“Mito e rito são portanto, dentro da ontologia que estamos agora defendendo, os primeiros resultados da realidade social em sua tentativa de articular-se. A civilização e todos os seus produtos materiais e espirituais são realidades produzidas por mitos e ritos. São reais esses Fenômenos, porque são ligados, pelos mitos e ritos, í realidade primordial da sociedade. O mundo das nossas mentes é outra camada da realidade, porque são, pelo “id”, ligados í camada fundamental da realidade. O problema mais complexo que essa ontologia oferece é aquele proposto pela natureza. Como está ligada a natureza í sociedade? É ela inteiramente fictícia, como é para a gula, ou está ela oposta í sociedade, como o foi para a ira?
Um produto, portanto de grau de realidade inferior í civilização, mas não obstante produto. Tentemos ilustrar essa afirmativa tão contrária ao senso comum, mas não obstante conseqüência lógica do argumento: Consideremos, como único exemplo da nossa tese, os astros celestes. São objetos representativos da natureza. Como surgiram os astros e como têm evoluído? Mitos primordiais estabeleceram um “mundo” , digamos o mundo da civilização do Ocidente. Essa civilização realizou o projeto contido nesses mitos, e parte dessa realização eram deuses que caminhavam, masculinos ou femininos, mas
sempre representando a força viril, por cima da terra, essa representante da feminilidade. Esse princípio masculino era o que atualmente chamamos de “astros”. Novas irrupções da inveja criaram novos mitos que modificaram esse mundo. Surgiu, como ritualização desses mitos o céu estrelado dos pitagoréus e dos ptolomaios, nos
quais os astros atuais eram algo como símbolos da perfeição petrificados. No renascimento e no barraco surgiram novos mitos. Os astros eram pedras. No século 18 e 19 transformaram-se em conjunto de bolinhas, as moléculas, que se ligaram entre si pelos elásticos chamados “gravitação”, cujo comportamento era matematicamente
ritualizado. Atualmente são os astros entalhes no campo gravitacional e eletromagnético curvo. O que são os astros “em si”? Pergunta falsa. Os astros não são “em si”, mas são “para a sociedade”. E assim é toda a natureza. Ela não passa de um produto da sociedade, um produto histórico que se modifica de acordo com a tensão dialética que
informa a sociedade. Natureza é produto da inveja e avareza. É realidade em grau subalterno. Voltamos a nossa atenção para uma realidade mais imediata, a saber para a civilização, que é o campo mais tangível da inveja e avareza.
A RETRIBUIÇÃO
A civilização consiste de seres humanos que procuram realizar os projetos existenciais que a sociedade lhes impôs e dentro dos quais estão jogados. Esses projetos existenciais formam um multidão de flechas que se cruzam caoticamente. Quanto mais desenvolvida a civilização, tanto maior o número de projetos que oferece aos seres
humanos que dela participam. O número de projetos oferecidos pela civilização
está diretamente proporcionado com aquilo chamamos de “liberdade política, economia e social”, porque oferece escolha entre projetos. Os seres humanos participam de mais de um projeto. Todo o projeto do qual um ser humano participa é uma máscara e um
personagem que ele desempenha no palco da sociedade. Na fonte de cada um desses projetos se esconde um mito. E a vida humana na sociedade é a tentativa, (geralmente inconsciente) de realizar os mitos que escolheu.”
FLUSSER, Vilém. A história do diabo. São Paulo: Martins, 1965.
LUSKO.FUSKO – movimento celular colaborativo duvidoso
João Debs-Giselle
HÃ?¡ de se fazer a transiÃ?§Ã?£o do mito ao “software”,
para poder reconhecer, no “software”, mito ?