o latido da harpa

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Assim falou o velho feiticeiro; depois olhou maliciosamente ao derredor e pegou na harpa.

“Na serena atmosfera, quando já o consolo do rocio desce í  terra, invisí­vel e silencioso ââ?¬â? porque o rocio consolador veste delicadamente como todos os meigos consoladores, ââ?¬â? então recordas tu, coração ardente, como estavas sedento de lágrimas divinas e gotas de orvalho, quando te sentias abrasado e fatigado, porque nos erbosos caminhos amarelos corriam em torno de ti através das escuras árvores, maliciosos raios de sol poente, ardentes olhares de sol, deslumbrantes e malévolos.

“Pretendente da verdade! tu? ââ?¬â? Assim chasqueavam. ââ?¬â? Não. Simples poeta. Um animal astuto e rasteiro que mente deliberadamente; um animal ansioso de presa, mascarado de cores vivas, máscara para si próprio, presa para si mesmo. Isto… pretendente da verdade?… Um pobre louco! um simples poeta! um palrador pitoresco que perora por detrás de uma máscara de demente que anda vagueando por enganosas pontes de palavras, por ilusórios arco-í­ris; que anda errante e bamboleante de cá para lá em
ilusórios zelos! Um louco, nada mais!

(…)

Foi isso que despertou o cão. Que os cães acreditam em ladrões e fantasmas.

E quando o tornei a ouvir uivar, tornei a sentir dó dele. Que fora feito, entretanto, do anão, do pórtico, da aranha e dos segredos? Teria sonhado? Teria acordado? Encontrei-me de repente entre agrestes brenhas, sozinho, abandonado í  luz da solitária lua.

Mas ali jazia um homem! E o cão, a saltar e a gemer, com o pêlo eriçado ââ?¬â? via-me caminhar ââ?¬â? começou a uivar outra vez, e pôs-se a gritar. Nunca ouvira um cão pedir socorro assim.

Nunca vi nada semelhante ao que ali presenciei. Vi um moço pastor a contorcer-se anelante e convulso, com o semblante desfigurado, e uma forte serpente negra pendendo-lhe da boca.

Quando vira eu tal repugnância e pálido terror num semblante? Adormecera, de certo, e a serpente introduziu-se-lhe na garganta, aferrando-se ali?

A minha mão começou a tirar a serpente, a tirar… mas em vão! Não conseguia arrancá-la da garganta. Então saiu de mim um grito: “Morde! Morde! Arranca-lhe a cabeça! Morde!” Assim gritava qualquer coisa em mim; o meu espanto, o meu ódio, a minha repugnância, a minha compaixão, todo o meu bem e o meu mal se puseram a gritar em mim num só grito.

Valentes que me rodeiais! Exploradores, aventureiros! Vós outros que apreciais os enigmas, adivinhais o enigma que eu vi então e explicai-me a visão do mais solitário.

Que foi uma visão e uma previsão: que sí­mbolo foi o que vi naquele momento? E quem é aquele que ainda deve chegar?

Quem é o pastor em cuja garganta se introduziu a serpente? Quem é o homem em cuja garganta se atravessara assim o mais negro e mais pesado que existe?

O pastor, porém, começou a morder como o meu grito lhe aconselhava: deu uma dentada firme! Cuspiu para longe de si a cabeça da serpente e saltou para o ar.

Já não era homem nem pastor; estava transformado, radiante; ria! Nunca houve homem na terra que risse como ele!