Il fault un noveau monde �  des destins

O Falanstério do Saí­

No século XIX, o desencantamento com os ideais da Revolução Francesa revigorou o pensamento utópico, cujos desdobramentos elegeriam a América como um espaço geográfico propí­cio para experiências até então inusitadas. Saint-Simon, Owen e Fourier foram os principais representantes dessa vertente de pensamento e apresentaram í  humanidade fórmulas de liberação, inventando mundos novos nos quais propunham relações radicalmente inovadoras. Suas propostas encerravam uma concepção messiânica de polí­tica, por este motivo criticadas e denominadas por Marx e Engels de socialismo utópico.
Em janeiro de 1842, cerca de 217 franceses, liderados pelo doutor Benoit Jules Mure, se aventuraram na travessia do Atlântico rumo ao Brasil. Seu destino era um ponto em frente í  Ilha de São Francisco do Sul, a Pení­nsula do Saí­. Ali, longe dos ví­cios das metrópoles européias, pretendiam criar um mundo novo, inspirados nas idéias de Charles Fourier, principalmente naquelas que diziam respeito í s relações do trabalho. Por meio de um sistema econômico baseado na livre associação, tentariam implantar um sistema coletivista.
Diferente de Marx, para o qual a chave da história era o conhecimento dos fenômenos materiais, das profundidades da economia, da relação dos homens no trabalho; para Fourier, a chave da história era o desvendamento da vida afetiva dos grupos, havendo uma correspondência entre o mundo planetário e o mundo social: “o movimento que impulsiona os planetas, assim como os homens, é o amor, a atração passional”.
Com base nessa concepção idealizou o “falanstério”, ou seja, uma habitação coletiva que abrigaria um mundo no qual a harmonia garantiria o bem-estar, a justiça e a liberdade entre seus habitantes. Essa palavra estranha foi criada por Fourier, já que não existia nenhuma na linguagem corrente que definisse a moradia por ele concebida. Falanstério, pois, significa a junção das palavras “falange” e “monastério”, porquanto as pessoas que nele habitassem seriam organizadas em falanges. Cada falange seria composta de 1.620 pessoas, 810 homens e 810 mulheres, e divididas em séries. Por sua vez, a série deveria ser dividida em grupos, segundo o número de trabalhos a realizar e as “atrações passionais” dos falansterianos.
O Dr. Mure foi o responsável pela única tentativa concreta de instalação de um falanstério no Brasil, o chamado Falanstério do Saí­, contemplado no seu projeto com vastas oficinas, salas de refeição, bar e, num futuro próximo, livrarias, museus, gabinetes de fí­sica e um teatro. A cozinha seria comum a todos, bem com o a adega, o armazém e o celeiro.
Quando chegou ao Brasil, Benoit Jules Mure tinha trinta e dois anos. Formado em medicina pela Universidade de Paris, por algum tempo se dedicara a homeopatia na França, na época, uma novidade terapêutica.
Homeopatia e utopia caminhavam juntas nos planos de Mure. Uma escola para formação de homeopatas complementava seu projeto para o Saí­. No entanto, já em meados de 1843, estava de volta ao Rio de Janeiro. Parte de seus planos para a nova prática de curar concretizaram-se naquela cidade com a fundação do Instituto Homeopático do Brasil, não sem antes enfrentar oposição dos médicos tradicionais, que o envolveram em intrigas e dissabores. Desiludido, Mure voltou para a França em 1848.
São controversos os motivos pelo qual Mure desempenhou sua função de “empresário” na pretendida colonização. Fato é que Mure conseguiu aprovação da Assembléia Geral (atual Congresso Nacional) para o adiantamento de 64.000$00 (sessenta e quatro mil réis) destinados í s despesas com a introdução de franceses adeptos das idéias de Fourier, a fim de estabelecerem a “Colônia Industrial do Saí­”.

extraí­do do livro “Muito além da viagem de Gonneville”, editora da UFSC / SC

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