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  1. As m�£os de meu filho

    Erico Ver�­ssimo

    Todos aqueles homens e mulheres ali na plat�©ia sombria parecem apagados habitantes dum submundo, criaturas sem voz nem movimento, prisioneiros de algum perverso sortil�©gio. Centenas de olhos est�£o fitos na zona luminosa do palco. A luz circular do refletor envolve o pianista e o piano, que neste instante formam um s�³ corpo, um monstro todo feito de nervos sonoros.
    Beethoven.

    H�¡ momentos em que o som do instrumento ganha uma qualidade profundamente humana. O artista est�¡ p�¡lido �  luz de c�¡lcio. Parece um cad�¡ver. Mas mesmo assim �© uma fonte de vida, de melodias, de sugest�µes â�� a origem dum mundo misterioso e rico. Fora do c�­rculo luminoso pesa um sil�ªncio grave e parado.

    Beethoven lamenta-se. �� feio, surdo, e vive em conflito com os homens. A m�ºsica parece escrever no ar estas palavras em doloroso desenho. Tua carta me lan�§ou das mais altas regi�µes da felicidade ao mais profundo abismo da desola�§�£o e da dor. N�£o serei, pois, para ti e para os demais, sen�£o um m�ºsico? Ser�¡ ent�£o preciso que busque em mim mesmo o necess�¡rio ponto de apoio, porque fora de mim n�£o encontro em quem me amparar. A amizade e os outros sentimentos dessa esp�©cie n�£o serviram sen�£o para deixar malferido o meu cora�§�£o. Pois que assim seja, ent�£o! Para ti, pobre Beethoven, n�£o h�¡ felicidade no exterior; tudo ter�¡s que buscar dentro de ti mesmo. T�£o-somente no mundo ideal �© que poder�¡s achar a alegria.

    Ad�¡gio. O pianista sofre com Beethoven, o piano estremece, a luz mesma que os envolve parece participar daquela m�¡goa profunda.

    Num dado momento as mÃ?£os do artista se imobilizam. Depois caem como duas asas cansadas. Mas de sÃ?ºbito, Ã?¡geis e fÃ?ºteis, comeÃ?§am a brincar no teclado. Um scherzo. A vida Ã?© alegre. Vamos sair para o campo, dar a mÃ?£o Ã? s raparigas em flor e danÃ?§ar com elas ao sol… A melodia, no entanto, Ã?© uma superfÃ?­cie leve, que nÃ?£o consegue esconder o desespero que tumultua nas profundezas. NÃ?£o obstante, o claro jogo continua. A mÃ?ºsica saltitante se esforÃ?§a por ser despreocupada e ter alma leve. Ã?â?° uma danÃ?§a pueril em cima duma sepultura. Mas de repente, as Ã?¡guas represadas rompem todas as barreiras, levam por diante a cortina vaporosa e ilusÃ?³ria, e num estrondo se espraiam numa melodia agitada de desespero. O pianista se transfigura. As suas mÃ?£os galopam agitadamente sobre o teclado como brancos cavalos selvagens. Os sons sobem no ar, enchem o teatro, e para cada uma daquelas pessoas do submundo eles tÃ?ªm uma significaÃ?§Ã?£o especial, contam uma histÃ?³ria diferente.

    Quando o artista arranca o �ºltimo acorde, as luzes se acendem. Por alguns r�¡pidos segundos h�¡ como que um hiato, e dir-se-ia que os cora�§�µes param de bater. Sil�ªncio. Os sub-homens sobem �  tona da vida. Desapareceu o mundo m�¡gico e circular formado pela luz do refletor. O pianista est�¡ agora voltado para a plat�©ia, sorrindo lividamente, como um ressuscitado. O fantasma de Beethoven foi exorcizado. Rompem os aplausos.

    Dentro de alguns momentos torna a apagar-se a luz. Brota de novo o c�­rculo m�¡gico.

    Suggestion Diabolique.

    D. Margarida tira os sapatos que lhe apertam os p�©s, machucando os calos.

    N�£o faz mal. Estou no camarote. Ningu�©m v�ª.

    Mexe os dedos do pÃ?© com delÃ?­cia. Agora sim, pode ouvir melhor o que ele estÃ?¡ tocando, ele, o seu Gilberto. Parece um sonho… Um teatro deste tamanho. Centenas de pessoas finas, bem vestidas, perfumadas, os homens de preto, as mulheres com vestidos decotados ââ?¬â? todos parados, mal respirando, dominados pelo seu filho, pelo Betinho!

    D. Margarida olha com o rabo dos olhos para o marido. Ali est�¡ ele a seu lado, pequeno, encurvado, a calva a reluzir foscamente na sombra, a boca entreaberta, o ar pateta. Como fica rid�­culo nesse smoking! O pesco�§o descarnado, dan�§ando dentro do colarinho alto e duro, lembra um palha�§o de circo.

    D. Margarida esquece o marido e torna a olhar para o filho. Admira-lhe as mÃ?£os, aquelas mÃ?£os brancas, esguias e Ã?¡geis. E como a mÃ?ºsica que o seu Gilberto toca Ã?© difÃ?­cil demais para ela compreender, sua atenÃ?§Ã?£o borboleteia, pousa no teto do teatro, nos camarotes, na cabeÃ?§a duma senhora lÃ?¡ embaixo (aquele diadema serÃ?¡ de brilhantes legÃ?­timos?) e depois torna a deter-se no filho. E nos seus pensamentos as mÃ?£os compridas do rapaz diminuem, encolhem, e de novo Betinho Ã?© um bebÃ?ª de quatro meses que acaba de fazer uma descoberta maravilhosa: as suas mÃ?£os… Deitado no berÃ?§o, com os dedinhos meio murchos diante dos olhos parados, ele contempla aquela coisa misteriosa, solta gluglus de espanto, mexe os dedos dos pÃ?©s, com os olhos sempre fitos nas mÃ?£os…

    De novo D. Margarida volta ao triste passado. Lembra-se daquele horrÃ?­vel quarto que ocupavam no inverno de 1915. Foi naquele ano que o InocÃ?ªncio comeÃ?§ou a beber. O frio foi a desculpa. Depois, o coitado estava desempregado… Tinha perdido o lugar na fÃ?¡brica. Andava caminhando Ã?  toa o dia inteiro. MÃ?¡s companhias. “Ã?â?? InocÃ?ªncio, vamos tomar um traguinho?” LÃ?¡ se iam, entravam no primeiro boteco. E vÃ?¡ cachaÃ?§a! Ele voltava para casa fazendo um esforÃ?§o desesperado para nÃ?£o cambalear. Mas mal abria a boca, a gente sentia logo o cheiro de caninha. “Com efeito, InocÃ?ªncio! VocÃ?ª andou bebendo outra vez!” Ah, mas ela nÃ?£o se abatia. Tratava o marido como se ele tivesse dez anos e nÃ?£o trinta. Metia-o na cama. Dava-lhe cafÃ?© bem forte sem aÃ?§Ã?ºcar, voltava apara a Singer, e ficava pedalando horas e horas. Os galos jÃ?¡ estavam cantando quando ela ia deitar, com os rins doloridos, os olhos ardendo. Um dia…

    De sÃ?ºbito os sons do piano morrem. A luz se acende. Aplausos. D. Margarida volta ao presente. Ao seu lado InocÃ?ªncio bate palmas, sempre de boca aberta, os olhos cheios de lÃ?¡grimas, pescoÃ?§o vermelho e pregueado, o ar humilde… Gilberto faz curvaturas para o pÃ?ºblico, sorri, alisa os cabelos. (“Que lindos cabelos tem o meu filho, queria que a senhora visse, comadre, crespinhos, vai ser um rapagÃ?£o bonito.)

    A escurid�£o torna a submergir a plat�©ia. A luz fant�¡stica envolve pianista e piano. Algumas notas saltam, como proj�©teis sonoros.
    Navarra.

    Embalada pela m�ºsica (esta sim, a gente entende um pouco), D. Margarida volta ao passado.

    Como foram longos e duros aqueles anos de luta! InocÃ?ªncio sempre no mau caminho. Gilberto crescendo. E ela pedalando, pedalando, cansando os olhos; a dor nas costas aumentando, InocÃ?ªncio arranjava empreguinhos de ordenado pequeno. Mas nÃ?£o tinha constÃ?¢ncia, nÃ?£o tomava interesse. O diabo do homem era mesmo preguiÃ?§oso. O que queria era andar na calaÃ?§aria, conversando pelos cafÃ?©s, contando histÃ?³rias, mentindo…

    â�� Inoc�ªncio, quando �© que tu crias ju�­zo?

    O pior era que ela n�£o sabia fazer cenas. Achava at�© gra�§a naquele homenzinho encurvado, magro, desanimado, que tinha crescido sem jamais deixar de ser crian�§a. No fundo o que ela tinha era pena do marido. Aceitava a sua sina. Trabalhava para sustentar a casa, pensando sempre no futuro de Gilberto. Era por isso que a Singer funcionava dia e noite. Gra�§as a Deus nunca lhe faltava trabalho.
    Um dia Inoc�ªncio fez uma proposta:

    ââ?¬â? Escuta aqui, Margarida. Eu podia te ajudar nas costuras…

    â�� Minha Nossa! Ser�¡ que tu queres fazer casas ou pregar bot�µes?

    â�� Olha, mulher. (Como ele estava engra�§ado, com sua cara de fuinha, procurando falar a s�©rio!) Eu podia cobrar as contas e fazer a tua escrita.

    Ela desatou a rir. Mas a verdade Ã?© que InocÃ?ªncio passou a ser o seu cobrador. No primeiro mÃ?ªs a cobranÃ?§a saiu direitinho. No segundo mÃ?ªs o homem relaxou… No terceiro, bebeu o dinheiro da Ã?ºnica conta que conseguira cobrar.

    Mas D. Margarida esquece o passado. TÃ?£o bonita a mÃ?ºsica que Gilberto estÃ?¡ tocando agora… E como ele se entusiasma! O cabelo lhe cai sobre a testa, os ombros danÃ?§am, as mÃ?£os danÃ?§am… Quem diria que aquele moÃ?§o ali, pianista famoso, que recebe os aplausos de toda esta gente, doutores, oficiais, capitalistas, polÃ?­ticos… o diabo! ââ?¬â? Ã?© o mesmo menino da rua da Olaria que andava descalÃ?§o brincando na Ã?¡gua da sarjeta, correndo atrÃ?¡s da banda de mÃ?ºsica da Brigada Militar…

    De novo a luz. As palmas. Gilberto levanta os olhos para o camarote da mÃ?£e e lhe faz um sinal breve com a mÃ?£o, ao passo que seu sorriso se alarga, ganhando um brilho particular. D. Margarida sente-se sufocada de felicidade. Mexe alvoroÃ?§adamente com os dedos do pÃ?©, puro contentamento. Tem Ã?­mpetos de erguer-se no camarote e gritar para o povo: “Vejam, Ã?© o meu filho! O Gilberto. O Betinho! Fui eu que lhe dei de mamar! Fui eu que trabalhei na Singer para sustentar a casa, pagar o colÃ?©gio para ele! Com estas mÃ?£os, minha gente. Vejam! Vejam!”

    A luz se apaga. E Gilberto passa a contar em terna surdina as m�¡goas de Chopin.

    No fundo do camarote InocÃ?ªncio medita. O filho sorriu para a mÃ?£e. SÃ?³ para a mÃ?£e. Ele viu… Mas nÃ?£o tem direito de se queixar… O rapaz nÃ?£o lhe deve nada. Como pai ele nada fez. Quando o pÃ?ºblico aplaude Gilberto, sem saber estÃ?¡ aplaudindo tambÃ?©m Margarida. CinqÃ?¼enta por cento das palmas devem vir para ela. CinqÃ?¼enta ou sessenta? Talvez sessenta. Se nÃ?£o fosse ela, era possÃ?­vel que o rapaz nÃ?£o desse para nada. Foi o pulso de Margarida, a energia de Margarida, a fÃ?© de Margarida que fizeram dele um grande pianista.

    Na sombra do camarote, InocÃ?ªncio sente que ele nÃ?£o pode, nÃ?£o deve participar daquela glÃ?³ria. Foi um mau marido. Um pÃ?©ssimo pai. Viveu na vagabundagem, enquanto a mulher se matava no trabalho. Ah! Mas como ele queria bem ao rapaz, como ele respeitava a mulher! Ã?â?¬s vezes, quando voltava para casa, via o filho dormindo. Tinha um ar tÃ?£o confiado, tÃ?£o tranqÃ?¼ilo, tÃ?£o puro, que lhe vinha vontade de chorar. Jurava que nunca mais tornaria a beber, prometia a si mesmo emendar-se. Mas qual! LÃ?¡ vinha um outro dia e ele comeÃ?§ava a sentir aquela sede danada, aquela espÃ?©cie de cÃ?³cegas na garganta. Ficava com a impressÃ?£o de que se nÃ?£o tomasse um traguinho era capaz de estourar. E depois havia tambÃ?©m os maus companheiros. O Maneca. O JosÃ?© Pinto. O Bebe-Fogo. Convidavam, insistiam… No fim de contas ele nÃ?£o era nenhum santo.

    InocÃ?ªncio contempla o filho. Gilberto nÃ?£o puxou por ele. A cara do rapaz Ã?© bonita, franca, aberta. Puxou pela Margarida. GraÃ?§as a Deus. Que belas coisas lhe reservarÃ?¡ o futuro? Daqui para diante Ã?© sÃ?³ subir. A porta da fama Ã?© tÃ?£o difÃ?­cil, mas uma vez que a gente consegue abri-la… adeus! AmanhÃ?£ decerto o rapaz vai aos Estados Unidos… Ã?â?° capaz atÃ?© de ficar por lÃ?¡… esquecer os pais. NÃ?£o. Gilberto nunca esquecerÃ?¡ a mÃ?£e. O pai, sim… E Ã?© bem-feito. O pai nunca teve vergonha. Foi um patife. Um vadio. Um bÃ?ªbedo.

    L�¡grimas brotam nos olhos de Inoc�ªncio. Diabo de m�ºsica triste! O Betinho devia escolher um repert�³rio mais alegre.

    No atarantamento da como�§�£o, Inoc�ªncio sente necessidade de dizer alguma coisa. Inclina o corpo para a frente e murmura:

    ââ?¬â? Margarida…

    A mulher volta para ele uma cara s�©ria, de testa enrugada.

    � Chit!

    Inoc�ªncio recua para a sua sombra. Volta aos seus pensamentos amargos. E torna a chorar de vergonha, lembrando-se do dia em que, j�¡ mocinho Gilberto lhe disse aquilo. Ele quer esquecer aquelas palavras, quer afugenta-las, mas elas lhe soam na mem�³ria, queimando como fogo, fazendo suas faces e suas orelhas arderem.

    Ele tinha chegado b�ªbedo em casa. Gilberto olhou-o bem nos olhos e disse sem nenhuma piedade:

    â�� Tenho vergonha de ser filho dum b�ªbedo!

    Aquilo lhe doeu. Foi como uma facada, dessas que n�£o s�³ cortam as carnes como tamb�©m rasgam a alma. Desde esse dia ele nunca mais bebeu.

    No sagu�£o do teatro, terminado o concerto, Gilberto recebe cumprimentos dos admiradores. Algumas mo�§as o contemplam deslumbradas. Um senhor gordo e alto, muito bem vestido, diz-lhe com voz profunda:

    â�� Estou impressionado, impressionad�­ssimo. Sim senhor! Gilberto enla�§a a cintura da m�£e:

    ââ?¬â? Reparto com minha mÃ?£e os aplausos que eu recebi esta noite… Tudo que sou, devo a ela.

    â�� N�£o diga isso, Betinho!

    D. Margarida cora. H�¡ no grupo um sil�ªncio comovido. Depois rompe de novo a conversa. Novos admiradores chegam.

    Inoc�ªncio, de longe, olha as pessoas que cercam o filho e a mulher. Um sentimento aniquilador de inferioridade o esmaga, toma-lhe conta do corpo e do esp�­rito, dando-lhe uma vergonha t�£o grande como a que sentiria se estivesse nu, completamente nu ali no sagu�£o.

    Afasta-se na direÃ?§Ã?£o da porta, num desejo de fuga. Sai. Olha a noite, as estrelas, as luzes da praÃ?§a, a grande estÃ?¡tua, as Ã?¡rvores paradas… Sente uma enorme tristeza. A tristeza desalentada de nÃ?£o poder voltar ao passado… Voltar para se corrigir, para passar a vida a limpo, evitando todos os erros, todas as misÃ?©rias…

    O porteiro do teatro, um mulato de uniforme c�¡qui, caminha dum lado para outro, sob a marquise.

    â�� Linda noite! â�� diz Inoc�ªncio, procurando puxar conversa. O outro olha o c�©u e sacode a cabe�§a, concordando.

    � Linda mesmo.

    Pausa curta.

    ââ?¬â? NÃ?£o vÃ?ª que sou o pai do moÃ?§o do concerto…

    � Pai? Do pianista?

    O porteiro p�¡ra, contempla Inoc�ªncio com um ar incr�©dulo e diz:

    � O menino tem os pulsos no lugar. �� um bicharedo.

    Inoc�ªncio sorri. Sua sensa�§�£o de inferioridade vai-se evaporando aos poucos.

    ââ?¬â? Pois imagine como sÃ?£o as coisas ââ?¬â? diz ele. ââ?¬â? NÃ?£o sei se o senhor sabe que nÃ?³s fomos muito pobres… Pois Ã?©. Fomos. Roemos um osso duro. A vida tem coisas engraÃ?§adas. Um dia… o Betinho tinha seis meses… umas mÃ?£ozinhas assim deste tamanho… nÃ?³s botamos ele na nossa cama. Minha mulher dum lado, eu do outro, ele no meio. Fazia um frio de rachar. Pois o senhor sabe o que aconteceu? Eu senti nas minhas costas as mÃ?£ozinhas do menino e passei a noite impressionado, com medo de quebrar aqueles dedinhos, de esmagar aquelas carninhas. O senhor sabe, quando a gente estÃ?¡ nesse dorme-nÃ?£o-dorme, fica o mesmo que tonto, nÃ?£o pensa direito. Eu podia me levantar e ir dormir no sofÃ?¡. Mas nÃ?£o. Fiquei ali no duro, de olho mal e mal aberto, preocupado com o menino. Passei a noite inteira em claro, com a metade do corpo para fora da cama. Amanheci todo dolorido, cansado, com a cabeÃ?§a pesada. Veja como sÃ?£o as coisas… Se eu tivesse esmagado as mÃ?£os do Betinho hoje ele nÃ?£o estava aÃ?­ tocando essas mÃ?ºsicas difÃ?­ceis… NÃ?£o podia ser o artista que Ã?©.

    Cala-se. Sente agora que pode reclamar para si uma part�­cula da gl�³ria do seu Gilberto. Satisfeito consigo mesmo e com o mundo, come�§a a assobiar baixinho. O porteiro contempla-o em sil�ªncio. Arrebatado de repente por uma onda de ternura, Inoc�ªncio tira do bolso das cal�§as uma nota amarrotada de cinq�¼enta mil-r�©is e mete-a na m�£o do mulato.

    � Para tomar um traguinho � cochicha.

    E fica, todo excitado, a olhar para as estrelas.

    O texto acima foi publicado no livro “Contos”, Editora Globo ââ?¬â? Rio de Janeiro, 1983 e, agora, selecionado por Ã?talo Moriconi, incluÃ?­do em “Os Cem Melhores Contos Brasileiros do SÃ?©culo”, Editora Objetiva ââ?¬â? Rio de Janeiro, 2000, pÃ?¡g. 173.

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