TURBAlacaTURBA turba TÁ!

Num estado de crise social, indiví­duos assustados se arrebanham e se tornam uma turba – e “a turba, por definição, procura a ação, mas não pode produzir efeito sobre as causas naturais [da crise]. Assim sendo, busca uma causa acessí­vel que possa aplacar o seu apetite por violência.”O restante é muito confuso, mas fácil de imaginar e compreender : “No intuito de culpar as ví­timas pela perda de distinções resultantes da crise, elas. são acusadas de crimes que eliminam as distinções. Mas na verdade são identificadas como ví­timas a perseguir porque portam a marca de ví­timas.”64

judeu bauman

turbalacaturba turba tá (8x)
Quando o relógio bate í  uma
Todas caveiras saem da turba
turbalacaturba turba tá (2x)
Quando o relógio bate í s duas
Todas caveiras pintam as unha (sic)
turbalacaturba turba tá (2x)
Quando o relógio bate í s três
Todas caveiras imitam chinês
turbalacaturba turba tá (6x)
Quando o relógio bate í s quatro
Todas caveiras tiram retrato
turbalacaturba turba tá (2x)
Quando o relógio bate í s cinco
Todas caveiras apertam o cinto
turbalacaturba turba tá (2x)
Quando o relógio bate í s seis
Todas caveiras jogam xadrez
turbalacaturba turba tá (4x)
agora é sua vez (2x)
agora vocês
Quando o relógio bate í s sete
Todas caveiras imitam a Gretchen
turbalacaturba turba tá (6x)
Uh uh! (6x)
Quando o relógio bate í s oito
Todas caveiras comem biscoito
turbalacaturba turba tá (2x)
Quando o relógio bate í s nove
Todas caveiras vestem um short
turbalacaturba turba tá (2x)
Quando o relógio bate í s dez
Todas caveiras comem pastéis
turbalacaturba turba tá (2x)
Quando o relógio bate í s onze
Todas caveiras se esconde (sic)
turbalacaturba turba tá (2x)
Quando o relógio bate í s doze
Todas caveiras voltam pra tuuuuuuumba
turbalacaturba turba tá (16x)

A crise do trabalho abstrato*

2013.jpg
John Holloway**

“este ponto (o duplo caráter do trabalho representado pelas mercadorias) é o eixo em torno do qual gira a compreensão da economia polí­tica” (Marx, O capital I, p. 9)

1.
O duplo caráter do trabalho é a chave para entender o desenvolvimento atual da luta de classes.

2.
a) Nos Manuscritos de 1844, o jovem Marx faz uma distinção entre o trabalho alienado e a atividade vital consciente. No capitalismo, a atividade vital consciente, o que nos distingue dos animais, existe na forma de trabalho alienado.

b) Em O Capital, Marx distingue entre o trabalho abstrato e o trabalho útil (ou concreto). O trabalho útil produz valores de uso e existe em qualquer sociedade, mas no capitalismo existe na forma de trabalho abstrato, trabalho abstraí­do de suas especificidades, trabalho que produz valor. A distinção entre trabalho abstrato e trabalho útil é essencialmente a mesma que a distinção prévia entre trabalho alienado e atividade vital consciente. O trabalho útil é atividade ou fazer humano criativo-produtivo, seja qual for a sociedade onde se desenvolve, e o trabalho abstrato é um trabalho não auto-determinante no qual toda distinção qualitativa se reduz a quantidade. Para enfatizar a distinção (e porque a constituição de “trabalho” como algo separado do fluxo geral do fazer é resultado de sua abstração) falaremos de “fazer útil” em lugar de “trabalho útil”.

c) A dicotomia entre trabalho abstrato e fazer útil é um tema central nââ?¬â?¢O capital. O duplo caráter do trabalho cria o duplo caráter da mercadoria como valor de uso e valor; estrutura a discussão do processo de trabalho (como processo de trabalho e processo de produzir mais-valia) e do processo coletivo de trabalho (como cooperação por um lado e divisão do trabalho, manufatura, maquinaria e indústria moderna por outro). O trabalho abstrato se desenvolve como trabalho assalariado que produz valor e capital. O fazer útil se desdobra na categoria da “força produtiva do trabalho social” (O capital I, p. 265) ou, mais concisamente, as “forças de produção”.

3.
A relação entre o trabalho abstrato e o fazer útil é uma relação antagônica. O fazer útil existe no-contra-e-mais-além do trabalho abstrato. Todos estamos conscientes do modo pelo qual o fazer útil existe no trabalho abstrato, do modo pelo qual nossa atividade diária está subordinada í s exigências do trabalho abstrato (ao processo de fazer dinheiro, em outras palavras). Experimentamos isso também como processo antagônico: como antagonismo entre nosso impulso para a autodeterminação de nosso fazer (fazendo o que queremos fazer) e a necessidade de fazer o que temos que fazer para ganhar dinheiro. A existência do fazer contra o trabalho abstrato se experimenta como frustração. O fazer útil existe também mais além de sua forma como trabalho abstrato naqueles momentos ou espaços nos quais logramos, individual ou coletivamente, fazer o que nós consideramos necessário ou desejável. Ainda que o trabalho abstrato subordine e contenha o fazer útil, nunca logra subsumi-lo totalmente. A abstração do fazer para convertê-lo em trabalho não é algo que se acaba nos alvores do capitalismo, mas um processo constantemente renovado.

4.
Portanto, há dois ní­veis de antagonismo estrutural no capitalismo. Primeiro está o antagonismo que Marx chama de “o eixo em torno ao qual gira a compreensão da economia polí­tica”: o antagonismo entre o fazer útil e o trabalho abstrato. Mas também existe um segundo antagonismo. O trabalho abstrato produz não somente valor, mas mais-valia, e esta mais-valia se acumula como capital. A acumulação se realiza através da exploração constante do trabalho abstrato (ou assalariado), e assim se pode falar de um segundo antagonismo, o antagonismo entre capital e trabalho assalariado. Este segundo antagonismo depende da conversão prévia do fazer útil em trabalho abstrato.

Existem assim dois ní­veis de luta de classes. Primeiro a luta do fazer útil contra a sua própria abstração, quer dizer, contra o trabalho abstrato: esta é uma luta contra o trabalho (e portanto contra o capital, já que é o trabalho que cria o capital). Em seguida existe a luta do trabalho abstrato contra o capital: esta é a luta do trabalho. Esta última é a luta do movimento operário; a primeira é a luta do que í s vezes se chama o outro movimento operário, mas não se restringe em nenhum sentido ao lugar de trabalho: a luta contra o trabalho é a luta contra a constituição do trabalho como atividade separada do fluxo geral do fazer.

5.
Os dois tipos de luta são lutas contra o capital, mas têm conseqüências muito distintas. Ao menos até pouco tempo atrás, a luta contra o capital foi dominada pelo trabalho abstrato. Isto significou uma luta marcada por formas burocráticas de organização e idéias fetichizadas.

a) A organização do trabalho abstrato está centrada no sindicato que luta pelos interesses do trabalho assalariado. A luta sindical é entendida normalmente como luta econômica que necessita ser complementada pela luta polí­tica, organizada tipicamente na forma de partidos polí­ticos orientados em direção ao Estado. As concepções “reformistas” e “revolucionárias” do movimento operário compartilham o mesmo enfoque. A organização do trabalho abstrato é tipicamente hierárquica, e isto tende a reproduzir-se dentro das organizações do movimento operário.

b) A abstração do trabalho é a fonte do que Marx chama de “fetichismo da mercadoria”, um processo de separação entre o que criamos e o processo de criação. O criado, ao invés de entender-se como parte do processo de criação, é entendido como uma série de coisas q eu logo dominam nosso fazer e nosso pensar. As relações sociais (relações entre pessoas) se fetichizam ou se reificam. A centralidade de nosso fazer é substituí­da por nosso fazer e pensar por “coisas” (relações sociais coisificadas) como dinheiro, Estado, capital, universidade, etc. O movimento operário (como movimento do trabalho abstrato) aceita normalmente estas coisas como dadas. Assim, por exemplo, o movimento operário tende a aceitar a auto-apresentação do Estado como organizador da sociedade (ao invés de vê-lo como momento da abstração do trabalho). A abstração do trabalho conduz a um conceito estadocêntrico da mudança social. O movimento do trabalho abstrato fica preso em uma prisão conceitual e organizativa que efetivamente sufoca qualquer aspiração revolucionária.

c) O marxismo ortodoxo é a teoria do movimento operário baseado no trabalho abstrato. Por isso está quase totalmente cego para a questão do fetichismo e para o duplo caráter do trabalho (apesar do fato de que Marx insistiu que este ponto é o eixo em torno do qual gira a compreensão da economia polí­tica).

6.
O movimento do fazer útil contra o trabalho abstrato sempre existiu como corrente subterrânea e subversiva no-contra-e-mais-além do movimento operário. Já que o fazer útil é simplesmente a riqueza enorme da criatividade humana, o movimento tende a ser algo caótico e fragmentado, um movimento de movimentos lutando por um mundo de muitos mundos. A partir desta perspectiva é fácil cair na idéia de que estas lutas não têm conexão, que são as lutas de tantas identidades distintas, que se trata de uma luta de e pelas diferenças. Entretanto, não se trata disso. Ainda que o fazer útil-criativo tenha um potencial infinitamente rico, existe sempre no-contra-e-mais-além de um inimigo comum, a abstração do fazer em trabalho. Por isto é importante pensar em contradição, e não simplesmente em diferença. É a luta da criatividade humana (nosso poder-fazer, a “força produtiva do trabalho social”) contra a sua própria abstração, contra sua redução í  cinzenta produção de valor-dinheiro-capital. O marxismo heterodoxo e a teoria crí­tica têm como eixo central a crí­tica do domí­nio do trabalho abstrato e dos conceitos que derivam deste domí­nio. Já que o movimento do fazer útil é o impulso para a criatividade socialmente autodeterminante, suas formas de organização são tipicamente anti-verticais e orientadas para a participação ativa de todos. Esta é a tradição conselhista ou assembleí­sta que sempre se opôs í  tradição estadocêntrica e partidocêntrica dentro do movimento anticapitalista.

7.
O trabalho abstrato está em crise. Nós (o fazer útil-criativo) somos esta crise.

a) O fazer útil é a crise permanente do trabalho abstrato. A existência do capital é uma luta constante para conter o fazer dentro do trabalho abstrato, mas o fazer sempre transborda.

b) Existe agora uma crise do trabalho abstrato em um sentido agudo.

A crise está vinculada com a crise do fordismo, uma forma especialmente intensa da abstração do trabalho. A crise do fordismo é o fracasso da abstração do faze em trabalho.

As manifestações da crise são evidentes: o declive do movimento sindical em todo o mundo; o enfraquecimento dos partidos social-democratas; o colapso da União Soviética e dos outros “paí­ses comunistas” e a integração da China no capitalismo mundial; a derrota dos movimentos de liberação nacional na América Latina e na ífrica; a crise do marxismo não somente dentro das universidades, mas como teoria da luta.

Tudo isto se entende muitas vezes como uma derrota histórica da classe trabalhadora. Mas talvez se devesse ver mais como uma derrota para o movimento operário, para o movimento baseado no trabalho abstrato, uma derrota para a luta do trabalho contra o capital e possivelmente uma abertura para a luta do fazer contra o trabalho. Se é assim, então não é uma derrota para a luta de classes, mas um deslocamento para um ní­vel mais profundo da luta de classes. A luta do trabalho está sendo substituí­da pela luta contra-e-mais-além do trabalho.

A crise do trabalho abstrato pode ser vista em termos do marxismo clássico como a revolta das forças de produção contra as relações de produção. Mas devem-se entender as forças de produção não como coisas, como tecnologia, mas como a “força produtiva do trabalho social”, como nosso poder-fazer social. E o modo pelo qual o nosso poder-fazer está rompendo “seu invólucro capitalista” (O capital I, p. 648) não é através da criação de unidades de produção cada vez maiores, mas através de milhões de fendas, espaços nos quais a gente está dizendo que não vão permitir que suas capacidades criativas se encerrem dentro do capital, mas que vão fazer o que a eles lhes parece necessário ou desejável.

c) A crise é uma intensificação da luta. A luta do capital para re-impor a abstração do trabalho pode ser entendida como neoliberalismo, pós-fordismo, pós-modernismo, mas a crise segue aberta. A luta contra o capital se debilita se seguimos pensando em termos das velhas categorias derivadas da luta do trabalho abstrato. A única forma de entender a luta anticapitalista agora é como a luta do fazer contra o trabalho.

8.
Perguntando caminhamos.

Referências

Marx, Carlos (1987), El Capital, Tomo I, Fondo de Cultura Económica, México D.F.

* Texto inédito preparatório para o III Colóquio Internacional de Teoria Crí­tica: A Crise do Trabalho Abstrato, Buenos Aires, Novembro/2007: www.herramienta.com.ar.

** Profesor-investigador, Instituto de Ciencias Sociales y Humanidades “Alfonso Vélez Pliego”, Benemérita Universidad Autónoma de Puebla.

NÃ?â??S SOMOS A CRISE DO TRABALHO ABSTRATO

escuela

por John Holloway

(Transcrição de palestra proferida em Roma, abril de 2006)

“Vozes de resistência: vozes alternativas”. Quais são as nossas vozes? Nossas vozes são as vozes da crise do trabalho abstrato. Nós somos a crise do trabalho abstrato. Nós somos o poder do fazer criativo.

Nós somos a crise. Não somos em primeiro lugar uma força positiva, mas negativa. O que nos traz aqui hoje não é algo positivo que temos em comum, mas o Não que todos compartilhamos. Não ao capitalismo, não a um mundo de violência e exploração, não a uma forma de organização social que está literalmente destruindo a humanidade, em todos os sentidos da palavra. Não a um mundo no qual o que fazemos é determinado por forças que não controlamos. áYa basta! Mas este áya basta!, esta recusa, não fica fora do capital, ela vai direto ao coração do capital, simplesmente porque o capital depende de nossos olhos, de nossa aceitação, de nossa concordância em trabalhar e criar valor, de nossa reprodução da obscenidade que nos rodeia. Nosso NÃO é um não com força, simplesmente porque a existência do capital depende do nosso dizer sim. Nosso NÃO é a crise endêmica do capital.

Nós somos NÃO, nós somos negatividade, nós somos a crise do capital. Mas somos mais do que isso. Nós somos a crise daquilo que produz o capital, a crise do trabalho abstrato, alienado. O trabalho abstrato produz o capital. De fato, o capital é a abstração do trabalho, o processo pelo qual a imensa riqueza da criatividade humana é controlada, contida, subordinada a serviço da expansão do valor. A abstração do trabalho reduz a cor intensa do fazer criativo í  cinzenta produção de valor, ao vazio da geração de dinheiro. No capitalismo, o fazer criativo (que Marx chamou de trabalho concreto ou útil) é sujeitado ao trabalho abstrato, existe na forma de trabalho, mas esta forma esconde uma constante tensão, um constante antagonismo entre conteúdo e forma, entre o fazer criativo e o trabalho abstrato: ele existe em constante rebelião contra o trabalho abstrato, como a crise latente do trabalho abstrato.

Aqui, então, está o núcleo da luta de classes: é a luta entre o fazer criativo e o trabalho abstrato. No passado era comum pensar na luta de classes como a luta entre capital e trabalho, entendendo trabalho como trabalho assalariado, trabalho abstrato, e a classe trabalhadora foi frequentemente definida como a classe dos trabalhadores assalariados. Mas isto é totalmente equivocado. O trabalho assalariado e o capital complementam um ao outro, o trabalho assalariado é um momento do capital. Há de fato um conflito entre o trabalho assalariado e o capital, mas este é um conflito relativamente superficial. Trata-se de um conflito em torno de salários, duração da jornada de trabalho, condições de trabalho: tudo isso é importante, mas pressupõe a existência do capital. A verdadeira ameaça ao capital não vem do trabalho abstrato, mas do trabalho útil ou fazer criativo, pois é o fazer criativo que se coloca em oposição radical ao capital, isto é, í  sua própria abstração. É o fazer criativo que diz “não, não faremos o que o capital ordena, faremos o que consideramos necessário ou desejável”.

Nós somos a crise do trabalho abstrato, nós somos a crise do movimento operário, do movimento construí­do sobre a luta do trabalho abstrato. Desde os primeiros tempos do capitalismo, o trabalho abstrato organizou a sua luta contra o capital, sua luta por melhores condições para o trabalho assalariado. No núcleo deste movimento está o movimento sindical, com sua luta por maiores salários e melhores condições. Na literatura clássica do marxismo ortodoxo, isto é visto como a luta econômica, que deve ser complementada pela luta polí­tica. A luta polí­tica é organizada em partidos, que têm a conquista do poder estatal como seu foco – seja através de meios parlamentares ou através da luta armada. O partido revolucionário clássico objetiva, é claro, ir além da perspectiva dos sindicatos e liderar uma revolução que abolirá o trabalho abstrato, assalariado, mas na realidade ele está (ou estava) preso no mundo do trabalho abstrato. O mundo do trabalho abstrato é um mundo de fetichismo, um mundo no qual as relações sociais existem como coisas. É um mundo habitado por dinheiro, capital, Estado, partidos, instituições, um mundo cheio de falsas estabilidades, um mundo de identidades. É um mundo de separação, no qual o polí­tico é separado do econômico, o público do privado, o futuro do presente, o sujeito do objeto, um mundo no qual o sujeito revolucionário é um eles (a classe trabalhadora, os camponeses), não um nós. O fetichismo é o mundo do movimento construí­do sobre a luta do trabalho assalariado, trabalho abstrato, e desse fetichismo não há saí­da: é um mundo que é opressivo e frustrante, e terrivelmente, terrivelmente chato. É também um mundo no qual a luta de classes é simétrica. A complementaridade do trabalho abstrato e do capital é refletida numa simetria básica entre a luta do trabalho abstrato e a luta do capital. Ambos transitam nas imediações do Estado e da luta pelo poder-sobre outros; ambos são hierárquicos; ambos buscam legitimidade agindo em nome de outros.

Nós somos a crise do trabalho abstrato e do movimento operário. Isto sempre foi verdade, mas o que é novo é que não somos mais a crise latente, mas a sua manifestação aberta e manifesta. O trabalho abstrato sempre foi a chave da dominação capitalista, ou seja, a conversão do fazer criativo em trabalho abstrato, e, com ela, a transformação dos criadores humanos em trabalhadores assalariados. O emprego, em outras palavras, sempre foi o núcleo do controle capitalista. As chamadas economias de pleno emprego do perí­odo pós-guerra foram talvez o ponto culminante do comando do trabalho abstrato e suas instituições – do qual o clássico movimento operário era parte central. Esta forma de dominação tem estado em crise aberta pelos últimos trinta anos, e nós somos esta crise, nosso NÃO, nossa recusa a aceitar a conversão de nossa criatividade em trabalho abstrato sem sentido, a conversão de nós mesmos em máquinas.

Mas e o neoliberalismo, e a guerra, e o império, e o biopoder, e as novas formas de controle social? Eles não superaram a crise e criaram uma nova base para o capitalismo? Não, não acho, e devemos ter muito cuidado em nossas teorizações para não transformar a crise em um novo paradigma, uma nova era de dominação, um novo império, simplesmente porque as positividades do pensamento paradigmático encarceram a nossa negatividade, fecham nossas perspectivas. É tarefa do capital criar um novo paradigma, não nossa. Nossa tarefa, tanto teórica quanto prática, é criar instabilidade, não estabilidade. O marxismo é uma teoria da crise, não das formas de dominação: não da força da dominação, mas de sua fragilidade. E há muitas, muitas indicações da fragilidade fundamental do capital neste momento: tanto sua crescente violência quanto sua contí­nua dependência da constante expansão de dí­vidas. Certamente há uma constante expansão e intensificação do trabalho abstrato: nós nas universidades, por exemplo, estamos muito conscientes da maneira pela qual o nosso trabalho está sendo sujeitado cada vez mais diretamente í s demandas do mercado. Mas ao mesmo tempo há uma deficiência crescente do trabalho abstrato para conter o impulso do fazer criativo dentro dos limites da produção de valor, dentro dos limites do mercado.

Esta é a crise do trabalho abstrato: a inabilidade do trabalho abstrato para conter a força do fazer criativo. O emprego sempre foi, e continua a ser (apesar da extensão da disciplina para a totalidade da “fábrica social”) a principal força disciplinadora do capitalismo, a principal forma de conter e reduzir nossa humanidade, nossa recusa-e-criação. A crise do emprego em todas as partes tanto intensifica a disciplina (na medida em que as pessoas competem por empregos) quanto a enfraquece, na medida em que ela falha no preenchimento da vida das pessoas: a precariedade do emprego é também a precariedade da abstração do trabalho. Cada vez mais as lutas de protesto contra o capitalismo vão além dos limites do movimento baseado no trabalho abstrato. Isto não significa que o velho movimento operário deixe de existir, ou que deixe de ser importante para o melhoramento das condições de vida, mas cada vez mais as lutas contra o capitalismo transbordam as estruturas e concepções deste movimento. Seja ou não seja usada explicitamente a categoria da classe, isto não é um abandono da luta de classes, mas uma intensificação da luta de classes, um ní­vel diferente de luta. Esta é uma luta que quebra a simetria que caracterizou a luta do trabalho abstrato, uma luta que é fundamentalmente assimétrica em relação í  luta do capital, e se rejubila com essa assimetria: fazer coisas de forma diferente, criar relações sociais diferentes, é um princí­pio norteador.

Nesta nova reconfiguração da luta de classes, nós somos o sujeito revolucionário. Nós? Quem somos nós? Nós somos o questionamento, um experimento, um grito, um desafio. Não precisamos de definição, rejeitamos toda definição, porque nós somos o poder anti-identitário do fazer criativo e recusamos toda definição. Nos chame de multidão se quiser, ou, melhor, nos chame de classe trabalhadora, mas qualquer tentativa de definição só faz sentido na medida em que nós quebramos a definição. Nós somos heterogêneos, dissonantes, somos a afirmação de nós mesmos, a recusa da determinação alheia de nossas vidas. Somos, portanto, a crí­tica da representação, a crí­tica da verticalidade e de toda forma de organização que toma responsabilidade por outras vidas separadas de nós. Escutem as vozes dos zapatistas, dos piqueteros da Argentina, dos í­ndios na Bolí­via, das pessoas nos centros sociais na Itália: o sujeito que eles usam todo o tempo para falar de sua luta é “nós”, e esta é uma categoria que carrega força real.

Nós somos femininos, nós mulheres e nós homens, porque a crise do trabalho abstrato é a crise da atividade e forma de luta dominada pelo masculino, e porque a nova luta de classes não tem a mesma composição de gênero da antiga.

Nós somos o rompimento do tempo, o disparo contra os relógios. O movimento do trabalho abstrato projeta a revolução no futuro, mas a nossa revolução só pode ser aqui e agora, porque nós estamos vivos aqui e agora, e no futuro estaremos mortos (ou imortais). Nós somos a intensidade do momento, a busca (a busca de Fausto, a busca de Bloch) pelo momento da realização absoluta. Somos a poesia da classe trabalhadora, a classe trabalhadora como poesia.

Nossa revolução, então, não pode ser entendida como a construção para um grande evento no futuro, mas somente como a criação aqui e agora de trincas ou fissuras ou rupturas na textura da dominação, espaços ou momentos nos quais dizemos claramente “não, não aceitaremos que o capital molde nossas vidas, faremos o que consideramos necessário e desejável”. Olhe ao redor, e podemos ver que estes espaços e momentos de recusa-e-criação existem em todos os lados, da Selva Lacandona í  recusa-e-criação momentânea de um evento como este. A revolução, a nossa revolução, só pode ser entendida como a expansão e multiplicação destas fissuras, estes lampejos de recusa-e-criação, estas erupções vulcânicas do fazer contra o trabalho.

Perguntado caminhamos. Preguntando caminamos.

Traduzido por Daniel Cunha
Tí­tulo original: John Holloway: We are the Crises of Abstract Labour
Versão original: http://www.defenestrator.org/?q=node/959
link original: http://www.fimdalinha.1br.net/

Somos 190 milhões

Somos agora no Brasil: 189.739.433 habitantes.
Somos agora no Mundo: 6.621.930.169 habitantes.

Fonte: IBGE (acesso í s 18:23 18/09/2007)

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O Brasil conta hoje com rede de proteção social que beneficia cerca de 60 milhões de brasileiros, da qual faz parte o “Bolsa Famí­lia”, com 11 milhões de famí­lias inscritas.

Trecho de entrevista do Ministro do Desenvolvimento Social e Combate í  Fome, Patrus Ananias

http://www.brasil.gov.br/noticias/em_questao/.questao/ent043/