MOVIMENTO ââ?¬Å?SISTEMA NACIONAL DE CULTURA JÃ?: um direito cidadãoââ?¬Â

O artigo 215 da Constituição Federal institui que o “Estado garantirá a todos o pleno exercí­cio dos direitos culturais”, o acesso a cultura como direito cidadão. Ao longo da nossa história esse direito não está sendo exercitado: a maior parte da população não tem garantido o acesso a teatros, museus, cinemas, apresentações de dança, teatro, circo, entre outros bens culturais, bem como a classe artí­stica, a continuidade de sua produção cultural e sua circulação.
É preciso conquistá-lo. Nesse momento há um conjunto de Propostas de Emendas Constitucionais e Projetos de Lei transitando no Legislativo que pretende transformar essa realidade implantando o Sistema Nacional de Cultura. A proposta é criar uma adesão nacional solicitando URGENTE aprovação pelo legislativo através do movimento “SISTEMA NACIONAL DE CULTURA Jí: um direito cidadão”.
Apelamos a todos a enviar mensagens para deputados, senadores e poder executivo para que aprovem as leis:
Sugerimos que seja feito de maneira individual através de assinatura eletrônica no documento anexo e também o envio desse mesmo texto, através de seus Fóruns, Movimentos, coletivos, grupos, instituições, ONGs, OSCIPs e outras organizações.
VAMOS ENCHER A CAIXA DE MENSAGENS DOS POLíTICOS PARA APROVAREM Jí A NOSSA LEI DA CULTURA E COMPARECER AO CONGRESSO NACIONAL, SE POSSíVEL.

MOVIMENTO “SISTEMA NACIONAL DE CULTURA Jí: um direito cidadão”
A favor da aprovação imediata nas diferentes instâncias do Congresso Nacional, do Sistema Nacional de Cultura integrado pelas seguintes Propostas de Emendas Constitucionais e Projetos de Lei:
PEC No. 416/2005, que institui o Sistema Nacional de Cultura;
PEC No.150/2003, para destinação de recursos í  cultura;
PEC No. 236/2008, para inserção da cultura no rol dos direitos sociais no Art. 6ú da Constituição Federal;
Projeto de Lei que institui o Plano Nacional de Cultura;
Projeto de Lei que institui o Programa de Fomento e Incentivo í  Cultura – PROCULTURA;
Projeto de Lei de Regulamentação do Sistema Nacional de Cultura;
E a Lei Nacional da Cultura
POR QUÃ?Å  UM SISTEMA NACIONAL DE CULTURA?
Garantir o acesso, a proteção, e promoção da diversidade cultural brasileira;
Legitimar o Sistema Nacional de Cultura como instrumento de articulação e promoção de polí­ticas publicas de cultura com participação e controle da sociedade civil, envolvendo todos os entes federados (instâncias municipal, estadual e distrital).
O Movimento emergiu a partir da realização do SEMINíRIO NACIONAL DE DANÇA: sociedade civil, organizações e os espaços de participação que contou com a participação:
Fórum de Dança da Bahia
Fórum de Dança de Curitiba
APRODANÇA/SC
ASGADAN/RS
Contacto Associação Cultural/ PR
Emovimento Consultoria e Produção/PR
Universidade Estadual de Santa Catarina
Grupo de Dança da Faculdade de Artes do Paraná/ PR
Muovere Cia de Dança Contemporânea/ RS
Secretaria Municipal de Cultura de Votorantim/SP
Academia Romani/ Guarapuava
José Mariaí de Almeidaí Júnior – Conselheiro Municipal de Cultura da cidade de Londrina
Danieli Pereira – Diretora de Produção do Ballet de Londrina e Coordenadora do Festival de Dança de Londrina
Entrando em Contato/SC

Ronda Grupo de Dança e Teatro/SC
Ana Maria Alonso Krishcke/ SC

MDC Mobilização Dança Contemporânea de Curitiba
Hany Lissa Morgenstern/Curitiba-PR

TrirA Centro de Artes & Aprimoramento Humano/PR
í 
Projeto Dentro da Dança – Lisa Jaworski Produções
í 5inco Dança Cênica – Jaraguá do Sul/SC
Entretantas Produções – movimentando ideias /PR
Fórum de Artes Visuais – Paraná

Cultura: um conceito reacionário

O conceito de cultura é profundamente reacionário. É uma maneira de separar atividades semióticas (atividades de orientação no mundo social e cósmico) em esferas, í s quais os homens são remetidos. Isoladas, tais atividades são padronizadas, instituí­das potencial ou realmente e capitalizadas para o modo de semiotização dominante – ou seja, elas são cortadas de suas realidades polí­ticas.

Toda a obra de Proust gira em torno da idéia de que é impossí­vel autonomizar esferas como a da música, das artes plásticas, da literatura , dos conjuntos arquitetônicos, da vida microssocial nos salões.

A cultura enquanto esfera autônoma só existe em ní­vel dos mercados de poder, dos mercados econômicos, e não em ní­vel da produção, da criação e do consumo real.

“O que caracteriza os modos de produção capitalí­sticos é que eles não funcionam unicamente no registro dos valores de troca, valores que são da ordem do capital, das semióticas monetárias ou dos modos de financiamento. Eles funcionam também através de um modo de controle da subjetivação, que eu chamaria de “cultura de equivalência” ou de “sistemas de equivalência na esfera da cultura”. Desse ponto de vista o capital funciona de modo complementar í  cultura enquanto conceito de equivalência: o capital ocupa-se da sujeição econômica, e a cultura, da sujeição subjetiva. E quando falo em sujeição subjetiva não me refiro apenas í  publicidade para a produção e o consumo de bens. É a própria essência do lucro capitalista que não se reduz ao campo da mais-valia econômica: ela está também na tomada de poder da subjetividade.

Cultura de massa e singularidade

O tí­tulo que propus para este debate na Folha de S. Paulo foi “Cultura de massa e singularidade”. O tí­tulo reiteradamente anunciado foi “Cultura de massa e individualidade” ââ?¬â? e talvez esse não seja um mero problema de tradução. Talvez seja difí­cil ouvir o termo singularidade e, nesse caso, traduzi-lo por individualidade me parece colocar em jogo uma dimensão essencial da cultura de massa. É exatamente este o tema que eu gostaria de abordar hoje: a cultura de massa como elemento fundamental da “produção de subjetividade capitalí­stica”.

A cultura de massa produz, exatamente, indiví­duos: indiví­duos normalizados, articulados uns aos outros segundo sistemas hierárquicos, sistemas de submissão – não sistemas de submissão visí­veis e explí­citos, como na etologia animal, ou como nas sociedades arcaicas ou pré-capitalistas, mas sistemas de submissão muito mais dissimulados. E eu nem diria que esses sistemas são “interiorizados” ou “internalizados” de acordo com a expressão que esteve muito em voga numa certa época, e que implica uma idéia de subjetividade como algo a ser preenchido. Ao contrário, o que há é simplesmente uma produção de subjetividade. Não somente uma produção de subjetividade individuada – subjetividade dos indiví­duos – mas uma produção de subjetividade inconsciente. A meu ver, essa grande fábrica, essa poderosa máquina capitalí­sticas produz, inclusive, aquilo que acontece conosco quando sonhamos, quando devaneamos. Em todo caso, ela pretende garantir uma função hegemônica em todos esses campos.

Eu oporia a essa máquina de produção de subjetividade a idéia de que é possí­vel desenvolver modos de subjetivação singulares, aquilo que poderí­amos chamar de “processos de singularização”: uma maneira de recusar todos esses modos de encodificação preestabelecidos, todos esses modos de manipulação e de telecomando, recusá-los para construir modos de sensibilidade, modos de relação com o outro, modos de produção, modos de criatividade que produzam uma subjetividade singular. Uma singularização existencial que coincida com um desejo, com um gosto de viver, com uma vontade de construir o mundo no qual encontramos, com a instauração de dispositivos para mudar os tipos de sociedade, os tipos de valores que não são os nossos. Há assim algumas palavras-cilada (como a palavra “cultura”), noções anteparo que nos impedem de pensar a realidade dos processos em questão.

A palavra cultura teve vários sentidos no decorrer da História: seu sentido mais antigo é o que aparece na expressão “cultivar o espí­rito”. Vou designá-la “sentido A” e “cultura-valor”, por corresponder a um julgamento de valor que determina quem tem cultura, e quem não tem: ou se pertence a meios cultos ou se pertence a meios incultos. O segundo núcleo semântico agrupa outras significações relativas í  cultura. Vou designá-lo “sentido B”. É a “cultura-alma coletiva”, sinônimo de civilização. Desta vez, já não há mais o par “ter ou não ter”: todo mundo tem cultura. Essa é uma cultura muito democrática: qualquer um pode reivindicar sua identidade cultural. É uma espécie de “a priori” da cultura: fala-se em cultura negra, cultura underground, cultura técnica, etc. É uma espécie de alma um tanto vaga, difí­cil de captar, e que se prestou no curso da História a toda espécie de ambiguidade, pois é uma dimensão semântica que se encontra tanto no partido hitleriano, com a noção de volk (povo), quanto em numerosos movimentos de emancipação que querem se reapropriar de sua cultura, e de seu fundo cultural. O terceiro núcleo semântico, que designo “C”, corresponde í  cultura de massa e eu o chamaria de “cultura-mercadoria”. Aí­ já não há julgamento de valor, nem territórios coletivos da cultura mais ou menos secretos, como nos sentidos A e B. A cultura são todos os seus bens: todos os equipamentos (casas de cultura, etc.), todas as pessoas (especialistas que trabalham nesse tipo de equipamento), todas as referências teóricas e ideológicas relativas a esse funcionamento, enfim, tudo que contribui para a produção de objetos semióticos (livros, filmes, etc.), difundidos num mercado determinado de circulação monetária ou estatal. Difunde-se cultura exatamente como Coca-cola, cigarros “de quem sabe o que quer”, carros ou qualquer coisa.

Retomemos as três categorias. Com a ascensão da burguesia, a cultura-valor parece ter vindo substituir outras noções segregativas, antigos sistemas de segregação social da nobreza. Já não se fala mais em pessoas de qualidade: o que se considera é a qualidade da cultura, resultante de determinado trabalho. É a isso que se refere, por exemplo, aquela fórmula de Voltaire, espécie de palavra de ordem no final de Candide: “Cultivem seus jardins”. As elites burguesas extraem a legitimidade de seu poder do fato de terem feito certo tipo de trabalho no campo do saber, no campo das artes, e assim por diante. Também essa noção cultura-valor tem diversas acepções. Pode-se tomá-la como uma categoria geral de valor cultural no campo das elites burguesas, mas também se pode usá-la para designar diferentes ní­veis ní­veis culturais em sistemas setoriais de valor ââ?¬â? aquilo que faz com que se fale, por exemplo, em cultura clássica, cultura cientí­fica, cultura artí­stica.

E aí­, passo a passo, vai-se chegando í  definição B, a da cultura-alma, que é uma noção pseudocientí­fica, elaborada a partir do final do século XIX, com o desenvolvimento da antropologia , em particular da antropologia cultural. No iní­cio, a noção de alma coletiva é muito próxima de uma noçao segregativa e até racista; grandes antropólogos como Lévy-Bruhl e Taylor reificam essa noção de cultura. Falava-se coisas do tipo que as sociedades ditas primiticas têm “mentalidade primitiva” – noções que serviram para qualificar modos de subjetivação que, na verdade, são perfeitamente heterogêneos. E, depois, com a evolução das ciências antropológicas, com o estruturalismo e o culturalismo, houve uma tentativa de se livrar desses sistemas de apreciação etnocêntricos. Nem todos os autores da corrente culturalista fizeram essa tentativa. Alguns mantiveram uma visão etnocêntrica. Outros, em compensação, como Kardiner, Margaret Mead e Ruth Benedict, com noções tais como “personalidade de base”, “personalidade cultural de base”, “pattern cultural”, quiseram livrar-se do etnocentrismo. Mas, no fundo, pode-se dizer que se essa tentativa constituiu em sair do etnocentrismo – renunciar a uma referência geral em relação í  cultura branca, ocidental, masculina – ela, na verdade, estabeleceu uma espécie de policentrismo cultural, uma espécie de multiplicação do etnocentrismo.

Essa “cultura-alma”, no sentido B, consiste em isolar o que chamarei de uma esfera da cultura (domí­nios da cultura como o do mito, do culto ou da enumeração) í  qual se oporão outros ní­veis tidos como heterogêneos, como a esfera do polí­tico, a esfera das relações estruturais de parentesco – tudo aquilo que diz respeito í  economia dos bens e dos prestí­gios. E assim acaba-se desembocando numa situação em que aquilo que eu chamaria de “atividades de semiotização” – toda a produção de sentido, de eficiência semiótica – é separado numa esfera que passa a ser desfinida como a da “cultura”. E a cada alma coletiva (os povos, as etnias, os grupos) será atribuida uma cultura. No entanto, esses povos, etnias e grupos sociais não vivem essas atividades como uma esfera separada. Da mesma maneira que o burguês fidalgo de Molií¨re descobre que ele “faz prosa”, as sociedade ditas primirivas descobrem que “fazem cultura”; elas são informadas, por exemplo, de que fazem música, dança, atividades de culto, de mitologia e outras tantas. E descobrem isso sobretudo no momento em que pessoas vêm lhes tomar a produção para expô-la em museus ou vendê-la no mercado de arte ou para inseri-la nas teorias antropológicas cientí­ficas em circulação. Mas estas sociedades não fazem nem cultura, nem dança, nem música. Todas essas dimensões são inteiramente articuladas umas í s outras num processo de expressão, e também articuladas com sua maneira de produzir bens, com sua maneira de produzir relações sociais. Ou seja, elas não assumem, absolutamente, essas diferentes categorizações que são as da antropologia. A situação é idêntica no caso da produção de um indiví­duo que perdeu suas coordenadas no sistema psiquiátrico, ou no caso da produção das crianças quando são integradas ao sistema de escolarização. Antes disso, elas brincam, articulam relações sociais, sonham, produzem e, mais cedo ou mais tarde, vão ter que aprender a categorizar essas dimensões de semiotização no campo social normalizado. Agora é hora de brincar, agora é hora de produzir para a escola, agora é hora de sonhar, e assim por diante.

Já a categoria cultura-mercadoria, o terceiro núcleo de sentido, se pretende muito mais objetiva: cultura aqui não é fazer teoria, mas produzir e difundir mercadorias culturais, em princí­pio sem levar em consideração os sistemas de valor distintivos no ní­vel A (cultura-valor) e sem se preocuar tampouco com aquilo que eu chamaria de ní­veis territoriais da cultura, que são da alçada do ní­vel B (cultura-alma). Não se trata de uma cultura a priori, mas de uma cultura que se produz, se reproduz, se modifica constantemente. Assim sendo, pode-se estabelecer uma espécie de nomenclatura cientí­fica, para tentar apreciar essa produção de cultura, em termos quantitativos . Há grades muito elaboradas (penso naquelas que estão em curso na Unesco), nas quais se pode classificar os “ní­veis” culturais das cidades, das categorias sociais, e assim por diante, em função do í­ndice, do número de livros produzidos, do número de filmes, do número de salas de uso cultural.

A minha idéia é que esses três sentido de cultura que apareceram sucessivamente no curso da História continuam a funcionar simultaneamente. Há uma complementaridade entre esses três tipo de núcleos semânticos. A produção dos meios de comunicação de massa, a produção de subjetividade capitalí­stica gera uma cultura com vocação universal. Esta ée uma dimensão essencial na confecção da força coletiva de trabalho, e na confecção daquilo que eu chamo de força coletiva de controle social. Mas, independentemente desses dois grandes objetivos, ela está totalmente disposta a tolerar territórios subjetivos que escapam relativamente a essa cultura geral. É preciso, para isso, tolerar margens, setores de cultura minoritária – subjetividades em que possamos nos reconhecer, nos resgatar entre nós numa orientação alheia í  do Capitalismo Mundial Integrado. Essa atitude, entretanto, não é apenas de tolerância. Nas últimas décadas, essa produção caí­talí­stica se empenhou, ela própria, em produzir suas margens, e de algum modo equipou novos territórios subjetivos: os indiví­duos, as famí­lias, os grupos sociais, as minorias, e por aí­ vai. Tudo isso parece ser muito bem calculado. Poder-se-ia dizer que, neste momento, Ministérios da Cultura estão começando a surgir por toda parte, desenvolvendo uma perspectiva modernista na qual se propõem a incrementar, de maneira aparentemente democrática, uma produção de cultura que lhe permita estar nas sociedades industriais ricas. E também encorajar formas de cultura particulares, a fim de que as pessoas se sintam de algum modo numa espécie de território e não fiquem perdidas num mundo abstrato.

Na verdade, não é bem assim que as coisas acontecem. esse duplo modo de produção da subjetividade, esssa industrialização da produção de cultura segundo os ní­veis B e C, não renunciou absolutamente ao sistem ade valorização do ní­vel A. Atrás dessa falsa democracia da cultura continuam a instaurar os mesmos sistemas de segregação a partir de uma categoria geral da cultura, de modo completamente subjacente. Nessa perspectiva modernista, os Ministros da Cultura e os especialistas dos equipamentos culturais declaram não pretender qualificar socialmente os consumidores dos objetos culturais, mas apenas difundir cultura num determinado campo social, que fuincionaria segundo uma lei de liberdade de trocas. No entanto, o que se omite aqui é que o campo social que recebe a cultura não é homogêneo. A difusão de produtos como um livro ou um disco bão tem absolutamente a mesma significação quando veiculada nos meios de elites sociais ou nos meios de comunicação de massa, a tí­tulo de formação ou de animação cultural.

Trabalhos de sociólogos como Bordieu mostram que há grupos que já possuem até um metabolismo de receptividade das produções culturais. É óbvio que uma criança que nunca conviveu num ambiente de leitura, de produção de conhecimento, de fruição de obras plásticas, não tem o mesmo tipo de relação com a cultura que teve alguém como Jean Paul Sartre, que nasceu numa biblioteca literalmente. Ainda assim se quer manter a aparência de igualdade diante das produções culturais. De fato, conservamos o antigo sentido da palavra cultura, a cultura valor, qe se insceve nas tradições aristocráticas de almas bem nascidas, de gente que sabe lidar com as palavras, as atitudes e as etiquetas. A cultura não é apenas uma transmissão de informação cultural, uma transmissão de sistemas de modelização, mas é também uma maneira de as elites capitalí­sticas exporem o que eu chamaria de um mercado geral de poder.

Um poder não apenas sobre os objetos culturais, ouy sobre as possibilidade de manipulá-los e ciar algo, mas também um poder de atribuir a si os objetos culturais como signo distintivo na relação socuak com os outros. O sentido que uma banalidade pode tomar, por exemplo no campo da literatura, varia de acordo com o destinatário. O fato de um aluno ou um professor primário de uma cidadezinha qualquer do interior dizer banalidades sobre Maupassant não altera seu sistema de produção de valor no campo social. Mas se Giscard dââ?¬â?¢Estaing, num dos grandes programas literários da televisão francesa, falar de Maupassant, ainda que uma banalidade, o fato se contitui imediatamente em um í­ndice, não de seu conhecimento real acerca do escritor, mas de que ele pertence a um campo de poder que é o da cultura.

Tomarei um exemplo mais imediato, situado naquilo que estou considerando como contexto brasileiro. Costuma-se insinuar que Lula e PT são pessoa e empreendimento muito simpáticos, mas que vão sem dúvida se revelar completamente incapazes de gerir uma sociedade altamente diferenciadaa como é a brasileira, pois ele snão têm competência técnica, não têm ní­veis de saer suficientes para tanto. Recentemente estive na polônia e constatei que esse mesmo tipo de argumentação é usado contra Walesa. Dirigentes do Partido Comunista Polonês empregam rodos os meios possí­veis para tentar desconsiderá-lo. Especificamente um sujeito asqueroso que se chama Racowski, e que declara í  imprensa ocidental que simpatiza muito com Walesa, esse personagem sedutor, tão charmoso, mas considera que, separado de seus conselheiros, de se entourage habitual, ele não é nada, é um incapaz.

Na verdade, o que está se colocando em jogo não são esses ní­veis de competência, mesmo porque, para começo de conversa, é notório o ní­vel de incompetência e corrupção das elites no poder. Aliás, nos agenciamenteos de poder capitalí­stico em geral são sempre os mais estúpidos que se encontram no alto da pirâmide. Basta considerar os resultadis: a gestão da economia mundial hoje conduz centenas e milhares de pessoas í  fome, ao desespero, a um modo de vida inteiramente impossí­vel, apesar dos progressos tecnológicos e das capacidades produtivas extraordinárias que estão se desencolvendo nas revoluções tecnológicas atuais.

Assim, não podemos aceitar que o que esteja sendo efetivamente visado ou tendo um certo impacto na opinião seja a competência. Além disso, esse argumento promove uma certa função encarnada do saber, como se a inteligência necessária nesta situação de crise que estamos vivendo pudesse encarnar algum suposto talento ou saber transcedental. Esse argumento simplesmente escamoteia o fato de que todos os procedimentos de saber, de efiiência semiótica no mundo atual participam de agenciamentos complexos, que jamais são da alçada de um único especialista . Sabe-se muito vem qye qyalquer sistema de gestão moderna dos grandes processos industriais e sociais implica a articulação de diferentes ní­veis de competência. Nesse sentido, não vejo em que Lula seria incapaz de fazer tal articulação. E quando eu falo de Lula, na verdade estou falando do PT, de todas as formações democráticas, de todas as corrente minoritárias que estão se agitando neste momento de campanha eleitoral no Brasil. Então, não á para entender por que essas diferentes potencialidade de competência nõ poderiam fazer o que fazem as elites hoje no poder – tão bem quanto ou até melhor. Acho que o ponto-chave dessa questão não está aí­, e sim na relação de Lula com a cultura, como quantidade de informação. Não a cultura-alma ââ?¬â? pois é óbvio que, nesse sentido, ele tem a cultura de São Bernardo ou a cultura operária, e não vamos tirar isso dele –, mas sim com u certo tipo de cultura capitalí­stica uma das enrgenagens fundamentais do poder. As pessoas do PT, em particular o Lula, não participam de determinada qualidade de cultura dominante. É muito mais uma questão de estilo e de etiqueta. Poder-seia dizer até que é algo que funciona num ní­vel anterior ao término de uma frase, í  configuração de um discurso. Tais pessoas não fazem parte da cultura capitalí­stica dominante. A partir daí­ desenvolve-se todo um vetor de culpabilização, pois essa concepção de cultura impregna todos os ní­veis sociais e produtivos. Daí­ tais pessoas não poderem pretender uma legitimidade para gerir os processos capitalí­sticos, idéia que elas próprias acabam assumindo.

O que dá então um caráter de estranhamento í  ascenção polí­tica e social de pessoas como Lula é o fato de sentirmos muito bem que não se trata apenas de um fenômeno de ruptura em relação í  gestão dos fluxos sociais e econômicos. Mas sim de colocar em prática um tipo de processo de subjetivação diferente do capitalí­stico, com seu duplo registro de produção de valores universais por um lado, e de reterritorialização em pequenos guetos subjetivos, por outro lado. Colocar em prática a produção de uma subjetividade que vai ser capaz de gerir processos de singularização subjetiva, que não confinem as diferentes categorias sociais (minorias sexuais, raciais, culturais e quaisquer outras) no esquadrinhamento dominante do poder.

Então a questão que se coloca agora não é mais “quem produz cultura”, “quais vão ser os recipientes dessas produções culturais”, mas como agenciar outros modos de produção semiótica, de maneira a possibilitar a construção de uma sociedade que simplesmente consiga manter-se em pé. Modos de produção semiótica que permitam assegurar uma divião social da produção, sem por isso fechar os indiví­duos em sistemas de segregação opressora ou categorizar suas produções semióticas em esferas distintas da cultura. A pintura como esfera cultural refere-se antes de mais nada aos pintores, í s pessoas que têm currí­culo de pintoras e í s pessoas que difudem a pintura no comércio ou nos meios de comunicação de massa. Como fazer com que essas categorias ditas “da cultura” possam ser, ao mesmo tempo, altamente especializadas, singularizadas, como é o caso que acabei de mencinar da pintura, sem que haja por isso uma espécie de posse hegemônica pelas elites capitalí­sticas? Como fazer para que esses diferentes modos de produção cultural não se tornem unicamente especialidades, mas possam articular-se ao conjunto dos outros tipos de produção (o que eu chamo de produções maquí­nicas: toda essa revolução informática, telemática, dos robôs, etc.)? Como abrir, e até quebrar, essas antigas esferas culturais fechadas sobre si mesmas? Como produzir novos agenciamentos de singularização que trabalhem por uma sensibilidade estética, pela mudança da vida num plano mais cotidiano e, ao mesmo tempo, pelas transformações sociais em ní­vel dos grandes conjuntos econômicos e sociais?

Para concluir, eu diria que os problemas da cultura devem necessariamente sair da articulação entre os três núcleos semânticos que evoquei anteriormente. Quando os meios de comunicação de massa ou os Ministros da Cultura falam de cultura, querem os meios de comunicação de massa nos convencer de que não estão tratando de problemas polí­ticos, e sociais. Distribui-se cultura para o consumo, como se distribui um mí­nimo vital de alimentos em algumas sociedades. Mas os agenciamentos de toda espécie implicam sempre, correlativamente, dimensões micropolí­ticas e macropolí­ticas.

Eu poderia, eventualmente, falar dos efeitos dessa concepção, hoje na França, com o governo Mitterrand, para tentar descrever a maneira pela qual os socialistas estão girando em falso com essa categoria de cultura. E isso porque sua tentativa de democratização da cultura não está realmente conectada com os processos de subjetivação singular, com as minorias culturais ativas, o que faz com que se restabeleça sempre, apesar das boas intenções, uma relação privilegiada entre o Estado e os diferentes sistemas de produção cultural. Neste momento, algumas pessoas na França, entre as quais me incluo, consideram muito importante inventar um modo de produção cultural que quebre radicalmente os esquemas atuais de poder nesse campo, esquemas de que dispõe o Estado atualmente, através de seus equipamentos coletivos e de sua mí­dia.

Como fazer para que a cultura saia dessas esferas fechadas sobre si mesmas? Como organizar, dispor e financiar processos de singularizaçao cultural que desmontem os particularismos atuais no campo da cultura e, ao mesmo tempo, os empreendimentos de pseudodemocratização da cultura?

Não existe, a meu ver, cultura popular e cultura erudita. Há uma cultura capitalí­stica que permeia todos os campos de expressão semiótica. É isso que tento dizer ao evocar os três núcleos semânticos do termo cultura. Não há coisa mais horripilante do que fazer a apologia da cultura popular, ou da cultura proletária, ou sabe-se lá o que do gênero. Há processos de singularização em práticas determinadas e há procedimentos de reapropriação, de recuperação, operados pelos diferentes sistemas capitalí­sticos.
No fundo, só há uma cultura: a capitalí­stica. É uma cultura sempre etnocêntrica e intelectocêntrica (ou logocêntrica), pois separa os universos semióticos das produções subjetivas.

Há muitas maneiras de a cultura ser etnocêntrica, e não apenas na relação racista do tipo cultura masculina, branca, adulta. Ela pode ser relativamente policêntrica ou polietnocêntrica, e preservar a postulação de uma referência de cultura-valor, um padrão de tradutibilidade geral das produções semióticas, inteiramente paralelo ao capital.

Assim como o capital é um modo de semiotização que permite ter um equivalente geral para as produções econômicas e sociais, a cultura é o equivalente geral para as produções de poder. As classes dominantes sempre buscam essa dupla mais-valia de poder, através da cultura-valor.

Considero essas duas funções, mais-valia econômica e mais-valia do poder, inteiramente complementares. Elas constituem, juntamente com uma terceira categoria de equivalência ââ?¬â? o poder sobre a energia, a capacidade de conversão das energias umas nas outras ââ?¬â? os três pilares do CMI.

fonte:http://zepower.wordpress.com/cultura-um-conceito-reacionario/
texto do livro Cartografias do desejo do Félix Guattari com a Suely Rolnik e foi produzido em 1982 com a vinda do primeiro.

Saravá capitólio

saravá

1. Redes sociais e ativistas: reprodução do modo capitalista?

Há cada vez mais discrepância entre o discurso e a realidade imediata. Já faz tempo que o capitalismo funciona num ní­vel que está além da ideologia, da significação, do discurso. Ele precisa mobilizar toda uma máquina de produção do consenso, de produção do sentido de mundo. Toda a discussão que se territorializar dentro desse mundo de sentido criado pelo captalismo será inofensivo (do ponto de vista de criação de possibilidades de escape) e ainda contribuirá na criação de novidades para o capitalismo.

É nesse cenário que se insere um circuito profissional-terceiro-setor-estatal em que “as redes ativistas” vem se misturando. Se por um lado essas redes acreditam que é possí­vel subverter (ou “hackear”) as estruturas institucionais para de algum modo promover mudanças sociais, por outro elas acabam sendo “hackeadas” ao oferecerem como produto o resultado do seu ativismo, justamente aquilo que foi arduamente construí­do com o trabalho colaborativo de muitas pessoas. Essa herança é então capitalizada pela máquina. Em troca de financiamentos ou equipamentos, os grupos acabam entregando sua história e todo seu patrimônio simbólico.

Mas não é apenas nesse ní­vel que o sistema toma conta de tudo. Existem mecanismos que roubam, capturam as energias para alimentar uma máquina de dominação que, no plano do discurso, é aquilo que nos tem incomodado, seria o nosso inimigo se quisermos colocar nesses termos. Eles atuam em todos os ní­veis com o í­mpeto de transformar toda a atividade humana numa quantidade de homens-hora trabalhadas voluntária ou involuntariamente no processo produtivo. E em muitos casos, de forma não remunerada, como veremos a seguir.

Grosso modo, analisaremos o seguinte modelo esquemático:

industria_sarava.png

Para tal, ela será dividida nas seguintes partes:

* Apropriação dos grupos de ativistas pelo maquinário capitalista.
* Apropriação da sociedade civil na contribuição voluntária e não remunerada.
* O favorecimento desse modelo para a manutenção de relações individualistas.

Apesar de no iní­cio tratarmos basicamente de redes ativistas, o raciocí­nio será extendido para abarcar também a dita sociedade civil, conforme mostra o diagrama acima.
2. Grupos ativistas e a inclusão digital

Dentro das iniciativas voltadas í  inclusão digital e í  produção cultural, uma série de relações se estabeleceram como um circuito de captação de recursos através da concentração de de conteúdo construí­do por grupos de ativismo midiático e pela sociedade civil.

Nessas relações, ativistas se associam í  iniciativa governamental ou ao terceiro setor para participarem de projetos de inclusão digital promovidos por tais instituições e que envolvem:

* O incentivo ao uso das novas tecnologias computacionais e do software livre para a produção cultural, que permitem a composição e a reprodução de conteúdo multimí­dia de forma simples e barata.
* A distribuição de recursos financeiros e tecnológicos para comunidades de baixa renda, uma forma de pulverização de capital, defendendo uma descentralização da produção cultural, que tradicionalmente está centrada em grandes eixos regionais e em grupos já estabelecidos que detém os canais institucionais para obtenção de verba.
* O incentivo í  generosidade intelectual e í  formação de redes colaborativas para alimentarem um banco de dados da produção cultural oriunda das comunidades patrocinadas pelo projeto.

No entanto, apesar do discurso inclusivo e do apelo para a mudança social, esses projetos estão muito mais próximos de cumprir uma importante função í  indústria cultural e a um novo modo de produção capitalista, o que é perceptí­vel quando passa-se a analisar o projeto a partir da cadeia produtiva na qual ele se encaixa.

A indústria cultural sempre busca a novidade e passa por um grande momento de estagnação. Bancos de dados em licenças abertas que contenham amostras da cultura dos rincões constituem material de pesquisa de certo modo gratuito para a indústria.

Como contrapartida pelo fornecimento de recursos í  comunidade, esta oferece seu patrimônio cultural e sua força de trabalho para o banco de idéias da indústria do entretenimento. Para a construção desses bancos, a atuação de ativistas na aproximação de grupos sociais junto í  comunidade tem sido fundamental.

O que está sendo questionado aqui não é a o vislumbramento desse campo pelos/as ativistas como alternativa de emprego, mas sim o “dote” que eles/as acabam entregando como contrapartida e o uso do mesmo como produto a ser vendido para as instituições financiadoras desse tipo de projeto. Esse dote é composto inicialmente pelo currí­culo da pessoa e a história dos grupos que ela participa, que serão usado como parte da propaganda destes projetos, quando estes afirmarão que tem inserção social e que contam com um staff participante de movimentos sociais.

Mas a principal componente do dote é a energia empregada pelos/as ativistas ao trabalharem nesse tipo de projeto. Por serem pessoas já engajadas na mudança social, os/as ativistas tem uma propensão a trabalhar com muito afinco com a questão da inclusão digital e com a produção cultural. Assim, compensa muito mais para um projeto governamental ou do terceiro setor empregar mão de obra ativista do que técnicos/as especializados, pois estes últimos trabalhariam somente o necessário e sem tanto envolvimento.

Assim, os grupos ativistas, quando trabalhando dentro desse maquinário, estarão entregando gratuitamente parte de suas energias para esse tipo de projeto. Energias que de outro modo estariam se canalizando para os seus próprios projetos e para a mundanaça social efetiva.

Fora isso, também há um esforço enorme para colocar ativistas funcionando junto com essa engrenagem de financiamentos e captações, o que também toma um tempo precioso desses coletivos, tempo que poderia ser usado de outra forma.

Eis a inteligência desse sistema, ele não neutraliza as forças de oposição, é mais eficiente, canaliza suas energias para sua própria re-invenção, pois enquanto os grupos estiverem pautando a colaboração (seja ela produção de software, de rádio, de encontros) pelo ritmo do capital, eles estarão perdidos em sua busca por real mudança. Enquanto os grupos acharem que precisam entrar em todos os editais, participar de todos os eventos, acompanhar todas as inovações tecnológicas do mercado, eles estarão perdidos. Ou melhor, estarão ‘achados’, estarão no lugar que interessa í  máquina capitalista.
3. Sociedade civil

O envolvimento da sociedade civil – ou das “comunidades” – nessa cadeia produtiva é ainda mais assustador. A indústria da informação inventou um novo modelo produtivo, no qual a sociedade alimenta os bancos de dados gratuitamente, de forma que a energia das pessoa é fornecida de bom grado no ciclo de produção.

Nesse contexto, Web 2.0 e os atuais conceitos de redes sociais se constituem como a interface dessa apropriação energética, mas que ocorre do lado da sociedade civil não-organizada, que contribui involuntariamente na construção de bancos de dados.

O termo Web 2.0 se refere a uma série de caracterí­sticas e práticas que possibilitam o fornecimento de conteúdo por parte dos usuários de um banco de dados.

No primeiro boom da internet, a World Wide Web permitiu que conexões entre documentos fossem estabelecidas com um mí­nimo esforço. Essa conexão desde cedo refletiu tanto uma relação entre assuntos e textos quanto entre pessoas. Nessa época, porém, praticamente todo o conteúdo de um sí­tio corporativo era fornecido por um staff especializado: jornalistas, webmasters e consultores em geral. [Detalhar mais e indicar a mudança para a Web 2.0]

É inegável a eficácia da Web 2.0 e do que os sí­tios de redes sociais conseguem fazer ao aproveitarem informações que todo mundo manipula em atividades banais (e que normalmente se perderiam) num grande sistema que pode ser publicamente acessado. Mas esse aproveitamento é a apropriação da energia das pessoas em micro-escala, porque a apropriação chega no clique do mouse que coloca algum texto numa tag dum sí­tio que está a serviço do capital.

Um exemplo para toda essa análise é o caso do Youtube, que não produz nada mas que praticou uma espécie de super-mais-valia sobre sua base de usuários, que alimentaram um banco de dados posteriormente vendido por cerca de 1,5 bilhões de dólares. O conceito de mais-valia implica a existência de algum tipo de ví­nculo empregatí­cio. No caso dessa super-mais-valia, não é necessário ví­nculo nenhum: o trabalho (voluntário ou involuntário, mas nunca assalariado) é simplesmente roubado.
4. Necessidades personalizadas

Além disso, o capitalismo funciona da criação de necessidades. O capitalismo, ao usar redes sociais, pode criar a personalização das necessidades, produtos altamente direcionados: “reprodutibilidade técnica personalizada”, que se encaminha para captura de todos os recursos dos/as assalariados. A indústria pode começar a investir em manufaturados personalizados (linhas de montagem onde os produtos feitos em série não são necessariamente iguais entre si) e aí­ teremos a personalização dos produtos materiais espelhando a personalização que hoje vemos nos bens imateriais gerados automaticamente. Um protótipo disso é o RepRap, criticado por Robert Kurz em seu texto A Máquina Universal de Harry Potter.
5. O individualismo versus o coletivismo, ou o open source contra o free software

A Web 2.0 se constitui como fabricação de consenso (consenso não no sentido do conteúdo publicado, mas sim na forma de produção desse conteúdo), mesmo que as pessoas não tenham consciência disso, porque esse tipo de rede é uma forma de fazer o egoí­smo das pessoas trabalhar em função de uma estrutura maior, de um banco de dados construí­do involuntariamente. Ou seja, você não muda as pessoas nesse processo, elas continuam morosas, sem iniciativa e preocupadas apenas em resolver seus próprios problemas, mas o trabalho delas é egoisticamente somado até construir uma falsa coletividade, que é a abundância de informação mas que não foi erguida com a idéia de ajuda mútua ou com o ideal de “ajudar a seus vizinhos/as” com o qual a Fundação do Software Livre se funda, por exemplo. O próprio individualismo na Web 2.0 surge quando as relações sociais são traçadas de pessoa pra pessoa.

Os grupos ativistas que julgam a Web 2.0 como algo que trará mudanças positivas no acesso í  informação e í  organização social estão enganados. É acreditar que, criando um sistema que facilite a troca de determinada informação, por si só mostre pras pessoas que elas podem se organizar de diversas maneiras e a partir disso modificar as relações sociais.

Nas redes sociais criadas pela Web 2.0 há uma falsa idéia de coletivismo. Não quer dizer todo mundo é amigo/a só porque você conhece alguém que tem não sei quem em sua lista de contatos.

Fora isso, há a questão da real mudança social que tais tecnologias promovem. São os sistemas é que devem determinar e viabilizar a organização social ou são as pessoas que devem determinar isso? Sistemas que pretendem uma dada organização social podem até funcionar, mas seria muito mais rico e representaria uma maior evolução e maturidade pras pessoas que participam se elas não precisassem de um banco de dados pra se organizar, se a organização viesse já de dentro delas.
5.1 A Geração Google e a ilusão do desenvolvimento

Geração Google: no fundo acreditam que seja possí­vel uma relação ganha-ganha em ní­vel mundial que resolva os problemas de todo mundo sem que nenhum conflito seja necessário, acreditam que software livre é bacana, eles são bacanas e portanto o mundo vai ser bacana com eles e vai mudar.

É a crença de que a tecnologia vai acarretar na mudança pro bem, isso até subestima a capacidade dos movimentos sociais, acreditando que inevitavelmente a tecnologia da informação vai acarretar numa melhoria geral no ní­vel de vida das pessoas, crenças semelhantes que predominavam no mundo antes das duas guerras mundiais: muito pelo contrário, hoje os sistemas de informação estão muito mais se encaminhando para centralização e paro controle total.

Existem também uma tendência de descentralização sempre, mas a maior parte dela surge pela própria contradição do sistema: criaram um mundo de cultura de massa com uma apelação extrema para o seu consumo e no entanto restringem ao máximo a reprodução de seus produtos a fim de garantir o máximo de lucro.

Em outras palavras, hollywood produz uma pá de filme anualmente, é adepta de uma propaganda violenta mas ao mesmo tempo restringe o quanto pode as cópias dos seus filmes. O p2p é uma alternativa í  distribuição hollywoodiana, mas na média continua consumindo a mesma coisa.

O desenvolvimento não segue caminhos aleatórios. Ele sempre vem acompanhado de uma carga ideológica pesada e tem uma série de forças atuando nisso, quanto maior a escala mais a parada é indentificável. Hoje no Brasil o discurso polí­tico vigente é trazer um suposto desenvolvimento para gerar empregos e aí­ sim atingir o bem estar social. Agora, ninguém fala de reforma agrária, imposto sobre grandes fortunas, revisão da polí­tica de concessões e licitações ou mesmo mudanças mais radicais. Quando se fala em desenvolvimento, é desenvolvimento para que? Para onde?
5.2 A questão no contexto da produção de software

Essa situação que estamos vivenciando se insere num contexto maior de como o capitalismo está adaptando o software livre em modelo de negócio, como estão bolando um sistema de produção de valor que abre mão de patentes. nesse ponto, é interessante pensarmos na diferença entre open source e free software. Qual é a diferença? Há muita confusão, né?

Se colocarmos esse debate no campo do software, a dualidade se estabelece mesmo entre o software livre e o aberto, que no fim é a discussão entre a ajuda mútua, o cooperativismo como filosofia e esse novo modelo de negócios que também mobiliza a energia de voluntários/as! Porque você abrindo o código do Java vai rolar mais feedback de usuários e desenvolvedores, gente que estará trabalhando de graça para o seu produto. Repare que é a mesma apropriação que um sí­tio com tecnologia web 2.0 ou um projeto de produção cultural através da informática faz com as pessoas. É ou não é sinistro?

Quando o Eric Raymond coloca como catedral a forma como o pessoal da Free Software Foundation desenvolve software livre, ele não está criticando o isolamento dos programadores ou sua falta de vontade de se relacionar com a comunidade, mas sim criticando o modo de produção de software livre dos anos 80, que foi quebrado com o advento do Linux, quando um programador mediano inaugurou um novo modo de desenvolvimento ao incorporar com sucesso e rapidamente as modificações ao seu software propostas por terceiros.

Com isso, o Raymond virou um dos papas do Open Source. Faz sentido a adoção de melhores formas de desenvolvimento de software livre, todo mundo quer coisas que funcionem, mas a questão é que o Open Source está atrás de modelos que tornem os negócios possí­veis.

Não é a toa que hoje o Ubuntu está mais popular que o Debian. O Debian tem uma forma de desenvolvimento bem complexa pois precisa ser democrática e ao mesmo tempo manter um compromisso com a estabilidade e a segurança do sistema. Por outro lado, no Ubuntu rola um astronauta que decide como as coisas serão e a cambada tem que seguir. Não é top-bottom total, porque também existe a ajuda da comunidade, mas as decisões são pautadas não no processo interno do projeto, mas na vontade de fazer o Ubuntu o mais popular e usado, da mesma forma como o resto da indústria planeja os seus produtos. O Ubuntu suga tudo de bom que o Debian tem a oferecer e, apesar do Ubuntu remunerar alguns desenvolvedores do Debian e produzir software livre, a Canonical (empresa do Ubuntu) tem feito muito dinheiro com esse modelo de negócios.

Essa questão do software livre é não-trivial dependendo do ângulo de análise. Se a partirmos dos ideólogos e de suas opiniões, realmente a questão fica complexa e controversa. Porque o espectro desse monte de ideologia é realmente muito diverso. Veja por exemplo, o Lessig tem um ponto de vista mais liberal, é do Creative Commons mas ao mesmo tempo tá na diretoria da Free Software Foundation, que teoricamente é mais ativista.

Agora, se tentarmos extrair algo vendo como efetivamente ocorrem essas relações entre empresas, terceiro setor e sociedade, as coisas parecem se simplificar.

Podemos inclusive assumir inicialmente, por simplicidade, que o terceiro setor e a academia são bons, incluindo Eric Raymond, Lessig, Ronaldo Lemos, todo mundo. Vamos supor que todos sejam bem intencionados.

Aí­ a questão que sobra é o quanto as empresas se apropriam dessas iniciativas e o quanto de lucro isso traz pra elas.

O Java como GPL vai ajudar muito a Sun e seus executivos souberam o momento certo de abri-la. Ela lucrou muito tempo vendendo licença do Java e certamente o mundo Open Source contribuiu muito para ela abrir. Agora ela muda o modelo de negócios e também um pouco do modelo produtivo, que vai passar a receber muito mais contribuição e feedback.

Não se pode dizer que todo o grande projeto de software livre ou aberto de grande está mancomunado com o capital, mas me parece um fato que descobriram um novo modo de ganhar dinheiro e estão sim se apropriando do software para esse fim. Essas que as empresas contribuem muito pro open source, mas não é pensando na comunidade, é pensando nos consumidores. Uma coisa é criticar o produto final (o kernel, o gcc, o rpm) e outra é o modo de produção do software, quem paga e quem ganha.

Vale notar que aqui estamos analisando o modo de produção e não o produto final. O produto final pode beneficiar a comunidade e a empresa, mas a forma de produção beneficia basicamente a empresa, porque o produto final é dela (afinal, ela é a provedora do produto e da sua marca).

Hoje rola uma espécie de nova mais valia, onde as pessoas não tem nenhum ví­nculo empregatí­cio com uma empresa mas mesmo assim acabam entrando no ciclo produtivo.

Se até alguns anos a participação da sociedade na linha de produção de uma empresa se limitava a um pequeno feedback da “Central de Atendimento ao Consumidor”, hoje alguém pode ajudar uma empresa sem ao menos estar ciente disso!

O capitalismo mais uma vez está conseguindo pegar aquilo que escapava a sua lógica e transformar em algo a favor da sua lógica. E a sinistrice é que nesse capitalismo abstrato que vivemos o discurso, o conceito, a imagem são muito importantes para a produção de valor. Nessa, essa geração google tem um papel muito importante, pois estão expandindo as fronteiras do capitalismo, inovando novas formas de produção de valor achando que estão abrindo novas possibilidades de mundo, ou seja, achando que estão na resistência.

O capitalismo de hoje não se impõe mais daquela maneira tosca do tempo das primeiras revoluções industriais, onde tudo ficava í s claras, onde toda a apropriação de força de trabalho ficava facilmente identificável. Hoje há todo um consenso e uma forma de apresentação que torna dificí­limo o discernimento. Ninguém percebe mais a apropriação que ele faz das coisas que escapavam í  sua lógica.
6. Conclusões

Este texto, em princí­pio, tenta ser uma crí­tica a duas idéias:

1. Que essa nova inclusão digital está a serviço do social; ela na verdade está a serviço do capital, basta ver quem financia esse tipo de sistema, são empresas que vivem da apropriação capitalista, não é filantropia. Falar que está a serviço da sociedade é lugar-comum no marketing moderno. Mesmo quando as iniciativas partem da esfera pública (projetos governamentais) eles também servem a esse modelo e também como uma função de tapa buraco desse modelo de sociedade ao invés de mudar as relações, até por que uma das suas caracteristicas é legitimá-las.
2. Que essas tecnologias são a chave da mudança social.

——————< -------------------- | | instituições ---> projetos de inclusão digital —> grupos ativistas —> comunidades < ------------| financiadoras e produção cultural | (sociedade civil organizada) | ^ ^ | | | | | --------> criação de produtos |
| —-< ---- lobbystas atuando na | | | captação de mais dinheiro <------------------------- manutenção de um grande | | banco de dados de produção --->—
| cultural em licenças abertas
| |
| |
——–< -------------- indústria cultural <-------------------------------- | | | | ----------------------.> fonte:
http://wiki.sarava.org/Estudos/ApropriacaoCapitalistaRedesSociais