntário, mas nunca assalariado) é simplesmente roubado.
4. Necessidades personalizadas

Além disso, o capitalismo funciona da criação de necessidades. O capitalismo, ao usar redes sociais, pode criar a personalização das necessidades, produtos altamente direcionados: “reprodutibilidade técnica personalizada”, que se encaminha para captura de todos os recursos dos/as assalariados. A indústria pode começar a investir em manufaturados personalizados (linhas de montagem onde os produtos feitos em série não são necessariamente iguais entre si) e aí­ teremos a personalização dos produtos materiais espelhando a personalização que hoje vemos nos bens imateriais gerados automaticamente. Um protótipo disso é o RepRap, criticado por Robert Kurz em seu texto A Máquina Universal de Harry Potter.
5. O individualismo versus o coletivismo, ou o open source contra o free software

A Web 2.0 se constitui como fabricação de consenso (consenso não no sentido do conteúdo publicado, mas sim na forma de produção desse conteúdo), mesmo que as pessoas não tenham consciência disso, porque esse tipo de rede é uma forma de fazer o egoí­smo das pessoas trabalhar em função de uma estrutura maior, de um banco de dados construí­do involuntariamente. Ou seja, você não muda as pessoas nesse processo, elas continuam morosas, sem iniciativa e preocupadas apenas em resolver seus próprios problemas, mas o trabalho delas é egoisticamente somado até construir uma falsa coletividade, que é a abundância de informação mas que não foi erguida com a idéia de ajuda mútua ou com o ideal de “ajudar a seus vizinhos/as” com o qual a Fundação do Software Livre se funda, por exemplo. O próprio individualismo na Web 2.0 surge quando as relações sociais são traçadas de pessoa pra pessoa.

Os grupos ativistas que julgam a Web 2.0 como algo que trará mudanças positivas no acesso í  informação e í  organização social estão enganados. É acreditar que, criando um sistema que facilite a troca de determinada informação, por si só mostre pras pessoas que elas podem se organizar de diversas maneiras e a partir disso modificar as relações sociais.

Nas redes sociais criadas pela Web 2.0 há uma falsa idéia de coletivismo. Não quer dizer todo mundo é amigo/a só porque você conhece alguém que tem não sei quem em sua lista de contatos.

Fora isso, há a questão da real mudança social que tais tecnologias promovem. São os sistemas é que devem determinar e viabilizar a organização social ou são as pessoas que devem determinar isso? Sistemas que pretendem uma dada organização social podem até funcionar, mas seria muito mais rico e representaria uma maior evolução e maturidade pras pessoas que participam se elas não precisassem de um banco de dados pra se organizar, se a organização viesse já de dentro delas.
5.1 A Geração Google e a ilusão do desenvolvimento

Geração Google: no fundo acreditam que seja possí­vel uma relação ganha-ganha em ní­vel mundial que resolva os problemas de todo mundo sem que nenhum conflito seja necessário, acreditam que software livre é bacana, eles são bacanas e portanto o mundo vai ser bacana com eles e vai mudar.

É a crença de que a tecnologia vai acarretar na mudança pro bem, isso até subestima a capacidade dos movimentos sociais, acreditando que inevitavelmente a tecnologia da informação vai acarretar numa melhoria geral no ní­vel de vida das pessoas, crenças semelhantes que predominavam no mundo antes das duas guerras mundiais: muito pelo contrário, hoje os sistemas de informação estão muito mais se encaminhando para centralização e paro controle total.

Existem também uma tendência de descentralização sempre, mas a maior parte dela surge pela própria contradição do sistema: criaram um mundo de cultura de massa com uma apelação extrema para o seu consumo e no entanto restringem ao máximo a reprodução de seus produtos a fim de garantir o máximo de lucro.

Em outras palavras, hollywood produz uma pá de filme anualmente, é adepta de uma propaganda violenta mas ao mesmo tempo restringe o quanto pode as cópias dos seus filmes. O p2p é uma alternativa í  distribuição hollywoodiana, mas na média continua consumindo a mesma coisa.

O desenvolvimento não segue caminhos aleatórios. Ele sempre vem acompanhado de uma carga ideológica pesada e tem uma série de forças atuando nisso, quanto maior a escala mais a parada é indentificável. Hoje no Brasil o discurso polí­tico vigente é trazer um suposto desenvolvimento para gerar empregos e aí­ sim atingir o bem estar social. Agora, ninguém fala de reforma agrária, imposto sobre grandes fortunas, revisão da polí­tica de concessões e licitações ou mesmo mudanças mais radicais. Quando se fala em desenvolvimento, é desenvolvimento para que? Para onde?
5.2 A questão no contexto da produção de software

Essa situação que estamos vivenciando se insere num contexto maior de como o capitalismo está adaptando o software livre em modelo de negócio, como estão bolando um sistema de produção de valor que abre mão de patentes. nesse ponto, é interessante pensarmos na diferença entre open source e free software. Qual é a diferença? Há muita confusão, né?

Se colocarmos esse debate no campo do software, a dualidade se estabelece mesmo entre o software livre e o aberto, que no fim é a discussão entre a ajuda mútua, o cooperativismo como filosofia e esse novo modelo de negócios que também mobiliza a energia de voluntários/as! Porque você abrindo o código do Java vai rolar mais feedback de usuários e desenvolvedores, gente que estará trabalhando de graça para o seu produto. Repare que é a mesma apropriação que um sí­tio com tecnologia web 2.0 ou um projeto de produção cultural através da informática faz com as pessoas. É ou não é sinistro?

Quando o Eric Raymond coloca como catedral a forma como o pessoal da Free Software Foundation desenvolve software livre, ele não está criticando o isolamento dos programadores ou sua falta de vontade de se relacionar com a comunidade, mas sim criticando o modo de produção de software livre dos anos 80, que foi quebrado com o advento do Linux, quando um programador mediano inaugurou um novo modo de desenvolvimento ao incorporar com sucesso e rapidamente as modificações ao seu software propostas por terceiros.

Com isso, o Raymond virou um dos papas do Open Source. Faz sentido a adoção de melhores formas de desenvolvimento de software livre, todo mundo quer coisas que funcionem, mas a questão é que o Open Source está atrás de modelos que tornem os negócios possí­veis.

Não é a toa que hoje o Ubuntu está mais popular que o Debian. O Debian tem uma forma de desenvolvimento bem complexa pois precisa ser democrática e ao mesmo tempo manter um compromisso com a estabilidade e a segurança do sistema. Por outro lado, no Ubuntu rola um astronauta que decide como as coisas serão e a cambada tem que seguir. Não é top-bottom total, porque também existe a ajuda da comunidade, mas as decisões são pautadas não no processo interno do projeto, mas na vontade de fazer o Ubuntu o mais popular e usado, da mesma forma como o resto da indústria planeja os seus produtos. O Ubuntu suga tudo de bom que o Debian tem a oferecer e, apesar do Ubuntu remunerar alguns desenvolvedores do Debian e produzir software livre, a Canonical (empresa do Ubuntu) tem feito muito dinheiro com esse modelo de negócios.

Essa questão do software livre é não-trivial dependendo do ângulo de análise. Se a partirmos dos ideólogos e de suas opiniões, realmente a questão fica complexa e controversa. Porque o espectro desse monte de ideologia é realmente muito diverso. Veja por exemplo, o Lessig tem um ponto de vista mais liberal, é do Creative Commons mas ao mesmo tempo tá na diretoria da Free Software Foundation, que teoricamente é mais ativista.

Agora, se tentarmos extrair algo vendo como efetivamente ocorrem essas relações entre empresas, terceiro setor e sociedade, as coisas parecem se simplificar.

Podemos inclusive assumir inicialmente, por simplicidade, que o terceiro setor e a academia são bons, incluindo Eric Raymond, Lessig, Ronaldo Lemos, todo mundo. Vamos supor que todos sejam bem intencionados.

Aí­ a questão que sobra é o quanto as empresas se apropriam dessas iniciativas e o quanto de lucro isso traz pra elas.

O Java como GPL vai ajudar muito a Sun e seus executivos souberam o momento certo de abri-la. Ela lucrou muito tempo vendendo licença do Java e certamente o mundo Open Source contribuiu muito para ela abrir. Agora ela muda o modelo de negócios e também um pouco do modelo produtivo, que vai passar a receber muito mais contribuição e feedback.

Não se pode dizer que todo o grande projeto de software livre ou aberto de grande está mancomunado com o capital, mas me parece um fato que descobriram um novo modo de ganhar dinheiro e estão sim se apropriando do software para esse fim. Essas que as empresas contribuem muito pro open source, mas não é pensando na comunidade, é pensando nos consumidores. Uma coisa é criticar o produto final (o kernel, o gcc, o rpm) e outra é o modo de produção do software, quem paga e quem ganha.

Vale notar que aqui estamos analisando o modo de produção e não o produto final. O produto final pode beneficiar a comunidade e a empresa, mas a forma de produção beneficia basicamente a empresa, porque o produto final é dela (afinal, ela é a provedora do produto e da sua marca).

Hoje rola uma espécie de nova mais valia, onde as pessoas não tem nenhum ví­nculo empregatí­cio com uma empresa mas mesmo assim acabam entrando no ciclo produtivo.

Se até alguns anos a participação da sociedade na linha de produção de uma empresa se limitava a um pequeno feedback da “Central de Atendimento ao Consumidor”, hoje alguém pode ajudar uma empresa sem ao menos estar ciente disso!

O capitalismo mais uma vez está conseguindo pegar aquilo que escapava a sua lógica e transformar em algo a favor da sua lógica. E a sinistrice é que nesse capitalismo abstrato que vivemos o discurso, o conceito, a imagem são muito importantes para a produção de valor. Nessa, essa geração google tem um papel muito importante, pois estão expandindo as fronteiras do capitalismo, inovando novas formas de produção de valor achando que estão abrindo novas possibilidades de mundo, ou seja, achando que estão na resistência.

O capitalismo de hoje não se impõe mais daquela maneira tosca do tempo das primeiras revoluções industriais, onde tudo ficava í s claras, onde toda a apropriação de força de trabalho ficava facilmente identificável. Hoje há todo um consenso e uma forma de apresentação que torna dificí­limo o discernimento. Ninguém percebe mais a apropriação que ele faz das coisas que escapavam í  sua lógica.
6. Conclusões

Este texto, em princí­pio, tenta ser uma crí­tica a duas idéias:

1. Que essa nova inclusão digital está a serviço do social; ela na verdade está a serviço do capital, basta ver quem financia esse tipo de sistema, são empresas que vivem da apropriação capitalista, não é filantropia. Falar que está a serviço da sociedade é lugar-comum no marketing moderno. Mesmo quando as iniciativas partem da esfera pública (projetos governamentais) eles também servem a esse modelo e também como uma função de tapa buraco desse modelo de sociedade ao invés de mudar as relações, até por que uma das suas caracteristicas é legitimá-las.
2. Que essas tecnologias são a chave da mudança social.

——————< -------------------- | | instituições ---> projetos de inclusão digital —> grupos ativistas —> comunidades < ------------| financiadoras e produção cultural | (sociedade civil organizada) | ^ ^ | | | | | --------> criação de produtos |
| —-< ---- lobbystas atuando na | | | captação de mais dinheiro <------------------------- manutenção de um grande | | banco de dados de produção --->—
| cultural em licenças abertas
| |
| |
——–< -------------- indústria cultural <-------------------------------- | | | | ----------------------.> fonte:
http://wiki.sarava.org/Estudos/ApropriacaoCapitalistaRedesSociais

“você gostaria de participar de uma experiência artística” – “Do you like to participe of an artistic experience?” – live in HRVTSKA

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nbp de bigode *NOVAS BASES PARA PERSONALIDADE

cachaça connecting people

esquema do orgao de mar...

set -> pela_paz_de_todos_os povos_na_vida_e_a_morte
set-> for peace of all people in life and death


um muro separa este cemitérios de religiões “diferentes”. todos iguais perante a morte?
a wall that separates this cemetery of “different” religions. Everyone is equal in death?

{

Vai ficar aqui a caneta em cima deste muro
em ato simbólico a todos aqueles que escreveram,
disseram e tentaram fazer algo melhor da sua vida
do que simplesmente usar os DENTES com os quais nasceram…
fica aqui neste cemitério então ( e os mortos sabem disso melhor do que ninguém )
de que nada adiantam muros…
e que não é possí­vel dividir…

This Pen Will Stay here Up in this wall
in a simbolic act to all whom that have written,
said and tried to make something better in their lives
than simply use the TEETH wich they born…
Will stay in this cemetery then (and the death know that better than no one)
that there’s no use for walls,
and it’s impossible to divide…

-> PELA PAZ NO MUNDO

assinado:
Octavio Camargo, Simone Azevedo e Guilherme Soares
(em performance web-site specific )

}

Canetas Derrubam Muros -> mp3

Canetas Derrubam Muros -> ogg



Borges Jazzzzzzz :