A POLÃ?Å MICA TV DIGITAL NO BRASSIL

DEBATE ABERTO

O fato consumado da TV Digital

O memorando assinado com o Japão não sacramenta a decisão do Brasil. É preciso esclarecer a farsa montada acerca da polí­tica industrial e barrar o iní­cio dos testes. A criação criminosa de um fato consumado tende a esconder a demanda por uma nova lei para regular o rádio e a TV no paí­s, mantendo o oligopólio da mí­dia.

Gustavo Gindre

Os governos brasileiro e japonês assinaram um Memorando de Entendimento (MoU) que prevê a adoção do padrão de modulação japonês (ISDB) na TV digital brasileira. O que isso significa de verdade? Em primeiro lugar, cabe lembrar que o MoU não sacramenta a decisão, embora seja um passo importante neste sentido. Ainda há, portanto, espaço para que a sociedade civil continue reivindicando um outro rumo para a TV digital brasileira.


Celso Amorim e o Ministro dos Negócios Estrangeiros do Japão, Taro Aso, assinam o memorando

Mas, vamos apenas supor que o MoU termine desaguando em um acordo oficial. Isso não significa o fim da batalha por uma TV digital mais democrática. E é preciso ter isso bem claro para não deixar o jornalismo-propaganda da Rede Globo influenciar a pauta da sociedade civil. Até porque, diante do poder polí­tico das emissoras de TV e da pouca vontade do governo Lula em enfrentar o oligopólio privado das comunicações, a sociedade civil tem se saí­do muito bem. O ministro das Comunicações, Hélio Costa, desde o final do ano passado tem dito que o assunto estava encerrado a favor do padrão japonês (o preferido da Globo). Mas, pressionado por todos os lados, o governo adiou duas vezes a data-limite para tomar a decisão e simplesmente ignorou o fim do último prazo (10 de março). Agora, teve que encenar a farsa de uma fábrica de semi-condutores para poder justificar sua escolha. Ou seja, a sociedade civil demonstrou força e
não há porque recuar agora.

Em primeiro lugar, caberia questionar judicialmente o acordo firmado entre os dois paí­ses. Isso porque ele desrespeita o Decreto Presidencial 4.901/03, que criou o Sistema Brasileiro de Televisão Digital (SBTVD). O Decreto fala em “estimular a pesquisa e o desenvolvimento e propiciar a expansão de tecnologias brasileiras” e a adoção de uma tecnologia estrangeira quando existe similar nacional (o Sorcer, desenvolvido pela PUC-RS) não apenas desestimula a produção de ciência e tecnologia brasileiras como compromete o esforço por uma polí­tica industrial autônoma e desenvolvimentista.

Neste mesmo Decreto pode-se ler que o Comitê Consultivo, formado por representantes da sociedade civil, “tem por finalidade propor as ações e as diretrizes fundamentais relativas ao SBTVD”. Ocorre que o Comitê Consultivo foi desfeito pelo governo sem que as atuais decisões tivessem sido discutidas por seus representantes. Logo, o Comitê viu-se impedido de propor “ações e diretrizes”.

Já que o próprio governo desrespeitou o Decreto Presidencial, cabe a sociedade civil recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao Ministério Público Federal (MPF) para resguardar a devida legalidade.

Em segundo lugar, cabe í  sociedade civil esclarecer a farsa que se está montando a respeito da polí­tica industrial brasileira. A escolha de um padrão estrangeiro implicará no pagamento de royalties pelas patentes das tecnologias empregadas. O governo também não esclareceu o que acontecerá com o parque industrial brasileiro de TVs e componentes, uma vez que apenas o Japão usa o ISDB em todo o planeta e aquele paí­s não importa TVs. Pelo contrário, o Japão exporta equipamentos eletrônicos. Seremos, então, um importador cativo das tecnologias japonesas? Ou, no máximo, teremos algumas maquiladoras que farão a montagem dos kits importados?

Se o governo realmente deseja impulsionar o setor de semi-condutores no Brasil (e não no Japão), por que não apóia decididamente este tipo de pesquisa nas universidades? Por que o Brasil nem ao menos enriquece o silí­cio que extrai (base dos semi-condutores)? Por que não apoiamos o setor de design de chips, que, cada vez mais, concentra o valor agregado da indústria de semi-condutores? Se é para ter uma fábrica de semi-condutores (chamadas de foundry), por que o governo não termina a foundry protótipo que ele próprio já possui no Rio Grande do Sul (Ceitec)?

Mesmo que venha a tal fábrica de semi-condutores (com a qual os japoneses não se comprometeram no MoU), isso não significa que haverá transferência de tecnologia. Mas, apenas, que seremos mercado cativo japonês.

E, ainda, é preciso que o governo esclareça o que pretende fazer com as tecnologias desenvolvidas no interior do SBTVD, com financiamento público. Depois de termos gastos cerca de R$ 30 milhões com pesquisas, vamos simplesmente desprezar os middlewares desenvolvidos pela PUC-Rio e UFPB? E também a modulação criada pela PUC-RS? E ainda uma série de outros avanços conseguidos por dezenas de universidades e centros de pesquisa? Tudo em nome da adoção de uma tecnologia importada?

O governo diz que o Brasil terá acento nos comitês que dirigem o ISDB. Qual o poder de fato que o Brasil terá nestes comitês? Como poderá influenciar o futuro desenvolvimento da tecnologia japonesa de forma a que esta possa beneficiar também o Brasil?

Nada disso consta no MoU e nem tem recebido respostas satisfatórias das autoridades envolvidas com a negociação. Portanto, mais uma vez, cabe í  sociedade civil brasileira o papel de esclarecer a opinião pública, de cobrar estas definições por parte do governo e de denunciar, inclusive na Justiça, eventuais irregularidades.

MODELO DE SERVIÇOS
Um ponto deve ficar bem claro: a adoção do ISDB, ainda que seja trágica para o desenvolvimento de ciência e tecnologia nacionais, não determina absolutamente nada do que será o modelo de serviços da futura TV digital brasileira. Não há nenhum impedimento no ISDB para que se faça multiprogramação, impedindo que as emissoras atuais fiquem com todo o espectro de VHF e UHF para seu bel prazer. Também não há impedimento para que se dote a TV digital de serviços interativos que até então estão confinados í  Internet, como educação interativa í  distância, tele-medicina, e-mail, e-bank, etc.

Por isso, é fundamental que a sociedade civil não permita que a suposta adoção do ISDB seja considerada o começo da TV digital brasileira. As emissoras não podem começar seus testes. Isso porque a legislação brasileira não contempla os novos serviços que vão surgir com a TV digital. O Código Brasileiro de Telecomunicações (CBT), que regulamenta o rádio e a TV no Brasil, é de 1962 e está absolutamente incapaz de dar conta da digitalização da TV e do rádio.


Furlan, Amorim, Koizumi e Costa posam para os fotógrafos

Para que as emissoras comecem seus testes em digital elas terão que “ganhar” do governo um novo canal de TV, uma vez que durante muitos anos ainda manterão sua transmissão analógica nos canais atuais. Mas, a legislação atual prevê que novas transmissões precisam de novas outorgas. O governo não pode simplesmente dar novos canais para quem já tem os antigos. A legislação atual também proí­be que um mesmo grupo tenha mais de uma outorga por região. Assim, as atuais emissoras não poderiam (mesmo com a devida licitação) ganhar novas outorgas. Também não há amparo legal para que a TV aberta transmita os dados que são necessários para a criação de serviços interativos. TV, em 1962, era apenas a transmissão de sons e imagens.

O começo dos testes significa a criação criminosa de um fato consumado que tende a esconder que a introdução da TV digital no Brasil demanda uma nova lei para regular o rádio e a TV. E visa, principalmente, manter o status quo do oligopólio de mí­dia que controla as comunicações no Brasil.

Ocorre, contudo, que nada disso é garantido com a “simples” escolha do ISDB como padrão de modulação da TV digital aberta no Brasil. O que não podemos permitir é que, se esta escolha vier a acontecer, o passo seguinte (o iní­cio das transmissões de teste) seja dado. Temos que garantir que qualquer transmissão em digital só seja feita após a aprovação de uma Lei Geral das Comunicações.

A principal medida a ser tomada agora é debater com a sociedade o que realmente está envolvido na questão da TV digital. É denunciar í  Justiça caso o governo venha a escolher oficialmente o ISDB como padrão de modulação da TV digital brasileira. É impedir qualquer tentativa de criar fatos consumados. A escolha do ISDB não pode dar a partida nas transmissões de teste. Temos que ter uma lei, votada pelos representantes do povo, que diga o que pode e o que não pode ser feito nesta nova mí­dia que agora se inaugura. Estamos, portanto, longe do fim desta guerra. Com ou sem ISDB.

Gustavo Gindre é coordenador-executivo do Instituto de Estudos e Projetos em Comunicação e Cultura (Indecs) e membro do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social.

One thoughtful comment

  1. A Ultra TV que a Tomar banho na SABESP” Em SÃ?£o Paulo queria com o Rapha e Aryel lÃ?¡ em SP,Porque tÃ?¡ com o Rapha e a Aryel, que a Aryel em Simancol, que Sabesp. que a Sabesp, que a MamÃ?£e da Sabesp

    Bjs

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