Sempé + Goscinny= Le Petit Nicolas

Intraduzí­veis e universais: Nicolas, Sempé
(Mário Sérgio Conti – 06.02.2005)

Um dos maiores sucessos editoriais do ano passado foi o livro “Histórias inéditas do Petit Nicolas”. (Não traduzi o nome do personagem porque ficaria por demais esquisito: Nicolauzinho? Nicolinha?) No dia seguinte í  chegada í s livrarias, a edição de 55 mil exemplares já havia esgotado. A nova edição, de 100 mil, foi embora em uma semana. E assim tem sido desde então.
O fenômeno é tão mais difí­cil de explicar porque, apesar do tí­tulo, as histórias de Pequeno Nicolas não eram bem inéditas. A filha de um dos autores, René Goscinny, achou numa caixa de papelão um monte de velhos jornais do interior com oitenta histórias do personagem que não haviam sido recolhidas em livro. Ela convenceu o ilustrador Jean-Jacques Sempé a juntá-las num volume.
O personagem foi inventado por Goscinny e Sempé nos anos 50. A dupla publicou suas aventuras durante seis anos e o abandonou definitivamente. As carreiras do escritor e do desenhista tomaram dimensões formidáveis. Goscinny criou a dupla Asterix e Obelix. Sempé tornou-se o ilustrador de maior projeção, depois de Saul Steinberg, da revista “The New Yorker”.
Os livros com o Petit Nicolas continuaram a ser reeditados e jamais saí­ram das livrarias. E, o que é mais surpreendente, foram traduzidos e lançados em mais de trinta paí­ses, onde também fizeram sucesso. Surpreendente porque não pode haver nada mais francês que o mundo de Petit Nicolas.

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(cont.) O menino tem uns sete anos, vive numa cidadezinha tranqüila do interior e a maioria de suas aventuras se passa na escola. É uma escola dos anos 50, só para meninos, onde a professora que ensina todas as matérias e o diretor enfrentam os garotos endemoniados. O pai de Nicolas sai cedo para um emprego indefinido, volta para casa no começo da noite, senta na poltrona para ler o jornal até que o jantar fique pronto. Sua mãe fica em casa cozinhando ou recebendo as amigas para o chá.

As histórias, sempre narradas por Nicolas, são curtas e engraçadas. Elas colocam em cena seus colegas: Agnan, o primeiro da classe e queridinho da professora; Alceste, que come o tempo todo e sempre tem comida no bolso; Clotaire, que chora o tempo inteiro porque não entende nada; Geoffroy, cujo pai é rico e lhe compra um monte de coisas. É um universo fechado, um universo infantil que se basta em si mesmo. Ele não é feito só de alegrias. Há o pânico com o boletim ruim no fim do mês, as brigas no recreio, as injustiças dos adultos.

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Já nos anos 50, ficavam do lado de fora os problemas com o trabalho e o dinheiro, os pais separados. E, agora, ficam de fora televisão (a única que existe fica na casa de Geoffroy, o riquinho,) não há videogames, preocupação com tênis e roupas, drogas etc.
Fácil supor que as “Histórias inéditas do Petit Nicolas” foram compradas por cinquentões, saudosos não só das aventuras do personagem como de suas infâncias. Ainda mais que a saí­da do livro se confundiu com o maior sucesso do cinema francês em 2004, “Os coristas”, que concorre ao Oscar de melhor filme estrangeiro. O filme também se passa numa escola, só que nos anos 40, numa França mais simples e, aparentemente, melhor que a de hoje.

Não por coincidência, o governo aproveitou a maré nostálgica para lançar mais um plano de reforma educacional. Dessa vez, ela privilegia a “disciplina” em detrimento da “criatividade”. Igualzinho como era a escola nos anos 50. Tudo ia muito bem até que vieram os especialistas, publicando artigos e dando entrevistas nos jornais. Eles comprovaram que a escola dos anos 50 não só era mais autoritária que a de hoje: ela era pior, em termos de ensino. A discussão educacional voltou então í  questão real: sem verbas (para formar professores; para equipar as escolas; para fazer com que os alunos fiquem mais tempo no colégio), a educação vai piorar.

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Lina não vai dormir sem ouvir uma história. Se deixar ela escolher, serão sempre as mesmas. É preciso aparecer com outras, tão ou mais atraentes. Haja livros, pois. Mas como há uma biblioteca infantil no bairro, no próprio prédio da escola dela, não há problema. O problema é que eu, assim como Drummond, tenho dificuldade em aceitar a idéia de literatura infantil. Sempre leio as histórias como um crí­tico.

à exceção das do Pequeno Nicolas. Elas são engraçadas, rápidas, cheias de supresas. O segredo é a narrativa em primeira pessoa. Ela faz com que os contos fiquem parecidos com as Conpozissõis Infãtis de Millôr Fernandes. Há, em suma, algo de muito especial nas aventuras de Nicolas: elas são tipicamente francesas, mas agradam dois brasileiros, uma menininha e um adulto.
***
O que elas têm, sobretudo, são os desenhos de Jean-Jacques Sempé. Para o meu gosto, é o maior artista francês vivo. O chato é que não dá para explicá-lo. É preciso ver os seus cartuns, ler as suas histórias. É uma pena que não o tenham traduzido no Brasil. Pensando bem, é explicável que não o tenham traduzido. Ele é francês demais, cartesiano demais, clássico demais. Ele é genial mesmo: em cartuns, álbuns e verdadeiros romances ilustrados (“A ascensão social do senhor Lambert”, “Raoul Taburin”), capta a realidade e imediatamente a transforma em nostalgia.

Fonte: No Mí­nimo – msconti@nominimo.ibest.com.br

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4 comments

  1. A not�­cia n�£o �© muito recente, mas digna de nota para os amantes dos desenhos de Semp�© e das hist�³rias de Goscinny. Os tr�ªs livros in�©ditos sa�­ram em Tr�¡s-os-Montes.

    Para quem se interessar, SempÃ?© fez capas belÃ?­ssimas para uma sÃ?©rie de ediÃ?§Ã?µes da The New Yorker – revista da qual todo mundo fala mas pouca gente lÃ?ª – que marcaram Ã?©poca e que sÃ?£o facilmente encontrÃ?¡veis na rede.

  2. Acho at�© que a do gato preto (acima) �© uma das capas do Semp�©. Adoro essa imagem.

    H�¡ algumas semanas, passou na TV5 um document�¡rio de 3 horas (!) consecutivas, sem publicidade, sobre o Semp�© e sua rotina de trabalho. Fabuloso!

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