waking life


Escolha uma cor.
– Azul.
– A-Z-U-L. Escolha um número.
– Oito.
– 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8.
Escolha outro número.
– Quinze.
– 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15.
Escolha outro número.
– Seis.
– Pronto.
“Sonho é destino.”
sonho é destino
Vamos lá.
Rock’n’roll.
Cordas graves. Agora!
Sara, tente aquilo que você tinha me perguntado antes.
Pode tentar com maior definição?
– Experimente. Veja o que acha.
– Aquele assim?
Mas quero que tenha um som rico e quase ondulado por estar ligeiramente desafinado.
– Você quer…
– Ligeiramente dissociado.
Era o que eu estava pensando.
Estamos fazendo…
– Isso. Isso mesmo.
– Está bem.
Caprichado, gente!
Certo, do compasso 20, por favor.
Estamos recomeçando do 20.
Um, dois, três.
Oi, sou eu.
Acabei de chegar.
Achei que filaria uma carona, mas deixa pra lá.
Posso pegar um táxi, ou coisa parecida.
Talvez nos encontremos mais tarde ou algo assim.
Alto lá, marujo! Está preparado para pegar o caminho mais longo?
Precisa de uma carona?
Estava esperando um táxi, mas…
Está bem. Não perca o barco.
– Obrigado.
– Não há de quê.
Içar âncoras!
O que acha do meu barco?
Ele vale pela vista. V-I-S-T-A.
Para se ver com os olhos.
Meu meio de transporte deve refletir a minha personalidade. Voilí !
Esta é a minha janela para o mundo.
A cada minuto, um novo espetáculo.
Posso não compreendê-lo ou concordar com ele…
mas eu o aceito e acompanho a maré.
Siga com a corrente.
O mar jamais rejeita um rio.
A idéia é manter-se em um estado de partida, mesmo ao chegar.
Economiza-se em apresentações e em despedidas.
A viagem não requer explicações, apenas passageiros.
É aí­ que entram vocês.
É como se chegássemos ao planeta com uma caixa de lápis de cera.
Pode-se ganhar a caixa de 8, ou a de 16…
mas o segredo é o que você faz com eles e as cores que lhe foram dadas.
Não se preocupe em colorir somente dentro das linhas.
Pinte por fora das linhas e fora da página! Não queira me limitar!
Nos movemos com o oceano.
Não estamos ancorados!
Onde vai querer descer?
Quem, eu? Sou o primeiro? Não sei.
Qualquer lugar está bom.
Apenas me dê um endereço, alguma coisa, está bem?
Faça o seguinte.
Suba mais três ruas.
Vire í  direita. Mais 2 quarteirões.
Deixe-o na próxima esquina.
Onde é isso?
Não sei, mas é algum lugar.
E determinará o desenrolar do resto de sua vida.
Hora de desembarcar!
OLHE à SUA DIREITA
Me recuso a ver o Existencialismo como apenas mais um modismo…
ou uma curiosidade histórica…
porque ele tem algo importante a oferecer no novo século.
Acho que estamos perdendo as virtudes de vivermos apaixonadamente…
de assumirmos a responsabilidade por quem somos…
de tentarmos realizar algo e nos sentirmos bem em relação í  vida.
O Existencialismo é, í s vezes, visto como uma filosofia do desespero…
mas eu penso que ele é o contrário.
Sartre disse, certa vez, que nunca teve um dia de desespero em sua vida.
O que esses pensadores nos ensinam…
exuberância de sensações.
Como se sua vida fosse a sua obra a ser criada.
Eu li os pós-modernos com interesse, com admiração até.
Mas sempre tenho uma péssima e incômoda sensação…
de que algo essencial está sendo deixado de fora.
Quanto mais se fala sobre o ser humano…
como um construto social ou uma confluência de forças…
ou como fragmentado, ou marginalizado…
abre-se todo um novo universo de desculpas.
Quando Sartre fala de responsabilidade, não é abstrato.
Não se trata do tipo de eu ou de alma de que falam os teólogos.
É algo concreto.
Somos nós, falando…
tomando decisões e assumindo as conseqüências.
Há seis bilhões de pessoas no mundo, é verdade.
No entanto, suas ações fazem diferença.
Servem de exemplo.
A mensagem é: não devemos jamais nos eximir…
e nos vermos como ví­timas de várias forças.
Quem nós somos é sempre uma decisão nossa.
A criação vem da imperfeição.
Parece ter vindo de um anseio e de uma frustração.
É daí­, eu acho, que veio a linguagem.
Quero dizer, veio do nosso desejo de transcender o nosso isolamento…
e de estabelecer ligações uns com os outros.
Devia ser fácil quando era só uma questão de mera sobrevivência.
“ígua”. Criamos um som para isso.
“Tigre atrás de você!”
Criamos um som para isso.
Mas fica realmente interessante, eu acho…
quando usamos esse mesmo sistema de sí­mbolos…
para comunicar tudo de abstrato e intangí­vel que vivenciamos.
O que é “frustração”?
Ou o que é “raiva” ou “amor”?
Quando eu digo “amor”…
o som sai da minha boca e atinge o ouvido de outra pessoa…
viaja através de um canal labirí­ntico em seu cérebro…
através das memórias de amor ou de falta de amor.
O outro diz que compreende, mas como sei disso? As palavras são inertes.
São apenas sí­mbolos.
Estão mortas. Sabe?
E tanto da nossa experiência é intangí­vel.
E, ainda assim, quando nos comunicamos uns com os outros…
e sentimos ter feito uma ligação, e termos sido compreendidos…
acho que temos uma sensação quase como uma comunhão espiritual.
Essa sensação pode ser transitória, mas é para isso que vivemos.
Estuda-se o desenvolvimento humano pela evolução do organismo…
e sua interação ambiental.
A evolução do organismo começa com a evolução através do hominí­deo…
até a evolução do homem, o Neanderthal, o Cro-Magnon.
Ora, o que temos aqui são três eixos.
O biológico, o antropológico, o desenvolvimento das culturas…
e o cultural, que é a expressão humana.
O que se viu foi a evolução de populações, não de indiví­duos.
Pense na escala temporal em questão.
A vida tem dois bilhões de anos, o hominí­deo, seis milhões.
A humanidade, como a conhecemos hoje, tem 100 mil anos.
Percebe como o paradigma evolutivo vai se estreitando?
Quando se pensa na agricultura, na revolução cientí­fica e industrial…
são apenas 10 mil anos, 400 anos, 150 anos.
Vê-se um estreitamento crescente da temporalidade evolutiva.
à medida em que entramos na nova evolução…
ela se estreitará ao ponto em que a veremos no curso de uma vida.
Há dois novos eixos evolutivos, vindos de dois tipos de informação.
O digital e o analógico. O digital é a inteligência artificial.
O analógico resulta da biologia molecular e da clonagem.
Une-se os dois com a neurobiologia.
Sob o antigo paradigma, um morreria, o outro dominaria.
Sob o novo paradigma, eles existem como um grupamento…
cooperativo e não-competitivo, independente do meio externo.
Assim, a evolução torna-se um processo individualmente centrado…
emanando do indiví­duo…
não um processo passivo onde o indiví­duo está sujeito ao coletivo.
Produz-se, então, um neo-humano…
com uma nova individualidade, uma nova consciência.
Esse é apenas o começo do ciclo.
à medida que ele se desenvolve, a fonte é esta nova inteligência.
Enquanto as inteligências e as habilidades se sobrepõem…
a velocidade muda até atingir-se um crescendo.
Imagine, uma realização instantânea do potencial humano e neo-humano.
Isso pode ser a amplificação do indiví­duo…
a multiplicação de existências individuais paralelas…
onde o indiví­duo não mais estaria restrito pelo tempo e pelo espaço.
E estas manifestações desta neo-humana evolução…
poderiam ser dramaticamente imprevisí­veis.
A antiga evolução é fria, é estéril. É eficiente.
Suas manifestações são aquelas da adaptação social.
Trata-se de parasitismo, dominação, moralidade…
guerra, predação.
Essas coisas ficarão sujeitas í  falta de ênfase e de evolução.
O novo paradigma nos daria as marcas…
da verdade, da lealdade, da justiça e da liberdade.
Estas seriam as manifestações desta evolução. Isso é o que nós esperamos.
O homem autodestrutivo sente-se totalmente alienado e solitário.
Ele é um excluí­do da comunidade
Ele diz para si mesmo:
“Eu devo estar louco”.
O que ele não percebe é que a sociedade, assim como ele próprio…
tem um interesse em perdas consideráveis, em catástrofes.
Guerras, fome, enchentes atendem a necessidades bem-definidas.
O homem quer o caos.
Na verdade, ele precisa disso.
Depressão, conflitos, badernas, assassinatos. Toda essa miséria.
Somos atraí­dos a esse estado quase orgiástico gerado pela destruição.
Está em todos nós.
Nos deliciamos com isso.
A mí­dia forja um quadro triste, pintando-as como tragédias humanas.
Mas a função da mí­dia não é a de eliminar os males do mundo.
Ela nos induz a aceitar esses males e a nos acostumarmos a viver com eles.
O sistema quer que sejamos observadores passivos.
Você tem um fósforo?
Eles não nos deram qualquer outra opção, í  exceção do ato…
participativo ocasional e puramente simbólico do “voto”.
Você prefere o fantoche da direita ou o fantoche da esquerda?
É chegado o momento de eu projetar minhas inadequações e insatisfações…
nos esquemas sociopolí­tico e cientí­fico.
Deixar que minha própria falta de voz seja ouvida.
Não me sai da cabeça algo que você me disse.
– Algo que eu disse?
– É.
Sobre a sensação de que você observa a sua vida…
da perspectiva de uma velha í  beira da morte. Lembra?
Ainda me sinto assim, í s vezes.
Como se visse minha vida atrás de mim.
Como se minha vida desperta fossem lembranças.
Exatamente.
Ouvi dizer que Tim Leary, quando estava morrendo, disse…
que olhava para seu corpo que estava morto, mas seu cérebro estava vivo.
Aqueles 6 a 12 minutos de atividade cerebral depois que tudo se apaga.
Um segundo nos sonhos é infinitamente mais longo do que na vida desperta.
– Entende?
– Claro.
Tipo, eu acordo í s 10:12h.
Então, eu volto a dormir…
e tenho sonhos longos, complexos, que parecem durar horas. Aí­ eu acordo e…
são 10:13h.
Exato. Então aqueles 6 a 12 minutos de atividade cerebral…
podem ser a sua vida inteira.
Você é aquela velha, olhando para trás e vendo tudo.
Se eu sou, o que você seria nisso?
O que eu sou agora.
Quero dizer, talvez eu só exista na sua mente.
Eu sou apenas tão real quanto qualquer outra coisa.
Andei pensando sobre algo que você disse.
Sobre reencarnação, e de onde todas as novas almas vêm ao longo do tempo.
Todo mundo sempre…
diz ser a reencarnação de Cleópatra ou de Alexandre, o Grande.
Não passam de bestas quadradas, como todo mundo.
Quer dizer, é impossí­vel.
A população mundial duplicou nos últimos 40 anos.
Então, se você acredita nessa história egóica de ter uma alma eterna…
há 50% de chance da sua alma ter mais de 40 anos.
Para que ela tenha mais de 150 anos, é uma chance em seis.
Está dizendo que reencarnação não existe? Ou somos todos almas jovens?
Metade de nós é de humanos de primeira viagem? O que você está…?
– Quero dizer…
– Aonde você quer chegar?
Eu acredito que a reencarnação é uma expressão poética…
do que é a memória coletiva.
Eu li um artigo de um bioquí­mico, não faz muito tempo.
Ele dizia que, quando um membro de uma espécie nasce…
ele tem um bilhão de anos de memória para usar.
É assim que herdamos nossos instintos.
Eu gosto disso. É como se houvesse…
uma ordem telepática
da qual nós fazemos parte…
conscientes ou não.
Isso explicaria os saltos…
aparentemente espontâneos, universais e inovadores na ciência e na arte.
Como os mesmos resultados surgindo em toda parte, independentemente.
Um cara num computador descobre algo e, simultaneamente…
várias outras pessoas descobrem a mesma coisa.
Houve um estudo em que isolaram um grupo por um tempo…
e monitoraram suas habilidades em fazer palavras cruzadas…
em relação í  população em geral.
Então, deram-lhes um jogo da véspera, que as pessoas já tinham respondido.
A sua pontuação subiu dramaticamente.
Tipo 20%.
É como se, uma vez que as respostas estão no ar, pudessem ser pescadas.
É como se estivéssemos partilhando nossas experiências telepaticamente.
Pegarei vocês, seus putos, nem que seja meu último ato.
Vocês pagarão pelo que fizeram comigo.
Por cada segundo que eu passar neste buraco do inferno…
farei com que passem um ano vivendo no inferno!
Vocês me implorarão para que eu os deixe morrer. Mas não, ainda não.
Quero que vocês sofram, seus escrotos!
Vou enrabá-los. Ou talvez enfie uma agulha comprida em seus ouvidos.
Ou um charuto quente em seus olhos.
Nada sofisticado.
Um pouco de chumbo quente em seus rabos?
Ou, ainda melhor, aquela coisa dos Apaches.
Cortarei suas pálpebras.
Apenas ouvirei vocês gritando, seus putos.
Que doce melodia será essa.
Faremos tudo no hospital…
com médicos e enfermeiras, para que vocês não morram rápido demais.
Sabem qual é a melhor parte?
A melhor parte é que vocês, veados, terão as pálpebras cortadas…
para que tenham que me assistir fazendo isso a vocês.
Me verão aproximar cada vez mais o charuto dos seus olhos arregalados…
até que estejam quase enlouquecendo. Mas não exatamente.
Quero que dure muito, muito tempo.
Quero que saibam que sou eu! Sou eu quem estou lhes fazendo isso. Eu!
Aquele psiquiatra frutinha, que ignorância incorrigí­vel!
E aquele velho juiz bêbado babaca.
Que bundão arrogante!
Não julgues para não seres julgado!
Todos vocês vão morrer, seus merdas, no dia em que eu sair deste bueiro.
Eu lhes garanto que se arrependerão de terem me conhecido!
Na visão de mundo atual, a Ciência tomou o lugar de Deus…
mas alguns problemas filosóficos ainda nos perturbam.
Livre-arbí­trio, por exemplo.
Esse problema está na praça desde Aristóteles, em 350 a.C.
Santo Agostinho e São Tomás de Aquino questionavam “como sermos livres…
se Deus já sabe tudo o que iremos fazer?”
Hoje, sabemos que o mundo é regido por leis fí­sicas fundamentais.
Essas leis regem o comportamento de cada objeto do mundo.
Como essas leis são confiáveis, elas viabilizam avanços tecnológicos.
Nós somos sistemas fí­sicos. Arranjos complexos de carbono e de água.
Nosso comportamento não é exceção a essas leis.
Logo, se é Deus programando isto de antemão e sabendo de tudo…
ou se são leis fí­sicas nos governando, não há muito espaço para a liberdade.
Pode-se querer ignorar o mistério do livre-arbí­trio.
Dizer: “É uma anedota histórica, uma inconsistência.
É uma pergunta sem resposta. Esqueça isso.”
Mas a pergunta permanece. Quanto a individualidade, quem você é…
se baseia nas livres escolhas que faz.
Ou pelas quais se responsabiliza.
Só se é responsabilizado, ou admirado, ou respeitado…
pelas coisas que se faz pela própria escolha.
A pergunta retorna sem cessar e não temos uma solução.
Decisões podem parecer charadas.
Imagine só. Há atividade elétrica no cérebro. Os neurônios disparam…
enviando um sinal através dos nervos até os músculos. Estes se contraem.
mas cada parte desse processo…
é governada por leis fí­sicas, quí­micas, elétricas etc.
Parece que o Big Bang causou as condições iniciais…
e todo o resto da História humana…
é a reação de partí­culas subatômicas í s leis básicas da fí­sica.
Nós achamos que somos especiais, que temos alguma dignidade.
Isso agora está ameaçado.
Está sendo desafiado por este quadro.
Você pode dizer: “E quanto í  mecânica quântica? Conheço o bastante…
para saber que é uma teoria probabilí­stica.
É frouxa, não é determinista.
Permite entender o livre-arbí­trio.”
Mas, se olharmos detalhadamente, isso não ajudará…
porque há as partí­culas quânticas e o seu comportamento é aleatório.
Elas são meio transgressoras.
Seu comportamento é absurdo…
e imprevisí­vel. Não podemos estudá-lo com base no que ocorreu antes.
Ele tem um enquadre probabilí­stico.
Será a liberdade apenas uma questão de probabilidade?
Aleatoriedade em um sistema caótico?
Eu prefiro ser uma engrenagem em uma máquina fí­sica e determinista…
que uma transgressão aleatória.
Não podemos ignorar o problema. Temos que incluir pessoas nesta perspectiva.
Não apenas corpos, mas pessoas.
Há a questão da liberdade…
espaço para escolha, responsabilidade e para entender a individualidade.
“Não se pode nada contra o Estado.”
“Morte e impostos. ” “Não fale sobre polí­tica ou religião.”
Isto é equivalente í  propaganda inimiga.
Renda-se, soldado!
Renda-se, soldado!
Vimos isso no século 20. Agora, no século 21, precisamos enxergar…
que não podemos ficar encurralados neste labirinto.
Não devemos nos submeter í  desumanização!
Me preocupa o que está acontecendo neste mundo.
Me preocupa a estrutura, os sistemas de controle.
Os que controlam a minha vida e os que querem controlá-la ainda mais.
Eu quero liberdade!
E é isso que você devia querer!
Cabe a cada um de nós deixar de lado a ganância, o ódio, a inveja…
as inseguranças, seu modo de controle.
Nos sentimos patéticos, pequenos…
e abrimos mão, voluntariamente, da soberania, da liberdade e do destino.
Precisamos nos conscientizar de que somos condicionados em massa.
Desafie o Estado escravo das corporações!
O século 21 é um novo século.
Não é um século de escravidão…
de mentiras e questões irrelevantes…
de classicismo, estadismo e outras modalidades de controle.
Será a era em que a humanidade defenderá algo puro e correto.
Que monte de lixo. Democratas liberais, republicanos conservadores.
Dois lados da mesma moeda!
Duas equipes gerenciais…
brigando pelo cargo máximo da Escravidão Ltda.!
A verdade está lá, mas eles estendem um bufê de mentiras.
Estou farto! E não aceito nem mais um quinhão!
A resistência não é fútil!
Nós venceremos!
A humanidade é boa demais.
Não somos fracassados!
Nos ergueremos e seremos humanos!
Nos empolgaremos com coisas reais!
A criatividade e o espí­rito humano dinâmico que recusa-se a submeter-se!
Bem, isso é tudo o que tenho a dizer.
Está nas suas mãos.
O desafio é o de nos libertarmos do negativo…
que nada mais é do que nossa própria vontade do nada.
Uma vez tendo dito sim ao instante, a afirmação é contagiosa.
Ela explode numa cadeia de afirmações que não conhece limites.
Dizer sim a um instante…
é dizer sim a toda a existência.
O personagem principal é o que chamo de “a mente”.
Sua mestria, sua capacidade de representação.
Historicamente, muito se tentou…
conter experiências que ocorrem í  beira do limite…
nas quais a mente está vulnerável.
Mas creio que estamos em um momento muito significativo da História.
Esses momentos, que poderí­amos chamar de limí­trofes, fronteiriços…
experiências de Zona X, hoje, tornam-se a norma.
Essas multiplicidades e distinções transmitem diferenças, gerando…
grande dificuldade í  velha mente.
E, entrando através de sua essência mesma…
saboreando e sentindo a sua singularidade…
pode-se avançar na direção daquela coisa comum…
que os mantém unidos.
Então o personagem principal é para essa nova mente…
maior, uma mente maior.
Uma mente que ainda virá a ser.
E quando entra-se neste registro…
pode-se ver uma subjetividade radical.
Afinação radical í  individualidade, í  singularidade, í  mente.
Ela abre-se para uma vasta objetividade.
Então, agora, a história é a do Cosmos.
O momento não é apenas um vazio passageiro, um nada. Ainda assim…
é a forma pela qual estas passagens secretas ocorrem.
Sim, é vazio de tamanha completude…
que o grande momento, a grande vida…
do universo pulsa em seu interior.
E cada um, cada objeto, cada lugar…
cada ato, deixa uma marca.
E esta história é singular. Mas, na verdade, é uma história após a outra.
Dissolve-se em partí­culas ligeiras que giram.
Ora me movo rapidamente, ora o tempo o faz. Nunca os dois simultaneamente.
É um estranho paradoxo.
Estou mais perto do fim da minha vida do que jamais estive…
mas sinto, mais do que nunca, que tenho todo o tempo do mundo.
Quando era mais jovem, havia necessidade de…
certeza. Eu precisava chegar ao fim do caminho.
Sei o que quer dizer.
Eu me lembro que pensava…
“Um dia, aos 30 e poucos anos, talvez…
tudo irá, de algum modo, se acomodar, parar. Simplesmente acabar.”
É como se houvesse um platô…
me esperando. Eu estava escalando.
Quando eu chegasse ao topo…
Mas isso não aconteceu, ainda bem.
Na juventude, não levamos em conta a nossa curiosidade.
Isso é que é incrí­vel de sermos humanos.
Sabe o que Benedict Anderson diz sobre a identidade?
Ele fala sobre, digamos, uma foto de bebê.
Você pega uma imagem bidimensional e diz: “Sou eu”.
Para ligar o bebê dessa imagem estranha a você, no presente…
é preciso criar uma história.
“Esta sou eu quando tinha 1 ano.
Depois, tive cabelos compridos…
e depois nos mudamos para Riverdale, e aqui estou.”
Então, a história necessária é, na verdade, uma ficção…
para tornar você e o bebê idênticos.
– Para criar sua identidade.
– O engraçado é que…
nossas células se regeneram totalmente a cada sete anos.
Já fomos várias pessoas diferentes.
E, no entanto, sempre permanecemos sendo, em essência, nós mesmos.

BARULHO E SILÃ?Å NCIO

A dúvida tornou-se a nossa narrativa.
A nossa busca era a de uma nova história, a nossa.
Nos agarramos a esta nova história graças í  suspeita…
de que a linguagem comum não poderia contá-la.
Nosso passado parecia congelado, í  distância e, cada gesto nosso…
significava a negação do velho mundo e a tentativa de alcançar o novo.
O modo como viví­amos criou uma situação de exuberância e amizade.
Uma micro sociedade subversiva no coração de uma sociedade ignorante.
A arte não era a meta, mas a ocasião e o meio de localizarmos nosso ritmo…
e as possibilidades enterradas de nossa época.
Tratava-se da verdadeira descoberta da comunicação. Ou a busca disso.
Encontrá-la e perdê-la.
Nós, os inquietos, continuamos procurando…
preenchendo o silêncio com desejos, temores, fantasias.
Movidos pelo fato de que, ainda que o mundo parecesse vazio…
ainda que parecesse degradado e desgastado…
qualquer coisa seria possí­vel.
Dadas as circunstâncias certas…
um mundo novo era tão provável quanto um antigo.
Existem dois tipos de sofredores…
aqueles que sofrem da falta de vida…
e os que sofrem da abundância excessiva da vida.
Eu sempre me posicionei na segunda categoria.
Quando se pensa nisso, quase todo comportamento e atividade humana…
são, essencialmente, nada diferentes do comportamento animal.
As mais avançadas tecnologias e artefatos levam-nos, no máximo…
ao ní­vel do super-chimpanzé.
Na verdade, o hiato entre Platão ou Nietzsche e o humano mediano…
é maior do que o que há entre o chimpanzé e o humano mediano.
O reino do verdadeiro espí­rito…
o artista verdadeiro, o santo, o filósofo, é raramente alcançado.
Por que tão poucos?
Por que a História e a evolução não são histórias de progresso…
mas uma interminável e fútil adição de zeros?
Nenhum valor maior se desenvolveu.
Ora, os gregos, há 3.000 anos, eram tão avançados quanto somos hoje.
Quais são as barreiras que impedem as pessoas…
de alcançarem, minimamente, o seu verdadeiro potencial?
A resposta a isso pode ser encontrada em outra pergunta, que é…
qual é a caracterí­stica humana mais universal?
O medo…
ou a preguiça?
O que está escrevendo?
Um romance.
Qual é a história?
Não há história. São só…
pessoas, gestos, momentos.
Fragmentos de sensações.
Emoções evanescentes.
Em resumo…
as maiores histórias já contadas.
Você está na história?
Acho que não.
Mas estou meio que lendo-a para depois escrevê-la.
Foi no deserto, no meio do nada, a caminho de Las Vegas.
Então, sabe, de tempos em tempos, um carro parava para abastecer.
Era o último posto antes de Las Vegas.
Havia uma cadeira e uma caixa registradora. Não cabia mais nada.
Eu estava dormindo e ouvi um barulho.
Sabe, como se fosse na minha cabeça.
Então eu me levantei…
andei até lá fora e fiquei parado na beirada…
onde o posto de gasolina acaba.
Sabe, na entrada de carros.
Esfreguei meus olhos, tentando enxergar o que estava havendo.
E lá longe, do outro lado do posto, havia uns pneus enfileirados…
presos com correntes.
E percebo que há uma van Econoline lá perto.
E um cara sem camisa.
E ele está carregando a van Econoline…
com todos aqueles pneus.
Ele está com os dois últimos pneus nas mãos.
Ele os empurra para dentro da van.
E eu, é claro, digo, “Ei, você!”
O cara então se vira.
Ele está sem camisa. Está suando.
Forte como um armário.
Saca uma faca de 3 centí­metros…
Eu penso…
“Isto está errado.”
Eu entrei…
enfiei a mão atrás do caixa, onde o dono guardava um revólver 41.
Eu saquei a arma…
destravei-a…
e quando me virei, ele estava entrando pela porta. Eu vi seus olhos.
Nunca esquecerei os olhos daquele cara.
Ele tinha maus pensamentos a meu respeito em seus olhos.
Disparei uma vez e acertei nele, bum, bem no peito.
Bang! Tão rápido quanto ele entrou pela porta, ele saiu.
Foi parar entre as duas bombas, comum e aditivada.
Devia estar drogado, com anfetaminas ou algo assim, pois ficou de pé.
Ele ainda estava com a faca e havia sangue cobrindo o seu peito todo.
Ele se levantou e fez isso, só se mexeu um pouco. Fiquei chocado.
Então, segurei o gatilho, bati no tambor, como antigamente…
e o lancei para fora do posto.
Desde então, eu sempre carrego isto.
Uma população bem armada é a melhor defesa contra a tirania.
Um brinde a isso.
Sabe, não uso isto há muito tempo, nem sei se ainda funciona.
Puxe o gatilho e descubra.
Oi, cara. Você deve ter saí­do ou algo do gênero.
Me lembre de te contar sobre o sonho que eu tive. Umas coisas engraçadas.
Falou, cara. Então te procuro mais tarde. Certo.
…na prova de montar em pêlo, Copenhagen William, de Mike Sankey…
Para fazer uma faixa de chapéu, costure por dentro…
Não espero pelo futuro…
ansiando pela salvação, absolvição ou mesmo pela iluminação.
Acredito que esta perfeição falha é suficiente e completa…
em cada momento inefável e singular.
…a abelha loira, o vaga-lume, a cobra…
…o gnomo lunático de macarrão com meu…
…a louvável tradição de feiticeiros, xamãs e visionários…
que aperfeiçoaram a arte de viajar pelos sonhos…
o chamado estado lúcido do sonho, no qual, controlando-se os sonhos…
pode-se descobrir coisas para além da nossa apreensão no estado desperto.
Desfile de Posse de Lyndon B. Johnson
…o vencedor…
Ela conta a ele o que Felix está fazendo.
Um único ego é um ponto de vista absurdamente estreito…
para se abordar esta experiência.
Onde a maioria considera sua relação com o universo…
eu contemplo relações entre os meus diversos eus.
Enquanto boa parte das pessoas com problemas motores mal se movimentam…
aos 92 anos, Joy Cullison está por aí­, vendo o mundo.
Oi, como vão as coisas?
Dizem que os sonhos somente são reais enquanto duram.
Não podemos dizer isso da vida?
Muitos de nós estão mapeando a relação mente-corpo dos sonhos.
Somos chamados onironautas, exploradores do mundo oní­rico.
Há dois estados opostos de consciência…
que de modo algum se opõem.
Na vida desperta, o sistema nervoso inibe a vivacidade das recordações.
É coerente com a evolução.
Seria pouco eficiente se um predador…
pudesse ser confundido com a lembrança de um outro…
e vice-versa.
Se a lembrança de um predador…
gerasse uma imagem perceptiva…
fugirí­amos quando tivéssemos um pensamento amedrontador.
Nossos neurônios serotoní­nicos inibem as alucinações.
Eles próprios são inibidos no sono REM.
Isso permite que os sonhos pareçam reais, mas bloqueia a concorrência…
de outras percepções.
Por isso os sonhos são confundidos com a realidade.
Para o sistema funcional de atividade neurológica que cria o nosso mundo…
não há diferença entre uma percepção ou uma ação sonhadas…
e uma percepção e uma ação na vida desperta.
Um amigo me disse, certa vez, que o maior erro que podemos cometer…
é acharmos que estamos vivos…
quando, na verdade, estamos dormindo na sala de espera da vida.
O segredo é combinarmos as habilidades racionais da vida desperta…
com as possibilidades infinitas de nossos sonhos.
Se soubermos fazê-lo, poderemos fazer qualquer coisa.
Já teve um emprego que odiava e ao qual se dedicava muito?
Depois de trabalhar o dia todo, você chega em casa, deita e fecha os olhos.
Aí­ você acorda e percebe que o dia de trabalho havia sido um sonho.
Já é ruim o bastante que vendamos nossa vida desperta por um…
salário mí­nimo, mas, agora, eles ficam com seus sonhos de graça.
Oi, cara. O que está fazendo aqui?
Tenho a honra de ser catalisador social do mundo dos sonhos.
Ajudo as pessoas a ficarem lúcidas.
Livre-se do medo e da ansiedade e deixe o rock’n’roll te levar.
Ficar lúcido? Quer dizer, saber que se está sonhando?
Assim, pode-se controlá-los. São mais realistas que os sonhos não-lúcidos.
Acabei de acordar de um sonho.
Não foi um sonho tí­pico. Eu parecia estar em um universo paralelo.
É, é real. Tecnicamente, é um fenômeno do sono…
mas podemos nos divertir tanto nos sonhos.
– E todos sabem: diversão é show!
– É.
– O que aconteceu no seu sonho?
– Várias pessoas falavam.
Alguns soavam absurdos, como em um filme estranho.
Quase sempre falavam sobre qualquer coisa, com muita intensidade.
Acordei me perguntando…
– de onde vieram essas coisas?
– Você pode controlar isso.
– Você costuma ter sonhos assim?
– Sempre procuro aproveitar ao máximo.
Para começar, é preciso que você se dê conta de que está sonhando.
Reconhecer isso.
Deve ser capaz de se perguntar:
“Isto é um sonho?”
Quase ninguém se pergunta isso, estando despertos ou adormecidos.
As pessoas sonambulam quando despertas e andam despertas pelos sonhos.
Elas não usufruem muito disso.
O que me fez perceber que eu estava sonhando foi um relógio.
Eu não conseguia ver as horas, como se os circuitos estivessem quebrados.
Se vir um interruptor de luz, veja se ele funciona.
Não se pode fazer isso em um sonho lúcido.
E daí­? Posso voar por aí­, ter uma conversa com o Albert Schweitzer.
Posso explorar novas dimensões da realidade.
Sem contar que posso fazer sexo como eu quiser. O que é muito maneiro.
Não posso acender a luz. E daí­?
Então é isso que você faz para testar se está sonhando ou não?
Você pode se treinar para reconhecer isso.
Teste um interruptor, í s vezes.
Se a luz estiver acesa e não conseguir desligá-la, você está sonhando.
Aí­, você pode ir ao que interessa.
E é ilimitado.
– Sabe o que tenho experimentado?
– O quê?
É bem ambicioso.
Mas estou ficando cada vez melhor.
Você vai curtir isso.
Visão em 360 graus, cara. Posso ver em todas as direções. Maneiro, né?
É! Cara…
Bem, preciso ir, cara.
Tchau. Super perfundo no amanhecer antecipado do seu dia.
Que significa isso?
Nunca consegui entender.
Talvez você consiga.
Um cara sempre sussurra isso no meu ouvido.
Louis. É um personagem de sonhos recorrente.

O MOMENTO SAGRADO

O cinema trata, essencialmente…
da reprodução da realidade, ou seja, a realidade é reproduzida.
Para ele, não é um meio de contar histórias.
Ele acha que…
que o filme… Que a literatura é melhor para contar histórias.
Como quando se conta uma piada:
“Um sujeito entra em um bar…
e vê um anão.”
Mas num filme, filma-se um sujeito especí­fico em um…
bar especí­fico e um anão especí­fico, que tem uma certa aparência.
Para Bazin, a ontologia do filme relaciona-se com…
o que faz a fotografia…
Trata-se então daquele sujeito, naquele momento, naquele espaço.
E Bazin é um cristão, então ele acredita…
em Deus, obviamente, e que tudo…
Para ele, Deus e a realidade são o mesmo.
Então, o que o filme capta é, na verdade, Deus encarnado, criando…
e, neste exato momento, Deus estaria se manifestando.
O que o filme capturaria aqui e agora…
seria Deus nesta mesa, como você, como eu. Deus olhando como nós…
dizendo e pensando o que pensamos, pois somos todos Deus manifestando-se.
O filme, então, é um registro de Deus, ou do rosto sempre mutante de Deus.
Tem um mosquito. Quer que eu…?
– Você o matou.
– Matei?
Hollywood transformou o filme em um meio para contar histórias. Pega-se…
Livros ou histórias, um roteiro e encontra-se alguém que encaixe.
É ridí­culo. Não deveria se basear no roteiro.
Deveria basear-se na pessoa ou na coisa.
Não é í  toa que existe o estrelato.
Trata-se então daquela pessoa…
ao invés da história.
Truffaut disse que os melhores filmes não são feitos…
Os melhores roteiros não geram os melhores filmes.
Eles têm uma narrativa que escraviza.
Os melhores filmes são aqueles que não se prendem a essa escravidão.
Então, para mim, a narrativa parece…
Há capacidade narrativa nos filmes, porque há tempo, como na música.
Mas não se pensa na história da música. Ela surge do momento.
É isso que o filme tem.
Esse momento, que é sagrado.
Este momento é sagrado.
Nós agimos como se não fosse.
Há alguns momentos sagrados, e outros, que não são.
Este momento é sagrado. O filme nos faz ver isso, ele põe isso em quadro.
“Sagrado, sagrado, sagrado”. A cada momento. Mas quem viveria assim?
Pois se eu olhasse para você e o tornasse sagrado, eu pararia de falar.
Você estaria no momento.
O momento é sagrado, certo?
É, eu me abriria.
Eu olharia nos seus olhos…
eu choraria e sentiria coisas, e isso seria falta de educação.
Deixaria você constrangido.
Você poderia rir.
Por que choraria?
Bem, sei lá.
Eu tendo sempre a chorar.
Bem, isso é…?
Vamos fazer isso agora.
Vamos ter um momento sagrado.
Tudo são camadas.
Há o momento sagrado, depois…
há a consciência dele. Como nos filmes, o momento acontece…
aí­ o personagem finge que está em outra realidade. São camadas.
Eu entrei e saí­ do momento sagrado, olhando para você.
É uma das razões pelas quais gosto de você. Você me provoca isso.

ESTRADA BLOQUEADA
DESVIO

Se o mundo é falso e nada é real, então tudo é possí­vel.
A caminho de descobrir o que amamos, achamos o que bloqueia nosso desejo.
O conforto jamais será confortável.
Um questionamento sistemático da felicidade.
Corte as cordas vocais dos oradores carismáticos e desvalorize a moeda.
Para confrontar o familiar.
A sociedade é uma fraude tamanha…
e venal que exige ser destruí­da sem deixar rastros.
Se há fogo, levaremos gás.
Interrompa a experiência cotidiana e as expectativas que ela traz.
Viva como se tudo dependesse de suas ações.
Rompa o feitiço da sociedade de consumo…
para que nossos desejos reprimidos possam se manifestar.
Demonstre o que a vida é e o que ela poderia ser.
Para imergirmos no esquecimento dos atos.
Haverá uma intensidade inédita.
A troca de amor e ódio…
horror e redenção.
A afirmação tão inconseqüente da liberdade, que nega o limite.
– O que está fazendo?
– Não sei bem.
Precisa de ajuda para descer, senhor?
Não, acho que não.
Velho burro.
Não é pior que nós.
Ele é pura ação, sem teoria.
Nós somos pura teoria, sem ação.
Por que está tão sério, Sr. Deborg?
O que faltava, parecia ser irresgatável.
A extrema incerteza da subsistência sem o trabalho…
fez dos excessos uma necessidade…
e as rupturas foram definitivas.
Para citar Stevenson…
“O suicí­dio levou muitos.
A bebida e o demônio…
cuidaram do resto.”
Ei!
Você é um sonhador?
Sou.
Não tenho visto muitos ultimamente.
As coisas andam difí­ceis para os sonhadores.
Dizem que o ato de sonhar está morto.
Ninguém mais sonha.
Não está morto.
Foi apenas esquecido.
Removido da nossa linguagem.
Ninguém ensina, então ninguém sabe que existe.
O sonhador é banido í  obscuridade.
Estou tentando mudar isso.
Espero que você também esteja…
sonhando todos os dias.
Sonhando com nossas mãos e mentes.
Nosso planeta está diante dos maiores problemas que já enfrentou.
Não se entedie.
Esta é a época mais fascinante em que poderí­amos esperar viver.
E está apenas começando.
Mil anos é um instante.
Não há nada de novo.
O mesmo padrão que se repete.
As mesmas descobertas de antigamente.
Não há nada aqui para mim agora.
Agora me lembro. Isto me aconteceu antes. Por isso eu fui embora.
Está começando a encontrar respostas.
Embora difí­cil, as recompensas serão ótimas.
Exercite plenamente a sua mente, sabendo ser apenas um exercí­cio.
Construa artefatos, resolva problemas, explore os segredos do universo.
Usufrua de todos os seus sentidos.
Sinta alegria, pesar, riso, empatia.
Leve a memória em sua bagagem.
Eu me lembro de onde vim e como me tornei humano.
Porque estive por aqui. Agora, minha partida está marcada.
Saí­da. Velocidade de escape.
Não só a eternidade, mas o infinito.
– Desculpe.
– Desculpe.
mas eu não quero ser uma formiga.
Passamos pela vida esbarrando uns nos outros…
sempre no piloto automático, como formigas…
não sendo solicitados a fazer nada de verdadeiramente humano.
Pare. Siga. Ande aqui. Dirija ali.
Toda comunicação servindo para manter ativa a colônia de formigas…
de um modo eficiente e civilizado.
“O seu troco.” “Papel ou plástico?”
“Crédito ou débito?”
“Aceita ketchup?”
Não quero um canudo. Quero momentos humanos verdadeiros.
Quero ver você.
Quero que você me veja.
Não quero abrir mão disso.
Não quero ser uma formiga, entende?
Sim, não…
Eu também não quero ser uma formiga.
Obrigado pela sacudida.
Tenho andado feito um zumbi…
no piloto automático. Não me sinto como uma formiga, mas pareço uma.
D.H. Lawrence teve a idéia de duas pessoas se encontrarem…
e, ao invés de apenas passarem…
aceitarem “o confronto entre suas almas”.
É como libertar os deuses corajosos e inconseqüentes que nos habitam.
Parece que já nos encontramos.
Estou trabalhando em um projeto.
Pode lhe interessar. É uma novela…
e os personagens são a fantasia dos seus atores.
Então, pense em algo que sempre quis fazer, a vida que gostaria de ter…
algo do gênero.
Colocamos isso no roteiro…
aí­ você interage com outras pessoas como se faria em uma novela.
Eu também gostaria de exibir isso ao vivo, com os atores presentes.
Aí­, uma vez que o episódio tenha sido exibido…
a platéia pode dirigir os atores em episódios subseqüentes, com cardápios.
Trata-se de escolhas e…
de se louvar a capacidade das pessoas de dizerem o que querem ver…
e consumismo, arte, e valores…
e se você não gostar, devolva e receba seu dinheiro de volta…
ou apenas participar, entende?
Fazer escolhas.
E então, você quer fazer?
Sim, parece muito legal.
Eu adoraria participar, mas…
preciso lhe perguntar algo primeiro.
Não sei bem como dizer, mas…
Como é ser um personagem em um sonho? Porque…
não estou acordado agora. Eu não uso relógio desde a 4a. série.
Acho que era esse mesmo relógio.
Não sei se você é capaz de responder essa pergunta.
Estou apenas tentando entender onde estou e o que está havendo.
E quanto a você? Como se chama?
Não me lembro disso agora.
Não consigo me lembrar.
Mas essa não é a questão, se posso resgatar informação sobre…
Tenho a vantagem, nesta realidade, se posso chamá-la assim…
de uma perspectiva consistente.
Que perspectiva é essa?
Basicamente, sou só eu, lidando com várias pessoas…
que estão me expondo a informações e idéias…
que soam vagamente familiares…
Mas, ao mesmo tempo, é tudo muito estranho para mim.
Não estou em um mundo objetivo e racional.
Por exemplo, eu tenho voado…
É estranho, porque não é um estado fixo.
Parece mais com um amplo espectro de consciência.
A lucidez oscila. Neste momento, sei que estou sonhando.
Estamos até conversando sobre isso.
Estou…
o mais em contato comigo e com meus pensamentos que já estive até agora.
Estou conversando sobre estar em um sonho.
Mas, começo a achar que…
isto é algo para o qual não tenho quaisquer precedentes.
É totalmente singular.
A qualidade do ambiente…
e a informação que estou recebendo.
Como a sua novela, por exemplo.
Essa idéia é muito bacana!
Não fui eu quem inventou isso.
Está fora de mim…
como algo transmitido a mim externamente.
Eu não sei o que é isto.
Achamos que somos tão limitados pelo mundo e suas restrições…
mas, na verdade, nós as criamos.
Fica-se tentando entender, mas agora que você sabe que está sonhando…
você pode fazer qualquer coisa.
Você está sonhando, mas está acordado.
Você tem…
tantas opções. E a vida é isso.
Eu estou entendendo o que você diz.
Depende de mim, eu sou o sonhador.
É estranho.
Tanto dessas informações…
que as pessoas têm me passado…
tem uma conotação tão pesada.
Bem, como você se sente?
às vezes me sinto meio isolado.
Quase sempre, sinto-me comprometido, engajado em um processo ativo…
O que é estranho. Quase todo o tempo estive passivo, sem responder…
exceto agora.
Me deixei ser lavado pela informação.
Não responder verbalmente não é, necessariamente, ser passivo.
Estamos nos comunicando em tantos ní­veis simultaneamente.
Talvez você esteja percebendo diretamente.
Quase todas as pessoas que encontrei e as coisas que quero dizer…
é como se elas as dissessem por mim, quase na minha deixa.
É completo em si mesmo.
Não é um sonho ruim.
É um sonho ótimo.
Mas…
é tão diferente de qualquer outro sonho que eu já tive.
É como se fosse “o” sonho.
Como se estivesse sendo preparado.
“Nesta ponte,” adverte Lorca…
“a vida não é um sonho.
Cuidado e…
cuidado e cuidado.”
Tantos crêem que porque o “então” ocorreu, o “agora” não está ocorrendo.
Eu não comentei? O “uau” contí­nuo está se dando neste mesmo instante.
Somos todos co-autores desta exuberância dançante…
na qual até nossas incapacidades se divertem.
Somos os autores de nós mesmos, criando um romance de Dostoyevsky…
estrelando palhaços.
Isto em que estamos envolvidos, o mundo…
é uma oportunidade de demonstrar como a alienação pode ser fascinante.
A vida é uma questão de um milagre…
formado de momentos perplexos por estarem na presença uns dos outros.
O mundo é uma prova…
para testar se podemos nos elevar í s experiências diretas.
A visão é um teste para saber se podemos ver além dela.
A matéria é um teste para a nossa curiosidade.
A dúvida é uma prova para a nossa vitalidade.
Thomas Mann escreveu que preferiria participar da vida que escrever.
Giacometti foi atropelado por um carro, certa vez.
Ele lembra-se de ter caí­do em um desmaio lúcido…
um prazer repentino…
ao perceber que algo estava lhe acontecendo.
Assume-se que não se pode compreender a vida e viver ao mesmo tempo.
Não concordo inteiramente. Ou seja, não exatamente discordo.
Eu diria que a vida compreendida é a vida vivida.
Mas os paradoxos me perturbam.
Posso aprender a amar e fazer amor com os paradoxos que me perturbam.
E em noites românticas do eu…
saio para dançar salsa com a minha confusão.
Antes que saia flutuando, não se esqueça…
ou seja, lembre-se.
Porque lembrar é muito mais uma atividade psicótica que esquecer.
Lorca, no mesmo poema, disse…
que o lagarto morderá os que não sonham.
E, quando se percebe…
que se é um personagem sonhado no sonho de outra pessoa…
isso é consciência de si.
Você ainda não conheceu a si mesmo.
Mas a vantagem de conhecer os outros, enquanto isso…
é que um deles pode lhe apresentar a si mesmo.
Examine a natureza de tudo o que você observa.
Por exemplo, você pode se descobrir…
caminhando por um estacionamento sonhado.
E, sim, estes são pés sonhados dentro de seus sapatos sonhados.
Parte do seu eu sonhado.
E então, a pessoa que você parece ser no sonho…
não pode ser quem você é realmente.
Esta é uma imagem…
um modelo mental.
– Você se lembra de mim?
– Não, acho que não.
algumas vezes.
Eu me lembro disso, mas não lembro de ter sido você.
Tem certeza?
Talvez não.
Eu estava sentada…
e você estava me olhando.
Meu pequeno amigo, não sonhes mais.
Realmente chegou.
Chama-se Efferdent Plus.
No inferno, afunda-se. No paraí­so, ascende-se í  completude do amor.
Depressa! Ande, entre no carro.
Vamos.
A história é assim: Billy Wilder encontra Louis Malle.
Foi no fim dos anos 50, começo dos 60.
Malle fizera seu filme mais caro, que custou 2,5 milhões de dólares.
Wilder lhe perguntou sobre o que era o filme.
Malle disse: “É um sonho dentro de um sonho”.
E o Wilder: “Acaba de perder US$2,5 milhões “.
Sinto uma certa apreensão.
Durante anos, a noção de que a vida é um sonho…
foi um tema recorrente entre filósofos e poetas.
Não faz sentido que a morte também seja envolta pelo sonho?
Que, após a morte, a vida consciente continue em um corpo de sonho?
Seria o mesmo corpo de sonho que aquele da vida cotidiana…
mas, no estado pós-morte, não se poderia voltar a despertar.
Nunca mais se poderia retornar ao corpo fí­sico.
à medida que a complexidade aumenta, deixar-se levar não é o bastante.
Como é que é, jacaré?
– Você também dirige um carro-barco?
– Um o quê?
Você me deu uma carona em um carro que também era um barco.
Não, não tenho um “carro-barco”.
Não sei do que está falando.
Deve ser a noite do universo paralelo.
Sabe o cara que acabou de sair?
Ele chegou aqui e eu disse: “Como é que é?”
Ele pôs um burrito no balcão, olhou para mim e disse…
“Eu retornei do vale dos mortos.
Eu respiro misticamente os odores da vida.
Eu vi o esquecimento. Eu fermento o desejo de me lembrar de tudo.”
E o que você respondeu?
Bem, o que eu poderia dizer?
Disse: “Se puser isso no microondas, faça furinhos no plástico…
porque eles explodem e estou cansado de limpar burritos.”
Os pimentões ressecam.
Parecem rodinhas.
Quando acabou, eu só conseguia pensar em como…
toda esta noção de eu…
do que somos…
é apenas uma estrutura lógica.
Um lugar para abrigar momentaneamente todas as abstrações.
Era tempo de adquirir consciência…
de dar forma e coerência ao mistério.
E eu tinha participado disso.
Foi uma dádiva.
A vida girava ao meu redor e cada momento era mágico.
Eu amava todas as pessoas, lidando com tantos impulsos contraditórios.
Era isso que eu mais amava, me ligar í s pessoas.
Em retrospecto, era só isso que importava realmente.
As últimas palavras de Kierkegaard foram: “Varra-me de uma vez.”
– Oi, cara.
– Oi.
Você não estava no carro-barco?
Um cara de chapéu me deu uma carona…
numa espécie de carro-barco.
Você estava no banco de trás.
Não estou dizendo que você não sabe do que está falando…
mas eu não sei do que você está falando.
Vocês me deixaram em um lugar especí­fico que você sugeriu.
Desci e acabei atropelado por um carro.
Aí­, eu acordei. Eu estava sonhando.
Depois, descobri que ainda estava sonhando, sonhando que tinha acordado.
Falsos despertares.
Eu costumava tê-los sempre.
Mas eu ainda estou nisso.
Não consigo sair.
Parece estar durando para sempre.
Fico acordando dentro de outro sonho.
Estou ficando assustado, andei até falando com gente morta.
Uma mulher na TV me diz que a morte…
é uma espécie de tempo de sonho, que existe fora da vida.
Estou começando a achar que estou morto.
Deixe eu lhe contar um sonho que tive.
Quando alguém diz isso, costuma significar alguns minutos de tédio.
Mas o que se pode fazer?
– Li um ensaio de Philip K. Dick.
– No seu sonho?
Não, eu o li antes do sonho.
Era o preâmbulo.
Era sobre aquele livro:
Flow My Tears, the Policeman Said.
Simplesmente fluiu. Ele sentiu como se o estivesse psicografando.
Quatro anos depois, ele estava em uma festa.
Ele conheceu uma mulher com o mesmo nome que a mulher do livro.
Seu namorado tinha o mesmo nome que o namorado do livro.
Ela havia tido um caso com um delegado de polí­cia.
Ele tinha o mesmo nome que o delegado de seu livro.
Tudo o que ela dizia parecia estar saindo de seu livro.
Isso o deixa muito assustado, mas o que ele pode fazer?
Pouco tempo depois, ele foi pôr uma carta no correio…
e viu um sujeito meio estranho em pé, ao lado de seu carro.
Mas, ao invés de evitá-lo, ele disse: “Posso ajudá-lo?”
O sujeito disse: “Fiquei sem gasolina”.
Ele lhe deu algum dinheiro, coisa que jamais teria feito.
Ele chega em casa e pensa…
“Ele não conseguirá chegar ao posto.
Ele está sem gasolina.”
Então, ele volta, acha o sujeito e o leva ao posto de gasolina.
Enquanto estaciona, ele pensa:
“Isto também está no meu livro.
Este mesmo posto. Este mesmo sujeito. Tudo.”
Bem, este ocorrido é um tanto assustador, certo?
Ele resolve contar a um padre que escreveu um livro…
e que quatro anos depois, tudo isso aconteceu.
E o padre diz: “Este é o Livro dos Atos”.
Ele diz: “Mas eu nunca o li”.
Então ele lê o Livro dos Atos e é estranhamente familiar.
Até os nomes dos personagens são iguais aos da Bí­blia.
O Livro dos Atos se passa em 50 d.C.
Então, Dick criou uma teoria segundo a qual o tempo é uma ilusão…
e estamos todos em 50 d.C.
O que o levou a escrever o livro foi que ele, de algum modo…
atravessou esse véu do tempo.
O que viu ali foi o que acontecera no Livro dos Atos.
Ele se interessava pelo gnosticismo e pela idéia de que um demônio…
teria criado essa ilusão do tempo para nos fazer esquecer…
que Cristo retornaria e o reino de Deus adviria.
Alguém está tentando nos fazer esquecer que Deus é iminente.
Isso define o tempo e a História.
Esta espécie de devaneio ou distração contí­nuos.
Eu li isso e pensei: “Que estranho”.
E naquela noite, eu tive um sonho.
Tinha um homem que, supostamente, era um vidente.
Mas eu pensava:
“Ele não é mesmo um vidente”.
Então, de repente, começo a flutuar, levitando até atingir o teto.
Quase atravesso o telhado e digo:
“Está bem, eu acredito em você”.
E flutuo de volta. Quando meus pés tocam o chão…
o vidente vira uma mulher usando um vestido verde, Lady Gregory.
Lady Gregory era a patrona de Yeats, uma irlandesa.
Mesmo nunca tendo visto a sua imagem…
eu tinha certeza de que esse era o rosto de Lady Gregory.
Então, Lady Gregory vira-se para mim e diz…
“Deixe-me explicar-lhe a natureza do universo.
Philip Dick está certo quanto ao tempo, mas errado quanto a ser 50 d.C.
Na verdade, só existe um instante, que é agora. E é a eternidade.
É um instante no qual Deus está apresentando a seguinte pergunta…
‘Você quer fundir-se com a eternidade, você quer estar no paraí­so?’
E estamos todos dizendo: ‘Não, obrigado. Ainda não’.”
Logo, o tempo é apenas o constante “não” que dizemos ao convite de Deus.
Isso é o tempo. Não estamos em 50 d.C., como não estamos em 2001.
Só existe um instante.
E é nele que estamos sempre.
Então ela me disse que esta é a narrativa da vida de todo mundo.
Por detrás da enorme diferença, há apenas uma única história…
a de se ir do não ao sim.
Toda a vida é: “Não, obrigado. Não, obrigado”.
E, em última instância é: “Sim, eu me rendo.
Sim, eu aceito. Sim, eu me entrego”.
Essa é a jornada.
Todos chegam ao sim no final, certo?
Certo.
Então, continuamos a andar e meu cachorro corre em minha direção.
Fico tão feliz.
Ele morreu anos atrás.
Estou fazendo carinho nele e há um troço nojento…
saindo de seu estômago.
Olho para Lady Gregory, e ela tosse.
Ela diz: “Me desculpe”.
E vômito escorre por seu queixo.
O cheiro é horrí­vel.
E eu penso:
“Isto não é só cheiro de vômito.
É cheiro de vômito de gente morta”.
Então é duplamente horripilante.
Percebo que estou no mundo dos mortos.
Todos a minha volta estão mortos.
Meu cachorro morrera há 10 anos, Lady Gregory há muito mais tempo.
Quando acordei, pensei:
“Aquilo não foi um sonho.
Foi uma visita í quele lugar, o mundo dos mortos.”
E como conseguiu finalmente sair de lá?
Foi como uma daquelas experiências que transformam a vida.
Eu nunca mais voltei a ver o mundo do mesmo jeito.
Mas como é que você finalmente saiu do sonho?
É esse o meu problema.
Eu estou aprisionado.
Fico achando que estou acordando, mas ainda estou em um sonho.
Quero acordar de verdade.
Como se acorda de verdade?
Não sei.
Não sou mais tão bom nisso.
Mas se é o que está pensando, você deve fazê-lo, se puder.
Porque, um dia, não será capaz.
Mas é fácil.
Sabe, simplesmente acorde.
em memória de: John Christensen
(super perfundo no amanhecer antecipado do seu dia)

Diabolus in Musica

J.C. –
O diabo é um idiota, Sr. Flusser?
V.F. –
Há uma faceta idiótica no diabo. Desde que a palavra seja tomada no seu sentido grego. A idiotice é a vida, em particular na economia. Um dos deveres do diabo é seduzir-nos para a integração na famí­lia e no emprego. Além disso, o paraí­so da satisfação que nos é prometido pelos diversos messianismos psicossomáticos, psicanalí­ticos e econômicos é uma das metas do diabo enquanto idiota.
sorabjislur2.jpg
J.C. –
Se o diabo implica Deus, este é também um idiota?
V.F. –
Se o termo Deus pode ter significado, este seria meramente negativo, a saber, “não-diabo”. Desde que nessas perguntas a idiotice do diabo foi salientada, Deus poderia ser concebido como a negação da idiotice, portanto, como o lugar da alienação, da famí­lia e da economia; portanto, da natureza. Resumindo, o idiótico no diabo seria sua sedução para a natureza e Deus seria a sedução para fora da natureza.

J.C. –
Explique-se melhor.
V.F. –
Poderia dizer que no homem há duas tendências: aquela que faz o homem integrar-se na natureza e aquela que o propele para além dela. A tendência integralista é aquela que chamei de diabólica na sua primeira pergunta. Mas seria simplificar demais querer, por isso, identificar a tendência alienadora com a divina. O diabo não é apenas idiota. Ele não seduz também para uma forma de alienação, mas diversas formas.

J.C. –
Isso tudo é muito bonito, mas me parece estudado demais. A alienação não é também uma forma de engajamento?
V.F. –
Sem dúvida. Os termos alienação e engajamento são relativos. Se de fato há duas realidades no homem, uma natural e outra valorativa, toda vez que o homem se engaja na natureza para valorizá-la, aliena-se dos valores mesmos. E toda vez que se engaja na contemplação dos valores, na pura teoria, aliena-se da dimensão natural que o caracteriza. Em outras palavras, a ambivalência humana (a sua liberdade de seguir o diabo ou Deus) reside injustamente no fato de que em toda escolha é simultaneamente um aceitar e um recusar de algo meu.

escaravelho.gif

J.C. –
Então para a juventude moderna, os termos alienação e engajamento significam a mesma coisa? Isto é, tanto faz estudar filosofia como defender o flagelado nordestino?
V.F. –
Significam a mesma coisa no sentido de serem fugas parciais, embora em dois sentidos diferentes. Se me decido a engajar-me em prol do flagelado fujo de uma realidade em mim que me propele para a filosofia. E se me decido para a filosofia, fujo da realidade do flagelado que afinal de contas também é minha. Naturalmente posso encobrir este dilema trágico com bonitas palavras, dizendo que sacrifico a minha tendência filosófica no altar do flagelado, ou que sacrifico o flagelado no altar da filosofia. Mas deve ser claro que em ambos os casos trata-se de má-fé. É por isso que eu disse que o diabo também funciona como sedutor para a teoria. E o diabo dispõe de mais um truque neste caso; pode insuflar-me que, ao empenhar-me no flagelado, também de alguma forma filosofo. E que ao filosofar, também de alguma forma ajudo o flagelado. Como vê, a situação é extremamente complexa e confusa, que é aliás o significado da palavra diabo.

J.C. –
Concordo que seja confusa, mas não a ponto de imaginar que Heidegger possa fazer algo pelos nordestinos. Isso me parece de extremo cinismo.
V.F. –
Pois é, concordo que é cí­nico, e que a atitude honesta é admitir que quando me decido para o engajamento ao nordestino perdi uma dimensão da minha existência, e a perdi definitivamente, já que todo o instante é irrevogável; e, também, quando me decido para a filosofia devo por honestidade admitir que traí­ a minha capacidade de engajar-me no nordestino. É nesta honestidade que se revela a agonia da existência humana.

J.C. –
Fala-se demasiadamente em sexo. O diabo tem algo a ver com isso? Ele se encontra nas ante-salas do amor e incita ao pecado? Veja o sr. que as revistas e publicações modernas incluem sistematicamente fotografias e falsos estudos de sexologia com o intuito de espicaçar a libido do leitor. Seria o diabo pecador?
V.F. –
Gostaria de enquadrar este problema também no contexto do desenvolvimento. O que impressiona um viajante brasileiro nos EUA. é a circunstância de ter sido o sexo aparentemente abolido pelo diabo em prol de pecados mais refinados. As revistas que você menciona estão sendo vendidas em massa na rua 42, o que provoca apenas bocejos. No seu desenvolvimento, o diabo superou o sexo e a juventude americana usa portanto o sexo como meio para alcançar popularidade, como aqui ainda utiliza-se a popularidade como meio para alcançar o sexo. Comparada com a situação americana a sexualidade da juventude brasileira, longe de ser pecaminosa, parece pia.

J.C. –
E o adágio “faça amor e não a guerra” é um convite ao amor ou uma distração da guerra?
V.F. –
O adágio comprova exatemente o que acabo de dizer. No contexto desenvolvido o ato sexual, se ainda for conseguido, é um sintoma de simplicidade cristã e voltado para a sanidade ingênua. Com efeito, o ato sexual neste contexto é algo semelhante í  sentença do Cristo: tornai-vos como crianças. Compare o ato sexual, que afinal é um ato natural a dois, com as cenas psicodélicas em [Green Village].

J.C. –
Os “hippies” são, ao que parece, os últimos cristãos sobre a Terra, afinal pregam descaradamente o “amai-vos uns aos outros”. O que fazem eles em [Green Village]?
V.F. –
Justamente, o problema é o de distinguir Deus do diabo. Se os hippies te parecem ser cristãos é que estams perdendo a noção da distinção entre o bem e o mal. Finalmente Nietszche alcançou-nos.

J.C. –
E daí­?
V.F. –
Quando Nietszche falou que estamos no além do bem e do mal ele estava apenas articulando o desespero individual e profético. Agora esse desespero da indiferença alcançou-nos com camadas amplas.

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J.C. –
Camadas amplas brasileiras? Veja bem, sr. Flusser, aqui e agora esse Nietszche como pode ser aplicado?
V.F. –
Na nossa situação de intelectuais paulistanos estamos literalmente flutuando sobre um abismo. Se enquanto intelectuais participamos da problemática da nossa época que é a problemática do super-desenvolvimento, enquanto paulistas participamos da problemática do sub-desenvolvimento. De maneira que o diabo nos agarra de ambos os lados, na forma nietszcheniana da indiferença e na forma tradicional da impotência ante problemas fora do nosso alcance. Estas duas garras se superam dialeticamente da seguinte forma: recusamo-nos de agir já que nenhuma ação adianta e já que toda ação é indiferente. Ou agimos a despeito da nossa plena consciência da inocuidade da nossa ação e da aleatoriedade da nossa escolha. No entanto não quero negar que talvez haja uma brecha nas garras do diabo. A nossa tarefa é talvez encontrá-la.

J.C. –
É isso que senhor tem pretendido ao longo de sua vida?
V.F. –
Tenho caminhado em duas direções diferentes. Na primeira etapa procurei encontrar-me negativamente, isto é, por redução sistemática de todas as falsidades que deturpam a visão da situação na qual nos encontramos. Sem ter alcançado essa meta talvez movido por impaciência, iniciei uma segunda etapa, na qual procuro, na medida das minhas forças extremamente limitadas, influir na situação imediata no sentido de um saneamento conta essas falsidades. Em outras palavras, publico e ensino.

J.C. –
O sr. vem sido acusado sistematicamente de ótimo poeta. Agora vejo que seus acusadores têm razão.
V.F. –
Se você levar a pergunta a um campo pessoal, devo admitir que me engajei em filosofia e que portanto resisti ao diabo idiótico para talvez cair nas malhas de um diabo estetizante. Com efeito, a filosofia e a teologia são para mim indistintas, já que ambas propõem o terreno do até agora não pensado, e o propõem no clima da beleza. Não me iludo; sei que a minha decisão em prol da teoria é uma decisão que abre mão da minha ação imediata no campo daquilo que é geralmente chamado de subdesenvolvimento. Como desculpa, que talvez me foi insuflada pelo diabo, só posso recorrer ao seguinte: talvez a minha incompetência seja um pouco menos desesperadamente limitada no campo da teoria, do que na ação imediata.

J.C. –
O sr. falou em subdesenvolvimento. Se somos subdesenvolvidos, como o diabo se comporta entre nós? Ele o é igualmente? A figura de um diabo subdesenvolvido me parece extremamente melancólica.
V.F. –
Pelo contrário, no subdesenvolvimento o diabo tem muito mais seiva, seduz com armas tão ingênuas como o são o sexo e o dinheiro. E castiga com pragas tão palpáveis como o são a doença e a fome. Compare isso com o diabo desenvolvido.

J.C. –
Assim nos EUA o diabo morreu?
V.F. –
Quem morreu obviamente é Deus, ou como dizem os bottons americanos, vive mas não quer ser envolvido. O diabo nos EUA seduz por pseudo-comunicações e pseudo-sensações e castiga pelo tédio e pela falta de meta, mas não se iluda com a “cocacolonização” do Brasil, também, há infiltração deste tipo adiantado no nosso meio.

J.C. –
O senhor falou em comunicação que já me parece uma palavra gastí­ssima. Afinal, ela significa verdadeiramente algo?
V.F. –
Você tem razão, já ouvi que os que não podem comunicar poderiam calar a boca. Quando falei em pseudo-comunicação referi-me justamente í quela massa de mensagens sem informação que amalgama as solidões individuais em solidões coletivas. Não resta dúvida que exista comunicação autêntica. Não quero recorrer ao exemplo do amor, já que esse nosso diálogo presente prova ser ela possí­vel. Aventuro a tese que onde há autêntica comunicação, isto é, onde dois seres humanos se abrem mutuamente o diabo é derrotado. Talvez por isso mesmo a comunicação autêntica é tão rara. Por exemplo, será que esta entrevista comunicará com alguém entre os leitores?

J.C. –
É outro lugar comum, sr. Flusser, dizer que a incomunicabilidade destroi o amor. Talvez os seres não se comuniquem simplesmente porque não há nada para se comunicar. O diálogo já foi há muito interrompido, talvez por se ter alhures realizado. Agora há o silêncio, o ensimesmamento de que falava o cordial Ortega.
V.F. –
Você está tocando num ponto crucial da problemática da felicidade. A nossa tradição imagina a felicidade como um lugar de eterna contemplação e também de diálogo eterno. Compare Sócrates com o cristianismo. Mas há uma óbvia contradição nessas duas imagens. Onde há contemplação não pode haver diálogo porque todas as informações possí­veis já foram trocadas. Nesse sentido a felicidade é tédio imenso e não pode haver diálogo, onde há diálogo não pode haver contemplação porque o diálogo é um processo, portanto algo imperfeito. Em suma, a felicidade é inimaginável.

J.C. –
Assim, o céu é um lugar miseravelmente silencioso e entendiante?
V.F. –
Já disse que não podemos sequer imaginá-lo, mas certamente um dos seus aspectos está sendo realizado na terra, a saber nos subúrbios novaiorquinos e outro aspecto nos parques de cultura e diversão moscovita.

J.C. –
No seu livro “A história do diabo” o senhor se referiu ao Brasil como sendo um território periférico do Ocidente, em cuja sociedade se distinguiam dois traços fundamentais: a tristeza e a preguiça, cuja superação seria a meta do pensamento brasileiro. Ainda endossa essas palavras?
V.F. –
Permita um esclarecimento: tristeza e preguiça no trabalho mencionado na pergunta são termos emprestados í  terminologia teológica da Igreja e são usados ironicamente. Traduzidos para uma linguagem mais comum seriam aproximadamente ideologia alienante e ensimesmamento mistificante. Subscrevo ainda a afirmativa anterior que superar tais perigos é, ou deve ser, a meta do pensamento dos que habitam o Brasil, como aliás do pensamento tout court. Admito que a grandiloqüência alienada e alienante é maior no Brasil do que, por exemplo, na França e neste sentido admito ser o Brasil território periférico do Ocidente. Mas não admito tratar-se de juí­zo valorativo. Trata-se simplesmente da constatação que o Brasil enfrenta os acontecimentos atuais de posição diferente da ocupada pelos paí­ses ditos desenvolvidos, embora os eventos enfrentados sejam os mesmos: a lenta decadência dos valores ditos ocidentais e sua substituição por outros ainda mal definidos.

J.C. –
Seu livro “A história do diabo” me parece ser uma longa e penosa meditação sobre a morte. O senhor pretendeu forçar o leitor a pensar na morte, principalmente, é claro, o leitor brasileiro? Se o fez, por que o fez?
V.F. –
A elaboração daquele livro fez parte da minha primeira etapa. Com efeito, a conversa fiada que encobre a morte me parece ser a máxima falsidade a ser destruí­da. Se publiquei o livro, foi depois de muitas dúvidas, hesitações e devo dizer que felizmente o livro teve uma repercussão pequena. Exije não apenas uma ginástica mental por parte do leitor, mas também uma prontidão de brincar comigo que poucos terão me concedido. Mas as minhas publicações posteriores já são deliberadas, fazem parte da segunda etapa.

J.C. –
Isso quer dizer que o diabo riu por último?
V.F. –
Não superei a problemática do diabo, apenas decidi-me contra a loucura. Se tivesse continuado no mesmo caminho teria perdido o controle crí­tico dos meus pensamentos, portanto optei pela sanidade e contra a radicalidade de pesquisa. Outra demonstração do fato de que toda escolha prefere uma alternativa em detrimento í  outra.

FAIXA PRETA

Hackeado de Arthur Ratton:

Em um velho galpão do rebouças,bem ao lado do CEFET , Countinho 54
anos,muito magro e com um jeito beatnick senta em uma escrivaninha da
academia de Judo Budokan fumando um cigarro e tomando um cafézinho. Ao seu
redor inumeras fotos em preto em branco com imagens de golpes e competiçoes
de judo.Alguns recortes de jornais se referem ao seu nome sempre noticias
polemicas envolvendo politica e judo.”Continho não concorda com federação e
decide levar atletas indiciados pelo Dops”.Continho diz que COB é pura
avacalhação” .Mestre continho se confraterniza com seus atletas vitoriosos
no brasileiro”. Continho apresenta as tecnicas do jiu-jitsu a judocas
curitibanos” Continho massageia sua boca como se tentasse aliviar uma dor de
dente. Veste um paleto de veludo pesado .Faz frio e o sol entra
vilolentamente pela janela revelando a dança da fumaça do seu cigarro. O
café esta frio.Entram os créditos: Merda Dream em portugues e japones.
Entra na sala um faixa preta japones em quimono e tudo .Anda apressado em
direcão ao vestiario.
FAIXA PRETA
Bom Dia Mestre Countinho!

MESTRE
COUNTINHO

Opa Sansei! Atrasadinho para
aula da criançada?

Cut to:

Crianças alinhadas e ajoelhadas vao fazendo a saudacão ao
Sansei.Todos os tipos fisicos de crianças saudam o mestre japones
morenos,polacos e alguns japorongos.

SANSEI

Hoje vamos ter entrega de faixa e o judoca que vai receber a faixa é um
grande exemplo para os que estão começando aqui na academia. A mae dele no

ano retrasado procurou a academia e falou com o mestre countinho por que o
nosso amiguinho estava doente e precisava exercicio .Ele começou aqui
devagar e se dedicou bastante logo conseguiu a faixa azul e depois logo a
faixa amarela depois de ter passado um verão inteiro aqui apenas comigo,o
Mestre continho e o Dalton.

Dalton é um pequeno faixa roxa japones com um sorrido permanente no
rosto.Ele tem doze anos mas usa um quimono grosso e reforçado como o do
mestre .Sua faixa roxa é desbotada

CUT to: CREDITO (DALTON)

Em uma rapida montagem vemos Dalton tomando cafe da manha/
resolvendo contas em uma prova de matematica e passando cola para os colegas
do fundão,as provas vao aparecendo dez dez dezContas sao feitas e golpes de
judos perfeitos sao realizados pelo pequeno notavel em uma tarde ensolarada
apenas com o Sansei,o garoto de faixa ainda azul e o mestre continho fumando
e aprovando tudo o que acontecia.O garoto é um polaquinho franzino e
narigudo .

SANSEi

E agora depois de ter lutado e conseguido um segundo lugar no ultimio
torneio entre academias eu gostaria de entregar a faixa laranja ao Ingo .

Ingo levanta-se e logo é aplaudido pelos colegas. Sansei amarra
nele a faixa e aos poucos e por poucos instantes tudo ao seu redor vai
tornando-se laranja.O quimono dos colegas ,o tatame,o paleto de veludo do
Mestre countinho .A faixa e amarrada com firmeza pelo sansei que olha com
carinho para o garoto que tem os olhos brilhando.A aula começa e todos estao
em armonia fazendo lindos rolamentos ,dando golpes certeiros .e fluindo com
suavidade e delicadeza pelo tatame

CUT TO

Um HI -FI com fanta laranja e vodka no preparado no balcão. Ingo e
Dalton sao homens,homens jovens 23 anos e estão em um buteco do centro de
curitiba com seus quimonos amarrados em trouxa em cima da mesa ao lado de
outros colegas que tomam cerveja ainda suados provavelmente do treino de
judo. Ao lado de Ingo PAULO LEMINSKI enche um copo de cerveja.

COUNTINHO VOICE OVER

O paulo leminsky tem um conhecimento do judo adimiravel.A poesia do
camarada parece tambem em seus golpes.O polaco é filha da puta.Tem uma
pegada boa e é bom de golpes de perna.



Mitriades, rei do Ponto Euxino, temeroso de venenos, habituou-se a tomá-los todos em doses homeopáticas, sempre crescentes, até se tornar imune até a peçonha.