a pé no sentido sudeste-noroeste


A estátua do homem nu, em Curitiba, olhando para noroeste; ainda sem a sua companheira, em foto de Wilson Brustolin, na década de 60.

O CAMINHO DO PEABIRU

A palavra Peabiru é tupi-guarani e para ela há uma variedade de definições: “Caminho forrado”; “Caminho antigo de ida e volta”; “Caminho pisado”; “Caminho sem ervas”; “Caminho que leva ao céu”, entre outras.
A intensa ocupação humana destruiu o Peabiru, hoje restam pouquí­ssimos vestí­gios. Os mais importantes deles, até o momento, localizam-se em Pitanga / PR.
Provavelmente milenar, o Caminho foi descrito desde o século 16 como possuindo cerca de oito palmos de largura, uma profundidade de 40 cm. e forrado por gramí­neas que impediam o crescimento do mato.
Ainda não é possí­vel saber a rota exata do Caminho, mas, é possí­vel traçar um roteiro aproximado.
O tronco paulista, que começava em São Vicente e Cananéia, seguia a direção do rio Tietê – municí­pio de Itu – rio Paranapanema – rio Itararé – nascente do rio Ribeira do Iguape.
Entrando no PR, percorria Doutor Ulisses – Cerro Azul – Castro – Tibagi – Reserva – Cândido de Abreu – Pitanga – Palmital – Guaraniaçu – Corbélia – Nova Aurora – Tupãssi – Assis Chateubriand – Palotina – Guaí­ra.
O tronco principal catarinense, iniciava-se provavelmente no Massiambu (Palhoça), seguindo por Florianópolis – litoral norte – rio Itapocu – Guaramirim – São Bento – Mafra. Entrava no PR por Rio Negro – Campo do Tenente – Lapa – Porto Amazonas – Palmeira – Castro, trecho usado depois pelos tropeiros.
O Peabiru deixava o estado do PR por Guaí­ra. Havia outra passagem por Foz do Iguaçu – usada por Alvarez Nunes Cabeza de Vaca em 1542.
O Peabiru então, seguia ao norte até a serra de Santa Luzia, perto de Corumbá / MS. Em Puerto Suarez penetrava na Bolí­via. Passava por Cochabamba – Sucre – Potosí­. Nesses locais existiam caminhos incas com várias opções para alcançar o Pací­fico, as mais próximas eram Tacna, Montegua e Arequipa.

Os estudiosos ainda não sabem quem abriu o Caminho do Peabiru. Há três hipóteses principais:
1 – Caminho da Terra Sem Mal – A primeira hipótese supõe que o Peabiru tenha sido aberto pelos guaranis ou por povos anteriores – talvez os itararés.
Originária do Paraguai, a tribo teria se deslocado para o litoral sul do Brasil entre os anos 1000 e 1300. O Peabiru teria sido aberto nessa migração, cujo objetivo era a procura de um paraí­so, a Terra Sem Mal.
2 – Caminho dos Incas – Supõe a construção da trilha como uma iniciativa inca ou pré inca. Neste caso, o Peabiru seria uma via aberta para a prospecção de territórios do Atlântico, visando o comércio com as tribos selváticas do Paraguai, MS, PR, SP e SC.
Primeiro uma estrada de comércio. Depois quem sabe, uma estrada de penetração definitiva das poderosas civilizações andinas no Atlântico sul.
Como via de mão dupla, o Peabiru permitiu a chegada dos guaranis aos Andes. Mesmo sem relações duradouras, as idas e vindas de guaranis e incas pelo Caminho deixaram vestí­gios de uma certa influência cultural na astronomia (leitura e uso de manchas da Via Lactea), estatí­stica (semelhança do ainhé, cordão de cipó guarani com o quipu dos incas), música (flauta de pã), armamento (semelhança da macaná, borduna guarani com a maqana incaica), denominação de fauna e flora : sara (espiga, em guarani; milho em quêchua), cui (animal roedor, nos dois idiomas), jaguar (felino, nos dois idiomas), mandioca e ioca / iuca, suri (ema, nos dois idiomas).
3 – Caminho de São Tomé – Segundo essa versão, o Peabiru teria sido aberto por São Tomé, apóstolo de Cristo. Segundo Sérgio Buarque de Holanda, a devoção suscitada pela descoberta deste Caminho de Tomé na América no século 16 foi tal, que quase desbancou o de Santiago de Compostela. “Pouco faltaria em verdade que não apenas na India, mas em todo o mundo colonial português, essa devoção tomasse um pouco o lugar que na metrópole e na Espanha em geral… “tivera o culto bélico de outro companheiro e discí­pulo de Jesus, cujo corpo se julgava sepultado em Compostela”.
A passagem de Tomé pelo Novo Mundo foi mencionada por í­ndios, padres, autoridades e colonos europeus no século 16. A versão corrente é que um homem branco, barbudo, teria chegado ao litoral brasileiro “andando sobre as águas”. Foi chamado de Sumé.
Em sua peregrinação, teria ido ao Paraguai, abrindo o Caminho. Ali foi visto e chamado de Pay Sumé. Saindo do Paraguai, a misteriosa figura teria continuado até os Andes. Os pré incas o chamaram de Kuniraya. Mais tarde, o personagem recebeu dos incas o nome de Viracocha. Após um perí­odo no Peru, ele teria ido embora, também “andando sobre as águas”.

O Caminho do Peabiru tem toda uma parte ligada a cultura indí­gena. Um aspecto interessante é que ele também pode ser relacionado com a astronomia indí­gena.
Oservando o mapa do Peabiru percebemos que ele inclui, na verdade, diversos caminhos. Vamos nos ater a um só, que foi percorrido pelo pioneiro Aleixo Garcia. Este se inicia em Florianópolis, no oceano Atlântico e vai até Potosi na Bolí­via, pegando depois as estradas dos Incas e indo terminar no oceano Pací­fico. Ou seja, é um caminho transcontinental pré-colombiano.
O Caminho do Aleixo – talvez o mais importante de todos – não é na direção norte-sul e nem leste-oeste, mas sim “inclinado”. Ele vai aproximadamente de sudeste para noroeste.
Ao notar essa inclinação a primeira pergunta que se coloca é a seguinte: por que os primeiros í­ndios escolheram essa direção ao abrir a trilha? E como eles se orientaram para percorrer esse caminho?
Ã?Ë? espantoso constatar que os Guarani de Florianópolis falaram para o Aleixo Garcia que conheciam Potosí­ nos Andes. Que sabiam com o ir e como voltar. Isso tudo a pé, em 1524, mais de 2000 kilômetros em linha reta – naturalmente seguiam os acidentes naturais, rios e tudo o mais – mas a direção inicial-final era sudeste-noroeste.
Ao olhar para o céu, em condições propí­cias, vemos a Via Lactea, que é chamada pelos Guarani de Caminho da Anta (Tapirapé), ou Morada dos Deuses.
Ã?Ë? natural supor que o caminho da Terra Sem Mal, para eles era aquele caminho que estáva lá em cima, no Céu. Que é o Caminho dos Deuses, dos espí­ritos, é a própria Via Lactea.
Não são só os nossos í­ndios que viam assim. Pesquisando na História notamos que egí­pcios, os gregos, os indianos, todos viam a Via Lactea como um caminho. Os antigos nos falavam que havia um tesouro no fim e outro no começo do arco-í­ris. E a gente vivia sonhando em em encontrar o começo e o fim dele. Fazendo uma comparação, os í­ndios brasileiros e também os peruanos, queriam saber onde começava ou terminava o arco-í­ris celeste, ou seja, a Via Lactea.
Seguindo a Via Lactea, por terra, viam que o fim do Caminho ia dar no mar, no oceano Atlântico. E a Terra Sem Mal ficava “ali”, ou “lᔝ, em algum lugar. Por isso é que os í­ndios foram í  direção do mar. Por isso é que na maioria dos mitos indí­genas, o profeta, o Sumé, vem do mar. Porque ele vem daquela ponta da Via Lactea í  qual o í­ndio não tem acesso.
Muito bem, pensa o í­ndio, mas e do lado contrário do caminho da Anta, o que existe? O í­ndio não sabe. Então ele vai procurando na terra, seguindo a Via Lactea. E acaba chegando no outro lado, que também não tem fim, chega num outro mar, o oceano Pací­fico.
Então a idéia básica é essa. O Caminho que nosso í­ndio percorreu é aquele da Via Lactea, quando está mais alta no céu. E que é também, aproximadamente o caminho que liga as posições do nascer-do-sol no verão com o pôr-do-sol no inverno. Ou, SUDESTE-NOROESTE.

Trecho da palestra do astrônomo Germano Bruno Afonso, no 1 Encontro Nacional dos Estudiosos do Caminho do Peabiru, em Pitanga / PR, em novembro de 2003.

Fonte: Cadernos da Ilha, edição número 2. Curso de Jornalismo da UFSC.
cadernosdailha@yahoo.com.br

3 comments

  1. Desnudando a hist�³ria dos fatos em fotos e palavras. Isso t�¡ ficando muito bom.

    Bravo Gilson!

    PS- Daqui a pouco �© s�³ imprimir (para os que ainda n�£o tem ainda acesso a um computador).

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