DA PRODUÇÃO DE SUBJETIVIDADEÃ?¹

Félix Guattari

O pensamento clássico mantinha a alma afastada da matéria e a essência do sujeito afastada das engrenagens corporais. Os marxistas, por sua vez, opunham as superestruturas subjetivas í s relações de produção infra-estruturais. Como falar da produção de subjetividade, hoje? Uma primeira constatação nos leva a reconhecer que os conteúdos da subjetividade dependem, cada vez mais, de uma infinidade de sistemas maquí­nicos. Nenhum campo de opinião, de pensamento, de imagem, de afetos, de narratividade pode, daqui para a frente, ter a pretensão de escapar í  influência invasiva da “assistência por computador”, dos bancos de dados, da telemática etc… Com isso chegamos até a nos indagar se a própria essência do sujeito – essa famosa essência atrás da qual a filosofia ocidental corre há séculos – não estaria ameaçada por essa nova “máquino-dependência” da subjetividade. Sabemos da curiosa mistura de enriquecimento e empobrecimento que resultou disso tudo até agora: uma aparente democratização do acesso aos dados e aos saberes, associada a um fechamento segregativo de suas instâncias de elaboração; uma multiplicação dos ângulos de abordagem antropológica e uma mestiçagem planetária das culturas, paradoxalmente. contemporâneas de uma ascensão dos particularismos e dos racismos; uma imensa extensão dos campos de investigação técnico-cientí­ficos e estéticos evoluindo num contexto moral de insipidez e desencanto. Mas ao invés de se associar í s cruzadas tão em voga contra os malefí­cios do modernismo, ao invés de pregar a reabilitação dos valores transcendentais em ruí­na ou de entregar-se como o pós-modernismo í s delí­cias da desilusão, pode-se tentar recusar o dilema de ter que optar entre uma rejeição crispada ou uma aceitação cí­nica da situação.

Que as máquinas sejam capazes de articular enunciados e registrar estados de fato ao ritmo do nano-segundoí², e talvez amanhã do pico-segundo, ou de produzir imagens que não remetem a nenhum real representado, isso não faz delas potências diabólicas que estariam ameaçando dominar o homem. Na verdade, não tem sentido o homem querer desviar-se das máquinas já que, afinal das contas, elas não são nada mais do que formas hiperdesenvolvidas e hiperconcentradas de certos aspectos de sua própria subjetividade – e estes aspectos, diga-se de passagem, justamente não são daqueles que o polarizam em relações de dominação e de poder. Teremos lançado uma dupla ponte, do homem em direção í  máquina e da máquina em direção ao homem e, com isso, terá se tornado mais possí­vel esperar que novas e confiantes alianças se façam entre eles, quando tivermos estabelecido o seguinte:

1. que as atuais máquinas informacionais e comunicacionais não se contentem em veicular conteúdos representativos, mas que concorram igualmente para a confecção de novos Agenciamentos de enunciação (individuais e/ou coletivos);

2. que todos os sistemas maquí­nicos, seja qual foro domí­nio ao qual pertencem – técnico, biológico, semiótico, lógico, abstrato -, são o suporte, por si mesmos, de processos proto-subjetivos que eu qualificaria de subjetividade modular.

Evocarei aqui apenas o primeiro rol dessas questões, reservando-me para abordar o segundo, que gira em torno dos problemas de auto-referência, de autotranscendência etc., em outras circunstâncias.

Antes de prosseguir temos que nos perguntar se essa “entrada em máquina” da subjetividade – como se dizia antigamente “entrar em religião” (ordenar-se) – é realmente uma novidade absoluta. As subjetividades “pré-capitalistas” ou “arcaicas” também não eram engendradas por diversas máquinas iniciáticas, sociais, retóricas, embutidas nas instituições clânicas, religiosas, militares, corporativistas etc., que eu reagruparia aqui sob a denominação geral de “Equipamentos coletivos de subjetivação”? É o caso, por exemplo, das máquinas monacais que trouxeram até nós as memórias da antigüidade, fecundando assim nossa modernidade. O que eram estas máquinas monacais senão softwares, “macroprocessadores” da Idade Média – os neoplatônicos tendo sido, í  sua maneira, os primeiros a conceber uma processualidade capaz de atravessar o tempo e as estases? E a Corte de Versalhes, com sua gestão minuciosa dos fluxos de poder, de dinheiro, de prestí­gio, de competência e suas etiquetas de alta precisão, o que era ela senão uma máquina deliberadamente concebida para secretar uma subjetividade aristocrática de reposição, muito mais submissa í  realeza estatal do que a dos senhorios de tradição feudal e esboçando outras relações de sujeição aos valores e aos costumes das burguesias ascendentes?

Eu não poderia, num abrir e fechar de olhos, retraçar aqui o histórico desses Equipamentos coletivos de subjetivação. Aliás, a meu ver, nem a história, nem a sociologia estariam realmente em condições de nos dar as chaves analí­tico-polí­ticas dos processos em questão. Eu gostaria apenas de destacar algumas vozes/vias [voi(x)(e)] fundamentais – aqui, o francês permite ligar homofônicamente, o caminho e a enunciação – que esses equipamentos produziram e cujo entrelaçamento permanece na base dos processos de subjetivação das sociedades ocidentais contemporâneas.

Distinguirei três séries destas vozes/vias:

1. as vozes de poder: que circunscrevem e cercam, de fora, os conjuntos humanos, seja por coerção direta e dominação panóptica dos corpos, seja pela captura imaginária das almas;

2. as vozes de saber: que se articulam de dentro da subjetividade í s pragmáticas técnico-cientí­ficas e econômicas;

3. as vozes de auto-referência: que desenvolvem uma subjetividade processual autofundadora de suas próprias coordenadas, autoconsistencial (que há um tempo atrás eu havia relacionado í  categoria de “grupo sujeito”), o que não a impede de instalar-se transversalmente í s estratificações sociais e mentais.

Poderes sobre as territorialidades exteriores, saberes desterritorializados sobre as atividades humanas e as máquinas e, enfim, criatividade própria í s mutações subjetivas: essas três vozes, embora inscritas no coração da diacronia histórica e duramente encarnadas nas clivagens e segregações sociológicas, não param de se entrelaçar em estranhos balés, alternando lutas de morte e a promoção de novas figuras.

Me parece oportuno assinalar, neste momento, que em nossa perspectiva esquizoanalí­tica de elucidação dos fatos de subjetivação, não faremos senão um uso muito discreto das abordagens dialéticas, estruturalistas, sistêmicas e mesmo genealógicas, no sentido de Michel Foucault. É que, a meu ver, de uma certa maneira todos os sistemas de modelização se valem, todos são aceitáveis, mas somente na medida em que seus princí­pios de inteligibilidade renunciem a qualquer pretensão universalista e admitam que eles não tem outra missão senão a de concorrer para a cartografia de Territórios existenciais – implicando Universos sensí­veis, cognitivos, afetivos, estéticos etc. -, e isto para áreas e perí­odos de tempo bem delimitados. Esse relativismo, aliás, não tem absolutamente nada de difamatório de um ponto de vista epistemológico; ele se deve ao fato de que as regularidades, as configurações mais ou menos estáveis que as ocorrências subjetivas dão a decifrar, dependem exatamente e antes dê mais nada dos sistemas de auto-modelização acima evocados com a terceira voz de auto-referência. Aqui, os elos discursivos – tanto de expressão, como de conteúdo – não respondem mais senão de tempos a tempos, ou a contra-senso, ou por desfiguração, í s lógicas ordinárias dos conjuntos discursivos. O que quer dizer que neste ní­vel tudo é bom! – todas as ideologias, todos os cultos, até os mais arcaicos, podem bastar, pois trata-se de servir-se deles apenas a tí­tulo de materiais existenciais. A finalidade primeira de suas cadeias expressivas não é mais a de denotar estados de fato ou de engastar estados de sentido em eixos significacionais; sua finalidade, repito, é a de efetuar cristalizações existenciais instaurando-se, de certo modo, aquém dos princí­pios de base da razão clássica: princí­pios de identidade, de terceiro excluí­do, de causalidade, de razão suficiente, de continuidade… O mais difí­cil de evidenciar aqui é que esses materiais, a partir dos quais podem se engrenar os processos de auto-referência subjetiva, sejam eles próprios extraí­dos de elementos radicalmente heterogêneos, para não dizer heteróclitos: ritmos de tempo vividos, ritornelos obsessivos, emblemas identificatórios, objetos transicionais, fetiches de toda espécie … O que se afirma por ocasião dessa travessia das regiões dos ser e dos modos de semiotização são traços de singularização – espécies de carimbos existenciais – que datam , ” acontecimentalizam”, “contingenciam ” os estados de fato, seus correlatos referenciais e os Agenciamentos de enunciação que lhes correspondem . Esta dupla capacidade dos traços intensivos de singularizar e de transversalizar a existência, de lhe conferir , por um lado uma persistência local e, por outro, uma consistência transversalista – uma transistência -, não pode ser plenamente captada pelos modos racionais de conhecimento discursivo . Ela só pode ser dada através de uma apreensão da ordem do afecto, uma captura transferencial global. O mais universal se encontra aqui ligado í  facticidade a mais contingente ; a mais solta das amarras ordinárias do sentido se encontra aqui ancorada í  finitude do ser-aí­. Mas diversas tradições daquilo que podemos chamar de um “fracionalismo tacanho” continuam a manter um desconhecimento sistemático , quase militante, em relação a tudo aquilo que, no seio destas metamodelizações , possa referir – se a Universos virtuais e incorporais, a todos os mundos nebulosos da incerteza, do aleatório, do provável… Este “racionalismo tacanho” perseguiu por muito tempo, no seio da antropologia, os modos de categorização que ele qualificava de “pré-lógicos”, quando na, verdade estes modos não eram senão metalógicos, paralógicos, sendo seu objetivo essencialmente o de dar consistência a Agenciamentos

de subjetividades individuais e/ou coletivos. Orago que seria preciso conseguir pensar aqui é um continuum que iria das brincadeiras de criança, das ritualizações que se fazem de um jeito ou de outro por ocasião das tentativas de recomposição psicopatológica de mundos “esquizados “, até as cartografias complexas dos mitos e das artes para, finalmente , ir de encontro aos suntuosos edifí­cios especulativos das teologias e das filosofias que buscaram apreender essas mesmas dimensões de criatividade existencial . ( Basta evocar aqui as “almas esquecedoras ” de Plotino ou o “motor imóvel” que, segundo Leibniz, preexiste a toda e qualquer dissipação de potência).

Mas voltemos í s nossas três vozes primordiais . A partir de agora, nosso problema será o de posicionar convenientemente a terceira, a da auto- referência , em relação í s vozes dos poderes e dos saberes. Eu a defini como sendo a mais singular, a mais contingente , aquela que ancora as realidades humanas na finitude , e também a mais universal , aquela que opera as mais fulgurantes travessias por campos heterogêneos . Seria preciso dizê-lo de outro modo: ela não é universal no sentido, estrito, ela é a mais rica em Universos de virtualidade, a mais provida em linhas de processualidade. E aqui peço ao leitor que não me leve a mal pela utilização de uma pletora de qualificativos, por um transbordamento de sentido de certas expressões e, sem dúvida, por uma certa imprecisão de seu alcance cognitivo: não há, aqui, outros recursos possí­veis!

As vozes de poder e de saber se inscreviam em coordenadas de exorreferência que lhes garantiam um uso extensivo e uma circunscrição precisa de sentido. A Terra era o referente de base dos poderes sobre os corpos e as populações, enquanto que o Capital era o referente dos saberes econômicos e do controle dos meios de produção. O Corpo sem órgãos da auto-referência, sem figura nem fundo, nos abre, por sua vez, o horizonte inteiramente diferente de uma processualidade considerada como ponto de emergência contí­nua de toda forma de criatividade.

Faço questão de frisar que esta trí­ade – Poder territorializado, Capital de saber desterritorializado e Auto-referência processual – não tem outra ambição senão a de esclarecer certos problemas como, por exemplo, a atual ascensão das ideologias neoliberais ou de outros arcaí­smos ainda mais perniciosos. Em todo caso, evidentemente não é a partir de um modelo tão sumário que se poderia pretender abordar as cartografias de processos concretos de subjetivação. Digamos que se trata aí­ apenas de instrumentos de uma cartografia especulativa, sem qualquer pretensão no que diz respeito a uma fundação estrutural universal, ou a uma eficiência de campo. O que é uma outra maneira de lembrar que estas vozes não existiram desde sempre e que, sem dúvida, tampouco existirão para sempre, em todo caso não sob a mesma forma. A partir daí­ talvez seja pertinente procurar localizar a emergência histórica destas vozes, as transposições de limiares de consistência que iriam fazer com que elas se colocassem duravelmente na órbita de nossa modernidade.

Pode-se esperar que tal tomada de consistência se apoie em sistemas coletivos de “memorização” dos dados e dos saberes, mas igualmente em dispositivos materiais de ordem técnica, cientí­fica e estética. Pode-se então tentar datar essas mutações subjetivas fundamentais em função, por um lado, do nascimento de grandes Equipamentos coletivos religiosos e culturais e, por outro, da invenção de novos materiais, de novas energias, de novas máquinas de cristalizar o tempo e, enfim, de novas tecnologias biológicas. Não estou dizendo que trata-se aí­ de infra-estruturas materiais condicionando diretamente a subjetividade coletiva, mas somente de componentes essenciais para a sua tomada de consistência no espaço e no tempo, em função de transformações técnicas, cientí­ficas e artí­sticas.

Estas considerações me levam então a distinguir três zonas de fraturas históricas a partir das quais, no decorrer do último milênio, surgiram três componentes capitalistas fundamentais:

– a idade da cristandade européia: marcada por uma nova concepção das relações entre a Terra e o Poder;

– a idade da desterritorialização capitalista dos saberés e das técnicas: fundada sobre princí­pios de equivaler generalizado;

– a idade da informatização planetária: que abre a possibilidade para uma processualidade criativa e singularizante tornar-se a nova referência de base.

No que diz respeito a este último ponto, antes de mais nada é preciso admitir que poucos elementos objetivos nos permitem esperar ainda por uma tal virada da modernidade mass-midiática opressiva em direção a uma era pós-mí­dia que daria todo seu alcance aos Agenciamentos de auto-referência subjetiva. Parece-me, no entanto, que não é senão no contexto das novas distribuições das cartas da produção da subjetividade informática e telemática que essa voz da auto-referência chegará a conquistar seu pleno regime. É claro que nada disso está ganho! Nada nesse campo poderia substituir as práticas sociais inovadoras. Não se trata aqui senão de constatar que, diferentemente de outras revoluções de emancipação subjetiva – Espartacus, a Revolução francesa, a Comuna de Paris… -, as práticas individuais e sociais de autovalorização, de auto-organização da subjetividade, hoje ao alcance de nossas mãos, estão em condições, talvez pela primeira vez na história, de desembocar em algo mais durável do que as loucas e efêmeras efervescências espontâneas, ou seja, desembocar num reposicionamento fundamental do homem em relação ao seu meio ambiente maquí­nico e ao seu meio ambiente natural (que aliás tendem a coincidir).

A IDADE DA CRISTANDADE EUROPÉIA

Sobre as ruí­nas do Baixo Império e do império carolí­ngio, ergueu-se na Europa ocidental uma nova figura de subjetividade que podemos caracterizar por uma dupla articulação:

1. com as entidades territoriais de base relativamente autônomas, de caráter étnico, nacional, religioso, que no começo deviam constituir a textura da segmentaridade feudal, mas que foram levadas a manter-se, sob outras formas, até nossos dias;

2. com a entidade desterritorializada de poder subjetivo de que a Igreja católica era portadora e que foi estruturada como Equipamento coletivo em escala européia.

Diferentemente das fórmulas anteriores de poder imperial, a figura central do poder já não tem aqui alcance direto, totalitário/totalizante, sobre os territórios de base do socius e da subjetividade. A cristandade, muito mais precocemente que o Islã, teve que renunciar a constituir uma unidade orgânica. Mas o desaparecimento de um César em carne e osso e a promoção, que se ouse dizer substitutiva, de um Cristo desterritorializado, longe de enfraquecer os processos de integração da subjetividade, ao contrário, os terão reforçado. Parece-me que da conjunção entre a autonomia parcial das esferas polí­tica e econômica, própria da segmentaridade feudal, e esse caráter hiperfusional da subjetividade cristã (manifesta com as cruzadas ou a adoção de códigos aristocráticos tais como “A Paz de Deus” descrita por Georges Duby), tenha resultado uma espécie de falha, de equilí­brio metaestável, favorável í  proliferação de outros processos igualmente parciais de autonomia que reencontraremos nos seguintes fenômenos:

– na vitalidade cismática da sensibilidade e da reflexão religiosa caracterí­stica desse perí­odo;

– na explosão de criatividade estética que, na verdade, desde então nunca mais parou;

– na primeira grande “decolagem” das tecnologias e das trocas comerciais, qualificadas pelos historiadores de “revolução industrial do século XI”, e que foi correlativa do aparecimento de novas figuras de organização urbana.

O que terá dado a essa fórmula ambí­güa, instável, torturada, o aumento de consistência que deveria lhe permitir sobreviver í s terrí­veis provas históricas que a esperavam: as invasões bárbaras, as epidemias, as guerras permanentes? Esquematicamente, seis séries de fatores:

1. a promoção de um monoteí­smo que, com o uso, se revelaria bastante flexí­vel, evolutivo, relativamente capaz de se adaptar í s posições subjetivas particulares dos bárbaros, dos escravos etc. O fato de que a flexibilidade de um sistema de referência ideológica tenha se tornado um trunfo fundamental para que ele consiga perdurar, constituirá um dado de base que reencontraremos em todas as encruzilhadas importantes da história da subjetividade capitalí­stica. (Que se pense, por exemplo, na surpreendente capacidade de adaptação do capitalismo contemporâneo que lhe permite

fagocitar, literalmente, as economias ditas socialistas). A consolidação dos novos padrões ético-religiosos do Ocidente cristão, desembocará na constituição de um duplo mercado paralelo de subjetivação: um mercado de refundação permanente de territorialidades de base e de redefinição de filiações e de redes de suserania, sejam quais forem seus fracassos; e um outro, de predisposição a uma livre circulação de fluxos de saber, de signos monetários, de figuras estéticas, de tecnologia, de bens, de pessoas etc., abrindo passagem para a assunção da segunda voz capitalí­stica desterritorializada;

2. a instauração de um esquadrinhamento cultural das populações cristãs por um novo tipo de máquina religiosa assentando-se, particularmente, sobre as escolas paroquiais criadas por Carlos Magno e que sobreviveram ao desaparecimento de seu império;

3. a instauração, numa longa duração, de corpos de ofí­cios, de guildas, de mosteiros, de ordens religiosas… como outros tantos “bancos de dados” de saberes e de técnicas da época;

4. a generalização do uso do ferro e dos moinhos de energia natural;

o desenvolvimento de mentalidades artesanais e urbanas. Mas esse primeiro florescimento do maquinismo, é preciso sublinhar, não se implantou senão de um modo, por assim dizer, parasita, “enquistado” no seio dos grandes Agenciamentos humanos sobre os quais continuou a assentar-se o essencial dos grandes sistemas de produção. Em outras palavras, aqui não se sai ainda de uma relação fundamental homem/ferramenta;

5. o aparecimento das primeiras máquinas operando uma integração subjetiva muito mais desenvolvida:

– os relógios que batem as mesmas horas canônicas, em toda a cristandade;

– a invenção, por etapas, de músicas religiosas submetidas a um suporte escritural;

6. as seleções de espécies animais e vegetais que estarão na base desse florescimento quantitativo dos parâmetros demográficos e econômicos e, conseqüentemente, do redimensionamento dos Agenciamentos em questão.

Apesar, ou por causa, das colossais pressões de recalcamento territorial, mas também das aculturações enriquecedoras – exercidas, de um lado, pelo Império bizantino, retomado pelo imperialismo árabe e, de outro, pelas potências bárbaras e nômades, particularmente portadoras de inovações metalúrgicas -, o caldo de cultura da cristandade protocapitalí­stica chegará a uma estabilização relativa (mas de longa duração) de seus três pólos fundamentais de subjetivação, aristocráticos, religiosos e camponeses, que regem suas relações de poder e de saber. Assim, as “irrupções maquí­nicas” ligadas ao desenvolvimento urbano e ao florescimento das tecnologias civis e militares estarão sendo encorajadas e, ao mesmo tempo, refreadas. Essa espécie de estado de natureza das relações entre o homem e a ferramenta continuará assediando até hoje os paradigmas de reterritorialização do tipo “Trabalho, Famí­lia, Pátria”.

A IDADE DA DESTERRITORIALIZAÇÃO CAPITALíSTICA DOS SABERES E DAS TÉCNICAS

Este segundo componente da subjetividade capitalí­stica vai se afirmar, principalmente , a partir do século XVIII, qúe será marcado por um desequilí­brio crescente das relações homem /máquina. O homem perderá aí­ territorialidades sociais que lhe pareciam até então inamoví­veis. Com isso, suas referências de corporeidade fí­sica e social ficarão profundamente perturbadas . O universo de referência do novo cambismo generalizado, não será mais uma territorialidade segmentária , mas o Capital como modo de reterritorialização semiótica das atividades humanas e das estruturas convulsionadas pelos processos maquí­nicos . Antes era o Déspota real ou o Deus imaginário que serviam de pedra angular operacional para a recomposição local de Territórios existenciais . Agora será uma capitalização simbólica de valores abstratos de poder, incindindo sobre saberes econômicos e tecnológicos , articulados a duas classes sociais desterritorializadas e conduzindo a uma equivalência generalizada entre todos os modos de valorização dos bens e das atividades humanas. Tal sistema só conseguirá conservar uma consistência histórica na medida em que permanecer engajado numa espécie de eterna corrida desenfreada e ficar retomando suas manobras constantemente . A nova “paixão capitalí­stica” varrerá tudo o que encontrar pelo caminho : em especial as culturas e as territorialidades que, bem ou mal, haviam conseguido escapar aos rolos compressores do cristianismo . Os principais fatores de consistência deste componente são:

1. uma penetração geral do texto impresso no conjunto das engrenagens da vida social e cultural, correlativa de um certo enfraquecimento das performances de comunicação oral diretas , mas que em contrapartida autorizará uma capacidade muito maior de acumulação e de tratamento

dos saberes;

2. o primado do aço e das máquinas a vapor que multiplicará a potência de penetração dos vetores maquí­nicos tanto na terra , no mar e no ar, quanto no conjunto dos espaços tecnológicos , econômicos e urbaní­sticos;

3. uma manipulação do tempo, que ficará literalmente esvaziado de seus ritmos naturais , promovida por:

– máquinas cronométricas que levarão ao esquadrinhamento tayloriano da força de trabalho;

– técnicas de semiotização econômica , por exemplo , através de moedas de crédito que implicam uma virtualização geral das capacidades de iniciativa humana e um cálculo previsional que incinde sobre os campos de inovação – espécies de notas promissórias para o futuro – que permitem ampliar indefinidamente o império das economias de mercado;

4. as revoluções biológicas a partir das descobertas de Pasteur que vão ligar, cada vez mais, o futuro das espécies vivas ao desenvolvimento das indústrias bioquimí­cas.

A partir daí­, o homem se encontra numa posição de adjacência quase parasitária em relação aos Phylum maquí­nicos . Em suma, cada um de seus órgãos , de suas relações sociais sofrerá um novo recorte para ser reafetado, sobrecodificado , em função das exigências globais do sistema. (É na obra de Leonardo da Vinci, de Brueghel e sobretudo de Arcimboldo que encontraremos as mais impressionantes e premonitórias representações desses remanejamentos corporais).

O que é paradoxal com esse funcionalismo dos órgãos e das faculdades humanas e seu regime de equivaler generalizado dos sistemas de valorização é que ao mesmo tempo em que se refere obstinadamente a perspectivas universalizantes, historicamente ele nunca pôde chegar a outra coisa senão a um retorno sobre si mesmo, a reterritorializações de ordem nacionalista, classista, racista, corporativista, paternalista…, que o levaram inexoravelmente, e í s vezes caricaturalmente, í s vias de poder as mais conservadoras. O “Espí­rito das Luzes” que marcou o advento dessa segunda figura da subjetividade capitalí­stica permaneceria, de fato, acompanhado de um incorrigí­vel fetichismo do lucro – fórmula libidinal de poder especificamente burguesa que, apesar de ter se diferenciado dos antigos sistemas emblemáticos de controle dos territórios, das pessoas e dos bens, recorrendo a mediações mais desterritorializadas, nem por isso deixou de secretar um fundo subjetivo dos mais obtusos, dos mais associais e dos mais infantilizantes. Portanto, sejam quais forem as aparências de liberdade de pensamento com a qual o novo monoteí­smo capitalí­stico sempre gostou de se pavonear, ele sempre pressupôs uma dominação arcaizante e irracional da subjetividade inconsciente, especialmente através de dispositivos de responsabilização e de culpabilização hiperindividualizados que, levados a seu paroxismo, conduzem í s compulsões autopunitivas e aos cultos mórbidos do erro, repertoriados com perfeição no universo kafkiano.

A IDADE DA INFORMíTICA PLANETíRIA

Aqui, os pseudo-equilí­brios precedentes ficarão rompidos num sentido inteiramente diferente. Agora é a máquina que irá ficar sob o controle da subjetividade, não de uma subjetividade humana reterritorializada, mas de uma subjetividade maquí­nica de um novo gênero. Algumas caracterí­sticas da tomada de consistência dessa nova era:

1. a mí­dia e as telecomunicações tendem a duplicar as antigas relações orais e escriturais. Cabe notar que a polifonia que resultar disso não irá mais associar apenas vozes humanas, mas também vozes maquí­nicas com os bancos de dados, a inteligência artificial, as imagens de sí­ntese etc. A opinião e o gosto coletivo, por sua vez, serão trabalhados por dispositivos estatí­sticos e de modelização como os que são produzidos pela publicidade e a indústria cinematográfica;

2. as matérias-primas naturais vão se apagando aos poucos diante de uma imensidão de novos materiais fabricados por encomenda pela quí­mica (materiais plásticos, novas ligas, semicondutores etc.). O desenvolvimento da fissão nuclear e, amanhã, da fusão, nos permite prever uma ampliação considerável dos recursos energéticos, a não ser que este desenvolvimento conduza a desastres irreversí­veis causados por poluição! Aqui, como em tudo mais, isto dependerá das capacidades de reapropriação coletiva dos novos Agenciamentos sociais;

3. com a temporalidade introduzida pelos microprocessadores, quantidades enormes de dados e de problemas podem ser tratados em lapsos de tempo `minúsculos, de modo que as novas subjetividades maquí­nicas não páram de adiantar-se aos desafios e aos problemas com os quais se confrontam;

4. a engenharia biológica, por sua vez, abre caminho para uma remodelação das formas vivas que pode levar a modificações radicais das condições de vida no planeta e, conseqüentemente, de todas as referências etológicas e imaginárias que lhe são aferentes.

A questão que volta aqui, de maneira lancinante, consiste em saber porque as imensas potencialidades processuais trazidas por todas essas revoluções informáticas, telemáticas, robóticas, biotecnológicas, dos escritórios [bureautiques]… até agora só fizeram levar a um reforço dos sistemas anteriores de alienação, a uma mass-midiatização opressiva e a polí­ticas consensuais infantilizantes. O que irá permitir que estas potencialidades desemboquem enfim numa era pós-mí­dia, que as livre dos valores capitalí­sticos segregativos e crie condições para o pleno desabrochar dos esboços atuais de revolução da inteligência, da sensibilidade e da criação? Diversos tipos de dogmatismo pretendem encontrar uma saí­da para esses problemas, afirmando violentamente uma dessas três vozes capitalí­sticas, em detrimento das outras duas. Há aqueles que sonham, em matéria de poder, em voltar í s legitimidades dos velhos tempos, í s circunscrições bem delimitadas de povo, de raça, de religião, de casta, de sexo… Paradoxalmente, os neo-stalinistas e os social-democratas, que não conseguem pensar o socius senão no quadro de uma inserção rí­gida no seio das estruturas e das funções estatais, têm que ser classificados nessa categoria. Há aqueles cuja fé no capitalismo leva a justificar todas as devastações da modernidade – no homem, na cultura, no meio ambiente… – porque estimam que, em última instância, eles serão portadores de benefí­cios e progressos. Há aqueles, enfim, que por seus fantasmas de liberação radical da criatividade humana acabaram sendo relegados a uma marginalidade crônica, a um mundo de ilusões, ou os que voltaram a buscar refúgio atrás de um socialismo ou de um comunismo de fachada.

Cabe a nós, ao contrário, tentar repensar estas três vozes em sua necessária intricação. Nenhum engajamento nos Phylum criadores da terceira voz é sustentável sem que se criem, ao mesmo tempo, novas territorialidades existenciais que, por não serem mais da alçada de um etos pós- carolí­ngio, nem por isso deixam de apelar para disposições protetoras em relação í  pessoa, ao imaginário e í  constituição de um meio ambiente de suavidade e dedicação. Quanto aos megaempreendimentos da segunda voz, as grandes aventuras coletivas industriais e cientí­ficas e a gestão dos grandes mercados de saber, é evidente que eles continuam conservando toda sua legitimidade, mas com a condição de que sejam redefinidas suas finalidades, pois eles permanecem desesperadamente surdos e cegos í s verdades humanas. É possí­vel pretender ainda que sua finalidade seja somente o lucro? Seja como for, a finalidade da divisão do trabalho, assim como a das práticas sociais emancipadoras, terá que acabar recentrando-se num direito fundamental í  singularidade, numa ética da finitude, tanto mais exigente em relação aos indiví­duos e í s entidades sociais, quanto menos capaz ela for de fundar seus imperativos em princí­pios transcendentes. Vê- se aqui que os Universos de referência ético-polí­ticos são chamados a se instaurar no prolongamento dos universos estéticos, sem que por isso alguém esteja autorizado a falar aqui em perversão ou sublimação. Pode-se notar que os operadores existenciais que incidem sobre essas matérias ético-polí­ticas, da mesma forma que os operadores estéticos implicam passagens inevitáveis por pontos de ruptura de sentido, por engajamentos processuais irreversí­veis, cujos agentes são geralmente incapazes de prestar contas a quem quer que seja, nem mesmo a si próprios, o que inclusive os expõe a riscos de loucura. Só uma tomada de consciência da terceira voz, no sentido da auto-referência – a passagem da era consensual midiática a uma era dissensual pós-midiática – permitirá a cada um assumir plenamente suas potencialidades processuais e fazer, talvez, com que esse planeta, hoje vivido como um inferno por quatro quintos de sua população, transforme-se num universo de encantamentos criadores.

Imagino que esta linguagem possa soar oca a muitos ouvidos blasés, e que os menos mal intencionados podem tachar meus propósitos de utópicos. Sim, a utopia hoje não está bem cotada, mesmo quando ela adquire uma carga de realismo e de eficiência como a que lhe confere os Verdes na Alemanha. Mas não nos enganemos: o interesse por estas questões de produção de subjetividade não se limita mais apenas a um punhado de iluminados. Olhem bem o Japão, modelo dos modelos das novas subjetividades capitalí­sticas! Ainda não se frisou suficientemente, que um dos ingredientes essenciais do coquetel-milagre que se apresenta aos visitantes no Japão, consiste no fato de que a subjetividade coletiva, que lá é produzida massivamente, associa componentes os mais hi-tech a arcaí­smos herdados de tempos imemoriais. Aqui também encontramos a função reterritorializante de um monoteí­smo ambí­güo – o Xintoí­smo, mistura de animismo e de potências universais – que contribui para o estabelecimento de uma fórmula maleável de subjetivação a qual, é verdade, nos leva para bem longe da épura triádica das vias cristãs-capitalí­sticas. Seria preciso investigar melhor!

Mas consideremos, num outro extremo, o caso do Brasil. Está aí­ um paí­s onde os fenômenos de reconversão das subjetividades arcaicas tomaram um rumo inteiramente diferente. Sabe-se que considerável parcela da população brasileira vegeta numa tal miséria que escapa, de fato, í  economia monetária, o que não impede que sua indústria seja classificada em sexto lugar entre as grandes potências ocidentais. Nessa sociedade dual – e como! -, assistimos a uma subjetividade sendo duplamente varrida: de um lado, por uma onda ianque bastante racista – por mais que isto desagrade a alguns – que é veiculada por uma das mais potentes redes televisivas do mundo e, de um outro lado, por uma onda de caráter animista com religiões sincréticas como o candomblé, mais ou menos herdadas do fundo cultural africano, e que tendem a sair de seu acantonamento originário do seio das populações negras, para contaminar o conjunto da sociedade, inclusive os meios mais abastados do Rio e de São Paulo. É impressionante ver o quanto, nesse contexto, a impregnação mass-midiática precede a aculturação capitalí­stica. E sabem o que aconteceu quando o presidente Sarney quis dar um golpe decisivo na inflação que tinha chegado a 400 % ao ano? Ele foi í  televisão, brandiu um papel diante das câmaras e declarou que a partir do instante em que ele assinasse o decreto-lei que tinha em mãos, cada espectador que o assistia naquele momento seria seu representante pessoal e teria o direito de denunciar os comerciantes que remarcassem os preços, o que podia até dar cadeia. Parece que este foi um tempo tremendamente eficaz. Mas a que preço de regressão em matéria de direito!

O impasse subjetivo do capitalismo da crise permanente (o Capitalismo Mundial Integrado) parece total. Ele sabe que as vozes de auto-referência são indispensáveis para sua expansão e portanto para sua sobrevivência; no entanto, tudo o leva a refrear sua proliferação. Uma espécie de Superego – a voz grossa carolí­ngea – não sonha senão em esmagar essas vozes, reterritorializando-as em suas imagens arcaicas. Mas, para procurar sair desse cí­rculo vicioso, tentemos agora ressituar nossas três vozes capitalistas em relação í s coordenadas geopolí­ticas em uso para hierarquizar os grandes conjuntos subjetivos em primeiro, segundo e terceiro mundo. Para a subjetividade do Ocidente cristão tudo era (e, inconscientemente, continua sendo) simples: ela não sofre nenhum enquadramento, nem de latitude, nem de longitude. Ela é o centro transcendente em torno do qual tudo é suposto girar. As vozes do Capital, por sua vez, não pararam de avançar, primeiro em direção ao Oeste, atrás de inapreensí­veis “novas fronteiras” e, mais recentemente, em direção ao Leste, na conquista de tudo aquilo em que se transformaram os antigos impérios asiáticos – inclusive a Rússia. Só que essa corrida enlouquecida chega a seu termo com a Califórnia de um lado e o Japão do outro. A segunda voz do Capital está encerrada, o mundo se fechou e o sistema está saturado. (A última potência que irá percebê-lo será sem dúvida a França, agarrada em seu atol de Mururoa!)ó. A conseqüência, disto é que talvez seja no eixo Norte-Sul que vai estar em jogo o destino da terceira voz da auto-referência: é o que eu gostaria de chamar de “compromisso bárbaro”. O antigo limes de delimitação da barbárie desagregou-se irremediavelmente, desterritorializou- se. Os últimos pastores do monoteí­smo perderam seus rebanhos, pois a nova subjetividade não é mais de natureza a poder ser reunida. E, aliás, agora é o Capital que começa a explodir em polivocidade animista e maquí­nica. Não seria uma virada fabulosa que as velhas subjetividades africanas, pré-colombianas, aborí­genes… se tornassem o recurso último da reapropriação subjetiva da auto-referência maquí­nica? Aqueles mesmos negros, í­ndios, oceânicos dos quais tantos ancestrais escolheram a morte ao invés da submissão aos ideais de poder, de escravismo e, depois, de cambismo, da cristandade e do capitalismo?

E, para terminar, espero que o leitor não me faça objeções pelo caráter um tanto exótico de meus dois últimos exemplos. Mesmo num paí­s do Velho Continente como a Itália, constata-se que há alguns anos, no seio do triângulo Norte-Leste-Centro, uma imensidão de pequenas empresas familiares começaram a viver em simbiose com os ramos industriais de ponta da eletrônica e da telemática. Isso chega ao ponto de que se uma Silicon Valley í  italiana tiver que surgir, será graças í  reconversão de arcaismos subjetivos, que têm sua origem nas antigas estruturas patriarcais daquele paí­s. E talvez não seja do desconhecimento do leitor que alguns prospectivistas, que não são absolutamente fantasistas, pretendem que certos paí­ses mediterrâneos como a Itália e a Espanha, estão sendo levados a superarem, em alguns decênios, os grandes pólos econômicos da Europa setentrional. Então, vejam, em matéria de sonho e de utopia, o futuro permanece amplamente aberto. Meu anseio é que todos aqueles que continuam ligados í  idéia de progresso social – para quem o social não se tornou um engodo, uma “aparência” – se debrucem seriamente sobre essas questões de produção da subjetividade. A subjetividade de poder não cai do céu; não está inscrito nos cromossomos que as divisões do saber e do trabalho devem necessariamente levar í s terrí­veis segregações que a humanidade conhece hoje. As figuras inconscientes do poder e do saber não são universais, elas estão,ligadas a mitos de referência profundamente ancorados na psique, mas que também podem ser inflectidos em direção a vias liberadoras. A subjetividade permanece hoje massivamente controlada por dispositivos de poder e de saber que colocam as inovações técnicas, cientí­ficas e artí­sticas a serviço das mais retrógradas figuras da socialidade. E, no entanto, é possí­vel conceber outras modalidades de produção subjetiva – estas processuais e singularizantes. Essas formas alternativas de reapropriação existencial e de autovalorização podem tornar- se, amanhã, a razão de viver de coletividades humanas e de indiví­duos que se recusam a entregar-se í  entropia mortí­fera, caracterí­stica do perí­odo que estamos atravessando.

Tradução de Suely Rolnik

NOTAS

1. Texto enviado por Guattari ao Colégio Internacional de Estudos Filosóficos Transdisciplinares, para integrar a publicação de um número da revista 34 Letras sobre o tema da Pós-Modernidade. Esta publicação, no entanto, acabou não ocorrendo por conta do desaparecimento da revista. O texto foi editado pela primeira vez na revista Chimí¨res – Revue des Schizoanalyses (n. 4, inverno 1987-1988; pp. 27-44) e reeditado como “Liminar”, no livro de Guattari Cartographies Schizoanalytiques ( Galilée, Paris, 1989; pp. 9-25). (N. da Ed.)

2. Nano-segundo: dez elevado a menos nove segundos; pico-segundo: dez elevado a menos doze segundos. Sobre todos os temas prospectivos aqui evocados, cf. “Rapport sur l’état de Ia technique” C.P.E., número especial de Science et téchnique, dirigido por Thierry Gaudin. (N. do A.)

3. Atol no Pací­fico que pertence í  França e é base de suas experiências nucleares. ( N. da T.)


Fonte: GUATTARI, Félix. Da produção da subjetividade. In.: PARENTE, André (Org.). Imagem-máquina: a era das tecnologias do virtual. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1996.