” (…) O problema tem a ver com o fato de que as “verdades” da moderna visão científica do mundo, embora possam ser demonstradas em fórmulas maetmáticas e comprovadas pela tecnologia, já não se prestam í expressão normal da fala e do raciocínio. Quem quer que procure falar conceitual e coerentemente dessas “verdades”, emitirá frases em que serão “talvez não tão desprovidas de significado como um “círculo triangular”, mas muito mais absurdas que “um leão alado” (Erwin Schrí¶dinger). Ainda não sabemos se esta situação é definitiva; mas pode vir a suceder que nós, criaturas humanas que nos pusemos a agir como habitantes do universo, jamais cheguemos a compreender, isto é, a pensar e a falar sobre aquilo que, no entanto, somos capazes de fazer. Nete caso, seria como se nosso cérebro, condição material e física do pensamento, não pudesse acompanhar o que fazemos, de modo que, de agora em diante, necessitaríamos realmente de máquinas que pensassem e falassem por nós. Se realmente for comprovado esse divórcio definitivo entre o conhecimento (no sentido moderno de know how) e o pensamento, então passaremos, sem dúvida, í condição de escravos indefesos, não tanto de nossas máquinas quanto de nosso know-how, criaturas desprovidas de raciocínio, í mercê de qualquer engenhoca tecnicamente possível, por mais mortífera que seja”.
ARENDT, Hannah. A condição humana. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007. p.11