Azeredo: mosca da fruta

Eduardo Azeredo é um grande peso polí­tico do PSDB e senador por Minas Gerais. É conhecido pelo seu grande apreço pela democracia, que o levou a elaborar em 2006 um AI-5 da Internet projeto de lei visando a segurança do internauta brasileiro, que o obrigaria a se identificar para interagir com a Net.

Quando foi governador de Minas Gerais, Azeredo privatizou a CEMIG, companhia elétrica do Estado de Minas , obviamente levou a sua parte e tratou de remeter a um paraí­so fiscal qualquer.Azeredo e sua gangue são os pais genéticos de Marcos Valério .

Segundo Azeredo, o projeto de restrição í  liberdade da Net citado acima, visava a evitar a ocorrência de crimes online , fraudes e furto de massa cerebral pela cyber-dyne. Uma medida admirável, sem dúvida. Quanto menos ladrão na praça melhor, enfim a concorrência anda dura!
Eduardo Azevedo hoje em dia trabalha em um programa infantil e ensina as criancinhas a lavar

Recentemente, Azeredo se viu denunciado por desvio de dinheiro público e caixa dois feitos em 1998, com a ajuda de Lex Luthor. As acusações são obivamente falsas, pois, de acordo com as leis fundamentais da fí­sica elaboradas pela Veja, a corrupção no Brasil foi implantada pelo governo Lula. Antes disso, viví­amos em uma terra das maravilhas onde a grama era de chocolate e os rios eram de suco de morango. Tal perí­odo de nossa história foi esquecido devido í  lavagem cerebral promovida pelo PT por meio dos cyber-gremlins.

fonte: http://desciclo.pedia.ws/wiki/Eduardo_Azeredo

Conversa com Adilson no �gua Verde

Eram por volta das sete da noite, colocávamos os sacos de lixo í  disposição da coleta diária da prefeitura quando ouvimos uma voz atravessando a rua em nossa direção. Era um rapaz por volta de seus 20 a 30 anos. Ao mesmo tempo em que solicitava algum tipo de ajuda contava sua situação e retirava da carteira uma série de papéis afim de comprovar a história. Partia do pressuposto de que nós não acreditávamos em suas palavras, suponho que pelo fato de ser caracterí­stica dos centros urbanos o distanciamento. Os papéis eram vários, o primeiro emitido pela assistência social dizia ser seu “atestado de pobreza”, o que lhe permitiria tirar documentos sem custo algum, em seguida desdobrou um bilhete cujo conteúdo era a anotação de um número de telefone para contato, anotado em grafia um tanto trêmula. Demonstrava ser importante guardá-lo, pois lhe servia como comprovante de residência no municí­pio. Completando a série vieram os rubricados pela polí­cia civil, entre outras instituições do gênero. Todos, além de bastante surrados, quase desmanchando em suas mãos aparentavam ter sido molhados pela chuva. Havia saí­do da penitenciária de Piraquara a poucos dias, onde ficou retido por seis meses por tentativa de homicí­dio e por 155.
Havia furtado uma espécie de ventilador de inflar barracas que segundo suas palavras custava em torno de “um barão” (mil reais), mas que havia repassado por sete reais e esse montante logo revertido em cachaça. Pelo fato da pessoa que havia registrado a queixa não ter comparecido em três das audiências voltadas ao caso, ele agora havia reconquistado sua “liberdade”, sob condição de permanecer em Curitiba e, de tempos em tempos, ter obrigatoriamente que se apresentar no CCC, o que viria a acontecer dentro de dois dias. Sabia que se complicaria se não o fizesse, portanto estava decidido em cumprir com a tarefa. Sobre a tentativa de homicí­dio, mencionou ter sido briga de bar, apontou para sua cabeça dizendo ter levado uma paulada e que não fez nada além de se defender do agressor. Ao todo somava em seu currí­culo oitenta e cinco passagens pela polí­cia, mas somente duas após a maioridade.
Sua forma de falar era um tanto confusa, mencionando nas mesmas frases familiares, conhecidos e um conjunto de lugares: Almirante Tamandaré, Vila Capanema, Trindade, Rio Branco, Matinhos. Uma vez que sua circulação abarcava as principais favelas de Curitiba e região metropolitana, embora não ter mencionado seu destino, deduzi que estava de passagem rumo ao Parolim, não muito distante de onde nos encontrávamos. Disse ter uma filha de treze anos que morava com a mãe mais o padrasto e em seus encontros a menina clamava para que ele vivesse ao seu lado, com ar de descontentamento respondia a ela que era melhor do jeito que estava, pois o padastro proporcionava seu sustento e educação, o que no momento não poderia fazê-lo. Revelou estar complicado entrar na Vila Capanema devido a um desentendimento com outro sujeito, fato que havia culminado em uns “pipocos” por lá, o que vinculei a tentativa de homicí­dio mencionada anteriormente. Mesmo assim, dizia que visitava a filha com certa frequência. Em outro momento da conversa comentou também sobre um outro filho mais novo, por volta dos sete anos, mas sobre o garoto não entrou em maiores detalhes.
Após Adilson ter aceitado como contribuição uma sacola de roupas que haví­amos separado para doação, percebi que vestia uma camiseta do pré-vestibular “Aprovação” e no fluxo da conversa, não sei bem o porque, acabei mencionando algo sobre caminhos os quais escolhemos seguir, ao ouvir isso imediatamente associou minha fala como sendo de cunho religioso e disse que tempos atrás era adepto assí­duo da igreja pentecostal, mas após seus pais e irmão terem “partido” tudo aquilo tinha perdido o sentido – “daí­ eu virei de vez”. A conversa toda durou cerca de quinze minutos, embora eu tenha ficado tempos depois com ela na cabeça. Na região em que moramos não são raras pessoas em situações similares a de Adilson.

Tarefa: Texto referente Ã?  proposta Ocupação, de Newton Goto, idealizada para acontecer na Galeria Ybacatu, Curitiba, em 1999.

ocupação

Apresentado no Curso de Pós – Graduação História da Arte Moderna e Contemporânea
Módulo: Teoria da Arte (Profê Mê José Justino)

por Sergio Moura, dez 2008.

Era pra ser uma exposição de arte com os ajustes corriqueiros que envolvem um espaço convencional e o artista expositor. Os lugares oficiais (museus, galerias, instituições etc), tradicionalmente estão habituados a receber objetos de arte formalista (pinturas, esculturas, gravuras etc) para ser contemplados. A arte aqui, e na maioria dos casos pode-se pensar assim, limita-se í  retina e a atitude do observador é quase sempre passiva.

Mas não era o que o artista tinha planejado e escrito em seu projeto: (1)

“A arte do século XX tornou visí­vel, entre tantas revelações, os espaços artí­sticos tradicionais do Museu e da Galeria não apenas como locais para se colocar pinturas e esculturas, mas definiu-os também como um lugar para o debate crí­tico, um ambiente de confluência para idéias conflitantes”. E prossegue: “Um dos mecanismos de atuação utilizados foi a apropriação de produtos com função definida em seu uso social e o deslocamento destes para o “ campo ” de exposições artí­sticas, acrescentando a eles colagens e outras interferências, reordenamentos disfuncionais, e um discurso invisí­vel – fazendo com que os caminhos percorridos para o entendimento da obra seguissem rotas não só visuais. Duchamp foi o protagonista mais radical dessa nova postura frente a obra de arte. Uma das conseqüências conceituais resultantes deste novo posicionamento foi a percepção de que cabe ao homem dar valor de uso í  matéria; o pensamento criativo pode dar novas funções í s coisas e então tudo o que existe no mundo pode ser objeto e instrumento de criação artí­stica (recriação, refuncionalização, resignificação)”.

Sua intenção tinha origem no ideal por uma arte que pudesse “refletir questões além das especí­ficas ao campo artí­stico”.

Diz o artista: (2)

“O social na arte e a arte como objeto social: é a partir desta dupla relação (dialética) que esta proposta manifesta seu intuito construtivo. Dentro dessa abordagem a estruturação da obra se dá através de uma análise da relação entre arte e mí­dia”.

De natureza conceitual, onde o que mais conta é a veiculação da idéia, a obra propunha inúmeras questões para serem pensadas, cobrando do público uma atitude cerebral. O que essa arte tinha a ver com reivindicações polí­tica sociais, movimento organizado, problemas, exercí­cio do pensamento e reflexão, exigindo em contrapartida a ação do observador que, na maioria das vezes, sabe apenas contemplar? Que questões eram essas?

O artista antecipa ainda que “a obra é elaborada, a princí­pio, em dois sentidos processuais”:

– Apropriação da imagem sí­mbolo do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, reproduzindo-se a imagem e levando-a para dentro da galeria, concretizando, pela modalidade da instalação, a ocupação do espaço fí­sico arquitetônico do espaço expositivo.

– A imagem do sí­mbolo destinado a galeria é reproduzida e tornada mí­dia divulgando e registrando o evento. A ocupação se apropria do espaço público de circulação de informações.

Ousadia e radicalidade são atributos favoráveis ao artista que sabe da importância de construir e preservar sua integridade. Mas, pra tomar esse partido, precisa de coragem, desprendimento e liberdade assumida.
Ao pretender discutir em seu trabalho as questões do MST, movimento organizado de forte engajamento polí­tico social e que ostenta um retrospecto assumido de ocupação e cidadania em favor da luta pela terra, da conquista de moradia, da autonomia do trabalho pelo cultivo da própria terra, o artista não poderia evitar a abordagem contundente e daí­ o inevitável conflito com a galeria. E Goto promove a ação ética, atitude que é fundamental e indispensável para a sobrevivência da democracia.
No ofí­cio de artista pensador tenta alterar velhas regras do jogo, mas, o que não sabia era que seria censurado e proibido de mostrar, aquilo que os dominantes não tem vontade de desvelar.
Repensando a verdadeira função da arte quando esta é próxima da ação polí­tica, reafirma valores essenciais e exalta a liberdade como premissa inteligente a todas as demais formas de ser, sentir, pensar, agir, atestando, sobretudo seu compromisso com sua verdade e elevando a Arte í  sua dimensão monumental.

A arte dita contemporânea, para honrar seu tí­tulo pomposo, deve antes de tudo lidar com a realidade, e, portanto, em primeiro lugar estar mais relacionada com a vida e com a liberdade. Como enfatiza Gregory Battcock: (3)

“A arte ignora a crise e se frauda na busca de irrelevantes estéticas, enquanto o sistema polí­tico destrói a vida humana. Esse mesmo sistema polí­tico representa interesses de grupos ao invés de servir í s necessidades do povo e, portanto, tornou-se uma mentira para a verdadeira democracia. A arte tornou-se um jogo sem sentido para exclusivo benefí­cio dos que estejam engajados na supressão da vida humana e de seus valores, o brinquedo da cultura branca que, neste paí­s, destrói a cultura dos negros e dos í­ndios, a elite que lhes impõe a cultura estrangeira e irrelevante.
A arte é usada para distrair as pessoas da urgência de suas crises. E se você, como artista, aceita a repressão da sociedade e trabalha com o sistema, você pode retardar as transformações. Enquanto o artista lisonjear a elite, ela estará apta a controlar a arte e não permitirá a sua livre expressão. É preciso que seja relevante e antitrivial. É preciso que agite a mente dos que a admiram a fim de que se compenetrem da essência da crise; É preciso que dirija e envolva seus admiradores para a ação; É preciso que questione; É preciso que provoque.”

O próprio artista reafirma: “Minha intenção é burlar as especificidades de cada área”. Colagem, reprodução serial, e ainda, visão crí­tica da sociedade, posicionamento polí­tico, provocação í s elites dominantes, crí­tica a hegemonia de mercado, ausência de conscientização sóciopolí­tica da categoria, e por aí­ vai.

E Susan Sontag nos faz lembrar: (4)

“O que importa agora é recuperarmos nossos sentidos. Devemos aprender a ver mais, ouvir mais, sentir mais”.

Entretanto, uma grande dúvida que fica: porque expor um trabalho de natureza questionadora, crí­tica e filosófica, explosiva até, dentro de uma galeria que tem total comprometimento com o status quo, que é associada ao mercado e vinculada ao poder econômico, que estimula a competitividade e que como qualquer empresa necessita de lucro para sua manutenção e existência? Onde a ética está submetida por uma estética de aparências e superficialidades camufladas por pseudo-culturalidade? O que tem a ver uma proposta de arte que resolve negar um sistema que, nas palavras de Lebel (5) “produz mais abortos do que partos”, impede a real democracia e a transformação da vida, e ao mesmo tempo procurar nele o suporte de viabilização para a fruição da sensibilidade estética (?).

Aqui a sacada reveladora que atingiu o alvo: A proposta que o artista Newton Goto queria levar para dentro da galeria, continha enorme carga ideológica decorrente de extraordinário poder simbólico a serviço da emancipação, representando por isso séria ameaça com repercussões importantes na vida cotidiana. Daí­ o medo e a conseqüente autocensura que geralmente encobre a censura disfarçada e não assumida.

“É sempre mais fácil a autocensura, pois esta não deixa pistas desagradáveis”. (6)

O caminho, de fato então, era totalmente oposto, todavia coerente, justo e, sobretudo, verdadeiro. Nos varais montados pelo artista, no mesmo chão do MST, podemos conferir algumas questões inquietantes e pontuais como:

“Por que um artista pode se apropriar de uma imagem de refrigerante e não pode fazer o mesmo com o sí­mbolo de um movimento popular?”;

“Por que o senso crí­tico sobre a sociedade só parece ser válido para a produção artí­stica de outros paí­ses?”;

“Por que a censura e a repressão continuam existindo numa sociedade teoricamente sem ditadura e supostamente democrática?”;

“Por que as pessoas haveriam de ter medo de um movimento popular organizado?”;

“Por que o que está próximo nos parece tão proibido e perigoso?”;

“Toda arte é um ato polí­tico”;

“E não seria função da arte criar novos pensamentos, gerar debates crí­ticos, propor novas relações da obra com o público?”.

Rechaçado pela impostura da galeria e pressionado, o artista, solidário í  causa dos sem-terra, monta seu barraco no mesmo lugar onde estava o MST, confirmando o ideário projetado e consolidando seu verdadeiro lugar: a obra estava “em casa”. Aí­ sim, o debate se amplia sem restrições e a proposta encontra seu ponto notável. No cruzamento do contexto arte-polí­tica, a rua é o ponto central onde essa discussão deveria confluir, motivada pela presença – envolvimento de seus personagens principais: o cidadão comum e o artista mediador.

Preocupações sociais, sonho da casa própria, liberdade, justiça, saúde, espaço social, necessidades básicas, reforma agrária, enfim cidadania, são questões vitais para o homem comum que se somam í s expectativas que desafiam todo artista contemporâneo.
Arte na rua, interferência na cidade, liberdade criativa, provocação estética, autonomia da obra de arte (7), cultura de massa, panfletagem ideológica, inquietações que caracterizam tempos passados onde os cidadãos eram bem mais conscientes e informados, tudo isso pode banhar-se nas mesmas águas, pois apontam para o mesmo alvo – o sonho que todo ser sensí­vel e todo artista devem cultivar – imaginando possibilidades e meios de construção de melhoria da vida em sua comunidade bem como ao mundo global.

“A pergunta pela função da terra traz subjacente a pergunta pela função da arte. E a arte se abre como um sistema de possibilidades” . (8)

“A função da arte, como questão, foi proposta pela primeira vez por Marcel Duchamp. Realmente é a Duchamp que podemos creditar o fato de ter dado í  arte a sua identidade própria. Com o ready-made não-assistido, a arte mudou seu foco da forma da linguagem para o que estava sendo dito. E toda arte (depois de Duchamp) é conceitual (por natureza), porque a arte só existe conceitualmente”.(9)

A obra Ocupação reúne um conjunto de instalações que se prolongou por diversos lugares, depois que o artista teve vetado sua exposição no local anteriormente previsto. Ao acampar na Praça Nê Srê de Salette, em maio de 1999 onde ficou durante três (3) semanas, no Centro Cí­vico e em frente a sede do poder público, o artista obtém relativo apoio da população mas conquista relevo maior quando, pela conjunção de ideais próximos – liberdade, igualdade e solidariedade – em comunhão ideológica com o radical movimento social, restabelece o diálogo há muito perdido da estética com a ética social e isso possibilita inclusive ir mais além, transpondo fronteira para alcançar outro lugar. No Rio de Janeiro, em junho do mesmo ano, o mesmo trabalho se fez ver no chão da Funarte. No ano seguinte, em 2000, recebeu sinal verde da Prof. Mê José Justino e de volta a Curitiba, marcou presença na Sala Arte & Design da Reitoria da UFPR.

Na série de instalações o signo reconfigurado, tornado objeto artí­stico em diversas abordagens que lembram os ready-mades refuncionalizados. Nelas, o artista se valeu dos panfletos reproduzidos com a emblemática logo e tanto na apropriação como na repetição ou no estratégico deslocamento da imagem circulante, não se pode deixar de reconhecer a herança proporcionada por alguns gigantes da arte pop mundial: M. Duchamp, A. Warhol, J. Kosuth, o brasileiro Cildo Meireles, além do teórico Walter Benjamin e da extraordinária e histórica vanguarda DADí.
Estes são alguns dos expoentes referenciais que emprestam significativas contribuições e dá profundidade í s muitas reflexões, acompanhadas de surpreendente avaliação que o artista faz tanto do mundo da arte quanto da produção artí­stica.

“Por sua vez, a estética do desequilí­brio, a que afeta estruturas, que precisa de total participação ou total rejeição, não dá espaço para o conforto da alienação. Ela leva ao confronto que trará mudança. Ela leva í  integração da criatividade estética com todos os sistemas de referências usados na vida cotidiana. Ela leva o indiví­duo a ser um criador permanente, a ficar em um estado de percepção constante. Ela o leva a determinar o seu ambiente de acordo com as suas necessidades e a lutar para alcançar as mudanças”. (10)

REFERÃ?Å NCIAS BIBLIOGRíFICAS

1 GOTO, Newton;Texto – projeto: Ocupação, 1999

2 Idem;

3 BATTCOCK, Gregory; A Nova Arte, Col. Debates 73, Ed. Perspectiva;

4 SONTAG, Susan; Contra a interpretação, Porto Alegre, 1987;

5 LEBEL, J. J; Happening, Editora Expressão e Cultura, Rio de Janeiro, 1969;

6 BOURDIEU, Pierre e HAACKE, Hans; Livre -Troca, Diálogos entre Ciência e Arte Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 1995;

7 “Talvez a caracterí­stica mais distintiva das atitudes estéticas práticas, hoje em dia, tenha sido a concentração da atenção na obra de arte como coisa independente, artefato de padrões e funções próprias, e não instrumento fabricado no intuito de favorecer propósitos que poderiam ser igualmente favorecidos por outros meios”.

OSBORNE, Harold; Estética e Teoria da Arte: uma introdução histórica; Editora Cultrix, São Paulo, 1974;

8 JUSTINO, Mê José; Texto: A Pele Social da Arte – O que a arte tem a ver com o MST, 2000;

9 KOSUTH, J.; A arte depois da filosofia, Escritos de Artistas (Glória Ferreira e Cecí­lia Cotrim) anos 60/70 Jorge ZAHAR Editor, Rio de Janeiro, 2006;

10 CAMNITZER, L.; Arte contemporânea colonial, Escritos de Artistas ( Glória Ferreira e Cecí­lia Cotrim) anos 60/70 Jorge ZAHAR Editor, Rio de Janeiro, 2006.

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Submundixlogix

QUASE INFINITO E/OU APODRECE E VIRA ADUBO SUBMIDIíTICO

Abordar modos de sobrevivência. Anotações sobre existência. Refletir sobre diferentes exercí­cios. Identificar e ecoar alerta sobre instâncias opressoras (e o sentido de significá-las), apontar o acesso ao conhecimento não aparente como princí­pio emancipatório frente a tais estruturas castradoras. Transitar táticas, experiências, circulações, compartilhar procedimentos de não perpetuação dos modelos inadequáveis, indesejáveis, insustentáveis, insuportáveis… A liberdade trata também da mobilização e difusão dessas práticas.

O abandono da civilização genocida e o sexo único. No modelo de civilização exploratório, prejudicial, o desperdí­cio esgota recursos naturais em canto de descaso, promovido por um progresso pseudo-ordenado. Incentivo ao consumo é técnica de hipnotismo. Planificação das relações estagnadas em autoritarismo e exclusão. Sua pauta é a ratificação da famí­lia nuclear baseada na figura do pai, substanciada em lastros históricos como o domí­nio por herança. Promove a limitação da existência a condição de atores fixos não humanizados, e explora parcelas da população divididas basicamente em classe e gênero. O que torna impossí­vel o permanecimento nesse sistema segregador, já que optamos pela plena atividade criativa dos seres. Constatando as desorientações dessa existência nos declaramos responsáveis pela não perpetuação das idéias e práticas desse mundo, agimos para seu desmantelamento e nos sentimos satisfeitos com seu aniquilamento não espetacular.

Famí­lia como sinônimo de “idéia de famí­lia”. Diferentemente da noção do remoto sexo único – a considerar mulher como homem atrofiado – dele derivado – reivindicamos o sexo único em respeito as caracterí­sticas peculiares dos seres humanos, complexo irredutí­vel a dubiedade mulher/homem. Criticamos a premissa hegemônica de gênero a partir da concepção biológica e natural que desconsidera outros fatores, a exemplo o social, agente de/em construção.

Satélites a deriva, sobrevoam insetos meteoritos. Satélites artificiais – congestionamento espacial, lixo tecnológico paira sobre cabeças – objetos identificados aos monopólios das telecomunicações – projetos militares – abarcam diversos objetivos, entre eles o controle da comunicação, o climático catastrófico, passando do mapeamento í  espionagem, voyeurs unioculares voltados ao controle. Rompe o pleroma da estratosfera um mistério de soberania de técnicas espaçocratas. Aparelhos conceituais concretizam-se em projéteis. MSST. Movimento dos sem sátelite. Utopia ou Distopia? Seria delí­rio a conspiração autônoma em busca do lançamento de satélites? Lixo e mais lixo no espaço. A nova geração fazendo passeatas pela reciclagem dos satélites. Paralelos Epistemológicos. Percepção em hypertexto. Acordo ortográfico. Alfabetizados agora ficcionam a noví­lingua. Sem trema. O Miguxês. Crianças no Orkut e no Google Docs estão vivendo simulacros reais. Ontologia do voyerismo de scraps. Redes Sociais. Shopping Centers são infovias fechadas em rotas de pacotes precisos de dados. Dinheiro ganho, dinheiro gasto. Dinheiro impresso, empréstimo. Espaço. Jogo de colisões e inércia. Retoma o pleroma para o campo ciência. Sintaxe como álgebra. Metafí­sica do materialismo dialético em eterno retorno de uma mais valia perdida. Luzes apagadas. Sociedade do audiovisual. Cheiro de banheiro. Fome. Desejo. Não-Fome.

Calendários. Espelhos.
A polí­tica do arrebatamento e as negociações para além do humano. Desde antes da prática da venda de terrenos no Céu temos o estabelecimento de um mercado do dogma, hoje estendido a vários outros ramos além do imobiliário; moda, música, atitude, automobilismo, futebol, mí­dias de massa. Não ter a opção, somente ser aterrado por uma avalanche de simbologias ditas sólidas e milenares para deixar a vida para uma próxima, eternidade muito aquém de ser alcançada. A qualidade de vida e a proporção do medo – contra as ideologias que promovem a insegurança e o temor. Quando se abandona o lamento resta a condição de agentes das ações – transformação, sujeito integrante de um ambiente onde não se está sozinho – dialógico com as comunidades e circuitos pelos quais transita. (contrário da postura heróica) relações interpessoais. Os vegetais e a grande trepadeira do sistema: orgânicos como moda. Agrotóxicos são os temperos de uma dieta alimentar pobre e envenenada. Não se conhece o que se come, nem sequer se sente o gosto. Carne é crime, fome é foda. Não se sabe o que fazer com os entulhantes dejetos. Cachorros e outros estimados animais domésticos são levados todas as tardes para passear, idiotia urbana, cativeiro e escravidão no âmbito animalesco das indústrias de ração e produtos cosméticos veterinários. Sinuca da simulação, sarna, estado de óbito, verticências…

Sem bússola, mensagem na garrafa, quase uma reza. Cadência no ritmo das frases, mesmo sem rima. 15 sí­labas e alguém querendo mais que formas.
Eu penso, tu falas, ele escuta, ela decide. Alem de gêneros e plurais. Um motivo, um avião decola, Itaipú segue imponente sobre as 7 quedas, ali na esquina. Ali na esquina. Um despacho. Mo-ti-vo pra cir-cu-lar por baixo de tudo, força motriz, 7 quedas. impulso; desvios; significados; cruzamentos lingüí­sticos; mais-valia; ethos; desmontes das bombas; Então responda-nos, em fluxo mais fluí­do. Léxicos em queda, definindo afluentes: A trí­plice fronteira e a aliança neoliberal numa velocidade espiral. Segurança defronte ao labirinto abismo. Extensão das formas fixas, mestiçagem da alucinação contra as forças centripetas de estagnação pela ordem segundo interesses parciais, indiferentes, das suas decisões imposições, efeito dominó: opressão. Espaço de disputa desigual, tédio de inexpressividade e alienação.

Acesso ao sonho crí­tico. Verdade do planeta. Sânscrito e latim para macacos. Selvageria as avessas. Na entrada e na saí­da, buraco úmido. A bula do cosmos. Gênese. A E I O U. Escolha suas consoantes. Morda a teta.

1 In nova fert animus mutatas dicere formas
2 corpora; di, coeptis (nam vos mutastis et illas)
3 adspirate meis primaque ab origine mundi
4 ad mea perpetuum deducite tempora carmen!
5 Ante mare et terras et quod tegit omnia caelum
6 unus erat toto naturae vultus in orbe,
7 quem dixere chaos: rudis indigestaque moles
8 nec quicquam nisi pondus iners congestaque eodem
9 non bene iunctarum discordia semina rerum.

Automatismo do mistério. Metamorfosis de Oví­dio. Salsa e cebolinha na retórica acadêmica. Declaração da precária condição do sistema artí­stico e suas trocas. Vamos a pastelaria. Pastel. Pastelaria. Pastelão. Pastiche. cientista: Quem não tem ciência atire a primeira tese.

inconscientista:…
artista: Faz desfazendo.
anti-artista: Desfaz fazendo.
aartista: preposição.
pasteleiro: O papel da estética na busca por articulação de uma solução
básica para problemas de sobrevivência feito de modo a estimular catarse coletiva por alegorias de uma forma ideal destes objetos que conduzem e satisfazem demandas das mais fisiológicas. Demandas, necessidades pulsionais. A Arte do Pastel desengordurado. Papel Absorve os excessos. Chistes salgam a massa com algum Ethos arbitrário determinado pelos mais escamoteados recalques de algum tipo de desejo por significar. Algo além da fome?

Servidão e/ou processos artí­sticos. Caleidoscópio, seja qualquer lado que gire novas formas e novas expressões vem í  luz. Cubo da mais-valia : apresenta um número finito de superfí­cies planas, seis quadriláteros, em cada um dos lados do cubo pixa-se: Babel.

Trabalho escravo. Um ônibus na estrada. Tratava-se evidentemente de trabalhadores assalariados, um deles tinha a cabeça encostada na janela e sustentada por uma fralda com a imagem de Dayse Margarida Disney, a namorada do Pato Donald. Plante. Operação vão no vácuo. Olhar sub mundo das coisas. Uma experiência de olhar como se estivesse um passo atrás, como no estranhamento, alguém observa-se em ação. Um olhar sub mundo. Após o encontro aqui – outro lado dali – vem entoar o mantra, grito ao sustento.

Tomada de recisão. Desescalada dos puleiros das instituições que promovem ví­nculos empregatí­cios. O lí­der foi liderado. Os retornos dos trabalhadores para nunca mais voltarem – tempo de extinção dos contratos e ví­nculos empregatí­cios – extinção da exploração, da mão de obra.

Quero estudar. Alguém pode me dizer como posso estudar? R.: Ela não fala em Escola. Escola: espaço social ao qual tenho direito assegurado e o dever de usufruí­-lo. Quem não tem, sente falta, desvantagem como moral de exclusão. Caminho: para difundir experiências e práticas próprias da comunidade como formas de sabedorias e conhecimentos singulares, valiosos. Conhecimentos institucionalizados, legitimados. Conhecimento informal. Escola problema solução, passar a valorizar a pessoa (por) e suas vivências, princí­pio dela mesma, nela se encontra. Já era pedagogia do poder, implosão da escola, movimentos de moralização e disciplina militarizante berram, ainda esperam por filas paralelas e carteiras desconfortáveis entulhadas em uma sala controle. Uma educação desvinculada de obrigatoriedade, da formação curricular carreirista. Pós-dia, liberdade para as crianças, adolescentes e jovens enclausurados por meio perí­odo (em certos casos perí­odo integral) por cerca de 20 anos. Outras formas de acesso ao conhecimento que não impliquem em enclausuramento. Perseguição ao analfabetismo : a moral que a sociedade ejacula sobre si mesma no mundo vazio. Pintar fora das linhas, fora das páginas. Sabedorias, conhecimentos que não são legitimados excêntrificados. Sabedorias, conhecimentos hegemônicos (leitura, escrita) como herança da humanidade, enraizamento em livros sagrados/épicos – erudição secular, dádiva dos deuses.

Empobrecimento : superstição de ficar presx no tempo – cimento sossego (ou seja, a lápide clássica que envolve os corpos cansados demais, pesados demais, leves demais, sujos demais, puros demais, alegres demais, tristes demais, mutantes demais e demais corpos). Instinto : sabedoria vivência virulência afirmação negação justaposição negação afirmação questionamento. Econ0mí­dia : na hierarquia dos demônios os que tem um chifre são devorados pelos que tem dois ou três chifres. Monstruosos dentes de leão. Criar um sistema economico baseado em trocas mútuas – prática da abundância – atuações compartilhadas.

Ilusão: tomada de recisão. Tudo isso, a idéia e idéia de conhecimento são muito parecidas, a universalidade de conhecimentos amplia os universos. Impossibilidade de mensurar o inconsciente. O pensamento hegemoniza parte do ser, existência subordinada a linguagem. O limite do pensamento, concretude de pensamento, ato de ampliar a história pelo pensamento. Paradoxo – ampliação de algo que não se condiciona a ser mensurado. A racionalidade, a que se auto define como estratégia de sobrevivência pra esse mundo especí­fico, bum.

Perseguição ao escravo hiper-necessário. Capitalismo ecológico. Treinamento. O homem antiautoritário sucumbiu ao tubo de raios catódicos e í s várias ondas.

Outras possibilidades além do capitalismo, sem tentativas comparativas: Nenhum tipo de outro capitalismo. Possibilidade de circulação de comunidades móveis, nômades. Nomadismo de idéias, capacidade de se adaptar a qualquer tipo de pensamento. Flutuar por um imenso espaço volátil de idéias ou estabelecer bases para o questionamento do entorno?

Como desmontar as cidades. Destruir as estradas e cemitérios; quebrar os muros; jogar fora todas aschaves e cadeados; fissão nuclear espontânea dos regimes controladores e prefeituras; mas se a fissão for espontânea teremos que ficar esperando? Podemos acelerar o processo “espontâneo” provocando modificações climáticas, aplicando fertilizantes, no que poderia acarretar tais acontecimentos para tanto é preciso ainda apontar quais as atitudes para se chegar a isso: fim dos meios de transporte poluentes; busca de moradias que refletem a personalidade e não a classe social; fim da propriedade, do medo das trocas, dos aparatos do poder; neocolonialismo, neocorrupção; de qualquer possibilidade de considerar forças que nos oprimem; da indução que aceitemos os males do mundo e que nos acostumemos a viver com eles; das hierarquias, da repressão sexual, do autoritarismo, da sociedade tecnocrática, competitiva, individualista e consumista, da nação, das olimpí­adas, do superhumano, dos recordes, da discriminação e do preconceito; do lucro; da carne; dos conservantes, acidulantes, da quí­mica alimentí­cia, da produção de lixo, da utopia das metrópoles, da crí­tica inexpressiva, da polí­cia e do exército, das armas, do estabelecimento da guerra, da sociedade de classes unidimensionais: com sua capacidade de uma classe absorver outras tornando-as não-contestadoras e acomodadas, da alienação; das formas sofisticadas de controle social e repressão (arte, tecnologia,…); do mercado; das ruas; do anacronismo, da miséria, das especulações; doscontratos, cartórios e burocracias; de rastejar, do mundo;

Continuação dos suicí­dios;
Retomada do plantio natural;

Iní­cio de outras possibilidades; outras trocas; da subsistência; das sociedades solidárias e igualitárias; da construção de jardins; da recuperação dos rios; do estabelecimento de ligações; relações uns entre outros, cooperativas e não-competitivas;

Lago imenso negro de idéias. Lago negro imenso de idéias (in)justiça? exuberância de sensações; não nos responsabilizarmos por quem somos; Respondemos por algumas coisas que fazemos, somos quem somos. E daí­? Caralho! nos sentirmos bem em relação a vida; nós: tomando decisões e assumindo as conseqüências. As ações fazem diferença. Observadores passivos.

Educação, mutação de pontos de vista, práxis, idéia de liberdade, experiências sobre liberdade. liberdade é uma construção do pensamento e uma realidade do corpo em situações extremas, idéias, imagine por conta das catástrofes nas contas bancárias dos aristocratas. Quem são os aristocratas no caso de liberdade existem conceitos, os de pensadores sobre liberdade. A nossa liberdade. Desafie o Estado escravo das corporações! A resistência não é fútil!A criatividade e o espí­rito humano dinâmico que recusa-se a submeter-se! Voto – participação ocasional e puramente simbólica da liberdade. Escolher entre o fantoche A ou o fantoche B. Ostentação, frivolidade, desastre, merda, parasitismo, dominação, moralidade”¦ guerra, predação. Favela, doze horas na rua, exercí­cio de pureza. Moradia em trânsito, pessoas e movimento e probreza e uma forma de organização não nuclear. Inalienável. Sexo e abandono.

Movimento dos Sem-Satélite (msst). Comunidade de artesãos de bits e volts, poetas humanistas, cientistas nômades, para onde estamos indo? Confio no pulso dos seus passos, nossa revolução é o próximo segundo e o desafio constante de não render-se ao conformismo de simplesmente entreter-se ou entreter, distraindo o fato de que vivemos além da história, dos muros, da semelhança dos corpos e suas consagüinidades. Queremos um ecossistema condizente com toda esta pirotecnia prometéica de um suposto ser vivo Sapiens, uma simbiose duradoura e enfim poder pensar em criar e imaginar outros espaços e formas para todo esse conhecimento que mantemos aceso nesta chama. Mas se ainda hoje nossos semelhantes marcham por um pedaço de chão para sobreviver, e alienam seus instintos mais criativos em busca de algum reconhecimento dentro de uma esmagadora cultura de consumo auto destrutivo, nos deparamos com a questão: qual o papel que nós aqui já alimentados e abrigados temos em pensar numa soberania e transmissão de conhecimentos que buscam reverter esta pulsão auto destrutiva da humanidade? A conjectura deste manifesto é em função de apontar uma necessidade pontual no horizonte: Criaremos nosso primeiro satélite feito í  mão emandaremos ao espaço sideral entulhado de satélites industriais corporativos e governamentais. Será nosso satélite capaz de tornar nossas redes ainda mais autônomas? Ou o caminho é repensar toda atual estrutura de nossa tecnocracia e ciência a ponto de decidirmos estratégicamente um caminho totalmente diferente? Qual?? Muito mais que cobaias da Tecnocracia!

Sonhando e Dançando: marcham os Sem-Satélite”¦

Vertigem: diálogos e prospecções a partir da memória do lugar

Ação direta. Pontes. Amizade. Rio. Paraná. Fronteira. Brasil. Paraguai. Fraternidade. Iguaçu. Argentina. Sudoeste. Limite. Natural. Polí­tico. Lugares. Experiência. Percepção. Simbólico. Ambiente. Desencadeamento. Situações criativas. Contato. (tempo/espaço). Relação. Pessoas. Encontro. Atitude. Diluir. Reverberar. Troca. Polí­tico-geográfico. Sensação/memória. Agora. Lembrança. Prospecção. Diálogo. Cultural. Vizinhos. História. Conexões. Contrastes. Conteúdo. Material. Implicações. Mí­dia impressa. Audiovisual. Web. Porção de mundo. Demandas identitárias. Fatores externos. Polí­ticas de controle. Exclusão. Dinâmica. Fundamento. Unidade. Transgressão. Norma. Trí­plice. Geologia. Intervenção. Humano. Civilizatório. Produto. Engenharia. Estratégia. Ocupação. Entrelaçamento. Trânsito. Sobreposições. Regras. Observação. Exercí­cio. Questionamento. Transitoriedade. Estar. Trabalho. Embate. Imagens mentais. Vivência. Espaço público. Fluxo cotidiano.

ao invés de mas devolvem – dialogam com Sonhos, desejos e projeções calcados em modelos de identidade e felicidade em meio aos confrontos do cotidiano. ilusão/desilusão

Irreversibilidade. Acontecimentos. Inscrições. Reflexão. Concepções. Subjetividades. Expectativa. Respeito. Presente. Futuro. Existência. e/ou. Presença. Outro. Projeções. Códigos. Situações transitórias. Fronteiriças. Propósito. Interligar. Transpor. Transbordar. Materializar. Ultrapassar. Penetrar. Realidade. Marca. Obcessão. Identidade. Estados. Nações. Mercados. Invenção. Passado. Crise. Obstáculos. Princí­pio. Mundo. Sí­ntese. Social. Disparidades. Manifestações. Entrecruzar. Irrevogável. Subordinação. Projeto. Adaptação. Condição. Comunicação. Alteridade. Camada. Movimento. Vertigem. Ancestral. íguas. Marginal. Deriva. Ambulante. Colaboradas. Coletividade. Autogestão. Autonomia. Descartografia. Registro. Acervo. Circulação. Distribuição.

A ação é baseada no estatuto do lugar: “A ponte reúne enquanto passagem que atravessa”, disseram.

l’essence – um espaço para viver

06dez2008
diálogo com rita (ida) em semáforo

(semáforo vermelho, chega uma pessoa nos oferecendo um panfleto de propaganda)

– posso tirar uma foto sua?
– sim.
– qual é o seu nome?
– Rita.
– Ida?
– é.
– Você trabalha sempre nesse lugar?
– Não, a gente troca de lugar.
– Em volta do centro?
– é.
(pega a propaganda de venda de plantas baixas).
– Prazer em conhecê-la. Tchau.
– Tchau.

Compartilhe suas leituras – Entrevista especial de Silvia Ribeiro

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sinopse: O consumo excessivo e injusto é intrí­nseco í  lógica capitalista. Leitura do texto da entrevista especial do Instituto Humanitas Unisinos com Silvia Ribeiro – http://www.unisinos.br/_ihu/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=18754
palavras-chave: transgênicos, capitalismo, indústria alimentí­cia, alimentação, exploração, terra, multinacionais, ativismo, mobilização, denúncia.

DA PRODUÇÃO DE SUBJETIVIDADEÃ?¹

Félix Guattari

O pensamento clássico mantinha a alma afastada da matéria e a essência do sujeito afastada das engrenagens corporais. Os marxistas, por sua vez, opunham as superestruturas subjetivas í s relações de produção infra-estruturais. Como falar da produção de subjetividade, hoje? Uma primeira constatação nos leva a reconhecer que os conteúdos da subjetividade dependem, cada vez mais, de uma infinidade de sistemas maquí­nicos. Nenhum campo de opinião, de pensamento, de imagem, de afetos, de narratividade pode, daqui para a frente, ter a pretensão de escapar í  influência invasiva da “assistência por computador”, dos bancos de dados, da telemática etc… Com isso chegamos até a nos indagar se a própria essência do sujeito – essa famosa essência atrás da qual a filosofia ocidental corre há séculos – não estaria ameaçada por essa nova “máquino-dependência” da subjetividade. Sabemos da curiosa mistura de enriquecimento e empobrecimento que resultou disso tudo até agora: uma aparente democratização do acesso aos dados e aos saberes, associada a um fechamento segregativo de suas instâncias de elaboração; uma multiplicação dos ângulos de abordagem antropológica e uma mestiçagem planetária das culturas, paradoxalmente. contemporâneas de uma ascensão dos particularismos e dos racismos; uma imensa extensão dos campos de investigação técnico-cientí­ficos e estéticos evoluindo num contexto moral de insipidez e desencanto. Mas ao invés de se associar í s cruzadas tão em voga contra os malefí­cios do modernismo, ao invés de pregar a reabilitação dos valores transcendentais em ruí­na ou de entregar-se como o pós-modernismo í s delí­cias da desilusão, pode-se tentar recusar o dilema de ter que optar entre uma rejeição crispada ou uma aceitação cí­nica da situação.

Que as máquinas sejam capazes de articular enunciados e registrar estados de fato ao ritmo do nano-segundoí², e talvez amanhã do pico-segundo, ou de produzir imagens que não remetem a nenhum real representado, isso não faz delas potências diabólicas que estariam ameaçando dominar o homem. Na verdade, não tem sentido o homem querer desviar-se das máquinas já que, afinal das contas, elas não são nada mais do que formas hiperdesenvolvidas e hiperconcentradas de certos aspectos de sua própria subjetividade – e estes aspectos, diga-se de passagem, justamente não são daqueles que o polarizam em relações de dominação e de poder. Teremos lançado uma dupla ponte, do homem em direção í  máquina e da máquina em direção ao homem e, com isso, terá se tornado mais possí­vel esperar que novas e confiantes alianças se façam entre eles, quando tivermos estabelecido o seguinte:

1. que as atuais máquinas informacionais e comunicacionais não se contentem em veicular conteúdos representativos, mas que concorram igualmente para a confecção de novos Agenciamentos de enunciação (individuais e/ou coletivos);

2. que todos os sistemas maquí­nicos, seja qual foro domí­nio ao qual pertencem – técnico, biológico, semiótico, lógico, abstrato -, são o suporte, por si mesmos, de processos proto-subjetivos que eu qualificaria de subjetividade modular.

Evocarei aqui apenas o primeiro rol dessas questões, reservando-me para abordar o segundo, que gira em torno dos problemas de auto-referência, de autotranscendência etc., em outras circunstâncias.

Antes de prosseguir temos que nos perguntar se essa “entrada em máquina” da subjetividade – como se dizia antigamente “entrar em religião” (ordenar-se) – é realmente uma novidade absoluta. As subjetividades “pré-capitalistas” ou “arcaicas” também não eram engendradas por diversas máquinas iniciáticas, sociais, retóricas, embutidas nas instituições clânicas, religiosas, militares, corporativistas etc., que eu reagruparia aqui sob a denominação geral de “Equipamentos coletivos de subjetivação”? É o caso, por exemplo, das máquinas monacais que trouxeram até nós as memórias da antigüidade, fecundando assim nossa modernidade. O que eram estas máquinas monacais senão softwares, “macroprocessadores” da Idade Média – os neoplatônicos tendo sido, í  sua maneira, os primeiros a conceber uma processualidade capaz de atravessar o tempo e as estases? E a Corte de Versalhes, com sua gestão minuciosa dos fluxos de poder, de dinheiro, de prestí­gio, de competência e suas etiquetas de alta precisão, o que era ela senão uma máquina deliberadamente concebida para secretar uma subjetividade aristocrática de reposição, muito mais submissa í  realeza estatal do que a dos senhorios de tradição feudal e esboçando outras relações de sujeição aos valores e aos costumes das burguesias ascendentes?

Eu não poderia, num abrir e fechar de olhos, retraçar aqui o histórico desses Equipamentos coletivos de subjetivação. Aliás, a meu ver, nem a história, nem a sociologia estariam realmente em condições de nos dar as chaves analí­tico-polí­ticas dos processos em questão. Eu gostaria apenas de destacar algumas vozes/vias [voi(x)(e)] fundamentais – aqui, o francês permite ligar homofônicamente, o caminho e a enunciação – que esses equipamentos produziram e cujo entrelaçamento permanece na base dos processos de subjetivação das sociedades ocidentais contemporâneas.

Distinguirei três séries destas vozes/vias:

1. as vozes de poder: que circunscrevem e cercam, de fora, os conjuntos humanos, seja por coerção direta e dominação panóptica dos corpos, seja pela captura imaginária das almas;

2. as vozes de saber: que se articulam de dentro da subjetividade í s pragmáticas técnico-cientí­ficas e econômicas;

3. as vozes de auto-referência: que desenvolvem uma subjetividade processual autofundadora de suas próprias coordenadas, autoconsistencial (que há um tempo atrás eu havia relacionado í  categoria de “grupo sujeito”), o que não a impede de instalar-se transversalmente í s estratificações sociais e mentais.

Poderes sobre as territorialidades exteriores, saberes desterritorializados sobre as atividades humanas e as máquinas e, enfim, criatividade própria í s mutações subjetivas: essas três vozes, embora inscritas no coração da diacronia histórica e duramente encarnadas nas clivagens e segregações sociológicas, não param de se entrelaçar em estranhos balés, alternando lutas de morte e a promoção de novas figuras.

Me parece oportuno assinalar, neste momento, que em nossa perspectiva esquizoanalí­tica de elucidação dos fatos de subjetivação, não faremos senão um uso muito discreto das abordagens dialéticas, estruturalistas, sistêmicas e mesmo genealógicas, no sentido de Michel Foucault. É que, a meu ver, de uma certa maneira todos os sistemas de modelização se valem, todos são aceitáveis, mas somente na medida em que seus princí­pios de inteligibilidade renunciem a qualquer pretensão universalista e admitam que eles não tem outra missão senão a de concorrer para a cartografia de Territórios existenciais – implicando Universos sensí­veis, cognitivos, afetivos, estéticos etc. -, e isto para áreas e perí­odos de tempo bem delimitados. Esse relativismo, aliás, não tem absolutamente nada de difamatório de um ponto de vista epistemológico; ele se deve ao fato de que as regularidades, as configurações mais ou menos estáveis que as ocorrências subjetivas dão a decifrar, dependem exatamente e antes dê mais nada dos sistemas de auto-modelização acima evocados com a terceira voz de auto-referência. Aqui, os elos discursivos – tanto de expressão, como de conteúdo – não respondem mais senão de tempos a tempos, ou a contra-senso, ou por desfiguração, í s lógicas ordinárias dos conjuntos discursivos. O que quer dizer que neste ní­vel tudo é bom! – todas as ideologias, todos os cultos, até os mais arcaicos, podem bastar, pois trata-se de servir-se deles apenas a tí­tulo de materiais existenciais. A finalidade primeira de suas cadeias expressivas não é mais a de denotar estados de fato ou de engastar estados de sentido em eixos significacionais; sua finalidade, repito, é a de efetuar cristalizações existenciais instaurando-se, de certo modo, aquém dos princí­pios de base da razão clássica: princí­pios de identidade, de terceiro excluí­do, de causalidade, de razão suficiente, de continuidade… O mais difí­cil de evidenciar aqui é que esses materiais, a partir dos quais podem se engrenar os processos de auto-referência subjetiva, sejam eles próprios extraí­dos de elementos radicalmente heterogêneos, para não dizer heteróclitos: ritmos de tempo vividos, ritornelos obsessivos, emblemas identificatórios, objetos transicionais, fetiches de toda espécie … O que se afirma por ocasião dessa travessia das regiões dos ser e dos modos de semiotização são traços de singularização – espécies de carimbos existenciais – que datam , ” acontecimentalizam”, “contingenciam ” os estados de fato, seus correlatos referenciais e os Agenciamentos de enunciação que lhes correspondem . Esta dupla capacidade dos traços intensivos de singularizar e de transversalizar a existência, de lhe conferir , por um lado uma persistência local e, por outro, uma consistência transversalista – uma transistência -, não pode ser plenamente captada pelos modos racionais de conhecimento discursivo . Ela só pode ser dada através de uma apreensão da ordem do afecto, uma captura transferencial global. O mais universal se encontra aqui ligado í  facticidade a mais contingente ; a mais solta das amarras ordinárias do sentido se encontra aqui ancorada í  finitude do ser-aí­. Mas diversas tradições daquilo que podemos chamar de um “fracionalismo tacanho” continuam a manter um desconhecimento sistemático , quase militante, em relação a tudo aquilo que, no seio destas metamodelizações , possa referir – se a Universos virtuais e incorporais, a todos os mundos nebulosos da incerteza, do aleatório, do provável… Este “racionalismo tacanho” perseguiu por muito tempo, no seio da antropologia, os modos de categorização que ele qualificava de “pré-lógicos”, quando na, verdade estes modos não eram senão metalógicos, paralógicos, sendo seu objetivo essencialmente o de dar consistência a Agenciamentos

de subjetividades individuais e/ou coletivos. Orago que seria preciso conseguir pensar aqui é um continuum que iria das brincadeiras de criança, das ritualizações que se fazem de um jeito ou de outro por ocasião das tentativas de recomposição psicopatológica de mundos “esquizados “, até as cartografias complexas dos mitos e das artes para, finalmente , ir de encontro aos suntuosos edifí­cios especulativos das teologias e das filosofias que buscaram apreender essas mesmas dimensões de criatividade existencial . ( Basta evocar aqui as “almas esquecedoras ” de Plotino ou o “motor imóvel” que, segundo Leibniz, preexiste a toda e qualquer dissipação de potência).

Mas voltemos í s nossas três vozes primordiais . A partir de agora, nosso problema será o de posicionar convenientemente a terceira, a da auto- referência , em relação í s vozes dos poderes e dos saberes. Eu a defini como sendo a mais singular, a mais contingente , aquela que ancora as realidades humanas na finitude , e também a mais universal , aquela que opera as mais fulgurantes travessias por campos heterogêneos . Seria preciso dizê-lo de outro modo: ela não é universal no sentido, estrito, ela é a mais rica em Universos de virtualidade, a mais provida em linhas de processualidade. E aqui peço ao leitor que não me leve a mal pela utilização de uma pletora de qualificativos, por um transbordamento de sentido de certas expressões e, sem dúvida, por uma certa imprecisão de seu alcance cognitivo: não há, aqui, outros recursos possí­veis!

As vozes de poder e de saber se inscreviam em coordenadas de exorreferência que lhes garantiam um uso extensivo e uma circunscrição precisa de sentido. A Terra era o referente de base dos poderes sobre os corpos e as populações, enquanto que o Capital era o referente dos saberes econômicos e do controle dos meios de produção. O Corpo sem órgãos da auto-referência, sem figura nem fundo, nos abre, por sua vez, o horizonte inteiramente diferente de uma processualidade considerada como ponto de emergência contí­nua de toda forma de criatividade.

Faço questão de frisar que esta trí­ade – Poder territorializado, Capital de saber desterritorializado e Auto-referência processual – não tem outra ambição senão a de esclarecer certos problemas como, por exemplo, a atual ascensão das ideologias neoliberais ou de outros arcaí­smos ainda mais perniciosos. Em todo caso, evidentemente não é a partir de um modelo tão sumário que se poderia pretender abordar as cartografias de processos concretos de subjetivação. Digamos que se trata aí­ apenas de instrumentos de uma cartografia especulativa, sem qualquer pretensão no que diz respeito a uma fundação estrutural universal, ou a uma eficiência de campo. O que é uma outra maneira de lembrar que estas vozes não existiram desde sempre e que, sem dúvida, tampouco existirão para sempre, em todo caso não sob a mesma forma. A partir daí­ talvez seja pertinente procurar localizar a emergência histórica destas vozes, as transposições de limiares de consistência que iriam fazer com que elas se colocassem duravelmente na órbita de nossa modernidade.

Pode-se esperar que tal tomada de consistência se apoie em sistemas coletivos de “memorização” dos dados e dos saberes, mas igualmente em dispositivos materiais de ordem técnica, cientí­fica e estética. Pode-se então tentar datar essas mutações subjetivas fundamentais em função, por um lado, do nascimento de grandes Equipamentos coletivos religiosos e culturais e, por outro, da invenção de novos materiais, de novas energias, de novas máquinas de cristalizar o tempo e, enfim, de novas tecnologias biológicas. Não estou dizendo que trata-se aí­ de infra-estruturas materiais condicionando diretamente a subjetividade coletiva, mas somente de componentes essenciais para a sua tomada de consistência no espaço e no tempo, em função de transformações técnicas, cientí­ficas e artí­sticas.

Estas considerações me levam então a distinguir três zonas de fraturas históricas a partir das quais, no decorrer do último milênio, surgiram três componentes capitalistas fundamentais:

– a idade da cristandade européia: marcada por uma nova concepção das relações entre a Terra e o Poder;

– a idade da desterritorialização capitalista dos saberés e das técnicas: fundada sobre princí­pios de equivaler generalizado;

– a idade da informatização planetária: que abre a possibilidade para uma processualidade criativa e singularizante tornar-se a nova referência de base.

No que diz respeito a este último ponto, antes de mais nada é preciso admitir que poucos elementos objetivos nos permitem esperar ainda por uma tal virada da modernidade mass-midiática opressiva em direção a uma era pós-mí­dia que daria todo seu alcance aos Agenciamentos de auto-referência subjetiva. Parece-me, no entanto, que não é senão no contexto das novas distribuições das cartas da produção da subjetividade informática e telemática que essa voz da auto-referência chegará a conquistar seu pleno regime. É claro que nada disso está ganho! Nada nesse campo poderia substituir as práticas sociais inovadoras. Não se trata aqui senão de constatar que, diferentemente de outras revoluções de emancipação subjetiva – Espartacus, a Revolução francesa, a Comuna de Paris… -, as práticas individuais e sociais de autovalorização, de auto-organização da subjetividade, hoje ao alcance de nossas mãos, estão em condições, talvez pela primeira vez na história, de desembocar em algo mais durável do que as loucas e efêmeras efervescências espontâneas, ou seja, desembocar num reposicionamento fundamental do homem em relação ao seu meio ambiente maquí­nico e ao seu meio ambiente natural (que aliás tendem a coincidir).

A IDADE DA CRISTANDADE EUROPÉIA

Sobre as ruí­nas do Baixo Império e do império carolí­ngio, ergueu-se na Europa ocidental uma nova figura de subjetividade que podemos caracterizar por uma dupla articulação:

1. com as entidades territoriais de base relativamente autônomas, de caráter étnico, nacional, religioso, que no começo deviam constituir a textura da segmentaridade feudal, mas que foram levadas a manter-se, sob outras formas, até nossos dias;

2. com a entidade desterritorializada de poder subjetivo de que a Igreja católica era portadora e que foi estruturada como Equipamento coletivo em escala européia.

Diferentemente das fórmulas anteriores de poder imperial, a figura central do poder já não tem aqui alcance direto, totalitário/totalizante, sobre os territórios de base do socius e da subjetividade. A cristandade, muito mais precocemente que o Islã, teve que renunciar a constituir uma unidade orgânica. Mas o desaparecimento de um César em carne e osso e a promoção, que se ouse dizer substitutiva, de um Cristo desterritorializado, longe de enfraquecer os processos de integração da subjetividade, ao contrário, os terão reforçado. Parece-me que da conjunção entre a autonomia parcial das esferas polí­tica e econômica, própria da segmentaridade feudal, e esse caráter hiperfusional da subjetividade cristã (manifesta com as cruzadas ou a adoção de códigos aristocráticos tais como “A Paz de Deus” descrita por Georges Duby), tenha resultado uma espécie de falha, de equilí­brio metaestável, favorável í  proliferação de outros processos igualmente parciais de autonomia que reencontraremos nos seguintes fenômenos:

– na vitalidade cismática da sensibilidade e da reflexão religiosa caracterí­stica desse perí­odo;

– na explosão de criatividade estética que, na verdade, desde então nunca mais parou;

– na primeira grande “decolagem” das tecnologias e das trocas comerciais, qualificadas pelos historiadores de “revolução industrial do século XI”, e que foi correlativa do aparecimento de novas figuras de organização urbana.

O que terá dado a essa fórmula ambí­güa, instável, torturada, o aumento de consistência que deveria lhe permitir sobreviver í s terrí­veis provas históricas que a esperavam: as invasões bárbaras, as epidemias, as guerras permanentes? Esquematicamente, seis séries de fatores:

1. a promoção de um monoteí­smo que, com o uso, se revelaria bastante flexí­vel, evolutivo, relativamente capaz de se adaptar í s posições subjetivas particulares dos bárbaros, dos escravos etc. O fato de que a flexibilidade de um sistema de referência ideológica tenha se tornado um trunfo fundamental para que ele consiga perdurar, constituirá um dado de base que reencontraremos em todas as encruzilhadas importantes da história da subjetividade capitalí­stica. (Que se pense, por exemplo, na surpreendente capacidade de adaptação do capitalismo contemporâneo que lhe permite

fagocitar, literalmente, as economias ditas socialistas). A consolidação dos novos padrões ético-religiosos do Ocidente cristão, desembocará na constituição de um duplo mercado paralelo de subjetivação: um mercado de refundação permanente de territorialidades de base e de redefinição de filiações e de redes de suserania, sejam quais forem seus fracassos; e um outro, de predisposição a uma livre circulação de fluxos de saber, de signos monetários, de figuras estéticas, de tecnologia, de bens, de pessoas etc., abrindo passagem para a assunção da segunda voz capitalí­stica desterritorializada;

2. a instauração de um esquadrinhamento cultural das populações cristãs por um novo tipo de máquina religiosa assentando-se, particularmente, sobre as escolas paroquiais criadas por Carlos Magno e que sobreviveram ao desaparecimento de seu império;

3. a instauração, numa longa duração, de corpos de ofí­cios, de guildas, de mosteiros, de ordens religiosas… como outros tantos “bancos de dados” de saberes e de técnicas da época;

4. a generalização do uso do ferro e dos moinhos de energia natural;

o desenvolvimento de mentalidades artesanais e urbanas. Mas esse primeiro florescimento do maquinismo, é preciso sublinhar, não se implantou senão de um modo, por assim dizer, parasita, “enquistado” no seio dos grandes Agenciamentos humanos sobre os quais continuou a assentar-se o essencial dos grandes sistemas de produção. Em outras palavras, aqui não se sai ainda de uma relação fundamental homem/ferramenta;

5. o aparecimento das primeiras máquinas operando uma integração subjetiva muito mais desenvolvida:

– os relógios que batem as mesmas horas canônicas, em toda a cristandade;

– a invenção, por etapas, de músicas religiosas submetidas a um suporte escritural;

6. as seleções de espécies animais e vegetais que estarão na base desse florescimento quantitativo dos parâmetros demográficos e econômicos e, conseqüentemente, do redimensionamento dos Agenciamentos em questão.

Apesar, ou por causa, das colossais pressões de recalcamento territorial, mas também das aculturações enriquecedoras – exercidas, de um lado, pelo Império bizantino, retomado pelo imperialismo árabe e, de outro, pelas potências bárbaras e nômades, particularmente portadoras de inovações metalúrgicas -, o caldo de cultura da cristandade protocapitalí­stica chegará a uma estabilização relativa (mas de longa duração) de seus três pólos fundamentais de subjetivação, aristocráticos, religiosos e camponeses, que regem suas relações de poder e de saber. Assim, as “irrupções maquí­nicas” ligadas ao desenvolvimento urbano e ao florescimento das tecnologias civis e militares estarão sendo encorajadas e, ao mesmo tempo, refreadas. Essa espécie de estado de natureza das relações entre o homem e a ferramenta continuará assediando até hoje os paradigmas de reterritorialização do tipo “Trabalho, Famí­lia, Pátria”.

A IDADE DA DESTERRITORIALIZAÇÃO CAPITALíSTICA DOS SABERES E DAS TÉCNICAS

Este segundo componente da subjetividade capitalí­stica vai se afirmar, principalmente , a partir do século XVIII, qúe será marcado por um desequilí­brio crescente das relações homem /máquina. O homem perderá aí­ territorialidades sociais que lhe pareciam até então inamoví­veis. Com isso, suas referências de corporeidade fí­sica e social ficarão profundamente perturbadas . O universo de referência do novo cambismo generalizado, não será mais uma territorialidade segmentária , mas o Capital como modo de reterritorialização semiótica das atividades humanas e das estruturas convulsionadas pelos processos maquí­nicos . Antes era o Déspota real ou o Deus imaginário que serviam de pedra angular operacional para a recomposição local de Territórios existenciais . Agora será uma capitalização simbólica de valores abstratos de poder, incindindo sobre saberes econômicos e tecnológicos , articulados a duas classes sociais desterritorializadas e conduzindo a uma equivalência generalizada entre todos os modos de valorização dos bens e das atividades humanas. Tal sistema só conseguirá conservar uma consistência histórica na medida em que permanecer engajado numa espécie de eterna corrida desenfreada e ficar retomando suas manobras constantemente . A nova “paixão capitalí­stica” varrerá tudo o que encontrar pelo caminho : em especial as culturas e as territorialidades que, bem ou mal, haviam conseguido escapar aos rolos compressores do cristianismo . Os principais fatores de consistência deste componente são:

1. uma penetração geral do texto impresso no conjunto das engrenagens da vida social e cultural, correlativa de um certo enfraquecimento das performances de comunicação oral diretas , mas que em contrapartida autorizará uma capacidade muito maior de acumulação e de tratamento

dos saberes;

2. o primado do aço e das máquinas a vapor que multiplicará a potência de penetração dos vetores maquí­nicos tanto na terra , no mar e no ar, quanto no conjunto dos espaços tecnológicos , econômicos e urbaní­sticos;

3. uma manipulação do tempo, que ficará literalmente esvaziado de seus ritmos naturais , promovida por:

– máquinas cronométricas que levarão ao esquadrinhamento tayloriano da força de trabalho;

– técnicas de semiotização econômica , por exemplo , através de moedas de crédito que implicam uma virtualização geral das capacidades de iniciativa humana e um cálculo previsional que incinde sobre os campos de inovação – espécies de notas promissórias para o futuro – que permitem ampliar indefinidamente o império das economias de mercado;

4. as revoluções biológicas a partir das descobertas de Pasteur que vão ligar, cada vez mais, o futuro das espécies vivas ao desenvolvimento das indústrias bioquimí­cas.

A partir daí­, o homem se encontra numa posição de adjacência quase parasitária em relação aos Phylum maquí­nicos . Em suma, cada um de seus órgãos , de suas relações sociais sofrerá um novo recorte para ser reafetado, sobrecodificado , em função das exigências globais do sistema. (É na obra de Leonardo da Vinci, de Brueghel e sobretudo de Arcimboldo que encontraremos as mais impressionantes e premonitórias representações desses remanejamentos corporais).

O que é paradoxal com esse funcionalismo dos órgãos e das faculdades humanas e seu regime de equivaler generalizado dos sistemas de valorização é que ao mesmo tempo em que se refere obstinadamente a perspectivas universalizantes, historicamente ele nunca pôde chegar a outra coisa senão a um retorno sobre si mesmo, a reterritorializações de ordem nacionalista, classista, racista, corporativista, paternalista…, que o levaram inexoravelmente, e í s vezes caricaturalmente, í s vias de poder as mais conservadoras. O “Espí­rito das Luzes” que marcou o advento dessa segunda figura da subjetividade capitalí­stica permaneceria, de fato, acompanhado de um incorrigí­vel fetichismo do lucro – fórmula libidinal de poder especificamente burguesa que, apesar de ter se diferenciado dos antigos sistemas emblemáticos de controle dos territórios, das pessoas e dos bens, recorrendo a mediações mais desterritorializadas, nem por isso deixou de secretar um fundo subjetivo dos mais obtusos, dos mais associais e dos mais infantilizantes. Portanto, sejam quais forem as aparências de liberdade de pensamento com a qual o novo monoteí­smo capitalí­stico sempre gostou de se pavonear, ele sempre pressupôs uma dominação arcaizante e irracional da subjetividade inconsciente, especialmente através de dispositivos de responsabilização e de culpabilização hiperindividualizados que, levados a seu paroxismo, conduzem í s compulsões autopunitivas e aos cultos mórbidos do erro, repertoriados com perfeição no universo kafkiano.

A IDADE DA INFORMíTICA PLANETíRIA

Aqui, os pseudo-equilí­brios precedentes ficarão rompidos num sentido inteiramente diferente. Agora é a máquina que irá ficar sob o controle da subjetividade, não de uma subjetividade humana reterritorializada, mas de uma subjetividade maquí­nica de um novo gênero. Algumas caracterí­sticas da tomada de consistência dessa nova era:

1. a mí­dia e as telecomunicações tendem a duplicar as antigas relações orais e escriturais. Cabe notar que a polifonia que resultar disso não irá mais associar apenas vozes humanas, mas também vozes maquí­nicas com os bancos de dados, a inteligência artificial, as imagens de sí­ntese etc. A opinião e o gosto coletivo, por sua vez, serão trabalhados por dispositivos estatí­sticos e de modelização como os que são produzidos pela publicidade e a indústria cinematográfica;

2. as matérias-primas naturais vão se apagando aos poucos diante de uma imensidão de novos materiais fabricados por encomenda pela quí­mica (materiais plásticos, novas ligas, semicondutores etc.). O desenvolvimento da fissão nuclear e, amanhã, da fusão, nos permite prever uma ampliação considerável dos recursos energéticos, a não ser que este desenvolvimento conduza a desastres irreversí­veis causados por poluição! Aqui, como em tudo mais, isto dependerá das capacidades de reapropriação coletiva dos novos Agenciamentos sociais;

3. com a temporalidade introduzida pelos microprocessadores, quantidades enormes de dados e de problemas podem ser tratados em lapsos de tempo `minúsculos, de modo que as novas subjetividades maquí­nicas não páram de adiantar-se aos desafios e aos problemas com os quais se confrontam;

4. a engenharia biológica, por sua vez, abre caminho para uma remodelação das formas vivas que pode levar a modificações radicais das condições de vida no planeta e, conseqüentemente, de todas as referências etológicas e imaginárias que lhe são aferentes.

A questão que volta aqui, de maneira lancinante, consiste em saber porque as imensas potencialidades processuais trazidas por todas essas revoluções informáticas, telemáticas, robóticas, biotecnológicas, dos escritórios [bureautiques]… até agora só fizeram levar a um reforço dos sistemas anteriores de alienação, a uma mass-midiatização opressiva e a polí­ticas consensuais infantilizantes. O que irá permitir que estas potencialidades desemboquem enfim numa era pós-mí­dia, que as livre dos valores capitalí­sticos segregativos e crie condições para o pleno desabrochar dos esboços atuais de revolução da inteligência, da sensibilidade e da criação? Diversos tipos de dogmatismo pretendem encontrar uma saí­da para esses problemas, afirmando violentamente uma dessas três vozes capitalí­sticas, em detrimento das outras duas. Há aqueles que sonham, em matéria de poder, em voltar í s legitimidades dos velhos tempos, í s circunscrições bem delimitadas de povo, de raça, de religião, de casta, de sexo… Paradoxalmente, os neo-stalinistas e os social-democratas, que não conseguem pensar o socius senão no quadro de uma inserção rí­gida no seio das estruturas e das funções estatais, têm que ser classificados nessa categoria. Há aqueles cuja fé no capitalismo leva a justificar todas as devastações da modernidade – no homem, na cultura, no meio ambiente… – porque estimam que, em última instância, eles serão portadores de benefí­cios e progressos. Há aqueles, enfim, que por seus fantasmas de liberação radical da criatividade humana acabaram sendo relegados a uma marginalidade crônica, a um mundo de ilusões, ou os que voltaram a buscar refúgio atrás de um socialismo ou de um comunismo de fachada.

Cabe a nós, ao contrário, tentar repensar estas três vozes em sua necessária intricação. Nenhum engajamento nos Phylum criadores da terceira voz é sustentável sem que se criem, ao mesmo tempo, novas territorialidades existenciais que, por não serem mais da alçada de um etos pós- carolí­ngio, nem por isso deixam de apelar para disposições protetoras em relação í  pessoa, ao imaginário e í  constituição de um meio ambiente de suavidade e dedicação. Quanto aos megaempreendimentos da segunda voz, as grandes aventuras coletivas industriais e cientí­ficas e a gestão dos grandes mercados de saber, é evidente que eles continuam conservando toda sua legitimidade, mas com a condição de que sejam redefinidas suas finalidades, pois eles permanecem desesperadamente surdos e cegos í s verdades humanas. É possí­vel pretender ainda que sua finalidade seja somente o lucro? Seja como for, a finalidade da divisão do trabalho, assim como a das práticas sociais emancipadoras, terá que acabar recentrando-se num direito fundamental í  singularidade, numa ética da finitude, tanto mais exigente em relação aos indiví­duos e í s entidades sociais, quanto menos capaz ela for de fundar seus imperativos em princí­pios transcendentes. Vê- se aqui que os Universos de referência ético-polí­ticos são chamados a se instaurar no prolongamento dos universos estéticos, sem que por isso alguém esteja autorizado a falar aqui em perversão ou sublimação. Pode-se notar que os operadores existenciais que incidem sobre essas matérias ético-polí­ticas, da mesma forma que os operadores estéticos implicam passagens inevitáveis por pontos de ruptura de sentido, por engajamentos processuais irreversí­veis, cujos agentes são geralmente incapazes de prestar contas a quem quer que seja, nem mesmo a si próprios, o que inclusive os expõe a riscos de loucura. Só uma tomada de consciência da terceira voz, no sentido da auto-referência – a passagem da era consensual midiática a uma era dissensual pós-midiática – permitirá a cada um assumir plenamente suas potencialidades processuais e fazer, talvez, com que esse planeta, hoje vivido como um inferno por quatro quintos de sua população, transforme-se num universo de encantamentos criadores.

Imagino que esta linguagem possa soar oca a muitos ouvidos blasés, e que os menos mal intencionados podem tachar meus propósitos de utópicos. Sim, a utopia hoje não está bem cotada, mesmo quando ela adquire uma carga de realismo e de eficiência como a que lhe confere os Verdes na Alemanha. Mas não nos enganemos: o interesse por estas questões de produção de subjetividade não se limita mais apenas a um punhado de iluminados. Olhem bem o Japão, modelo dos modelos das novas subjetividades capitalí­sticas! Ainda não se frisou suficientemente, que um dos ingredientes essenciais do coquetel-milagre que se apresenta aos visitantes no Japão, consiste no fato de que a subjetividade coletiva, que lá é produzida massivamente, associa componentes os mais hi-tech a arcaí­smos herdados de tempos imemoriais. Aqui também encontramos a função reterritorializante de um monoteí­smo ambí­güo – o Xintoí­smo, mistura de animismo e de potências universais – que contribui para o estabelecimento de uma fórmula maleável de subjetivação a qual, é verdade, nos leva para bem longe da épura triádica das vias cristãs-capitalí­sticas. Seria preciso investigar melhor!

Mas consideremos, num outro extremo, o caso do Brasil. Está aí­ um paí­s onde os fenômenos de reconversão das subjetividades arcaicas tomaram um rumo inteiramente diferente. Sabe-se que considerável parcela da população brasileira vegeta numa tal miséria que escapa, de fato, í  economia monetária, o que não impede que sua indústria seja classificada em sexto lugar entre as grandes potências ocidentais. Nessa sociedade dual – e como! -, assistimos a uma subjetividade sendo duplamente varrida: de um lado, por uma onda ianque bastante racista – por mais que isto desagrade a alguns – que é veiculada por uma das mais potentes redes televisivas do mundo e, de um outro lado, por uma onda de caráter animista com religiões sincréticas como o candomblé, mais ou menos herdadas do fundo cultural africano, e que tendem a sair de seu acantonamento originário do seio das populações negras, para contaminar o conjunto da sociedade, inclusive os meios mais abastados do Rio e de São Paulo. É impressionante ver o quanto, nesse contexto, a impregnação mass-midiática precede a aculturação capitalí­stica. E sabem o que aconteceu quando o presidente Sarney quis dar um golpe decisivo na inflação que tinha chegado a 400 % ao ano? Ele foi í  televisão, brandiu um papel diante das câmaras e declarou que a partir do instante em que ele assinasse o decreto-lei que tinha em mãos, cada espectador que o assistia naquele momento seria seu representante pessoal e teria o direito de denunciar os comerciantes que remarcassem os preços, o que podia até dar cadeia. Parece que este foi um tempo tremendamente eficaz. Mas a que preço de regressão em matéria de direito!

O impasse subjetivo do capitalismo da crise permanente (o Capitalismo Mundial Integrado) parece total. Ele sabe que as vozes de auto-referência são indispensáveis para sua expansão e portanto para sua sobrevivência; no entanto, tudo o leva a refrear sua proliferação. Uma espécie de Superego – a voz grossa carolí­ngea – não sonha senão em esmagar essas vozes, reterritorializando-as em suas imagens arcaicas. Mas, para procurar sair desse cí­rculo vicioso, tentemos agora ressituar nossas três vozes capitalistas em relação í s coordenadas geopolí­ticas em uso para hierarquizar os grandes conjuntos subjetivos em primeiro, segundo e terceiro mundo. Para a subjetividade do Ocidente cristão tudo era (e, inconscientemente, continua sendo) simples: ela não sofre nenhum enquadramento, nem de latitude, nem de longitude. Ela é o centro transcendente em torno do qual tudo é suposto girar. As vozes do Capital, por sua vez, não pararam de avançar, primeiro em direção ao Oeste, atrás de inapreensí­veis “novas fronteiras” e, mais recentemente, em direção ao Leste, na conquista de tudo aquilo em que se transformaram os antigos impérios asiáticos – inclusive a Rússia. Só que essa corrida enlouquecida chega a seu termo com a Califórnia de um lado e o Japão do outro. A segunda voz do Capital está encerrada, o mundo se fechou e o sistema está saturado. (A última potência que irá percebê-lo será sem dúvida a França, agarrada em seu atol de Mururoa!)ó. A conseqüência, disto é que talvez seja no eixo Norte-Sul que vai estar em jogo o destino da terceira voz da auto-referência: é o que eu gostaria de chamar de “compromisso bárbaro”. O antigo limes de delimitação da barbárie desagregou-se irremediavelmente, desterritorializou- se. Os últimos pastores do monoteí­smo perderam seus rebanhos, pois a nova subjetividade não é mais de natureza a poder ser reunida. E, aliás, agora é o Capital que começa a explodir em polivocidade animista e maquí­nica. Não seria uma virada fabulosa que as velhas subjetividades africanas, pré-colombianas, aborí­genes… se tornassem o recurso último da reapropriação subjetiva da auto-referência maquí­nica? Aqueles mesmos negros, í­ndios, oceânicos dos quais tantos ancestrais escolheram a morte ao invés da submissão aos ideais de poder, de escravismo e, depois, de cambismo, da cristandade e do capitalismo?

E, para terminar, espero que o leitor não me faça objeções pelo caráter um tanto exótico de meus dois últimos exemplos. Mesmo num paí­s do Velho Continente como a Itália, constata-se que há alguns anos, no seio do triângulo Norte-Leste-Centro, uma imensidão de pequenas empresas familiares começaram a viver em simbiose com os ramos industriais de ponta da eletrônica e da telemática. Isso chega ao ponto de que se uma Silicon Valley í  italiana tiver que surgir, será graças í  reconversão de arcaismos subjetivos, que têm sua origem nas antigas estruturas patriarcais daquele paí­s. E talvez não seja do desconhecimento do leitor que alguns prospectivistas, que não são absolutamente fantasistas, pretendem que certos paí­ses mediterrâneos como a Itália e a Espanha, estão sendo levados a superarem, em alguns decênios, os grandes pólos econômicos da Europa setentrional. Então, vejam, em matéria de sonho e de utopia, o futuro permanece amplamente aberto. Meu anseio é que todos aqueles que continuam ligados í  idéia de progresso social – para quem o social não se tornou um engodo, uma “aparência” – se debrucem seriamente sobre essas questões de produção da subjetividade. A subjetividade de poder não cai do céu; não está inscrito nos cromossomos que as divisões do saber e do trabalho devem necessariamente levar í s terrí­veis segregações que a humanidade conhece hoje. As figuras inconscientes do poder e do saber não são universais, elas estão,ligadas a mitos de referência profundamente ancorados na psique, mas que também podem ser inflectidos em direção a vias liberadoras. A subjetividade permanece hoje massivamente controlada por dispositivos de poder e de saber que colocam as inovações técnicas, cientí­ficas e artí­sticas a serviço das mais retrógradas figuras da socialidade. E, no entanto, é possí­vel conceber outras modalidades de produção subjetiva – estas processuais e singularizantes. Essas formas alternativas de reapropriação existencial e de autovalorização podem tornar- se, amanhã, a razão de viver de coletividades humanas e de indiví­duos que se recusam a entregar-se í  entropia mortí­fera, caracterí­stica do perí­odo que estamos atravessando.

Tradução de Suely Rolnik

NOTAS

1. Texto enviado por Guattari ao Colégio Internacional de Estudos Filosóficos Transdisciplinares, para integrar a publicação de um número da revista 34 Letras sobre o tema da Pós-Modernidade. Esta publicação, no entanto, acabou não ocorrendo por conta do desaparecimento da revista. O texto foi editado pela primeira vez na revista Chimí¨res – Revue des Schizoanalyses (n. 4, inverno 1987-1988; pp. 27-44) e reeditado como “Liminar”, no livro de Guattari Cartographies Schizoanalytiques ( Galilée, Paris, 1989; pp. 9-25). (N. da Ed.)

2. Nano-segundo: dez elevado a menos nove segundos; pico-segundo: dez elevado a menos doze segundos. Sobre todos os temas prospectivos aqui evocados, cf. “Rapport sur l’état de Ia technique” C.P.E., número especial de Science et téchnique, dirigido por Thierry Gaudin. (N. do A.)

3. Atol no Pací­fico que pertence í  França e é base de suas experiências nucleares. ( N. da T.)


Fonte: GUATTARI, Félix. Da produção da subjetividade. In.: PARENTE, André (Org.). Imagem-máquina: a era das tecnologias do virtual. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1996.

Muxe: o terceiro sexo.

Justo, no México, “paí­s do machismo”, há uma localidade que se distingue nitidamente de suas cercanias: é Juchitán, a cidade com mais do que dois sexos.

por Veronika Bennholdt-Thomsen

Juchitán é diferente. Essa cidade no istmo de Tehuantepec, com cerca de 90 mil habitantes, não combina muito com a imagem de um México marcado pelo machismo. No comércio e na vida social, quem manda é a mulher; e qualquer homem que quiser pode se fazer passar abertamente por mulher. Os muxes (termo supostamente derivado do espanhol mujer) não são apenas aceitos, mas também estimados em sua alteridade. São considerados especialmente trabalhadores, o que não é de se admirar, pois demonstram í  sociedade seu status de terceiro sexo ao se destacarem de forma especial nos setores de trabalho femininos. Como o trabalho das mulheres é altamente reconhecido em Juchitán, para os muxes é mais fácil deixar para trás sua identidade masculina aqui do que em outros lugares. Mulheres e muxes são comerciantes e artesãos responsáveis sobretudo pelos alimentos e pelos deliciosos pratos, bem como por bordado, artes medicinais, cerâmica e pelas numerosas festas do ciclo anual, para as quais eles fornecem comida e bebida, além da decoração para a praça das festividades.

Os homens são responsáveis pelos bens primários, ou seja, pela lavoura e pela pesca, trabalham como artesãos em ramos masculinos como construção civil, marcenaria, tecelagem de redes e ourivesaria, mas também em âmbitos como música, pintura e poesia. Os homens colocam seus produtos na mão das mulheres e elas os comercializam. A mulher administra todo o dinheiro, inclusive o lucro da venda dos produtos é o salário que os poucos assalariados, desde sempre em minoria nessa comunidade, lhes entregam integralmente. Afinal, os assuntos financeiros fazem parte das incumbências femininas.

E o erotismo, a sexualidade? Os muxes são considerados especialmente eróticos. Quando aparecem nas festas, maquiados, cheios de jóias, flores no cabelo, e se sentam junto í s mulheres nas primeiras fileiras em torno do terreiro de dança, todo mundo estica o pescoço, até os homens sentados nas filas de trás, por mais que esses o façam menos ostensivamente, para evitar que seu interesse sexual pelos muxes vire imediatamente alvo de zombarias nada discretas.

Nos últimos anos, os muxes passaram cada vez mais a se vestir para as festas com os trajes tí­picos das juchitecas, ricamente bordados, em vez de usarem calça preta e camisa branca. Isso não deixa de provocar um certo mau humor entre as mulheres, pois elas já não podem mais se distinguir dessas outras vestidas como rainhas e tidas em similar alta estima. Não é raro ouvir um muxe soltar uma tirada contra alguma difamadora: “Sou mais mulher do que você!”. Também se ouve murmurar que certas mulheres se expressam de forma tão crí­tica por causa da concorrência pela atenção sexual dos homens ou de um determinado homem. Afinal, o parceiro sexual do muxe é o homem, que – por sua vez – não é visto nem como experiência reiteradamente na idade adulta, algo em geral acompanhado por um alto consumo alcoólico. Por mais que seja raro, também há homens que vivem numa relação estável com um muxe, sem que isso altere seu status masculino. Do mesmo modo, também há casos igualmente raros de muxes que vivem numa relação fixa com uma mulher e têm filhos, sem que isso altere em nada seu status de muxe. Em contrapartida, o contato sexual entre muxes é mal visto, considerado uma quebra de tabu no sistema de regras sexuais.

Como é que nós, a partir do sistema de categorias da Europa Central, podemos compreender essa outra forma de lidar com identidades sexuais? Ou melhor, como é que se produz identidade sexual aqui e lá? Muito esclarecedor nesse contexto é o resultado de uma pequena enquete que um austrí­aco fez entre os muxes de Juchitán em 2004. No estudo de campo “Transgênero e Normas Sociais”, Georg Brandenburg indagou pelo que os muxes optariam, se tivessem a possibilidade, já existente na íustria, de fazer uma operação com o melhor acompanhamento médico e passar a tomar hormônios para se transformar numa mulher. Nenhum dos muxes entrevista dos achou a idéia interessante, mas sim estranha: “Não, isso não mudaria nada. Nesse caso, eu seria um muxe com corpo de mulher”, respondeu um deles. Dificilmente se poderia expressar melhor a identidade como terceiro sexo, sim, a existência de um terceiro sexo. Afinal, em Juchitán não se separa a natureza da “construção” social dos sexos, ao contrário do que ocorre no conceito de “gênero”; a natureza sempre é compreendida como algo socialmente moldado – tanto a do muxe quanto a das mulheres e dos homens. Daria para dizer que não existe biologia pura.

O trabalho tem um papel importante na definição da atribuição sexual. Não embora, mas justamente porque a divisão sexual de trabalho entre homem e mulher é nitidamente marcada em Juchitán, é possí­vel definir um terceiro sexo. Entre nós, pelo contrário, a dissolução de todas as atribuições séxuais biológicas é vista como pressuposto da liberdade de escolha de uma identidade sexual para além da norma heterossexual – algo reforçado nos últimos anos pelo desconstrutivismo e pelo discurso de gêneros. Por trás disso está a noção ocidental da natureza como reino restritivo da necessidade, de modo que a dissolução do contexto natural é entendida como um passo rumo í  libertação da heterossexualidade obrigatória.

Por intermédio de uma clara divisão sexual de trabalho, ainda se define um quarto sexo na região do istmo zapoteca: a marimacha. Trata-se da mulher que se identifica como papel social masculino, faz trabalho de homem e geralmente vive em um relacionamento com outra mulher. Ao contrário dos muxes, que costumam dizer que desde crianças se sentiam do lado feminino, não são poucas as que se tornaram marimachas quando adultas, mesmo após o nascimento dos filhos. Ao contrário dos muxes, as marimachas não são facilmente aceitas como um sexo autônomo. Talvez isso se deva ao alto prestí­gio da mulher na sociedade dos Binnizá, algo a que elas renunciam ao se tornarem homens e que os muxes, por sua vez, conquistam para si. Seja como for, o trabalho define em todos os casos igualmente as atribuições sexuais.

Em Juchitán, trabalho é uma expressão do corpo, é a liga ção da corporalidade humana, da natureza humana com a natureza í  volta, com os materiais da natureza, fazendo uma ponte com a comunidade. Através do trabalho, a pessoa como um todo se realiza no mundo-com espí­rito, alma, corpo, sexualidade e aptidão. Ser comerciante é, portanto, uma capacidade com a qual a mulher juchiteca nasce, uma caracterí­stica sexual secundária, por assim dizer. É por isso que um homem comerciante também é um muxe. Analogamente, o mercado, isto é, as barracas do mercado e das ruas adjacentes, bem como o comércio exterior e os negócios bancários são de responsabilidade das mulheres. Quando elas aparecem nas festas usando ostensivamente as jóias de ouro que adquiriram através de seu trabalho, quem vê entende intuitivamente o quanto isso está ligado í  sua atratividade sexual. Desenvolver seu talento como comerciante é algo que enche a mulher de satisfação e orgulho. 0 mesmo se aplica ao homem e í  sua vocação para a lavoura e a pesca. As mulheres, em contrapartida, não são camponesas nem pescadoras, a não ser que sejam marimachas. Como a atividade imediatas ignifica ao mesmo tempo o desenvolvimento da vida, os habitantes de Juchitán não aspiram a fazer trabalho assalariado ou a deixar seu trabalho ser executado por trabalhadores assalariados.

Assim, a economia de Juchitán consiste em inúmeros autônomos, não apenas com uma clara divisão de trabalho entre os sexos, mas também com uma alta divisão de trabalho entre as mulheres. Não há donas-de-casa em Juchitán. Toda atividade é estimada como produtiva e seu produto pode ser negociado como mercadoria. Somente a própria mão-de- obra não se torna mercadoria. Toda mulher e todo muxe são especializados em diferentes âmbitos de produção, que entre nós geralmente contam como trabalho doméstico de responsabilidade de uma única mulher, mas lá são destinados ao mercado: preparar chocolate, fazer compota de frutas, assar pastéis de milho, lavar e engomar a barra rendada do traje de festa etc. Com isso, a cidade inteira se torna um grande domicí­lio negociado pelo mercado. Em outras palavras, o trabalho de subsistência ligado í  natureza, ou seja, o trabalho naquilo que é necessário í  subsistência cotidiana não é menosprezado em Juchitán. Ao contrário do que ocorre entre nós, a meta não consiste em se libertar desse trabalho, mas sim em realizá-lo bem.

Será que é essa extraordinária força econômica da mulher que permite ao muxe ser tão bem aceito socialmente, a ponto de as mães ficarem contentes quando um de seus filhos se revela muxe? Essa é uma suposição manifestada com freqüência, embora seja apenas a meia verdade. A verdade inteira é que esse sistema social, econômico e cultural tão distinto se baseia numa compreensão da natureza diferente da nossa. Assim que a mão-de-obra se torna mercadoria e o ser humano deixa de praticar uma atividade concreta cujo sentido seja o aproveitamento imediato do resultado do trabalho, assim que se passa a trabalhar por um salário abstrato, portanto, desaparece o erotismo do fazer e com isso também a possibilidade de realizar a natureza humana através do trabalho.

Sendo assim, os muxes certamente não terão vantagem nenhuma se passarem a se compreender como gays ou, sob estí­mulo das câmeras dos turistas e das emissoras de televisão internacionais, transformarem sua grande festa do ciclo anual em um show de travestis, ou então passarem a usar o traje feminino de gala nas outras festas da comunidade juchiteca como se fossem drag queens. Que as benevolentes deusas de suas antepassadas os protejam dessa perda de identidade!


Tradução do alemão : Simone de Mello

Fonte: revista humboldt número 97/2008

Para quebrar tudo e sair sorrindo!

En el Acuerdo sobre los ADPIC, uno de los artí­culos más controvertidos es el 27.3b. Dicho artí­culo está relacionado con el derecho de los miembros a excluir de la patentabilidad “las plantas y los animales excepto los microorganismos, y los procedimientos esencialmente biológicos para la producción de plantas o animales, que no sean procedimientos no biológicos o microbiológicos”, pero, a su vez, exige la protección de las variedades de plantas, ya sea mediante patentes o a través de un sistema sui generis eficaz. Según afirmó Shashikant, el artí­culo favoreció la industria biotecnológica de los paí­ses desarrollados al exigir la concesión de patentes de microorganismos, lo que, en el caso de estos paí­ses, constituye una ventaja.

“La cuestión reside en determinar si esto se aplica a los organismos modificados genéticamente y no a los microorganismos naturales”, expresó, y agregó que la definición de microorganismos no deja en claro a qué se hace referencia.

Actualmente el artí­culo 27.3b se encuentra bajo revisión y algunos paí­ses, tales como Brasil, la India y Tailandia, solicitan mayor claridad en éste, sostuvo.