Espaço Ay Carmela!
Domingo – 28/11/2010 – 15:30hs
Rua do Carmelitas, 140 – Sé
São Paulo / SP
http://ay-carmela.birosca.org/node/524
CADERNO DE VIAGEM
Publicação realizada de maneira colaborativa. Seu processo de elaboração deu-se em três etapas: a primeira partiu do convite a pessoas que, por seus fazeres e modos de estar, dialogam com questões sobre as quais o projeto Trânsito í Margem do Lago se debruça; a segunda etapa ocorreu ao longo da deriva realizada durante os 30 dias do mês de janeiro de 2010, assumindo um caráter mais processual (ao passo dos encontros e acontecimentos, novos conteúdos eram agregados ao Caderno – fotocopiado e distribuído durante o percurso, esse material foi um importante objeto para novas relações); a terceira etapa aconteceu após o retorno a Curitiba, também agregou contribuições de colaboradores e somou parte da documentação gerada durante a deriva.
Com o Caderno, nosso desejo é ampliar o território de convívio entre as línguas por meio da afirmação de uma cultura mestiça desde a origem, já que a edição contempla os idiomas português, espanhol e guarani. Sabemos que, apesar da proximidade geográfica, persiste algo como um abismo comunicacional entre essas distintas matrizes culturais, estigmatizadas pelas instâncias de poder e pelo controle social ao longo dos séculos.
Outras vontades: coletivizar pensamentos sobre o lugar e seu cotidiano e estabelecer organicamente um campo comunicativo entre as pessoas ao redor do lago e pessoas de outros lugares por onde o Caderno vier a circular.
São 800 exemplares a serem distribuídos gratuitamente. Seu conteúdo também está publicado no site http://www.margemdolago.transitos.org/
Todo material produzido neste projeto está disponibilizado sob licença Creative Commons – Atribuição-Uso Não-Comercial-Compartilhamento pela mesma Licença 2.5 Brasil – http://creativecommons.org/licenses/by-nc-sa/2.5/br/
TRÂNSITO à MARGEM DO LAGO
Durante 30 dias do mês de janeiro de 2010, transitamos pelas margens do Lago Artificial de Itaipu. O impulso inicial para essa ação surgiu por percebermos – apesar da proximidade geográfica e da política de integração dos mercados – uma considerável lacuna entre as culturas brasileira e paraguaia. Assumimos que pouco conhecíamos sobre esses universos, e í medida que buscávamos informações compreendíamos que muitas eram obscuras, superficiais ou deturpadas. Surgia para nós um abismo chamado “fronteira” e, com ele, a vontade de adentrarmos nessa realidade.
Na década de 1970, a construção da Usina Hidrelétrica Binacional de Itaipu deflagrou um elevado crescimento populacional, decorrente do corpo de trabalhadores que lá se estabeleceu. A criação da represa resultou na expropriação de diversos grupos – como colonos, ribeirinhos e indígenas – das margens do complexo de rios afetados, caracterizando o lugar por intensos fluxos migratórios. Em meados da década de 80, modelos tradicionais de cultivo foram perdendo espaço para a monocultura, devido í mecanização e aos incentivos ao agronegócio. Como consequência, um processo de desestruturação do modo de vida camponês culminou novamente em êxodo. Atualmente, nos dois lados da fronteira prevalece uma paisagem homogeneizada, controlada sobretudo por multinacionais. Entretanto, se no Paraguai o esvaziamento de vilarejos é uma constante, no Brasil a política de desenvolvimento incentiva uma identidade regional balizada pelo turismo.
Nesse ambiente, tomamos a atitude nômade como princípio deflagrador das relações e situações criativas de contato. Nossa ação é, portanto, uma prática efêmera ativada pelo encontro. A rota de viagem foi definida tanto por experiências em cada lugar como por indicações de pessoas que conhecemos pelo caminho, tendo como ponto de partida Foz do Iguaçu. O transporte local serviu como meio para nossa inserção nos fluxos cotidianos.
Estar de passagem foi nossa escolha por ser um modo de operar comum í quele lugar, uma estratégia de tomada de espaço que desconsidera o pertencimento enquanto fixação, uma vez que redefine o território a cada momento e necessita do movimento para existir. Essa atitude frente ao lugar é um caminho para a reflexão artística dos trânsitos e migrações contemporâneos como modos de existência.
Na transitoriedade buscamos o elemento humano, a experiência colaborativa e o alargamento da concepção de relação. Consideramos que os encontros são causadores de transformações subjetivas nos agentes envolvidos e que as proposições artísticas inclinadas í s questões de memória e códigos de poder ativam percepções sobre o lugar. Compreendemos que o ato criativo reverbera através de várias possibilidades extensivas, como imagem mental, arquivo e circulação. Por fim, prezamos pela cumplicidade e horizontalidade nas relações.
Trânsito í Margem do Lago foi ainda uma residência artística no Ponto de Cultura Kuai Tema, que ocorreu por meio da comunicação diária via blog (http://margemdolago.nosdarede.org.br). Esse modo de integração midiática propiciou encontros de ordem conceitual e simbólica, caracterizando nossa residência.
Trânsito í Margem do Lago, selecionado no Edital Interações Estéticas – Residências Artísticas em Pontos de Cultura 2009. Edital fruto da parceria entre a Fundação Nacional de Artes (FUNARTE) e a Secretaria de Cidadania Cultural/MinC.