por Felipe Fonseca.
20 de novembro de 2004.
Metareciclagem começou como quebradeira. Interesse totalmente abstrato em uma série de questões relacionadas com tecnologia. Frustração total, minha de de alguns outros, em tentar emplacar, no mundo corporativo, na academia, em ações independentes, idéias novas sobre comunicação em redes. De repente, projeto metáfora começou a catalisar algumas das idéias de algumas dessas pessoas. E percebemos a necessidade de uma infrafísica pra fazer as coisas acontecerem. Com a parceria com o Agente Cidadão, que nos deu uma estrutura e um propósito, mais a influência do Hernani, que já flertava com uns projetos de inclusão digital do Sebrae e do Sampa.org, e do Estraviz, colaborador bissexto do metáfora e grande defensor do discurso da inclusão, foi quase um consenso de que o que a gente se propunha a fazer se aproximava bastante daquilo tudo e do tal hacktivismo. E, de fato, muito do que aconteceu na sequência foi porque assumimos intimamente o conceito da inclusão digital como base.
Tão intimamente que começamos a desconstruí-lo. A idéia de inclusão digital surgiu há alguns anos, dentro da Ação pela Cidadania, colada em outro conceito, o da inclusão social. A onda é complexa, mas minha visão é a seguinte: a idéia de inclusão social parte do pressuposto de que existe um ciclo formal de “cidadania” ou como quer que se chame isso, que propõe que todos devem ter acesso a educação, trabalho assalariado, saúde, convívio social, igualdades de tratamento e oportunidades, e liberdades de comunicação e expressão de fé. Em resumo, uma regra que determina que as pessoas que compõem uma comunidade, cidade e nação devem ter acesso a um mínimo que seja aceitável para o desenvolvimento pessoal e coletivo, sem prejudicar o outro.
Mas espera um minuto: transposto para o contexto da comunicação online, síncrona e assíncrona, simultaneamente pessoal e coletiva, virtualizada por essência, a idéia de um ciclo mínimo a que todos devam ter acesso perde um pouco da força. Sim, eu concordo totalmente que o direito de uma pessoa acessar um dispositivo conectado em rede para interação com outras pessoas deve ser universal. Mas visto sobre os olhos frios do direito mínimo, se poderia afirmar que usar um caixa de banco ou uma urna eletrônica já cumprem, de certa forma, esses objetivos.
A proposta da Metareciclagem é algo muito mais profundo. Se trata da apropriação de tecnologia e da reapropriação de tecnologia tida como obsoleta, proporcionando e fomentando o uso crítico das ferramentas de comunicação com o objetivo de transformação social. O corte é outro, não o do excluído e do incluído, mas do uso meramente ferramental contra o uso consciente, engajado e criativo. Exatamente por isso, o nosso caminho nunca foi a montagem em série de telecentros, mas a constante reinvenção, pesquisa e desenvolvimento de novos caminhos. Exatamente por isso, nunca nos concentramos na equação montagem de estrutura + capacitação, e sim em mudar nossos próprios hábitos de uso da rede. A internet, como é hoje, não me satisfaz. Fazer a internet do amanhã é que me mantém ganhando pouco dinheiro mas certo de que alguma coisa está acontecendo.
No dia em que estabilizarmos, serei o primeiro a pular fora.