A Cidadela Proibida de Kowloon
por Mathieu Bertrand Struck
(adaptado e traduzido de diversos sites da internet, predominantemente da Wikipedia)
Kowloon é uma das mais curiosas anomalias urbanas de que se tem notícia. Destruída em 1993 por decisão mútua de China e Reino Unido, a cidadela ficava na principal península da cidade de Hong Kong.
Possuía, até antes de seu desaparecimento, cerca de 50,000 habitantes distribuídos numa diminuta área de 0.026 kmí² (densidade populacional de 1.900.000 pessoas por kmí²). Tratava-se, comprovadamente, do lugar mais denso em população do globo.
As origens da cidadela remontam a meados do Século XIX, tendo se originado de uma fortificação militar, construída sobre as ruínas de um antigo posto de observação na Península de Kowloon.
Após a cessão da Ilha de Hong Kong para os ingleses em 1842 (Tratado de Nanjing), as autoridades imperiais chinesas julgaram necessário estabelecer um posto de observação militar para dominar a península e verificar periodicamente a eventual expansão da influência inglesa na área.
Em 1898, celebrou-se uma Convenção que cedeu outras porções do território chinês de Hong Kong para os ingleses, por 99 anos adicionais. A Convenção excluiu a Cidadela (então com população de cerca de 700 pessoas), que permaneceu no domínio da China, podendo esta manter tropas na península, desde que não interferissem nas atividades inglesas.
A Coroa inglesa logo desconsiderou esta parte do acordo, atacando Kowloon em 1899, mas encontrando-a completamente deserta. Nada foi feito com a Cidadela e a questão de sua propriedade foi deixada em segundo plano.
Por volta de 1940, a Cidadela se converteu em uma vizinhança altamente populosa, toda concentrada dentro das suas muralhas. O enclave permaneceu como parte do território chinês a despeito das intensas mudanças políticas da China (queda da dinastia Qing, estabelecimento da República e, finalmente, advento do Comunismo)
A Cidadela permaneceu como uma curiosidade e uma atração turística para colonos e turistas ingleses, que podiam sentir, visitando suas vielas, o gostinho da China antiga.
Com a ocupação de Hong Kong em 1940, durante a Segunda Guerra Mundial, o Japão evacuou a Cidadela e a demoliu quase completamente (incluindo suas muralhas), para obter materiais de construção para obras militares.
Vista aérea da Cidadela de Kowloon
Depois da rendição japonesa, a Cidadela começou a ser reocupada, resistindo a diversas investidas inglesas, até 1948, para que a desocupassem. Sem muralhas para protegê-la, Kowloon tornou-se um refúgio certo para toda sorte de bandidos, salteadores e viciados em ópio, já que a polícia de Hong Kong não tinha direito de entrar na Cidadela e a China continental recusava-se a cuidar da questão.
Com o estabelecimento definitivo do Comunismo chinês, em 1949, milhares de refugiados (predominantemente de Guangzhou) emigraram para Kowloon. A Coroa inglesa já estava farta e passou a adotar um posicionamento mais interventivo na Cidadela. Um assassinato no interior das muralhas, em 1959, acendeu uma pequena crise diplomática e as duas nações ficaram tentando empurrar uma a outra a responsabilidade pelo território, então completamente dominado pelas Tríades anti-Manchúria (o sindicato do crime organizado de Hong Kong).
O domínio das Tríades durou até meados dos anos 70, quando no biênio 1973-1974, cerca de 3.000 investidas policiais ocorreram na Cidadela Proibida de Kowloon.
Com a diminuição do poder das Tríades, uma estranha sinergia urbana floresceu e a Cidadela passou a crescer organicamente. Os prédios começaram a se fundir uns aos outros e milhares de modificações urbanas ocorreram (virtualmente nenhuma foi promovida por engenheiros ou arquitetos) até transformar a cidadela num verdadeiro monolito de alvenaria. Corredores labirínticos (antigas ruas e vielas) percorriam a massa de prédios, muitas vezes saindo do nível do chão e entrando dentro dos prédios em andares superiores.
Havia duas únicas regras construtivas: a eletricidade tinha que ser instalada em todos os locais, para evitar incêndios, e os prédios tinham que ter 14 andares, em razão da proximidade de um aeroporto. Apenas oito canos de água eram providenciados pela prefeitura. O restante possivelmente vinha de poços internos.
No início da década de 80, a Cidadela Proibida de Kowloon tinha cerca de 35.000 habitantes, com uma estatística de crimes muito abaixo daquela da cidade de Hong Kong propriamente dita, a despeito da inexistência de qualquer repressão legal formal.
A Cidadela era também conhecida pelo seu enorme número de dentistas clandestinos e sem licença, pois ali era o único local possível em que poderiam operar sem perseguição oficial.
Em algum momento, os governos chinês e inglês chegaram í conclusão de que era demais manter aquela massa urbana anárquica de pé, a despeito da baixa criminalidade. Se o Mercado Negro regional tinha uma localização precisa, era a Cidadela. As condições sanitárias, ao que consta, também não eram das melhores.
Em uma declaração conjunta de 1984, a China autorizou as autoridades britânicas a demolir a Cidadela e realojar seus habitantes. A decisão foi executada apenas em 1993. Um parque municipal foi erguido em seu lugar.
Era o fim de ä¹Âé¾Â城寨, Hak Nam, a Cidade da Sombra, a velha Cidadela Proibida de Kowloon.
Sua história lança profundas reflexões sobre os ajuntamentos humanos e o urbanismo. Curioso perceber que após o fim das Tríades, a cidade funcionou por décadas sem ordem estabelecida e uma relativa anarquia, com taxas muito baixas de violência e uma economia interna muito bem estabelecida. Sinal de que as coisas, apesar de tudo, tendem invariavelmente í Ordem? Mesmo que tenham a aparência do mais legítimo Caos?
Cartografia da Cidadela de Kowloon
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Em tempo: A palavra ‘Kowloon’ significa ‘Nove Dragões’ e representa os oito morros circundantes de Hong Kong, sendo que o Imperador Chinês representa o nono ‘dragão’.
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Informações Adicionais:
http://en.wikipedia.org/wiki/Kowloon_Walled_City
http://www.arch.columbia.edu/gsap/21536
http://en.wikipedia.org/wiki/History_of_Hong_Kong