Textos inauditos do Chargista e Cartunista Solda no Evento Polavra
no Sesc da Esquina, dia 02/09 em Desafiatlux
Livre-se!
(Informações de cocheira sobre a nossa ração cultural diária)
O HOMEM DE TÚNICA, de Josias Crátilo de Souza; Editora Críton; 239 páginas que dão a impressão de 600; 10 cruzeiros.
Na Universidade de Mexelin, onde morreu de febre amarela
(bonita cor) em 1956, ele costumava dar longos passeios trajando uma túnica amarrotada com a inscrição: “A Arte proporciona í Ciência o meio para se conhecer uma rã no escuro” bordada no peito.
E não passou disso. A existência marcada pela fatalidade possibilitou í Josias Crátilo uma narrativa coerente e desigual, raramente encontrada em escritores canhotos, solteiros ou macrobióticos.
Em seu primeiro livro, “Desdiálogos”, ele achava Platão horrível, a começar pelas espáduas.
E afirmava categoricamente: “A idéia de uma república nova, governada por filósofos, em Siracusa, não partiu de Platão, e sim de um escravo subnutrido que queria trabalhar na cozinha, com o intuito de poder matar aquilo que o estava matando, ou seja, a fome”.
Em “O Homem de Túnica”, novas investidas contra o filósofo: “Sabemos perfeitamente que Platão nasceu de uma família nobre e ilustre. Ora, com todo esse empoamento social, como poderiam ter-lhe dado, quando garoto, o apelido de Platinha”? “Platinha”, sinceramente, senhores!”
Este livro nada acrescenta í curta carreira de Josias, muito mais seguro e maledicente em “Duro de Cintura”, onde narra a tragédia que envolve os camarões com mau hálito nas ilhas do Pacífico. No fim da vida, como se pode notar, Josias nutria pela literatura um amor simplesmente platônico.
A MíQUINA DESCALÇA, de J. Forbes; Editora Ptolomeu; 226 páginas frente e verso; 226 cruzeiros (1 por página); capa grátis.
Uma holandesa é raptada por seres extraterrestres e levada ao planeta 662 – ramal 23, onde permanece 132 anos como prisioneira das potentes máquinas pensantes que habitam o misterioso corpo celeste, do tamanho de uma laranja sem sementes.
Como prisioneira dos estranhos seres, a holandesa não diz uma só palavra e, até que as máquinas cheguem í uma conclusão, permanece sentada sobre um exemplar da revista “GutGut”, distribuída nos banheiros públicos de Londres.
Quando finalmente resolve abrir a boca e dizer algo, uma das máquinas, semelhante í uma lavadora automática cheia de roupas sujas, lhe desfere um pontapé no traseiro, ato imediatamente revidado pela holandesa, que fica com o pé inchado durante o resto de sua permanência naquele planeta.
Devolvida í Terra, ela é encontrada por um povo extremamente desenvolvido, recebendo sessões diárias de acupuntura até que, lendo o jornal de domingo, encontra um emprego de peneira e foge de tudo.
A narrativa forte de J. Forbes evoca Isac Asimov da fase azul, com exceção da parte em que a holandesa sobe as escadas em direção ao WC da Diretoria. Para os leitores da moderna ficção científica com problemas no trato urogenital, um livro perfeito.
CICUTA SEM GELO, de José Parmênides de Eléia; Editora Priori; oitocentas e tantas páginas, uma mais enfadonha que a outra.
O autor não é, seguramente, pela Ética Tomista. Esta, baseada na finalidade metafísica, supõe que todos os seres têm um fim prefixado.
Neste livro, José Parmênides contraria toda uma filosofia iniciada em “Raios Catódicos”, polêmico e fundamental para a carreira do volúvel mineiro, que, aos 97 anos, é considerado um dos baluartes do “orelhismo”, movimento banido da Semana de 22 por não ter pé nem cabeça.
Na página 346, Parmênides nega tudo o que disse antes ao propor que “para se chegar a um determinado fim, é preciso passar pela metade, assim, um outro fim foi atingido, não o fim final, mas o fim começo” ou “o cume da escolástica é muito mais alto do que se imagina”.
Se os orelhistas atuais não estivessem tão euforicamente encurralados, teriam em Parmênides um colaborador de grande vulto, principalmente depois que, encarado pela intelectualidade pós-guerra, ele virou o rosto e escreveu “Moldando Baquelite”, oferecido í s duas irmãs numa dedicatória simples e fulminante: “à Dulcinéia e í Rutinéia, sem as quais eu não continuaria na boléia”.
Permênides sempre teve na baderna uma arma contra a imensa seriedade peculiar de seus contemporâneos.
Olhar os lírios da estante, para ele, sempre foi uma discussão linguística, mas “Cicuta Sem Gelo” dificilmente será aquilo que todos esperam de um livro de Parmênides, contraditório do começo ao fim, em todas as páginas.
A mais cara das contradições, que deve custar ao autor o esquecimento por muito tempo, está na tonalidade discursiva, demonstrando talento e habilidade ao folhear o palavreado, mas deixando para trás o motivo inicial do livro, isto é, a finalidade dialética pura de encontrar a verdade.
E ela estava debaixo do tapete
VIDA, de Carmem Nunes Taciano; Editora Bodelér; 123 páginas; 100 cruzeiros, com direito a devolução.
A poesia morreu?
Não, segundo Carmem Nunes Taciano, que estréia com este “Vida” cheio de lirismo, contrastando com uma realidade dura e melancólica, embora um pouco trôpego e com erros de revisão.
A autora inspira confiança nas idéias, desde o poema “Linotipista Míope”, que abre o livro e nos entrega í s meditações, até “Ode ao Transístor”, de uma agressividade ímpar, devolvendo ao leitor a raiva comovente da tragédia de Romeu e Julieta, os amantes de Verona, separados e ao mesmo tempo eternamente unidos pela rivalidade das famílias.
Os tropeços de “Vida” são insignificantes perante a habilidade da autora ao abordar temas perigosos, como a patética, porém romântica, aventura da moçoila que perde a virgindade num pife demorado.
Carmem Nunes Taciano garantiu com este “Vida” seu lugar na estante poética brasileira.
Os pecados da revisão, como por exemplo, na página 45, onde se lê: “Sede, gengibirra, lobo!”(Vêde, como gira o globo!) refletem o amadorismo da editora, prejudicando tão brilhante autora em seu livro inicial, mostrando as preocupações de uma jovem com os problemas do tio aposentado.
OS PIGMEUS, OS PIGTEUS, de Rolando Siqueira; Editora Ananás; 146 páginas de rolar de rir; vinte e tantos cruzeiros.
Em Borboréia, onde reside, ele é chamado carinhosamente pela população de “Dez Merréis”, apelido adquirido quando ainda era proprietário do único boteco da cidade, o saudoso “Arrebentou a Mi”, ponto de encontro de boêmios e seresteiros da cidade. E foi com essa vivência musical que Rolando Siqueira aprendeu a contar piadas, fazer trocadilhos e nunca mais tocar no assunto, conforme o prefácio de Igor Cabeça de Vodka, “Lo Borracho”. A leitura de “Os Pigmeus, os Pigteus” nos mostra um humorista maduro, caindo pelas tabelas, soltando foguetes pelo fim da censura prévia, apesar dos trocadilhos infames e exagerados.
Os dramas de um dono de boteco, nariz vermelho, em eterna discussão com uma esposa cheirando a bolinho-da-graxa, que lhe exige fidelidade até no truco, narrados com esperteza e linguagem inovadora, fazem deste volume um livro indispensável a todos os paus dââ?¬â?¢água que tomam mais de quatro ââ?¬Ë?saideiras”.
Ou, como no trocadilho de Rolando Siqueira: “o mundo inteiro não vale o meu bar”.