simulacros e a lenda do homem que veio de bicicleta até salvador

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estamos aqui em Salvador, conversando bastante entre sombras, luzes e variáveis diversas buscando refluxos de entendimentos nessas buscas ao redor. Documentando para(?em?entre?após?outrapreposiçao?) um mundo que desesperadamente quer ver-se através de imagens, mas fazendo isto sobretudo por uma extensão das vizinhanças e tentando transpirar tentativas. (a pé, motorizado ou de bicicleta – caia na estrada e perigas ver )

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um dos videos que estamos fazendo é uma entrevista com nóis mesmos. contando o porque decidimos NÃO filmar (mesmo com a camera na mochila em mãos) um inspirador flautista que tocava no ônibus até aqui. pajé citou walter benjamin (conhecido por aqui como waltão bijuca) ao dizer que – “a fotografia rouba almas”. ainda temos nossos testemunhos. foi real.

e enquanto isso no outro lado:

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10 comments

  1. Minhas experiÃ?ªncias ciclÃ?­sticas iniciaram bem cedo, eu ainda me lembro quando tirei minhas rodinhas de apoio na areia de SÃ?£o Vicente/SP, pensando que o meu pai ainda estava me segurando pedalei com seguranÃ?§a por um momento, mas quando virei, dando pela sua ausÃ?ªncia, fui ao chÃ?£o…

    Mas o tempo passou e conheci Hevandro Gonsalves no encontro nacional de Comunidades Alternativas em 1999 e combinamos de pedalar at�© o Rio de Janeiro, onde seria realizado o pr�³ximo encontro, alguns meses depois a Equipe cresceu com a chegada de Claudia Ponestick, e proporcionalmente cresceu a dist�¢ncia, fomos convidados a participar do Festival de Cultura Alternativa em Arembepe/BA, com pouca experi�ªncia, nenhum patroc�­nio e muita garra, partimos em dire�§�£o �  Bahia, foram 45 dias entre o c�©u e o asfalto, tudo ocorreu da melhor forma poss�­vel, e concluindo nossa viagem de 2.700km de forma transcendental, com uma grandiosa chegada na Aldeia Hippie de Arembepe, em janeiro de 2000 assistindo a semana de Shows na primeira fila e aquele eclipse total da lua cheia que ocorreu no in�­cio de 2000. Ap�³s o final do festival ficamos na aldeia mais uma semana, e no dia que iria partir tive duas surpresas, tinha sido aprovado no vestibular da EMBAP, e a bicicleta que meu irm�£o me emprestou para fazer essa viagem tinha sido roubada, n�£o tendo dinheiro nem bicicleta n�£o restou mais nada a fazer, foi o meu av�´ que me acolheu por 2 semanas em Ponta Verde, bairro beira mar daquela cidade fant�¡stica que �© Macei�³/AL.

    No ano de 2000, trabalhei e comprei uma bike, a vontade de partir comeÃ?§ou a crescer. Elaborei um projeto e levei nas empresas tentando viabilizar um patrocÃ?­nio para uma aventura, que foi batizada de Meridiano 50, uma viagem ousada pelo interior do Brasil cortando-o longitudinalmente, partindo do TrÃ?³pico de CapricÃ?³rnio alcanÃ?§ando em 50 dias a Linha do Equador em MacapÃ?¡/AP rodando 3.500km em minha primeira “Aventura Solo”.

    Confesso que a partida foi difÃ?­cil, existe uma certa pressÃ?£o para vocÃ?ª ir, mas ao mesmo tempo Ã?© difÃ?­cil partir sozinho. Na manhÃ?£ de 29 de dezembro de 2000, sem acordar ninguÃ?©m iniciei minha viagem, carregava comigo um alforje que tinha uns 30 quilos de equipamento: panela, roupas, material de pintura, remendo de pneu, algumas ferramentas, uma barraca e um saco de dormir, tendo um apoio da Ticcolor que englobava o gasto em material fotogrÃ?¡fico: 14 filmes mais a revelaÃ?§Ã?£o garantida, tambÃ?©m contando com um patrocÃ?­nio de $50 reais que o meu colega da Faculdade Edson “tako” me patrocinou, e a certeza que tudo o iria dar certo.

  2. Fiz o primeiro dia deixando Curitiba para trÃ?¡s, pedalando empolgado demais atÃ?© Ponta Grossa 150 km, aprendi que a minha mÃ?©dia ideal era de 100km diÃ?¡rios, acordava as 6:00 da manhÃ?£, mais tarde tomava um cafÃ?© em alguma padaria. Nos estados do Norte com 50 centavos Ã?© possÃ?­vel se esbanjar, cada pÃ?£o de queijo… lÃ?­ngua de sogra, rosca assada ou frita Ã?© tudo 10 centavos o cafÃ?© era sempre gratuito, concluÃ?­a dois terÃ?§os da viagem pela manhÃ?£, meio-dia eu parava em algum posto de Gasolina ou Restaurante, jÃ?¡ procurando uma boa sombra para o “sagrado cochilo”, deixava minha bicicleta na porta do estabelecimento descansava por uns 15 minutos, antes de entrar e explicar minha situaÃ?§Ã?£o para o gerente:
    – Bom Dia, eu estou vindo de Curitiba de bicicleta e quero chegar atÃ?© o Norte, eu tenho pouco dinheiro, e gostaria de saber se o Sr. pode me dar um almoÃ?§o.
    Na maioria das vezes eu ouvia:
    – Senta aÃ?­, sirva-se Ã?  vontade, vai querer Ã?¡gua, suco ou refrigerante.

    NÃ?£o podia exagerar na quantidade, indo Ã?¡ forra, sofreria mais tarde o estÃ?´mago trabalhando ao mesmo tempo que minhas pernas, entÃ?£o dava um belo cochilo de duas horas marcas no relÃ?³gio, e quando o sol e a comida estivesse baixado pegava a estrada, atÃ?© o pÃ?´r do sol e o inÃ?­cio da noite, as vezes por mais 20 quilÃ?´metros na escuridÃ?£o para alcanÃ?§ar algum lugar seguro para pousar, e nunca acampando na beira da estrada. Geralmente dormia nos Postos de gasolina, onde tinha uma total infra-estrutura, banho, tanque para lavar a roupa e lanchonete, onde eu pedia uma marmita ou fazia um mingau de aveia com bolachas. As vezes eu chegava numa cidade e ficava dando um “tempo para sorte”, esperava algo acontecer, na maioria das vezes conhecia alguÃ?©m que me convidava para pousar em sua casa conhecendo a famÃ?­lia, conquistando a amizade e no dia seguinte quando estÃ?¡vamos muito Ã?  vontade chegava a hora de partir.

    Na viagem o meu peso variou de 64kilos no in�­cio para 56kilos no meio do percurso e se estabelecendo posteriormente em 61kilos. Em nem um momento da viagem passei fome, em trajetos de 70km sem civiliza�§�£o eu carregava alguns alimentos de f�¡cil preparo como arroz integral e aveia, tamb�©m carregava bolacha recheada (juro que �© o meu �ºnico v�­cio), queijo, goiabada e doce de leite; fui sendo presenteado pela viagem principalmente no Tri�¢ngulo Mineiro. Havia algumas cidades onde se produziam frutas em grandes quantidades, mas de um s�³ tipo, parecia que era a conjun�§�£o ideal de elementos na terra e clima que faziam as frutas serem de tamanha qualidade, nesses lugares frutas n�£o faltavam. Existia tamb�©m muita variedade, muitas frutas regionais como o buriti, jaca, caj�¡, acerola, seriguela e as v�¡rias esp�©cies de manga. Os temperos e acompanhamentos que enriqueciam o feij�£o eram outra maravilha.

  3. CinqÃ?¼enta e trÃ?ªs dias entre o cÃ?©u e o asfalto, rodovias tÃ?£o compridas que levavam ao cÃ?©u, cortavam montanhas, atravessavam rios caudalosos e algumas se assemelhavam a um grande rally. Muita vida havia nas estradas, revoadas de tucanos, araras-azuis, periquitos e anÃ?ºs; FalcÃ?µes e grandes aves de rapina sempre voavam em casal; Tatus, lobos, lagartos, cavalos, eram freqÃ?¼entemente atropelados, mas quando se avistava de longe um grande animal peludo na estrada, batia uma tristeza, ao se aproximar, se tinha certeza que era mesmo um tamanduÃ?¡ – bandeira, do tamanho da minha bicicleta, com garras maiores que meu dedo, tinham hÃ?¡bitos noturnos e eram lentos demais, havia tambÃ?©m os tamanduÃ?¡s mirins que cheguei a contar 4 por quilÃ?´metro em Tocantins. Uma vez quando pelava numa estrada que cortava uma mata fechada, encontrei um mico fÃ?ªmea, com um ferimento leve, ele estava no meio da estrada desacordado, entÃ?£o trouxe-a para a margem e dei um pouco de Ã?¡gua, logo sua pupila se dilatou e ela correu para a mata.

    Os Federais, como s�£o chamados os andarilhos, est�£o por todo o lugar, e formam um verdadeiro povo caminhante, que cruzam o Brasil com a sua Boroca (bolsa) ou seu papo de ema (esp�©cie de saco com al�§a), levando sempre sua cascuda (vasilha) para acondicionar a comida que ganham. Eles tem um vocabul�¡rio pr�³prio, e dizem que tem propriedades, fam�­lia mas escolheram este jeito de viver, conseguem dinheiro pedindo para os caminhoneiros e igrejas, costumam beber e vivem �  girar. Cavaleiros montados sobre rodas, s�£o como lendas vivas, sempre se ouve est�³rias de aventureiros que foram vistos ou passaram por lugares, mesmo �¡ dois ou mais anos atr�¡s, ainda s�£o lembrados. Pessoas se identificam com estes seres que procuram a liberdade e a imensid�£o como os garimpeiros. Elas tamb�©m sempre contam est�³rias de suas viagens, mostrando o quanto s�£o aventureiras. As vezes eu era presenteado com: livros, bon�©s, chap�©us, dinheiro, an�©is, colares, incenso, pomadas e camisetas como se quisessem viajar comigo, estando presente em toda a minha jornada.

    Recebi muito apoio no caminho, nos jornais eu era entrevistado e podia explicar minha viagem direito, nas rÃ?¡dios locais me entrevistavam ao vivo, nas prefeituras conseguiam almoÃ?§o e as vezes pouso, quando eu era entrevistado pelas Tv’s regionais as pessoas vinham apertar a minha mÃ?£o e tiravam foto junto comigo, aÃ?­ eu tinha meus minutos de fama.

    Um dia enquanto eu estava tomando um farto desjejum numa manhÃ?£ em um hotel 3 estrelas (fiquei em hotel umas 4 vezes, que foram bancados por pessoas da mÃ?­dia) eu pensei: …O que eu estava fazendo era algo parecido com um trabalho de risco, passava o dia todo transpondo horizontes em compridos tapetes negros, alguns trechos em estado totalmente precÃ?¡rio, disputando lugar com mÃ?¡quinas movidas a diesel bufando fumaÃ?§a preta e pesando mais de 60 toneladas com 10 rodas que se soltam pelo caminho, exigia uma total atenÃ?§Ã?£o qualquer imprudÃ?ªncia seria fatal. Mas o trabalho arriscado tinha a sua compensaÃ?§Ã?£o. Onde eu chegava era rodeado por curiosos que lanÃ?§avam perguntas uma em cima da outra: se era uma promessa, uma competiÃ?§Ã?£o, quantos pneus havia gasto, quantos jÃ?¡ furados, quantos quilÃ?´metros havia andado, se eu me comunicava com minha famÃ?­lia, o que minha mÃ?£e dizia disto e se eu nÃ?£o tinha medo.

  4. Da�­ eu dizia:
    – Medo do que minha senhora?
    – Ah, medo de tanta coisa que a gente vÃ?ª na televisÃ?£o.
    – As coisas que aparecem na TV sÃ?£o na maioria noticias ruins. Existe muita gente boa nesse mundo, uma pequena parte Ã?© que nÃ?£o presta.

    Eu ia levando a esperan�§a para essa gente, mostrando que as coisas n�£o est�£o t�£o ruins como pareciam, e que a coragem para fazer isso est�¡ dentro de cada um. N�£o precisa viajar de bicicleta para ser corajoso.

    Algo que marcou essa viagem foi a diversidade, as culturas que sÃ?£o riquÃ?­ssimas, a vegetaÃ?§Ã?£o que foi se transformando, e com isso os seres que habitavam as matas foram mudando no decorrer da viagem. Entendendo que a grande funÃ?§Ã?£o do cicloturismo Ã?© proporcionar a transiÃ?§Ã?£o entre culturas, numa velocidade em que se possa compreender. Eu fiz uma viagem para fora do meu horizonte, mas ao mesmo tempo mergulhei no meu interior, descobrindo a minha relaÃ?§Ã?£o com o planeta, o tamanho da minha casa, o meu relacionamento com as pessoas (que sÃ?£o como irmÃ?£os), o meu limite fÃ?­sico e a forÃ?§a do meu instinto de sobrevivÃ?ªncia. NÃ?£o fiquei sozinho no meio das pessoas, mas senti a solidÃ?£o na estrada. Tive momentos de tremenda alegria e um sentimento raro de amplidÃ?£o misturado com liberdade. Descobri que isso me faz muito bem…

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