Sky in a Box

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(Imediações da Praça Carlos Gomes, Curitiba-PR)
Photos: Mathieu Bertrand Struck
Creative Commons License

A Guerra do Pente
(Da Wikipedia)

A Guerra do Pente foi um protesto que teve iní­cio em 8 de dezembro de 1959 na cidade de Curitiba. O então governador do Estado, Moysés Lupion, iniciou uma campanha para aumento da arrecadação tributária chamada de “Seu Talão Vale um Milhão”. A promoção consistia em juntar comprovantes fiscais de compra no valor de três mil cruzeiros e trocar por um cupom que daria o direito ao sorteio de um milhão de cruzeiros.

O Conflito

No dia 8 de dezembro o Subtenente António Tavares da Polí­cia Militar do Estado do Paraná comprou um pente pelo valor de quinze cruzeiros e exigiu o comprovante do comerciante libanês Harmed Najar. Houve uma discussão entre eles e o comerciante fraturou a perna do Subtenente. Estava iniciado o conflito.

Cento e vinte lojas de árabes, judeus, italianos e brasileiros mas todos conhecidos como “turcos” foram depedradas. Algumas delas totalmente destruí­das.

Todos os jornais, revistas, além da rádio registraram o acontecimento do primeiro dia e a espontaneidade com que tudo se iniciara. A revolta atingiu as lojas do centro da cidade, bares, bancas de revistas e carrinhos de pipoca, órgãos públicos como COAP (Comissão de Abastecimento e Preços); DFDG (Delegacias de Falsificações e Defraudação em Geral); Chefeatura de Polí­cia; Biblioteca Pública do Paraná; Edifí­cios do IPASE e a Agência do IAPC.

A Intervenção do Exército

A intervenção policial e de uma guarnição do Corpo de Bombeiros acirraram ainda mais os ânimos dos populares. Houve quebra-quebra generalizado por todo o centro curitibano. Com a intensificação da ação policial sobre o povo, aumentou-se a resposta em forma violenta, dispersando-a para outras ruas e praças. No segundo dia do levante, muitos dos “desordeiros” haviam sido presos. Porém, o movimento continuou com menor proporção. O Exército assumiu o comando de controle do tumulto, que parecia fugir das mãos da Polí­cia Civil e Militar, e teve um reordenamento de estratégia. Uma ação organizada de forte aparato bélico com pelotões de soldados armados de baionetas e metralhadoras esvaziou o centro da cidade, numa operação segurança comandada pelo Capitão José Olavo de Castro, da Polí­cia do Exército.

No terceiro e último dia do protesto, o Exército controlou a cidade. Pontos de ônibus foram alterados de local, realizou-se toque de recolher í s 20:00, medidas de um controle intenso do espaço público. O deslocamento ao centro da cidade já estavam normalizadas. O Exército, sob comando do General Oromar Osório, manteve patrulhas que circulavam pelas ruas na tentativa de evitar a desordem. Os bares foram obrigados a fechar suas portas í s vinte horas, por determinação da Delegacia de Segurança Pessoal. A ação do Exército, da Polí­cia Militar e Civil evitou maiores danos, que nas palavras de Pinheiro Jr, chefe de polí­cia da capital, “a polí­cia agiu com prudência segundo suas circunstância”. Além da violenta imposição da paz armada, houve pedidos por parte das autoridades militares e religiosas, o Arcebispo Metropolitano D. Manoel da Silva Delboeux fez um “apelo a juventude para não comprometer-se nesta tragédia triste de vandalismo”, “a interferência do Exército determinou o encerramento da baderna predatória”.

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20/4/1986
A Guerra do Pente em exibição no Cine Groff

A partir de amanhã, em 5 sessões, o cine Groff estará exibindo uma produção curitibana: “A Guerra do Pente – O Dia em que Curitiba Explodiu”, semi-documentário de Nivaldo Lopes (Palito).

Partindo de fatos reais – o quebra-quebra ocorrido em dezembro de 1959, no centro da cidade – Palito construiu um filme interessante, com linguagem não convencional e que ao lado do idealismo de sua realização serve também para denunciar um fato que inúmeras vezes aqui levantamos: a falta de documentação de nossa história contemporânea. Apesar da repercussão dos fatos de 27 anos passados – inclusive com cobertura de veí­culos internacionais – Palito não localizou um único fonograma do quebra-quebra. Claro que na época ainda inexistia a televisão em Curitiba (só em 1960, o sr. Nagib Chede inauguraria a TV Paranaense), mas, em compensação, havia atuantes cine-jornais, como a Flamma Filmes, além de cinegrafistas atentos, como o pioneiro Eugênio Felix ou o jovem Bob (ainda hoje em ação, na equipe do Palácio Iguaçu). Será que ninguém teve a idéia de documentar os protestos populares, os quebra-quebras das lojas de propriedades dos árabes – tudo provocado por uma prosaica briga entre um militar e um comerciante, que se recusou a fornecer uma nota fiscal?

Mesmo em cobertura fotográfica, Nivaldo Lopes só encontrou bom material nas páginas de O Estado do Paraná e Tribuna do Paraná, além de algumas manchetes da edição regional da “Última Hora”. Dentro da liberdade de criação, Palito montou outras cenas – inclusive feitas em redação – mas rodadas em jornal que na época não existia.

Não se pode, em absoluto, pretender de “A Guerra do Pente” um filme documental, preciso. Se assim quisesse, poderia ter realizado um curta de 10 ou 12 minutos, didático e explicativo – e que teria condições de comercialização bem mais facilitadas do que um filme de 70 minutos, como o seu (e que será apresentado tendo como complemento o curta “Janelas”, já elogiado num dos festivais de Brasí­lia).

Irreverente, partidário de uma linguagem fragmentada – o que demonstrou já em seus 7 curtas e médias metragens rodados em super-8 (dois dos quais baseado em contos do mineiro Roberto Drummond), Palito intercalou a sua própria participação na realização do filme – bate-papo com a equipe, conversas informais em bares da cidade e um longo depoimento auto-explicativo final – com a encenação de alguns episódios, inclusive da briga-pivô do conflito. De outro lado, há os depoimentos dos comerciantes libaneses que provocaram a confusão – Ahmad Nazar e Fuad Youssef Omairy – do general Iberê de Mattos, que era prefeito na época, do jornalista Walmor Mercelino, repórter policial do “Diário do Paraná” em 1959, e especialmente, do cineasta e pesquisador Valêncio Xavier, autor da reportagem “O Dia em que Curitiba Explodiu”, publicada na revista “Panorama” há 2 anos, e que motivou Palito a realizar o filme. Em sua linguagem descontraí­da, sem meias-verdades, Valêncio abre e encerra o filme – dando um toque de humor ao depoimento.

Atores e atrizes como Emí­lio Pita (gritando muito, no papel de delegado), Luí­s Mello, Rosa Maria Caviassin, Paulo Friebe, Ana Denruczuk, Marcelo Diepce e José Dyabat, entre outros, participaram das filmagens, todos trabalhando de graça, já que a produção foi das mais pobres – tendo um amigo de Palito, o empresário Dirceu Mendes de Brito, investido cerca de Cz$ 60 mil para custear as despesas de filme virgem e laboratório. A montagem de Pedro Merege Filho é interessante, aproveitando bem o material reunido.

Pode parecer estranho que, entre os depoimentos, apareça o do advogado Luí­s Felipe Mussi, secretário da Segurança Pública na época (1985) da rodagem do filme, mas que, por sua pouca idade, não teve qualquer relação com os fatos ocorridos em 1959. Acontece que Mussi foi uma das poucas autoridades a dar mão forte a Palito, enfrentando inclusive a irritação de alguns oficiais da Polí­cia Militar que, contrários í  realização do filme – e tentando exercer uma censura indireta – tudo fizeram para prejudicar as filmagens. Mussi, ao contrário, deu apoio logí­stico e cedeu, inclusive, uma sucata (um veí­culo da Polí­cia Civil), para ser incendiada e destruí­da numa das seqüências. Uma atitude simpática e bonita, que ajudou a realização de um semi-documentário que, realizado com toda dificuldade, se propõe a rediscutir a explosão da fúria popular, a mostrar o comportamento e a situação que, a qualquer momento pode se repetir. Haja vista a (justa) ira de quem flagra comerciantes adulterando preços após o congelamento. Se Curitiba explodiu nas vésperas do Natal de 1959, nada impede que possa explodir novamente.

Só que se isto acontecesse, seria ao menos mais documentada do que no quebra-quebra do final dos anos 50.

Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Veí­culo: Jornal O Estado do Paraná
Caderno ou Suplemento: Almanaque
Coluna ou Seção: Seção de Cinema
Página: 5
Data: 20/4/1986

One thoughtful comment

  1. Um olhar de Curitiba
    (Cristov�£o Tezza)

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    Texto apresentado no auditÃ?³rio da Biblioteca MÃ?¡rio de Andrade, em 11 de setembro de 2003, em SÃ?£o Paulo, no ciclo de palestras ââ?¬Å?Viagem pelas metrÃ?³poles brasileiras: arte, histÃ?³ria, polÃ?­tica e culturaââ?¬Â, coordenado pelo professor Francisco Foot Hardman.
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    Minha conviv�ªncia com a cidade de Curitiba est�¡ completando 43 anos. Desembarquei l�¡ aos oito anos, vindo de Lages, Santa Catarina, em janeiro de 1961, e praticamente nunca mais sa�­ da cidade, exceto por alguns per�­odos de aprendizagem em outras terras e cidades -mas sempre voltei a Curitiba. Este meu olhar sobre a cidade �© na origem, portanto, um olhar estrangeiro, de algu�©m que, se sentindo integralmente curitibano, como eu me sinto -e toda a minha literatura testemunha isso- tem entretanto um p�© para fora, um olhar de fora.

    Mas este olhar de fora talvez seja mesmo um traÃ?§o constitutivo das nossas capitais, na medida em que o avanÃ?§o da urbanizaÃ?§Ã?£o brasileira nas Ã?ºltimas dÃ?©cadas foi inchando as cidades maiores de ââ?¬Å?estrangeirosââ?¬Â, com todos os problemas e conseqÃ?¼Ã?ªncias dessa histÃ?³ria. Numa cidade maior, numa cidade de prÃ?©dios, numa cidade cuja extensÃ?£o jÃ?¡ vÃ?¡ bem alÃ?©m do tamanho do nosso passo e do nosso olhar, numa cidade sem horizontes, como em geral sÃ?£o os centros urbanos, todas as relaÃ?§Ã?µes de familiaridade e de intimidade mudam de dimensÃ?£o.

    A cidade Ã?© um espaÃ?§o abstrato. NÃ?³s nos movemos menos pela contigÃ?¼idade dos quintais, dos acidentes do terreno, dos espaÃ?§os de referÃ?ªncia integrados no nosso dia-a-dia, e mais por uma relaÃ?§Ã?£o abstrata de deslocamentos; vivemos como que num mapa de metrÃ?´; o ato de subir 30 andares num elevador, percorrendo, digamos, centenas de famÃ?­lias cuja existÃ?ªncia Ã?© apenas uma idÃ?©ia sem rosto, mas compactamente presente do outro lado da parede, de certo modo define a geografia urbana, a sua lÃ?³gica e o seu mundo. Assim, ser ââ?¬Å?estrangeiroââ?¬Â Ã?© parte integrante da natureza urbana.

    Toda aquela ess�ªncia buc�³lica, ess�ªncia tamb�©m entre aspas, que vem definindo parte substancial da cultura de um Brasil rural, familiar, integrado e permanentemente ao alcance do olhar, do passo e da m�£o, como a fruta que se colhe da �¡rvore, o sino da tranq�¼ila missa de domingo, a pra�§a como o espa�§o social do povo e de sua linguagem, tudo isso, sabemos, n�£o existe mais.

    Na verdade, nunca existiu exatamente, exceto como um projeto cultural, como constru�§�£o de cultura -na verdade, uma poderosa constru�§�£o cultural que at�© hoje tem marcas. Essa nossa suposta ess�ªncia pastoril -de fato, para sermos justos, trata-se de um projeto pastoril universal, que em diferentes momentos da hist�³ria, aos p�ªndulos ideol�³gicos, contrap�µe o id�­lio da vida natural �  corrup�§�£o das cidades- �© substitu�­da por outra constru�§�£o da cultura, vinculada � s luzes de um homem mais abstrato, sem ra�­zes, mas com muito mais direitos e com muito mais liberdade, um homem mais solit�¡rio, mas tamb�©m mais poderoso, um homem que, em tese, habita n�£o mais o quintal da inf�¢ncia, mas a cidade universal.

    Em tese, no nosso mundo novo realmente admirÃ?¡vel, todas as relaÃ?§Ã?µes sociais mudam de natureza. NinguÃ?©m estÃ?¡ mais condenado a conviver com o vizinho, como duas famÃ?­lias que convivem hÃ?¡ geraÃ?§Ã?µes; ninguÃ?©m mais estÃ?¡ condenado a seguir sua natureza ou o seu destino, como nos herÃ?³is Ã?©picos; a prÃ?³pria idÃ?©ia de obediÃ?ªncia jÃ?¡ nÃ?£o Ã?© mais uma forÃ?§a ââ?¬Å?naturalââ?¬Â, como a Ã?¡gua da chuva ou a luz do sol. A obediÃ?ªncia, no mundo urbano, expressa tambÃ?©m uma relaÃ?§Ã?£o mais intelectual que emocional, a expressÃ?£o de uma escolha -afinal, o que define um cidadÃ?£o Ã?© a sua liberdade, e a idÃ?©ia de liberdade tem de necessariamente abranger todas as esferas da atividade humana, separando-se aÃ?­, de uma vez por todas, para sempre, o mundo sagrado do mundo leigo. O mundo urbano Ã?© regido pela cultura leiga -sÃ?³ pode ser leigo; uma cidade sagrada Ã?© uma espÃ?©cie de contradiÃ?§Ã?£o absurda.

    Mas �© claro que toda essa elucubra�§�£o �© uma elucubra�§�£o urbana: isto �©, na vida concreta, a cidade �© um espa�§o de troca e de contamina�§�µes de culturas, e essas culturas vivem permanentente em contraste, pressionando umas � s outras. Como por princ�­pio a cidade n�£o �© um lugar familiar, somos todos estrangeiros nesta luta de linguagens urbanas.

    Tudo para voltar a Curitiba e come�§ar por defini-la como uma cidade de estrangeiros. Certamente trata-se de um exagero, mas para maior nitidez vamos come�§ar por esse ponto. Localmente, uma cidade de estrangeiros porque o not�¡vel crescimento por que passou a cidade nos �ºltimos 40 anos, passando dos 500 mil habitantes da minha inf�¢ncia para os quase dois milh�µes de hoje, povoou-a, �© claro, de gente de fora, e em v�¡rios estratos sociais; pela beirada, como costuma acontecer, a periferia curitibana foi se enchendo de favelas, de ocupa�§�£o de terrenos, de sub-moradias, de todo esse espectro profundamente brasileiro que define nossas migra�§�µes internas.

    No miolo, por uma classe m�©dia de fora (como a minha fam�­lia) que veio se transferindo para Curitiba para nunca mais sair de l�¡. Em Curitiba, chama a aten�§�£o, em v�¡rios ramos e atividades profissionais, o n�ºmero de n�£o-curitibanos na faixa hoje dos 40 a 50 anos -parece que, em Curitiba, ningu�©m �© de l�¡. Bem, os filhos desta gera�§�£o, da minha gera�§�£o, j�¡ s�£o todos curitibanos, mas s�£o filhos que aprenderam a ver a cidade pelo olhar dos pais. De certa forma, �© uma gera�§�£o que mant�©m ainda residual o seu toque de estranheza com rela�§�£o ao espa�§o em que vive.

    E Curitiba �© tamb�©m uma cidade de estrangeiros pela pr�³pria popula�§�£o que a formou: ucranianos, poloneses, alem�£es e italianos ter�£o grande relev�¢ncia na defini�§�£o mais profunda da cidade. Desde j�¡, fa�§o a ressalva de que esse �© tema de soci�³logos e historiadores, que saber�£o definir com mais rigor do que essas impress�µes a constitui�§�£o curitibana. Mas eu gostaria de marcar alguns pontos primeiros bastante n�­tidos que nos definem genericamente -primeiro, o fato de os alem�£es terem exercido, sen�£o uma ostensiva ou exclusiva influ�ªncia, �  maneira de algumas cidades catarineneses ou ga�ºchas, uma densa influ�ªncia na vida burguesa curitibana desde meados do s�©culo XIX, estando presentes, como cidad�£os urbanos, em praticamente todos os ramos de atividades. Wilson Martins, em Um Brasil Diferente (S�£o Paulo: T. A. Queiroz Editor, 1989), cita, por exemplo, um tribunal de j�ºri do s�©culo XIX constitu�­do quase integralmente por sobrenomes alem�£es, o que me parece bastante significativo.

    Nesse sentido, a influÃ?ªncia alemÃ?£ teria sido muito mais intensa, subterrÃ?¢nea e duradoura, do ponto de vista da formaÃ?§Ã?£o da cidade, por estar entranhada nas atividades que afinal organizam os agrupamentos urbanos, do que a influÃ?ªncia polonesa, que em geral leva a fama (lembremos Leminski se definindo como ââ?¬Å?polacoââ?¬Â, e as imortais ââ?¬Å?polaquinhasââ?¬Â de Dalton Trevisan), somando-se com a influÃ?ªncia talvez ainda mais presente dos ucranianos.

    Esse conjunto ââ?¬Å?eslavoââ?¬Â (mais os italianos, de que falaremos adiante), que na origem formava o cinturÃ?£o verde da cidade, as colÃ?´nias agrÃ?­colas, normalmente Ã?© visto como definidor maior do nosso traÃ?§o tÃ?­pico. Os eslavos deixaram um substrato poderoso, Ã?© verdade: seria o nosso lado rural, sempre forte, aquele contraponto sagrado que nos enche de culpa e de sentimento de gravidade diante das coisas do mundo. Assim, para defini-lo numa imagem, o curitibano seria uma espÃ?©cie de alemÃ?£o protestante urbano com uma alma rural, catÃ?³lica e eslava.

    Em outro momento de seu livro, numa met�¡fora que me parece muito feliz, Wilson Martins define Curitiba como a cidade da carteira de identidade, e n�£o do passaporte. Em suma: o curitibano �©, historicamente, um conservador. Para fazer um contraponto contempor�¢neo que refor�§a essa vis�£o, ouvi recentemente numa entrevista um publicit�¡rio afirmar, comentando o resultado de uma pesquisa, que o curitibano consumidor �© tipicamente algu�©m que n�£o tem muito dinheiro, mas tem patrim�´nio. Em suma, ele n�£o arrisca nada. O curitibano m�©dio, nesta classifica�§�£o impressionista que fazemos aqui, �© algu�©m que se estabelece em algum lugar com a dimens�£o da eternidade, com a perspectiva familiar, com o desejo de uma profunda estabilidade da alma. O curitibano, desde sempre, parece que veio para ficar, tanto o alem�£o e o ucraniano de um s�©culo e meio atr�¡s quanto o migrante dos �ºltimos 50 anos, como eu.

    Fazendo um pouco de poesia, �© como se n�³s curitibanos ainda estiv�©ssemos com um p�© no s�©culo XIX, desembarcados nesta boa terra -Curitiba n�£o tem morro, n�£o tem enchente, n�£o tem terremoto; e a lenda mais recente desse para�­so tropical sem os males do tr�³pico, vai acrescentando at�© que �© uma cidade fria, o que, rigorosamente, n�£o �© mais, ou que �© um lugar sem assaltos, mis�©ria ou problemas mais s�©rios. Bem, Curitiba sempre foi uma esp�©cie de para�­so do projetista urbano, que em v�¡rios momentos da hist�³ria via diante de si uma planura sem acidentes para ali desenhar o seu projeto abstrato. Prosseguindo: desembarcamos nesta boa terra com a esperan�§a de aqui amealharmos algum dinheiro para consolidar algum patrim�´nio, um peda�§o de terra, �  custa de trabalho duro e honesto, obedecendo �  lei e n�£o criando problemas, e n�£o nos misturando muito, porque o mundo �© cheio de perigos e mais vale um p�¡ssaro na m�£o que dois voando.

    Alem�£es, poloneses, ucranianos e mais tarde italianos e outros povos foram ocupando essa terra e ao mesmo tempo definindo-a. Se os italianos criaram, entre outros, o enclave de Santa Felicidade (o mais famoso), que a rigor parece outra cidade, cabendo nela todos os chav�µes simp�¡ticos que atribu�­mos a eles, o riso f�¡cil, a comida farta, o espalhafato dos restaurantes, o gosto ostensivo pelas marcas folcl�³ricas da origem e mesmo o kitsch poderoso que vai criando uma It�¡lia imagin�¡ria de isopor e bandeiras para consumo de �´nibus de turistas (parece que em Santa Felicidade h�¡ o segundo ou o terceiro maior restaurante do mundo, e milhares de turistas desabam l�¡ tirando fotografias de castelos constru�­dos a f�³rmica, n�©on, pedra e pl�¡stico), coube, como j�¡ disse, aos alem�£es e eslavos cuidarem do cora�§�£o duro da cidade, aquela estranheza primordial, quase metaf�­sica, de quem de fato n�£o se sente em casa em lugar nenhum do mundo, porque o mundo �© uma realidade permanentemente hostil.

    Curitiba n�£o tem carnaval. Na semana do carnaval h�¡ como que um esvaziamento sinistro da cidade, uma di�¡spora da alegria -multid�µes descem em desespero para o desconforto absurdo do litoral, entupido de carros, de falta dâ���¡gua, de barulho, de gente, de caos, quase sempre de chuvas torrenciais, e desaparecem da cidade. Ent�£o, os verdadeiros curitibanos, como eu, passeiam por aquele vazio agrad�¡vel e silencioso -andamos quil�´metros, em plena ter�§a-feira gorda, sem encontrar em lugar algum um m�­nimo signo do carnaval, uma crian�§a mascarada, um bal�£o, uma serpentina na cal�§ada. Nada. Aqui e ali entrevemos o clar�£o de uma televis�£o ligada, em volume n�£o muito alto, no carnaval da Globo, que assistimos com um espanto verdadeiramente curitibano. O que faz sentido: o carnaval na televis�£o �© essencialmente a apoteose do n�£o-carnaval, a express�£o acabada da sua derrota, o nosso triunfo.

    Essa sensaÃ?§Ã?£o de estrangeiros -parece que nunca estamos em casa, exatamente como nossos antepassados nÃ?£o estavam ao chegar ali- foi acrescentando mais alguns traÃ?§os ao temperamento curitibano. O principal talvez seja o traÃ?§o conservador, naturalmente conservador -o curitibano nÃ?£o gosta muito de criar caso, gritar ou exigir aos brados alguma coisa; Ã?© como se ainda houvesse um substrato mental nos dizendo que aqui nÃ?£o Ã?© a nossa casa. Uma espÃ?©cie de ââ?¬Å?comporte-seââ?¬Â, silencioso e poderoso, e, quem sabe, ainda com uma aura religiosa no ar, um certo instinto de missa. E Ã?© um substrato tÃ?£o poderoso que qualquer ââ?¬Å?estrangeiroââ?¬Â -digamos, um carioca, um catarinense do litoral ou um baiano, acostumado a viver em voz alta- ao chegar em Curitiba levarÃ?¡ sempre um primeiro choque: sÃ?ºbito, sente-se que hÃ?¡ uma fina camada de gelo entre as pessoas, um sentimento de distÃ?¢ncia, invisÃ?­vel mas permanente.

    Em poucos dias o nosso estrangeiro jÃ?¡ nÃ?£o darÃ?¡ tapinhas nas costas com tanta familiaridade e nem visitarÃ?¡ ninguÃ?©m sem nÃ?­tidos, claros, ostensivos avisos prÃ?©vios. O ââ?¬Å?apareÃ?§a lÃ?¡ em casaââ?¬Â, essa mentira simpÃ?¡tica, marca saborosa de todo brasileiro, nÃ?£o se ouve muito em Curitiba. Temos em geral de quatro a seis amigos, que duram uma vida inteira. JÃ?¡ vivi em cidades rodeado de 250 amigos, que desapareciam na primeira esquina. Observem o tom acusatÃ?³rio da expressÃ?£o ââ?¬Å?que desapareciam na primeira esquinaââ?¬Â -hÃ?¡ aqui uma velada acusaÃ?§Ã?£o contra as traiÃ?§Ã?µes do mundo, sempre perigoso, falso e hostil, uma acusaÃ?§Ã?£o essencialmente curitibana.

    Ã?â?° interessante pensar no contraponto da introversÃ?£o curitibana: como nÃ?£o somos do ramo, nossa extroversÃ?£o, quando explode, Ã?© sempre excessiva, exagerada, Ã? s vezes descontrolada -Ã?© como se perdÃ?ªssemos, libertados, a noÃ?§Ã?£o de medida das coisas. O nosso tapinha nas costas Ã?© sempre um pouco mais forte. Ã?â?¬s vezes dÃ?³i. Em dezembro de 1959, um problema de nota fiscal na compra de um pente numa loja da praÃ?§a Tiradentes desencadeou um quebra-quebra monumental, verdadeiramente catÃ?¡rtico, sem intenÃ?§Ã?£o de saque ou roubo, no episÃ?³dio conhecido como ââ?¬Å?guerra do penteââ?¬Â.

    Em alguns jogos decisivos entre Coritiba e Atl�©tico, freq�¼entemente h�¡ uma depreda�§�£o irracional de �´nibus urbanos e das famosas esta�§�µes-tubo, mesmo fora do per�­metro ou dos limites de guerra entre torcidas, depreda�§�£o mais irracional ainda se sabemos que o transporte coletivo de Curitiba �© um dos melhores e mais eficientes do pa�­s.

    Para nÃ?£o dizer que isso Ã?© apenas problema de raiz social (que certamente tambÃ?©m Ã?©), idÃ?ªntico a episÃ?³dios semelhantes no resto do Brasil, podemos lembrar um jornal curitibano de literatura, com ressonÃ?¢ncia nacional, o Rascunho, que conta entre seus colaboradores com Ã?³timos nomes da vida literÃ?¡ria brasileira, cuja editoria se compraz Ã? s vezes em linchar bons poetas e bons escritores com estardalhaÃ?§o, na primeira pÃ?¡gina, a tÃ?­tulo de crÃ?­tica literÃ?¡ria, o que na verdade parece ser apenas um desejo irrefreÃ?¡vel de chutar a canela alheia com uma agressividade assustadora. Uma espÃ?©cie, digamos, de ââ?¬Å?extroversÃ?£o culturalââ?¬Â, um desejo secreto de quem nÃ?£o quer se comportar na missa de domingo mas nÃ?£o tem o trato cotidiano do debate, algo que de algum modo pudesse civilizar a discordÃ?¢ncia. A nossa discordÃ?¢ncia, represada por muito tempo, quando enfim aparece, tem um quÃ?ª de anormal. Ã?â?° claro que nÃ?£o podemos ââ?¬Å?psicologizarââ?¬Â os pontos de vista a ponto de esvaziÃ?¡-los intelectualmente -mas, afinal, conteÃ?ºdos sÃ?£o formas.

    Esse conservadorismo de raiz da cultura curitibana Ã?© tambÃ?©m uma expressÃ?£o institucional. O seu reflexo mais evidente Ã?© o jornalismo da cidade, historicamente porta-voz dos governos locais e nacionais -o que talvez tambÃ?©m explique, lÃ?¡ no fundo, a nossa eventual ââ?¬Å?extroversÃ?£o culturalââ?¬Â, uma compensaÃ?§Ã?£o descompensada da docilidade oficial.

    Um dos sÃ?­mbolos da cidade Ã?© a Universidade Federal do ParanÃ?¡, cuja criaÃ?§Ã?£o -ela Ã?© a mais antiga do paÃ?­s- tinha como um de seus ideÃ?¡rios definir uma identidade regional, o que em si jÃ?¡ Ã?© uma confissÃ?£o de ausÃ?ªncia de identidade. HÃ?¡ assim desde a origem uma espÃ?©cie de oficialismo que perpassa todas as atividades culturais de Curitiba. Um oficialismo que, de cima para baixo, na prÃ?³pria constituiÃ?§Ã?£o do Estado do ParanÃ?¡, historicamente, foi uma espÃ?©cie de ââ?¬Å?faca com o queijoââ?¬Â, porque encontrava diante de si uma populaÃ?§Ã?£o, digamos, ââ?¬Å?estrangeiraââ?¬Â, pronta a nÃ?£o criar caso e a obedecer a regulamentaÃ?§Ã?£o oficial que ia lhe delineando os passos.

    Lembro um epis�³dio: quando o cinto de seguran�§a ainda n�£o era obrigatoriedade nacional, o prefeito de Curitiba baixou uma lei pioneira obrigando seu uso na cidade. No dia seguinte, metade dos motoristas curitibanos, em geral selvagens no trato do pedestre, portavam orgulhosamente o cinto. J�¡ no Rio, a mesma lei provocou uma horda de camel�´s vendendo camisetas com o cinto desenhado no peito; e em Porto Alegre, a exig�ªncia levou a protestos p�ºblicos veementes contra aquele abuso de poder.

    Pois bem, o curitibano aceita a regulamentaÃ?§Ã?£o oficial, mas, como vinganÃ?§a, desenvolve um dos seus talentos marcantes, e dos mais saborosos, que Ã?© a autofagia. Um dos espaÃ?§os clÃ?¡ssicos da cidade se chama ââ?¬Å?Boca Malditaââ?¬Â, e, como tudo na cidade, acabou se institucionalizando numa espÃ?©cie machista de clube de velhos que Ã?© uma hilariante caricatura do pior conservadorismo. Mas tem um substrato verdadeiro: gostamos de falar mal dos outros, principalmente dos outros curitibanos. E, Ã?© claro, falamos Ã?  sorrelfa, entre nÃ?³s mesmos, porque no jornal, tradicionalmente, nÃ?£o podemos falar mal de ninguÃ?©m. Sobre essa compulsÃ?£o crÃ?­tica -aliÃ?¡s, lembremos que Wilson Martins Ã?© de Curitiba, e tem de fato um olhar essencialmente curitibano sobre o mundo-, recordo uma crÃ?´nica do saudoso Jamil Snege, Ã?³timo escritor curitibano, que tinha o tÃ?­tulo de ââ?¬Å?como se tornar invisÃ?­vel em Curitibaââ?¬Â. Para se tornar invisÃ?­vel em Curitiba, dizia Jamil, basta ter um talento genuÃ?­no. Tenha talento, dizia Jamil, e a cidade vai tornar vocÃ?ª invisÃ?­vel. VocÃ?ª vai desaparecer.

    O interessante deste olhar do Jamil Snege, com quem ao longo dos anos absorvi boa parte de minha alma curitibana, �© que havia um toque fatalista nesta concep�§�£o de mundo. Porque Jamil, um dos olhares mais ferinos da cidade, jamais quis sair de Curitiba, e eu digo tanto sair literariamente de l�¡ quanto fisicamente; de fato, Jamil Snege, que eu saiba, viajou poucas vezes para fora da cidade. Al�©m disso, recusou todas as oportunidades de ser editado por grandes editoras, cuidou de cada livro seu com uma aten�§�£o absolutamente artesanal e tinha a pachorra de ele mesmo distribuir os volumes (sempre rapidamente esgotados) em duas ou tr�ªs livrarias da cidade.

    O publicitÃ?¡rio Jamil, aliÃ?¡s um publicitÃ?¡rio brilhante, jamais fez publicidade da prÃ?³pria obra. Em todo esse modo de viver a literatura perpassa a idÃ?©ia de ââ?¬Å?atitudeââ?¬Â, o ato de escrever nÃ?£o como o ato de produzir bens de cultura, inseridos confortavelmente num mercado de livros, mas como uma expressÃ?£o existencial. HÃ?¡ nessa atitude, que considero curitibanÃ?­ssima, um misto de pudor e timidez, uma certa idÃ?©ia docemente provinciana de que ââ?¬Å?aparecerââ?¬Â Ã?© algo agressivo, ou, igualmente, Ã?© algo que nos deixa desarmados Ã?  mercÃ?ª do olhar alheio. Ã?â?° melhor, Ã?© mais seguro nos escondermos.

    Pois bem, chegamos agora, nessa seqÃ?¼Ã?ªncia de impressÃ?µes curitibanas, num dos mais estranhos paradoxos da cidade de Curitiba. Esse espaÃ?§o do mais profundo e metafÃ?­sico conservadorismo oficial tornou-se, ao mesmo tempo, uma sÃ?³lida referÃ?ªncia nacional e internacional de modernidade urbana e qualidade de vida. Lembro de que, anos atrÃ?¡s, em Roma, alguÃ?©m me disse absolutamente maravilhado ao saber que eu era de Curitiba: ââ?¬Å?VocÃ?ª Ã?© de Curitiba!? A terceira melhor cidade do mundo em qualidade de vida!ââ?¬Â -acrescentou o romano, encantado pela imagem da cidade.

    Bom curitibano, e naturalmente autofÃ?¡gico, levei um choque com aquele desconcertante elogio, ainda mais de um habitante de Roma, cidade que eu percorria com o prazer deliciado de quem conhece uma espÃ?©cie rara de paraÃ?­so -pois aquele romano dizia que a minha cidade era certamente melhor que a dele. Mas em que sentido alguÃ?©m que mora no centro de Curitiba, como eu, num prÃ?©dio cercado de fios elÃ?©tricos que ameaÃ?§am, digamos, eletrocutar aquele que tentar invadir meu espaÃ?§o, e que mesmo assim freqÃ?¼entemente acorda de madrugada, num escÃ?¢ndalo de janelas que se abrem, com sirenes da polÃ?­cia e alarmes de carros estourados em troca de toca-fitas, pode dizer que mora na ââ?¬Å?terceira melhor cidade do mundo em qualidade de vidaââ?¬Â?

    Eu poderia dizer que Curitiba tem, no inverno, o c�©u azul mais bonito do Brasil -de fato, �© um c�©u bel�­ssimo-, mas o curitibano n�£o pode contempl�¡-lo com freq�¼�ªncia, porque, como nossas cal�§adas s�£o as piores do mundo (aqui n�£o �© autofagia -quem vai a Curitiba comprova isso), temos de andar olhando para o ch�£o, o que tamb�©m faz sentido e d�¡ uma certa solidez ao princ�­pio curitibano universal de nunca dar o passo maior que as pernas. Olhar o c�©u e andar ao mesmo tempo s�£o atividades incompat�­veis para o curitibano.

    Bem, para nÃ?£o dizerem que este olhar Ã?© mesmo o olhar de um estrangeiro -afinal, eu nem nasci lÃ?¡, como jÃ?¡ me disseram vÃ?¡rias vezes- invoco o testemunho de Dalton Trevisan, o grande mestre da cidade e um dos maiores escritores do Brasil. Entre as muitas maldiÃ?§Ã?µes curitibanas que ele escreve, primeiro em folhetos quase clandestinos e depois, refeitas Ã?  exaustÃ?£o naquela oficina impiedosa de textos que Ã?© a cabeÃ?§a daltoniana atÃ?© a ediÃ?§Ã?£o em livro, hÃ?¡ um poema chamado ââ?¬Å?Essa cidade nÃ?£o Ã?© a minhaââ?¬Â (ââ?¬Å?Veja ParanÃ?¡ââ?¬Â, 25 de setembro de 1991), em que ele comenta justamente a fama universal da cidade.

    ââ?¬Å?uma das trÃ?ªs cidades do mundo de melhor qualidade de vida
    segundo uma comiss�£o da ONU
    ora o que significa uma comiss�£o da ONU
    n�£o me fa�§am rir senhores
    nem sejamos a esse ponto desfrut�¡veis
    por uma comiss�£o de vereadores da ONUâ�

    Neste mesmo poema, Dalton vai contrapondo com aquele seu humor irritadiÃ?§o e violento uma espÃ?©cie de ââ?¬Å?nova Curitibaââ?¬Â Ã? quela Curitiba de sua infÃ?¢ncia, que, aqui de fora, podemos chamar de ââ?¬Å?literÃ?¡riaââ?¬Â. Que ââ?¬Å?nova Curitibaââ?¬Â serÃ?¡ essa? Diz ele:

    ââ?¬Å?ai da cÃ?³lera que espuma os teus urbanistas
    apostam na corrida de rato dos malditos carros
    suprimindo o sinal e a vez do pedestre
    inaugurada a ca�§a feroz aos velhinhos de muleta
    se n�£o salta j�¡ era
    em cada esquina os cacos da bengala de um ceguinho
    quem acerta primeiro o parapl�©gico na cadeira de roda

    n�£o me venham de terrorismo ecol�³gico
    voc�ª que defende a baleia corcunda do p�³lo sul
    (…)
    n�£o te reconhe�§o Curitiba a mim j�¡ n�£o conhe�§o
    a mesma n�£o �© outro eu sou
    (…)
    nenhum c�£o ou gato pelas tuas ruas
    todos atropelados
    (…)
    nada com a tua Curitiba oficial enjoadinha ufanista
    toda de acr�­lico azul para turista vez
    (…)
    n�£o me toca a tua gl�³ria dos fogos de artif�­cio
    o que vejo na m�­dia �© tua alminha violada e estripada
    (…)
    Curitiba foi n�£o �© maisâ�

    Entre as muitas leituras que podemos fazer sobre esta espÃ?©cie de rÃ?©quiem daltoniano sobre a cidade, podemos reconhecer inicialmente apenas o traÃ?§o do tempo: Curitiba cresceu, com o crescimento vieram os carros, os prÃ?©dios, a falta de tempo, o fim dos cÃ?£es vadios na rua, o fim do rio BelÃ?©m, numa palavra, o fim do clÃ?¡ssico ââ?¬Å?idÃ?­lio ruralââ?¬Â de que falÃ?¡vamos no inÃ?­cio. No caso de Dalton, trata-se de um idÃ?­lio bastante particular, mas no qual se reconhece, enfim, por mais violentas que sejam as imagens, o nosso Brasil exÃ?³tico, familiar, sensual. Veja-se:

    ââ?¬Å?o que fica da Curitiba perdida
    uma nesga de c�©u presa no anel de vidro
    o cantiquinho da corru�­ra na boca da manh�£
    um lambari de rabo dourado faiscando no rio Bel�©m
    quando havia lambari quando rio Bel�©m havia
    o del�­rio �© tudo meu do primeiro par de seios
    o primeiro par de tudo de cada polaquinha�

    Claro, esse ââ?¬Å?idÃ?­lioââ?¬Â daltoniano Ã?© atravessado com violÃ?ªncia pela corrosÃ?£o da ironia, e, talvez, nessa sociologia ligeira que se arrisca fazer aqui, pelo inconfundÃ?­vel toque curitibano das culpas mais medonhas. Ele nÃ?£o quer nada com a ââ?¬Å?Curitiba oficial enjoadinha ufanistaââ?¬Â. O que ele quer Ã?©

    ââ?¬Å?da outra que eu sei
    o amor de Jo�£o retalha a bendita Maria em sete peda�§os
    a cabe�§a ainda falante
    (…)
    o necr�³filo uivador nos t�ºmulos vazios das tr�ªs da manh�£
    (…)
    verde n�£o te quero verde
    antes vermelha do sangue derramado das tuas bichas doidas
    e negra dos imortais pecados de teus velhinhos ped�³filosâ�

    Enfim, uma certa alma curitibana se define inteira em poucos versos daltonianos, uma Curitiba profundamente mental, que resiste teimosa a se definir pelo seu espa�§o (o espa�§o como alguma coisa irrelevante):

    ââ?¬Å?por favor nÃ?£o me dÃ?ª a mÃ?£o
    n�£o gosto que me peguem na m�£o
    essa tua palma quente e �ºmida
    odeio o sinal de polegar no meu punho
    (…)
    bicho daqui n�£o sou
    no ex�­lio sim �³rf�£o paraguaio da guerra do Chacoâ�

    PoderÃ?­amos perguntar: por que diabos um dos maiores escritores brasileiros de todos os tempos se dedica com tanto afinco a amaldiÃ?§oar sua cidade? Numa perspectiva estritamente literÃ?¡ria, Dalton realiza o paradoxo de, ao invocar um suposto paraÃ?­so rural, uma suposta vida idÃ?­lica anterior ao progresso massificador e abstrato da urbanizaÃ?§Ã?£o, destrÃ?³i completamente o imaginÃ?¡rio romÃ?¢ntico -fortÃ?­ssimo na nossa tradiÃ?§Ã?£o literÃ?¡ria, desde as Iracemas de antanho- por fazer desse passado nÃ?£o o kitsch da casinha de sapÃ?© Ã?  margem de um rio tranqÃ?¼ilo com uma bela Ã?¡rvore nos dando a sombra, mas a expressÃ?£o bÃ?­blica de horrores monumentais, mas quem sabe autÃ?ªnticos, essenciais, telÃ?ºricos, verdadeiramente divinos, ââ?¬Å?o medieval pÃ?¡tio dos milagres na PraÃ?§a Rui Barbosaââ?¬Â.

    A ironia �© um modo tamb�©m de se auto-destruir, de n�£o deixar nem por um segundo que o conforto de uma frase feita se acomode em algum id�­lio poss�­vel -porque o que Dalton diz, em cada texto que escreve, �© que n�£o h�¡ salva�§�£o poss�­vel na face da terra. Talvez n�£o seja muita liberdade po�©tica afirmar que essa descren�§a essencial, com o seu toque calvinista -temos de continuar a trabalhar, sem esperar resultados- defina em boa parte a alma curitibana, muito mais do que qualquer projeto urbano, pol�­tica de transporte ou declara�§�£o da ONU.

    Mas voltemos ao ponto central, a imagem de Curitiba. Certamente nenhuma outra cidade brasileira conseguiu construir uma imagem tÃ?£o indiscutivelmente positiva, no imaginÃ?¡rio brasileiro e internacional, como Curitiba. A mesma Curitiba que, para Dalton Trevisan Ã?© a ââ?¬Å?Curitiba oficial enjoadinha ufanista / toda de acrÃ?­lico azul para turista verââ?¬Â, Ã?© para milhares de pessoas uma espÃ?©cie de paraÃ?­so urbano possÃ?­vel, a cidade cultural do Brasil, o grande centro do teatro brasileiro, a cidade ecolÃ?³gica brasileira, a cidade que tem o melhor transporte urbano, etc.

    Que sem dÃ?ºvida muito disso Ã?© realmente um factÃ?³ide ââ?¬Å?para turista verââ?¬Â -curiosamente na capital brasileira que talvez menos tenha atraÃ?§Ã?£o turÃ?­stica, pois de fato nÃ?£o hÃ?¡ quase nada de realmente interessante na cidade-, Ã?© fato tambÃ?©m que Curitiba tem algumas qualidades urbanas (mesmo contando com o motorista que jÃ?¡ foi definido como o mais mal-educado do Brasil) que sÃ?£o de causar inveja em muitas cidades. ComeÃ?§a pela sua escala -Ã?© uma cidade ainda razoavelmente pequena, o que nos dÃ?¡ tempo, o bem mais precioso de todos. Para as classes mÃ?©dias, a cidade inteira estÃ?¡ ao alcance da mÃ?£o. Para quem mora longe, a cidade talvez tenha o melhor transporte pÃ?ºblico do paÃ?­s.

    Pois bem, essa Curitiba famosa resultou de um projeto urbano de longo prazo muito bem-sucedido, e que em sua ess�ªncia, para sorte dos curitibanos, n�£o foi essencialmente modificado ou desestruturado por nenhum dos diferentes governos que ocuparam a cidade nos �ºltimos 40 anos. Ali�¡s, para fazer justi�§a, �© preciso estender mais esse projeto urbano de longo prazo: na verdade, Curitiba tem uma tradi�§�£o de cuidado urbano verdadeiramente centen�¡ria. Um �ºnico exemplo: na d�©cada de 20 o prefeito Garcez do Nascimento (que construir�¡ o primeiro arranha-c�©u de Curitiba, o edif�­cio Garcez), planejou uma s�©rie de grandes avenidas no lado sul da cidade (Visconde de Guarapuava, Sete de Setembro, Silva Jardim, etc.), amplas e modernas, onde n�£o havia ainda praticamente nada, e que servir�£o para sustentar, sem estragos, impacto ambiental ou desapropria�§�µes traum�¡ticas boa parte da c�©lebre organiza�§�£o vi�¡ria implantada na cidade 50 anos depois.

    Fiquemos nas Ã?ºltimas dÃ?©cadas, quando de fato se ergueu a Curitiba que chamarÃ?¡ a atenÃ?§Ã?£o do Brasil e do mundo. A histÃ?³ria desse projeto, a partir de um nÃ?£o especialista, como eu, pode ser definida assim. Em 1960, quando cheguei crianÃ?§a em Curitiba, a cidade, embora bastante funcional e sempre bem organizada, nÃ?£o tinha de fato expressÃ?£o alguma. Curitiba nÃ?£o era nada; nÃ?£o tinha, a rigor, nenhuma identidade. Havia um slogan mentiroso que chamava Curitiba de ââ?¬Å?cidade sorrisoââ?¬Â; em outros momentos, era chamada de ââ?¬Å?cidade universitÃ?¡riaââ?¬Â, e aqui a definiÃ?§Ã?£o fazia algum sentido pela importÃ?¢ncia fundamental da Universidade Federal do ParanÃ?¡ para Curitiba. Mas definir uma capital de Estado como ââ?¬Å?cidade universitÃ?¡riaââ?¬Â Ã?© muito pouco.

    Curiosamente, uma pesquisa recente promovida publicitariamente por uma instituiÃ?§Ã?£o bancÃ?¡ria perguntava qual deveria ser o ââ?¬Å?sÃ?­mbolo de Curitibaââ?¬Â, e a Universidade Federal ganhou. Houve uma curiosa polarizaÃ?§Ã?£o polÃ?­tica nessa pesquisa sem nenhum rigor, digamos, ââ?¬Å?cientÃ?­ficoââ?¬Â, porque todas as outras possibilidades (o Jardim BotÃ?¢nico, a Ã?â??pera do Arame, etc.) haviam sido criadas pelos governos Jaime Lerner, justamente nessas Ã?ºltimas dÃ?©cadas. Assim, a escolha da universidade na enquete, uma escolha inescapavelmente conservadora, teve um certo sabor ideolÃ?³gico de ââ?¬Å?contestaÃ?§Ã?£oââ?¬Â.

    Ã?â?° um detalhe interessante porque explica muito do projeto curitibano moderno, que vou chamar aqui sem muito rigor de ââ?¬Å?projeto Lernerââ?¬Â, para lembrar o nome que se imortalizou sendo trÃ?ªs vezes prefeito da cidade e duas vezes governador de Estado e que promoveu, via executivo, todas as grandes transformaÃ?§Ã?µes que deram Ã?  cidade a cara que ela tem hoje. Pois bem, sobre uma cidade que como dissemos nÃ?£o tinha expressÃ?£o nenhuma -apenas aquela alma curitibana fortÃ?­ssima que para mim define a cidade- o projeto Lerner criou quase que inteiramente a imagem de uma nova cidade, imagem projetada sobre alguns conceitos urbanos bastante modernos, a partir de eixos de transporte coletivo, polÃ?­tica de ocupaÃ?§Ã?£o de espaÃ?§os e um certo ideÃ?¡rio de valorizaÃ?§Ã?£o do pedestre, simbolizado no inÃ?­cio dos anos 70 na transformaÃ?§Ã?£o da rua XV de novembro em um calÃ?§adÃ?£o. (Veja-se que, nem de longe, Ã?© um tÃ?©cnico ou um polÃ?­tico que escreve aqui: apenas um habitante da cidade que cresceu com ela ao longo de 45 anos e que nela se fez escritor ââ?¬â?? minha autoridade, se cabe essa palavra aqui, Ã?© estritamente literÃ?¡ria.)

    Essa mudanÃ?§a estrutural da cidade foi acompanhada, sempre, de campanhas publicitÃ?¡rias extremamente profissionais; tudo que se fazia, do ponto de vista fÃ?­sico, recebia um equivalente abstrato na programaÃ?§Ã?£o visual, de certa forma um ââ?¬Å?logotipoââ?¬Â, que a cada Ã?©poca marcava a imagem da cidade. Ainda mais -essas marcas visuais, parte essencial do projeto da imagem da cidade, sempre mantiveram uma extraordinÃ?¡ria unidade: a cidade inteira sempre esteve submetida, na criaÃ?§Ã?£o dessa curitiba urbana dos Ã?ºltimos 40 anos, a um conceito visual unitÃ?¡rio, centralizado e criado de cima para baixo. Por isso se diz que Curitiba Ã?© a cidade da figura Ã?ºnica: temos um Ã?ºnico arquiteto, um Ã?ºnico projetista, um Ã?ºnico escritor, um Ã?ºnico artista plÃ?¡stico, e daÃ?­ por diante. As marcas visuais percorrem grande nÃ?ºmero dessas novas atraÃ?§Ã?µes turÃ?­sticas, inventadas recentemente: Jardim BotÃ?¢nico, Ã?â??pera do Arame, Rua 24 horas, etc.

    Concomitantemente a isso, viveu-se em Curitiba um processo de revitalizaÃ?§Ã?£o de espaÃ?§os histÃ?³ricos, de preservaÃ?§Ã?£o de fachadas, etc., com uma FundaÃ?§Ã?£o Cultural bastante ativa na criaÃ?§Ã?£o de espaÃ?§os de cultura, como cinemas, museus, etc., o que tambÃ?©m deu uma marca forte Ã?  cidade. E tambÃ?©m uma marca ââ?¬Å?estrangeiraââ?¬Â -nunca conheci um curitibano da Ã?¡rea cultural (exceto os funcionÃ?¡rios da FundaÃ?§Ã?£o) que em algum momento nÃ?£o reclamasse de que a FundaÃ?§Ã?£o Cultural na verdade era tambÃ?©m ââ?¬Å?sÃ?³ para inglÃ?ªs verââ?¬Â e que os artistas locais estavam Ã? s moscas. Eu mesmo reclamei muito disso, mas hoje, cinqÃ?¼entenÃ?¡rio, acho que nÃ?£o Ã?© um grande problema. Ã?â?° apenas realismo: Curitiba precisa mesmo de uma injeÃ?§Ã?£o cultural de fora, porque somos poucos.

    Um exemplo: o ââ?¬Å?Perhapinessââ?¬Â, evento que todos os anos celebra a memÃ?³ria do poeta Paulo Leminski, na sua versÃ?£o 2003 convidou para a sÃ?©rie de mesas redondas, se nÃ?£o estou enganado, 15 nomes importantes de fora, como PatrÃ?­cia Mello, Rubens Figueiredo, JoÃ?£o Gilberto Noll, e apenas dois nomes de Curitiba, um jornalista e um escritor. Pensando bem, Ã?© uma boa polÃ?­tica: os grandes nomes voltarÃ?£o falando maravilhas de Curitiba, e os dois curitibanos continuarÃ?£o a falar mal da cidade, como sempre. Se convidassem 15 curitibanos e dois estrangeiros, o encontro seria massacrado pelos prÃ?³prios palestrantes, com apenas dois elogiando lÃ?¡ fora. A mesma coisa acontece com o Festival de Teatro, uma iniciativa privada muito bem sucedida que tem contado sempre com o apoio da FundaÃ?§Ã?£o. Jamais conversei com um ator ou diretor local que, em algum momento, nÃ?£o criticasse o festival por se sentir alijado da festa, fartamente elogiada no resto do Brasil e atÃ?© do mundo.

    Temos, atÃ?© aqui, um bom projeto urbano vinculado a um apurado senso publicitÃ?¡rio, que nÃ?£o sÃ?³ propagandeava a boa nova, como lhe dava uma cara grÃ?¡fica, imediatamente identificÃ?¡vel, em Curitiba e fora dela. E, afinal, o produto Ã? s vezes correspondia, pelo menos em parte, Ã?  propaganda. Mas hÃ?¡ outros fatores importantes a considerar nesse processo. Um deles Ã?© o fato de que a implantaÃ?§Ã?£o do projeto se fez a partir de governos impostos pela ditadura militar. Isto Ã?©, Jaime Lerner foi prefeito indicado duas vezes. E, naqueles anos tecnocrÃ?¡ticos, ele gostava de alardear que ââ?¬Å?nÃ?£o era polÃ?­ticoââ?¬Â, e nÃ?£o ser polÃ?­tico soava (ainda hoje aliÃ?¡s) como uma grande qualidade.

    Quem viveu a virada dos anos 60 para os anos 70 sabe o componente psicol�³gico, e mesmo �©tico, que pesava nas considera�§�µes sobre o poder pol�­tico. Lembro que meu primeiro voto na vida foi nulo, em protesto contra a ditadura -um erro hist�³rico, ali�¡s, porque contra ela a �ºnica for�§a realmente �ºtil seria o voto, como o tempo acabou demonstrando.

    Polarizado o Brasil entre os que n�£o queriam votar e os que n�£o queriam o voto, a nova Curitiba ia se fazendo com a faca, o queijo, a imprensa e o poder na m�£o. �� claro que, pensando retrospectivamente, tivemos alguma sorte, porque o mesmo poder, imprensa, faca e queijo em outras m�£os poderiam simplesmente destruir a cidade, como aconteceu em tantas outras partes do Brasil: Curitiba era de fato uma esp�©cie de tabula rasa, como express�£o cultural, identidade regional ou extens�£o geogr�¡fica.

    Sobre esse silÃ?ªncio prÃ?©vio, tanto do curitibano comum que por natureza Ã?© silencioso e estÃ?¡ sempre pronto a obedecer a lei, e sobre o silÃ?ªncio polÃ?­tico dos que, tambÃ?©m a faca com o queijo, distantes do cÃ?­rculo do poder negavam legitimidade Ã?  cidade nova que se erguia, o projeto Lerner criou, finalmente, uma Curitiba nÃ?­tida, com uma cara, uma ââ?¬Å?carteira de identidadeââ?¬Â, uma expressÃ?£o e um ideÃ?¡rio urbano de longo prazo que chegou a impressionar atÃ?© os ââ?¬Å?vereadores da ONUââ?¬Â do texto de Dalton Trevisan. Mas nÃ?£o impressionava os seus habitantes, pelo menos num primeiro momento -Jaime Lerner perderÃ?¡ sua primeira eleiÃ?§Ã?£o direta para prefeito da cidade que inventava.

    Ali�¡s, a id�©ia de que Curitiba �© uma inven�§�£o de Jaime Lerner n�£o �© assim t�£o absurda -mas �© preciso lembrar que todos os ingredientes para a inven�§�£o da cidade, incluindo a�­ um hist�³rico centen�¡rio de bom planejamento urbano, estavam generosamente, at�© ostensivamente diante de quem tivesse a imagina�§�£o e o poder de us�¡-los e preencher aquele vazio que ansiava por ter uma face reconhec�­vel.

    Mas tudo isso �© hist�³ria. Vendo de hoje, �© ineg�¡vel que esses 40 anos criaram potencialmente defesas contra a crescente urbaniza�§�£o, inevit�¡vel, da cidade; criaram tamb�©m uma certa cultura urbana, substancialmente adequada ao substrato cultural do habitante de Curitiba. Uma prova disso est�¡, como dissemos, no fato de que prefeituras politicamente ant�­podas se sucederam sem de fato destro�§ar ou mesmo modificar a subst�¢ncia do projeto original, que acabou marcando profundamente a cidade.

    E, como bons curitibanos, sabemos que a vida �© muito mais densa, perigosa, complicada e inexcrut�¡vel do que um logotipo na parede, mesmo que seja um logotipo que funcione. Tanto melhor que seja uma boa cidade, ainda que tenha as piores cal�§adas do mundo, porque assim podemos, trancados em casa -o verdadeiro, o aut�ªntico espa�§o do curitibano �© o interior de sua casa- com algum conforto pensar na vida, trabalhar sossegadamente, contar com os quatro amigos que conhecemos h�¡ 37 anos, mas que s�³ se v�ªem acertando o encontro previamente por telefone, quando ent�£o pedimos pizza e nos divertimos bastante. Afinal, o que mais podemos esperar da vida?

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