Mário, ascensorista do Edifício Everest (Downtown Curitiba), é cego.
É um homem de cerca de 40 anos, caucasiano, de estatura normal. Usa barba cerrada e suas maçãs-do-rosto são proeminentes. Uma figura simpática e, via de regra, risonha.
Os cegos olhos de Mário – ironia? – são castanhos e expressivos, muito diferente das entristecidas pupilas brancas do imaginário simbólico.
Édipo Rei
Para a maioria das pessoas, é preciso mais de um encontro para notar sua cegueira. Seus sentidos são tão aguçados a ponto deste adivinhar o andar do passageiro mesmo que este emita grunhidos.
Nunca vi Mário de óculos escuros. Uma vez, flagrei-o dobrando sua bengala antes de se instalar em seu posto, onde, durante seis ou sete horas a fio, iria, como todos os dias, apertar botões entre um “bom dia, senhor” ou um “bom dia, senhora”.
Mário está estudando para o vestibular de Direito. Acho que não é a primeira vez que tenta.
Seu método, segundo relata, consiste em digitar – sim, digitar – em um computador o texto das apostilas do cursinho (lidas por sua esposa). A máquina, equipada com um IBM voice ou congênere, cria mídia digital audível no ônibus, no descanso, na cama etc.
TALKING MACHINE, utopia recorrente nas invencionices humanas. Para quem NÃO PODE e para quem NÃO QUER ler.
Diferentemente dos cegos bem-lustrados da propaganda oficial, Mário pouco se lixa para as rubras e amarelas pistas taniguchianas que ligam o nada ao lugar algum, aqui na Lindacap. Tampouco se limita a fazer vassouras ou espanadores e vendê-los na Visconde de Guarapuava. Mário quer o mundo, e não se importa se puder apenas tocá-lo.
La canne.
Outro dia, Mário confessou ser um entusiasta do rock e heavy metal dos anos 70. Acha o rock de hoje alienado e pouco criativo. Compra apenas bolachões, em sebos variados. Não perguntei se ele examina a integridade dos seus sulcos ao comprá-los, mas não duvidaria.
Janela da Alma 4×4, fully equiped.
Falando em cegos, esse aí é hors-concours.
Sincronicidade ou não, acabo de notar que está a tocar “Canôt find my way home”, do Blind Faith. Parece brincadeira.
OS CEGOS
Contemplai-os minha alma; eis que são pavorosos!
São como manequins, vagamente risíveis;
E sonâmbulos são, singulares, terríveis;
E quem sabe aonde vão seus globos tenebrosos?
Seus olhos, donde a chama eterna é partida,
Como se olhassem longe estão no firmamento;
E não se vê jamais, por sobre o pavimento,
Inclinar vagamente a fronte sucumbida.
Atravessam assim a infinda escuridade,
Esta irmã do silencio imutável, cidade!
Enquanto em torno a nós é um lamento o teu canto
Que é tão atroz que chega a perder-se no orgasmo,
Vê que eu erro também e mais do que eles pasmo,
Digo: “O que pelos céus eles procuram tanto?”
Charles Baudelaire, em julgamento pouco sensível a respeito dos cegos. Original em http://rene.pommier.free.fr/Aveugles.htm)
Estudiosos das epopéias, a questão 4 (http://www.funtrivia.com/playquiz/quiz142895105db10.html) é com vocês.
Algum fotógrafo tem algo a dizer sobre o olhar?
Ciclopes também são bem-vindos. Não hesitem em expor seu, vamos dizer, ponto de vista ‘único’ sobre o olhar.
Não dava para esquecer o velho Ray.
Em terra de olhos
quem tem um cego, errei.
(Mill�´r Fernandes)
“Em terra de cego
que tem olho nÃ?£o se enxerga”
tamb�©m (Mill�´r Fernandes)