o fim daquele texto

“O que garante a unidade da projetada coletânea de meus artigos é a unidade de tema, tal como ele aparece nas diversas etapas de seu desenvolvimento. A unidade de uma idéia em processo de formação e desenvolvimento acarreta certo inacabamento interno de meu pensamento. Não gostaria entretanto de converter um defeito em virtude. Em meus trabalhos, há muito inacabamento externo, um inacabamento que se deve menos ao próprio pensamento do que ao modo de expressão e de exposição. às vezes é difí­cil separar estes dois aspectos. Não se pode resumir isso a uma orientação (ao

estruturalismo). Meu fraco pela variação e pela variedade terminológica que abrange um único e mesmo fenômeno. As variedades das sí­nteses. Aproximações remotas sem indicações dos elos intermediários.

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Observações sobre a epistemologia das ciências humanas
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Titulo da edição original: A propósito da metodologia das ciências humanas. Texto de 1974. Último escrito do autor, inspirado nas notas de trabalho de um estudo que era dedicado (em 1940) aos “fundamentos filosóficos das ciências humanas

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A compreensão. Articulação da compreensão em atos distintos. Na compreensão efetiva, real e concreta, esses atos se fundem indissoluvelmente num único e mesmo processo de compreensão; no entanto, cada ato distinto tem uma autonomia ideal de sentido (de conteúdo) e pode ser isolado do ato empí­rico concreto. 1) A percepção psicofisiológica do signo fí­sico (palavra, cor, forma espacial). 2) O reconhecimento do signo (como algo conhecido ou desconhecido); a compreensão de sua significação reproduzí­vel (geral) na lí­ngua. 3) A compreensão de sua significação em dado contexto (contí­guo ou distante). 4) A compreensão dialógica ativa (concordância-discordância); a inserção num contexto dialógico; o juí­zo de valor, seu grau de profundidade e de universalidade. A passagem da imagem para o sí­mbolo revela-lhe a profundidade e a perspectiva de sentido. Relação dialética entre identidade e não-identidade. A imagem deve ser compreendida pelo que ela é e pelo que significa. O conteúdo do sí­mbolo autêntico aparece através do encadeamento mediador de um sentido que foi correlacionado com a idéia da totalidade universal (do conjunto universal cósmico e humano). O mundo tem um sentido ââ?¬â? “a imagem do mundo manifestada na palavra” (Pasternak). Todo fenômeno particular está imerso no caos dos princivios primários da existência. Diferentemente do mito, aqui fica-se consciente de sua própria não-coincidência com o sentido. No sí­mbolo, há “o calor do mistério em fusão” (Averintsev). Momento da oposição entre o que é pessoal e o que é do

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outro. Calor do amor e frio da singularidade. Oposição e confrontação. Uma interpretação do sí­mbolo continua sendo ela mesma sí­mbolo, apenas um pouco racionalizada, ou seja, um pouco mais próxima do conceito. Definição do sentido em toda a profundidade e a complexidade de sua essência. O ato de compreensão concebido como descoberta do que existe, mediante o ato da visão (contemplação), e como adjunção, mediante a elaboração criadora a que o submetemos. Presunção do contexto posterior em sua extensibilidade, cotejo com o todo acabado e cotejo com o contexto inacabado. O sentido assim entendido (no contexto inacabado) não é pací­fico nem cômodo (não se pode tranqüilizar-se nem morrer nele). Significação e sentido. Preenchimento da rememoração e presunção do possí­vel (a compreensão em contextos distantes). Na rememoração, levamos em conta os acontecimentos que se sucederam (dentro dos limites do passado), ou seja, percebemos e compreendemos o que é rememorado no contexto de um passado inacabado. Em que forma

o todo está presente na consciência? (Platão e Husserl.) Até que ponto é possí­vel descobrir e comentar o sentido (da imagem ou do sí­mbolo) unicamente mediante outro sentido isomorfo (sí­mbolo ou imagem)? O sentido não é solúvel no conceito. Papel do comentário. Teremos quer uma racionalização relativa do sentido (a análise cientí­fica habitual), quer um aprofundamento do sentido, com a ajuda dos outros sentidos (a interpretação filosófico-artí­stica). O aprofundamento mediante ampliação das distâncias contextuais. Uma explicação das estruturas simbólicas tem de entranhar-se na infinidade dos sentidos simbólicos; por isso não pode tornar-se urna ciência na acepção desta palavra quando se trata das ciências exatas. Uma interpretação dos sentidos não pode ser de ordem cientí­fica, mas mesmo assim conserva seu valor profundamente cognitivo. Pode servir diretamente í  prática que concerne í s coisas. “Cumpre reconhecer que a simbologia não é uma forma não-cientí­fica do conhecimento, mas uma forma cientí­fica-diferente do conhecimento, dotada de suas próprias leis internas e de seus critérios de exatidão” (Averintsev).

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O autor de uma obra está presente somente no todo da obra. Não será encontrado em nenhum elemento separado do todo, e menos ainda no conteúdo da obra, se este estiver isolado do todo. O autor se encontra no momento inseparável em que o conteúdo e a forma se fundem, e percebemo-lhe a presença acima de tudo na forma. A crí­tica costuma procurar o autor no conteúdo separado do todo; conteúdo que é associado naturalmente ao autor, homem de um tempo definido, de uma biografia definida e de uma visão do mundo definida (a imagem do autor fica confundida com a imagem do homem real). O autor, em pessoa, não pode tornar-se uma imagem, pois é o criador das imagens e do sistema de imagens da obra. E por esta razão que a chamada imagem do autor não pode ser uma das imagens da obra (uma imagem muito especial, é verdade). Não é raro que o pintor se represente no quadro (num canto deste), mas ele também faz seu auto-retrato. Ora, no auto-retrato, não vemos o autor como tal (não se pode vê-lo), assim como não o vemos noutra obra do autor. E nos melhores quadros do artista que a imagem do autor melhor se revela. O autor-criador não pode ser criado na esfera em que ele próprio é criador. Trata-se da natura naturans, e não da natura naturata. Vemos o criador apenas em sua criação, jamais fora desta criação. As ciências exatas são uma forma monológica de conhecimento: o intelecto contempla uma coisa e pronuncia-se sobre ela. Há um único sujeito: aquele que pratica o ato de cognição (de contemplação) e fala (pronuncia-se). Diante dele, há a coisa muda. Qualquer objeto do conhecimento (incluindo o homem) pode ser percebido e conhecido a tí­tulo de coisa. Mas o sujeito como tal não pode ser percebido e estudado a tí­tulo de coisa porque, como sujeito, não pode, permanecendo sujeito, ficar mudo; conseqüentemente, o conhecimento que se tem dele só pode ser dialógico. Dilthey e o problema da compreensão. Os múltiplos aspectos da eficácia na atividade cognitiva. A atividade eficaz do sujeito na cognição da coisa muda e na cognição de outro sujeito, ou seja, a atividade dialógica do cognoscente. A atividade dialógica (e seus graus) do sujeito submetido ao ato de cognição. A coisa e a pessoa (o sujeito) como

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limites do conhecimento. Graus de reificação e de personalização. Caráter de acontecimento da cognição dialógica. O encontro. O juí­zo de valor como elemento necessário da cognição dialógica. Ciências humanas ââ?¬â? ciências que tratam do espí­rito ââ?¬â? e ciências das letras (a palavra que é ao mesmo tempo parte constitutiva delas e objeto comum de estudo). Historicidade. Caráter imanente. A análise (a compreensão e a cognição) fechando-se

num dado texto. Problema das fronteiras do texto e do contexto. Toda palavra (todo signo) de um texto conduz para fora dos limites desse texto. A compreensão é o cotejo de um texto com os outros textos. O comentário. Dialogicidade deste cotejo. Lugar da filosofia. Ela começa onde acaba a exatidão da cientificidade e onde começa uma cientificidade diferente. Pode-se defini-la como metalinguagem de todas as ciências (e de todos os modos de cognição e de consciência). Compreender é cotejar com outros textos e pensar num contexto novo (no meu contexto, no contexto contemporâneo, no contexto futuro). Contextos presumidos do futuro: a sensação de que estou dando um novo passo (de que me movimentei). Etapas da progressão dialógica da compreensão; o ponto de partida ââ?¬â? o texto dado, para trás ââ?¬â? os contextos passados, para frente ââ?¬â? a presunção (e o iní­cio) do contexto futuro. A dialética nasceu do diálogo para retornar ao diálogo num ní­vel superior (ao diálogo das pessoas). Monologismo hegeliano na Fenomenologia do espí­rito. Monologismo de Dilthey, não sustentado até o fim. O pensamento sobre o mundo e o pensamento no mundo. O pensamento que tende a abarcar o mundo, e o pensamento que se sente no mundo (parte deste mundo). O acontecimento no mundo, do qual participamos. O mundo como acontecimento (e não como algo que existe já concluí­do). O texto só vive em contato com outro texto (contexto). Somente em seu ponto de contato é que surge a luz que aclara para trás e para frente, fazendo que o texto participe de um diálogo. Salientamos que se trata do contato dialógico entre os textos (entre os enunciados), e não do contato mecânico “opositivo”, possí­vel apenas dentro das fronteiras de um texto (e não entre texto e contextos), entre os elementos abstratos desse

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texto (entre os signos dentro do texto), e que é indispensável somente para uma primeira etapa da compreensão (compreensão da significação e não do sentido). Por trás desse contato, há o contato de pessoas e não de coisas. Assim que convertermos o diálogo num texto compacto, ou seja, assim que apagarmos a distinção das vozes (a alternância dos sujeitos falantes) ââ?¬â? o que é em princí­pio possí­vel (a dialética monológica de Hegel) – o sentido profundo (infinito) desaparecerá (teremos batido no fundo, ficaremos em ponto morto). A reificação completa, extrema, levaria inevitavelmente ao desaparecimento do que não tem fim nem fundo no sentido (de qualquer sentido). O pensamento que, como o peixe dentro do aquário, toca o fundo e as paredes, e não pode ir mais longe nem mais fundo. O pensamento dogmático. O pensamento só conhece os pontos convencionais; o pensamento dessubstancia todos os pontos colocados com anterioridade. Aclaramento do texto não pelos outros textos (contextos), mas pela realidade das coisas extratextuais. E isso que costuma ocorrer na explicação que opera com uma base sociológica vulgarizada, com uma base biográfica, ou com uma base causal (calcada nas ciências naturais), e também a baseada num historicismo despersonalizado (a história anônima). A compreensão verdadeira nos campos da literatura é sempre histórica e personalizada. Lugar e fronteiras da realidade. As coisas são prenhes da palavra. Unidade do monólogo e unidade particular do diálogo. A epopéia pura e o lirismo puro não conhecem o discurso restritivo. Este só aparece no romance. Influência da realidade extratextual sobre a formação da visão artí­stica e sobre o pensamento artí­stico do escritor (e do artista em geral no campo da cultura). As influências extratextuais têm uma importância especial nas primeiras fases da evolução do homem. Essas influências se envolvem na palavra (ou noutros signos), e tal palavra é a dos outros, e, acima de tudo, a da mãe. Depois disso, a “palavra do outro” se transforma, dialogicamente, para tornar-se “palavra pessoal-alheia” com a ajuda de outras “palavras do outro”, e depois, palavra pessoal (com, poder-se-ia dizer, a per-

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da das aspas). A palavra já tem, então, um caráter criativo. Papel do encontro, da visão, da “iluminação”, da “revelação”, etc. Reflexo desse processo no romance de educação e de formação, na autobiografia, no diário, na confissão, etc. Entre outros: André Remizov, Os olhos tosquiados. Livre dos nós e dos meandros da memória. Papel desempenhado aí­ pelo desenho como signos que servem í  expressão pessoal. A esse respeito, o interesse de Klim Sanguin (o homem concebido como sistema de frases). O “não-dito”, seu caráter especial e seu papel. As primeiras fases da consciência verbal. O “inconsciente” que se torna fator de criação somente no limiar do consciente e da palavra (consciência constituí­da meio a meio pela palavra e pelo signo). De que modo minha consciência recebe as impressões da natureza. Estas são prenhes da palavra, da palavra potencial. O “não-dito” concebido como limite flutuante, como “idéia reguladora” (no sentido kantiano) da consciência criadora. O processo de esquecimento paulatino dos autores, depositários da palavra do outro. A palavra do outro torna-se anônima, familiar (numa forma reestruturada, claro); a consciência se monologiza. Esquece-se completamente a relação dialógica original com a palavra do outro: esta relação parece incorporar-se, assimilar-se í  palavra do outro tornada familiar (tendo passado pela fase da palavra “pessoal-alheia”). A consciência criadora, durante a monologização, completa-se com palavras anônimas. Este processo de monologização é muito importante. Depois, a consciência monologizada, na sua qualidade de todo único e singular, insere-se num novo diálogo (daí­ em diante, com novas vozes do outro, externas). Com freqüência, a consciência criadora monologizada unifica e personaliza as palavras do outro, tornadas vozes do outro anônimas, na forma de sí­mbolos especiais: “voz da própria vida”, “voz da natureza”, “voz do povo”, “voz de Deus”, etc. Papel da palavra com autoridade cujo portador, via de regra, não se perde, e que não fica anônima. A tendência em reificar os contextos anônimos transverbais (em rodear-se de uma vida não verbal). Sou o único a mostrar-me como pessoa que cria, fala, e tudo o mais é apenas estado das coisas que têm a função de causas, que suscitam e determinam minha fala. Não converso com essas coisas,

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reajo mecanicamente, como a coisa reage a um estí­mulo externo. Os fenômenos verbais tais como a ordem, a injunção, a prédica, a proibição, a promessa (a jura), a ameaça, o elogio, a invectiva, a injúria, a maldição, a bênção, etc., constituem uma parte importante da realidade extracontextual. Todos esses fenômenos implicam uma entonação muito marcada, que pode enxertar-se (transferir-se) em palavras e expressões que não significam a ordem, a ameaça, etc. O que conta é o tom, separado dos elementos fônicos e semânticos da palavra (e de outros signos). Estes determinam a complexa tonalidade de nossa consciência, que serve de contexto emocional dos valores para o ato de compreensão (de uma compreensão total do sentido) do texto que estamos lendo (ou ouvindo) e também, numa forma mais complexa, para o ato de criação (de geração) do texto. Trata-se de fazer de tal modo que as coisas, que atuam mecanicamente sobre a pessoa, comecem a falar, em outras palavras, trata-se de descobrir, nesse meio das coisas, a palavra e o tom potencial, de transformá-lo num contexto de sentido para a pessoa ââ?¬â? ente pensante, falante e atuante (e criador). É o que sucede com qualquer forma séria e profunda de autobiografia, de introspecção-confissão, de discurso lí­rico, etc. Entre os escritores, quem conseguiu a maior profundidade nessa transmutação de coisa em sentido foi Dostoievski, ao desvelar os atos e os pensamentos de seus heróis principais. A coisa, que continua sendo coisa, influi somente sobre as coisas. Para influir sobre a pessoa, ela deve revelar seu potencial de sentido, tornar-se palavra, ou seja, participar de um contexto virtual do sentido verbal. Na análise das tragédias de Shakespeare percebemos que toda a realidade que influi sobre seus heróis é sistematicamente transmutada em contexto de sentido para os atos, os pensamentos e as emoções dos heróis: podem ser palavras (palavras das feiticeiras, as

palavras do fantasma, etc.) ou então acontecimentos e circunstâncias traduzidos na linguagem da palavra potencial que os pensa. Cumpre salientar que não se trata de uma redução pura e simples a um denominador comum: a coisa continua a ser coisa e a palavra continua a ser palavra, ambas preservam sua essência e apenas se completam com sentido.

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Não se deve esquecer que a coisa e a pessoa são apenas extremos, e não substâncias absolutas. O sentido não pode (nem quer) modificar os fenômenos fí­sicos, materiais; o sentido não pode operar como força material. E, aliás, nem precisa: ele é mais forte do que qualquer força, modifica o sentido global do acontecimento e da realidade, sem modificar o mais í­nfimo de seus componentes reais (existenciais). Tudo continua a ser como era, adquirindo um sentido absolutamente diferente (transfiguração do sentido na existência). A palavra de um texto se transfigura num contexto novo. Inclusão do ouvinte (do leitor, do contemplador) no sistema (na estrutura) da obra. O autor (depositário da palavra) e o sujeito compreendente. O autor, ao criar uma obra, não a destina aos especialistas de literatura e não pressupõe uma compreensão cientí­fica dela, não almeja a criação de uma equipe de pesquisadores. Não convida os teóricos literários ao seu festim. A pesquisa literária contemporânea (essencialmente o estruturalismo) costuma definir o ouvinte imanente í  obra como ouvinte ideal, onicompreensivo ââ?¬â? o próprio tipo de ouvinte postulado na obra. Está claro que não se trata de um ouvinte empí­rico, de uma entidade psicológica, é a imagem do ouvinte na alma do autor. Esta é uma construção do espí­rito, abstrata. Opõe-se-lhe um autor identicamente abstrato, ideal. Assim entendido, o ouvinte ideal será o reflexo do autor num espelho, um reflexo que será sua duplicação; não se poderia introduzir nada de pessoal, nada de novo na obra compreendida de uma maneira ideal, nem no desí­gnio, idealmente completado, do autor; ele se situa no mesmo espaçotempo que o próprio autor, mais exatamente, ele está, a exemplo do autor, fora do tempo e do espaço (é o caso de qualquer construção do espí­rito, abstrata); por isso, ele não pode ser o outro (outrem) para o autor, não pode possuir o excedente inerente í  sua alteridade. Entre o autor e tal ouvinte, não se estabelece nenhuma interação, nenhuma relação ativa, dramática, pois já não são vozes, mas noções abstratas intra- e inter-iguais. É quando ocorrem abstrações tautológicas, matematizadas ou mecanizadas. Quando ocorre a despersonalização.

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O conteúdo concebido como algo novo, a forma concebida como conteúdo antigo (conhecido), estratificado, estereotipado. A forma serve de ponte necessária para um conteúdo novo, ainda desconhecido. A forma há pouco tempo era uma visão do mundo estabilizada, conhecida e comumente admitida. Nas épocas pré-capitalistas, a transição entre a forma e o conteúdo era menos abrupta, mais harmoniosa; a forma ainda era um conteúdo não estratificado, não fixado, não trivializado; relacionava-se com as aquisições de uma criação coletiva em comum (tal como a mitologia). A forma era uma espécie de conteúdo implí­cito; o conteúdo da obra, por exemplo, desenvolvia um conteúdo já envolvido numa forma e não o criava enquanto algo novo, decorrente de uma iniciativa criadora individual. Por conseguinte, o conteúdo em certa medida precedia a obra, o autor não inventava o conteúdo de sua obra, mas apenas desenvolvia o que já estava presente na tradição. Os sí­mbolos são os elementos mais estáveis e, ao mesmo tempo, os mais emocionais; referem-se í  forma e não ao conteúdo. O aspecto propriamente semântico da obra, ou seja, a significação de seus elementos (primeira fase da compreensão), é, em princí­pio, acessí­vel a qualquer consciência individual. Mas o que constitui seus valores e seu sentido (sí­mbolos inclusive) só é

significante para indiví­duos ligados por condições comuns de vida, em suma, ligados por laços de fraternidade, num ní­vel superior. É neles, nos estratos superiores, que se efetua a participação, é neles que se participa de um valor superior (no limite, absoluto). Significado da exclamação emocional que assinala os valores na vida verbal dos povos. Há que observar que a expressão emocional dos valores pode não ter um caráter explicitamente verbal e pode estar implí­cita, manifestar-se pela entonação. As entonações mais substanciais e mais estáveis constituem um fundo entonacional determinado por um grupo social (uma nação, uma classe social, uma classe profissional, um meio, etc.). Em certa medida, pode-se falar apenas por entonações, tornando quase indiferente, relativa e intercambiável, a parte do discurso verbalmente expressa. E freqüente o emprego de palavras inúteis em sua significação verbal, ou então a repetição de uma única e mesma palavra, de uma única e mesma

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frase, que então servem somente de suporte material para a entonação desejada. Na leitura (na execução) de um dado texto, o contexto extratextual, entonacional, dos valores pode realizar-se apenas parcialmente, ficando em sua maior parte, particularmente em suas camadas mais substanciais e profundas, fora do texto dado para a percepção ao qual ele confere um fundo dialogizante. É a isto que se resume, até certo ponto, o problema do condicionamento social (transverbal) de uma obra. Um texto ââ?¬â? impresso, manuscrito ou oral, isto é, atualizado ââ?¬â? não é igual í  obra em seu todo (ou ao “objeto estético”). A obra também engloba necessariamente seu contexto extratextual. A obra parece envolver-se na música entonacional e valorativa do contexto em que é compreendida e julgada (este contexto, claro, varia conforme as épocas da percepção da obra, o que cria sua nova ressonância). A compreensão recí­proca dos séculos e dos milênios, dos povos, das nações e das culturas, assegura a complexa unidade de toda a humanidade, de todas as culturas humanas (a complexa unidade da cultura humana), assegura a complexa unidade da literatura da humanidade. Todos esses fatos se desve1am tão-somente na dimensão da grande temporalidade, sendo nela que cada obra deve receber seu sentido e seu valor. As análises costumam escarafunchar no espaço acanhado da pequena temporalidade, ou seja, na contemporaneidade, no passado imediato e no futuro presumido, desejado ou temido. As formas emotivo-valorativas da presunção do futuro tais como se manifestam na lí­ngua-fala (a ordem, o desejo, a advertência, o conjuro). Futilidade da atitude do homem para com o futuro (o desejo, a esperança, o medo); fica-se insensí­vel ao inesperado, ao indeciso, í  “surpresa”, poder-se-ia dizer, í  novidade absoluta do milagre, etc. Particularidades da atitude profética para com o futuro. A abstração de si mesmo numa representação do futuro (o futuro sem mim). O tempo do espetáculo teatral e suas leis. Percepção do espetáculo nas épocas em que existiam e predominavam as formas litúrgico-religiosas e oficial-cerimoniosas. A etiqueta dos costumes no teatro.

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Oposição entre a natureza e o homem. Os sofistas. Sócrates (“O que me interessa não são as árvores da floresta, mas os homens da cidade”). Dois extremos: o pensamento e a prática (o ato), ou dois tipos de relação (a coisa e a pessoa). Quanto mais profunda for a pessoa, isto é, quanto mais se aproximar de seu próprio extremo, menos lhe será aplicável um método generalizante, pois a generalização e a formalização apagam as fronteiras entre o homem genial e a mediocridade. Experimentação e tratamento matemático. Formular uma pergunta e receber uma resposta já representa, nas ciências exatas, uma interpretação personalizada do processo cognitivo e do seu sujeito (o experimentador). A história do conhecimento em seus resultados e a história dos homens que se aplicam ao conhecimento (M. Bloch).

Processo de reificação e processo de personalização, mas esta jamais poderá ser uma subjetivação. O limite não é o eu, porém o eu em correlação com outras pessoas, ou seja, eu e o outro, eu e tu. Haverá algo que corresponda ao “contexto” nas ciências naturais? O contexto está sempre vinculado í  pessoa (diálogo infinito em que não há nem a primeira nem a última palavra); nas ciências naturais, há um sistema objetal (a-sujeital). Nosso pensamento e nossa prática, não a técnica, mas a moral (nossos atos responsáveis), exercem-se entre dois extremos: entre a relação com a coisa e a relação com a pessoa. Reificação e personalização. Dentre os nossos atos, uns (de ordem cognitiva e moral) tendem para o pólo da reificação, sem jamais o atingir, os outros, para o pólo da personalização, sem o atingir plenamente. Perguntas e respostas não pertencem a uma mesma relação (categoria) lógica; não podem ser contidas numa única e mesma consciência (única e fechada em si mesma); toda resposta gera uma nova pergunta. Perguntas e respostas supõem uma exotopia recí­proca. Se a resposta não dá origem a uma nova pergunta, separa-se do diálogo e junta-se a um sistema cognitivo, im-pessoal em sua essência. Cronotopos diferentes de quem pergunta e de quem responde e universos diferentes do sentido (eu e o outro). A pergunta e a resposta do ponto de vista da terceira consciência e

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do seu universo “neutro” onde tudo se despersonaliza inevitavelmente, onde tudo é intercambiável. Diferença entre o tolo (ambivalente) e o obtuso (uní­voco). As palavras do outro assimiladas (“pessoal-alheia”) e que, eternamente vivas, renovam-se criativamente nos novos contextos, e as palavras do outro, inertes, mortas, “palavras-múmias”. O problema fundamental de Humboldt: a multiplicidade das lí­nguas (premissa e fundamento da problemática: a unidade da espécie humana). Fica-se na esfera das lí­nguas e de suas estruturas formais (fonéticas e gramaticais). Ora, na esfera da fala (no âmbito de uma única lí­ngua ââ?¬â? qualquer uma), coloca-se o problema da palavra pessoal e da palavra do outro. 1) Reificação e personalização. Distinção entre a reificação e a “alienação”. Os dois extremos do pensamento. Aplicação do princí­pio de complementaridade. 2) Palavra do outro e palavra pessoal. A compreensão concebida como transmutação em “alheio-pessoal”. O princí­pio de exotopia. A complexa correlação entre o sujeito compreendente e o sujeito compreendido, entre o cronotopo do criado e o cronotopo do compreendente que introduz a renovação. A importância de atingir o núcleo criador da pessoa (é em seu núcleo criador que a pessoa continua a viver, ou seja, é imortal). 3) Exatidão e profundidade nas ciências humanas. O limite da exatidão nas ciências naturais é a identidade (a= a). Nas ciências humanas, a exatidão consiste em superar a alteridade do que é alheio sem o transformar em algo que é pessoal (os substitutos de toda espécie: moderniza-se, não se entende o que é alheio, etc.). A fase antiga da personificação (a personificação mitológica, ingênua). Época da reificação da natureza (e do homem). A fase contemporânea de personificação da natureza (e do homem), sem que haja, porém a perda da reificação. Ver acerca da natureza em Prichvin, segundo o artigo de V. V. Kochinov. Nessa fase, a personificação não tem o caráter do mito, conquanto não lhe seja hostil e utilize habitualmente a sua linguagem (transformada em linguagem de sí­mbolos). 4) Contextos da compreensão. Problema dos contextos distantes. Renovação ilimitada do sentido em qualquer contexto novo. A pequena temporalidade (a contemporaneidade, o passado imediato e o futuro previsí­vel ââ?¬â? desejado) e a grande temporalidade: o diálogo infinito e inacabável em que nenhum sentido morre. O vivente na natureza (o orgânico). Tudo o que é inorgânico é trazido, ao longo do processo de um intercâmbio, í  vida (a oposição só pode efetuar-se no abstrato, quando essas duas entidades são tiradas da vida). Minha atitude ante o formalismo? Tenho uma compreensão diferente da especificação. Ignorar o conteúdo leva a uma “estética material” (a crí­tica dele que fiz em 1924); não í  “fabricação”, mas í  criação (um material sempre proporciona apenas um “produto fabricado”); uma incompreensão da historicidade e da consecução (percepção mecânica da consecução). O valor positivo do formalismo: novos problemas e novos aspectos na arte; o novo, em suas fases iniciais, as mais criativas de seu desenvolvimento, sempre adota formas unilaterais e extremas. Minha atitude ante o estruturalismo? Sou contra o fechamento dentro do texto, contra as categorias mecânicas de “oposição” e de “transcodificação” (a pluralidade dos estilos em Eugênio Oneguin, tal como a interpreta Lotman e como eu a interpreto), contra uma formalização e uma despersonalização sistemática: todas as relações têm um caráter lógico (no sentido lato do termo). De minha parte, em todas as coisas, ouço as vozes e sua relação dialógica. No tocante ao princí­pio de complementaridade, também o entendo de maneira dialógica. As altas apreciações do estruturalismo. Problemas da “exatidão” e da “profundidade”. Profundidade de penetração na coisa (reificação) e profundidade de penetração no sujeito (personalismo). No estruturalismo, existe apenas um único sujeito: o próprio pesquisador. As coisas se transformam em conceitos (com um grau variável de abstração); o sujeito não pode tornarse um conceito (ele mesmo fala e responde). O sentido é personalista; sempre comporta uma pergunta ââ?¬â? dirige-se a alguém e presume uma resposta, sempre implica que existam dois (o mí­nimo dialógico). Este personalismo não é um fato de psicologia, mas um fato de sentido. Não há uma palavra que seja a primeira ou a última, e não há limites para o contexto dialógico (este se perde num passado ilimitado e num futuro ilimitado). Mesmo os sentidos passados, aqueles que nasceram do diálogo com os séculos passados, nunca estão estabilizados (encerrados, acabados de uma vez por todas). Sempre se modificarão (renovando-se) no desenrolar do diálogo subseqüente, futuro. Em cada um dos pontos do diálogo que se desenrola, existe uma multiplicidade inumerável, ilimitada de sentidos esquecidos, porém, num determinado ponto, no desenrolar do diálogo, ao sabor de sua evolução, eles serão rememorados e renascerão numa forma renovada (num contexto novo). Não há nada morto de maneira absoluta. Todo sentido festejará um dia seu renascimento. O problema da grande temporalidade.”