Agosto

2005/dia 27 – Sábado de manhã

E por aí­ se escoa como em chuva o mês de agosto, outro como tantos outros que assim são nomeados só pra testemunhar evoluções solaris e perfazendo ao todo um nada, quase. Que pedra sobre pedra ou ao seu lado rola, e tudo queima e tudo seca, um dia. Somos terminações nervosas nessa superfí­cie/pele do universo e somos micro-olhos, inda. Ser acometida pela lí­rica em laivos brancos como as folhas de algumas plantas venenosas. Por aí­ ficar o agosto em como as plantas ficam, torpor da decomposição. Toda fabulação é insana. Todo mito é paranóide. Toda literatura é sonambulismo ou sonho. Como a grande nave da igreja ao lado, adormecida no escuro que se estende em dentro e fora a si, guardiã de cânticos e orações, pios de corujas de muitas gerações em sua torre, arrulhar de pombas de outras tantas nos beirais, tamborilar febril das chuvas no telhado, passos talvez em dentro abaixo de seus pisos, interior profundo abaixo dos porões, murmúrio de reza nas paredes, nos tetos confissão de culpa e pedidos de perdão. Por cima a ela um avião que passa longamente ao longe e mais distante ainda as nuvens, a lua, o sol e as estrelas que í s vezes são audí­veis.

2005/dia 26 – sexta-feira

Musgos nos muros
Grandes manchas como fractais sobre os telhados
Sombras das árvores.
(só os ipês amarelam)
No primeiro planalto em agosto
A vida embolora e funga.

E lá vêm os sabiás de novo
Com sua velha ladainha
Como se já fosse primavera.
Fazem desajeitado dueto com os bem-te-vis solidários
Que no todo inverno
Cantaram sem graça para nós.

à noite, mesmo dia.

A brotar dos vórtices e
A escorrer em verticalidades
Engenhosamente recolhida em calhas e
Borbulhando por sarjetas, dutos e canais
Lá se foi a chuva quase toda.
Um pouco restou para o banho dos pardais.

2005/dia 28 domingo- manhã

Em resplender de sóis pela janela vejo a nave intacta,
Passada está a noite em tormentoso memorar,
Afastados todos os fantasmas do passado agora
Nova igreja para um novo rito e nova seita
Em fundo ao céu azul da quase primavera
Que na voz dos passarocos faz-se anunciar
Para bem logo. Aos poucos e delicadamente
Seca-se ao sol ao seu calor.
E sob o signo da virgem fica nova
E fica novo o mundo em flor.

Fim de agosto, 2005-08-28.

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